sábado, 17 de dezembro de 2011

REUNIÃO DOS PROCESSOS: DEVER OU FACULDADE DO JUIZ?


          Uma questão bastante controvertida em matéria de reunião de processos é o caráter imperativo ou facultativo da dicção do artigo 105, quando prescreve que o juiz "pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente".

          A jurisprudência é farta em julgados que asseveram, ora uma, ora outra posição. Entendendo que a reunião dos processos é faculdade e não dever, temos os seguintes julgados:

          Competência - Conexão - Reunião dos Processos - Faculdade do Juiz
          - A reunião de ações referida no art. 105 do CPC constitui faculdade, e não ato obrigatório do Juiz. Se ao Juiz é facultado julgar apenas uma das ações já reunidas, com muito maior razão poderá decidir somente uma das ações tidas como conexas e não reunidas. (MS 125.339, 25.3.81, 5ª C 2º TACSP, Rel. Juiz Mariz de Oliveira, in RT 553/156).
A reunião das ações em caso de conexão ou continência, prevista no art. 105 do CPC, não é obrigatória, é faculdade do Juiz para evitar decisões contraditórias. Portanto, onde não ocorre este risco, é incensurável a decisão do magistrado que nega a junção de processos. (Ap. 509/76, 12.5.76, 1ª CC TAPR, Rel. Juiz Maximiliano Stasiak, in RT 499/222).
          Não é pacífico o entendimento acerca da regra do art. 105 do CPC, no sentido de seu alcance ou seja, se a determinação legal em questão traduz dever ou simples faculdade atribuída ao Juiz. Todavia, é ligeiramente majoritária a posição segundo a qual a reunião em caso de conexão não é obrigatória, mas, ao contrário, ditada pelas circunstâncias. (Ap. 143.423, 26.10.82, 3o Gr. Câms. 2º TACSP, Rel. Juiz Borelli Machado, in RT 573/194, em.).
          A faculdade judicial prevista no art. 105 do estatuto processual básico, exerce-se tendo em consideração a compatibilidade procedimental, quer em virtude do rito das causas conexas, quer em virtude do estado em que cada uma delas se encontre. (AI 327.634, 28.6.84, 1ª C 1º TACSP, Rel. Juiz Marco César, in JTA 92/6).

          Em sentido contrário, porém, não faltam julgados assinalando que o juiz, presentes as condições autorizadoras da reunião dos processos, estará obrigado a fazê-lo, posto que não dispõe de faculdade, mas de dever, ou, quando muito, que a regra, embora facultativa, deve ser observada para que os processos sejam reunidos:

         Configurada a conexão de causas, devem estas ser reunidas, para se evitarem decisões conflitantes e para se observar a economia processual. (AI 138.748, 18.11.81, 9ª C 2º TACSP Rel. Juiz Joaquim de Oliveira, in RT 557/154).
          Embora, de regra, seja facultativa a reunião de processos, na melhor inteligência do art. 105 do CPC, para evitar possíveis julgamentos contraditórios, é imperativa a medida quando houver embargos do devedor decorrentes de execução proposta na pendência de ação de nulidade de títulos executivos que a instruem, se a nulidade é alegada também na oportunidade dos embargos. (Ap. 1791/88, 1ª TC TJMS, Rel. Des. Rubens Bergonzy Bossay, in DJMS 2387, 1.9.88, p. 4).
          Regra de conexão que não é processualmente cogente, para o Juiz, embora o seja como preceito obrigatório de Justiça material. Forte presunção de conexão que impedia o julgamento antecipado da lide. (MS 38.750. 4.3.76, 5ª C 2º TACSP, Rel. Juiz Bueno Magano, in JTA 43/195).

          Interessante, quanto a este ponto, examinarmos os posicionamentos defendidos pela doutrina, que revelam a indefinição conceitual da suposta faculdade insculpida no artigo 105 do CPC.

          Para CELSO AGRÍCOLA BARBI, o artigo 105 "tem a mesma impropriedade de redação já observada no comentário ao artigo 102, porque usa, em relação ao juiz, o verbo poder, parecendo, assim, que é faculdade sua atender ou negar o pedido. Mas, como já se viu nos citados comentários, o juiz, quando houver conexão, tem o dever legal de mandar reunir as várias ações. Este dever ele o exercerá a pedido das partes ou mesmo de ofício, como está no art. 105".

