sábado, 17 de dezembro de 2011

As ilegalidades que pairam sobre os casos de fechamento de estradas e rodovias por grupos ou movimentos representativos.

INTRODUÇÃO
         
           Manifestações em vias públicas sempre foram e certamente ainda constituirão mecanismos para exercício da cidadania, destacando-se como meio de expressão de idéias ou, com maior intensidade, de reivindicações e protestos.
          Ocorre que, não bastasse a necessidade de atendimento a diversos regramentos legais para a escorreita fruição desse direito, tem-se que está a ocorrer não apenas uma deturpação do uso das vias pública (com fechamento ilegal de estradas e rodovias), como também se verifica uma crescente ocorrência dessas manifestações nos dias atuais.
          Assim, observa-se uma onda de determinados movimentos ou grupos que, ao seu alvitre, fecham estradas e rodovias, impedindo a circulação de pessoas e bens, causados transtornos e prejuízos passíveis de ações judiciais e, ainda, incidência em diversos tipos penais, merecedores de maior resposta estatal (o que não está a ocorrer).

DO DIREITO DE CIRCULAÇÃO
          A Constituição Federal, em seu art. 5º, dispõe:
          "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:
          I – omissis;
          II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
          III a XIV – omissis;
          XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens (...)": (grifos não constantes no original)
          O professor ALEXANDRE DE MORAES, ao comentar o inciso XV, da Constituição Federal, estampa:
          "O direito à liberdade de locomoção resulta da própria natureza humana, como já salientado por Pimenta Bueno, em comentário à Constituição do Império, onde ensinava que "postou que o homem seja membro de uma nacionalidade, ele não renuncia por isso suas condições de liberdade, nem os meios reacionais de satisfazer suas necessidades e gozos. Não se obriga ou reduz à vida vegetativa, não tem raízes, nem se prende à terra com escravo ao solo. A faculdade de levar consigo os seus bens é um respeito devido ao direito de propriedade". Esse raciocínio é complementado por Canotilho e Moreira, ao afirmarem que ‘a liberdade de deslocação interna e de residência e a liberdade de deslocação transfronteiras constituem, em certa medida, simples corolários do direito à liberdade’, e por Paolo Barile, que relaciona esse direito com a própria dignidade e personalidade humanas." [1]
          O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503/97), em seu art. 1º, estabelece:
          "Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.
          § 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
          (...)
          Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais."
          O direito à circulação está estampado, deste modo, na Constituição Federal e legislação ordinária em vigor, como direito do brasileiro ou estrangeiro