          Inicialmente trilhando a mesma linha de entendimento, ARRUDA ALVIM narra sua mudança de posição acerca do sentido encerrado no dispositivo legal citado, entre uma e outra edição de sua obra:

          Sustentamos, na 1a edição desta obra (vol. I/184), que o vocábulo "pode" do art. 105 era impróprio, uma vez que, desde que constatados os pressupostos da conexão, era inexorável a reunião de processos. Então, haver-se-ia de entender, esse "pode" como significado "deve", não ocorrente qualquer margem de avaliação, ou mais precisamente, de latitude maior para interpretação. No entanto, quer nos parecer que o correto é o entendimento que decorre até da mera interpretação gramatical mesma do texto, ou seja, o juiz pode, tendo-lhe conferido margem mais lata de interpretação (= avaliação concreta do grau de conexão e da utilidade da reunião das causas). Se a interpretação precedente tinha algum sentido, colimando corrigir o texto legal, a realidade é que tão grande é a diversidade dos tipos de influência recíproca, de uma causa na outra (isto é, da decisão de uma na outra, e vice-versa), que mais operativo e funcional é se reconhecer certa margem de liberdade ao juiz para que decida, de uma ou de outra forma, diante das circunstâncias caracterizadoras de cada caso concreto".

          Pode-se concluir, portanto, que a indefinição deve prevalecer por algum tempo, até que o legislador, atento ao problema, venha a remodelar o preceito legal, para evitar a dubiedade interpretativa.

          Ao que nos parece, a tendência da doutrina e da jurisprudência caminham para a interpretação segundo o sentido literal do verbo poder, como faculdade atribuída ao juiz, dentro de sua estreita discricionariedade na condução do processo.

         O que se verifica, no entanto, em todas as varas cíveis, seja no âmbito da Justiça Estadual ou Federal, é a tramitação de ações dispersas, quando poderiam ser reunidas por preencherem os requisitos autorizadores, nas figuras da conexão e da continência.

          Vejamos a propósito a observação do Professor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, acerca da multiplicidade de litígios entre um mesmo contribuinte e o mesmo ente tributante: "Outro aspecto, esse ainda pouco versado, é o da ampliação objetiva dos julgados, de modo a colher feixes de situações jurídicas do mesmo sujeito e oferecer, numa única decisão, solução abrangente para todas elas. É o que se dá em causas tributárias, com pretensões fiscais que se repetem de modo sempre igual, relativamente a fatos geradores homogêneos, com a tendência dos tribunais examiná-las uma a uma. Constitui imposição dos tempos e das modernas tendências metodológicas do direito processual a admissão de demandas bem amplas, capazes de pacificar para o presente e para o futuro e de evitar as incertezas de julgados conflitantes em torno de uma tese jurídica só" .

          Não bastasse essa tendência, de multiplicação de ações idênticas entre as mesmas partes, é de observar-se a regra que se institucionalizou no sentido de limitar o pólo passivo da relação processual, no que tange ao número de autores.

          Sob a justificativa de que um pólo passivo superior à média de 10 litigantes poderia dificultar a atuação jurisdicional, convencionou-se tal número como máximo, pervertendo-se a regra processual que determina a reunião das ações e lançou-se por terra o princípio da economia processual, permitindo, cada vez mais, decisões conflitantes no bojo de processos caros e onerosos quanto à produção de provas.

         A modernidade contribuiu negativamente para esse quadro. Os computadores pessoais, capazes de reproduzir petições iniciais, contestações e sentenças, às centenas, num único dia, a despeito de facilitarem a atividade dos operadores do Direito, contribuíram para institucionalizar a proliferação de ações esparsas, de decisões esparsas, de multiplicadas custas processuais, de multiplicidade de documentos idênticos, juntados aos milhares em processos separados, que pela identidade de objeto poderiam ser reunidos e sentenciados em um único ato, produzindo-se uma só prova, com um só custo e reduzidíssimos atos processuais.

          Aí sim, teríamos uma justiça desemperrada, célere e eficaz. Poder-se-ia pensar, a partir de um modelo estabelecido conforme as leis processuais vigentes, plenamente observadas, em garantia plena de acesso à justiça e em efetividade do processo, cumprindo este seu papel instrumental de dar guarida ao direito material.

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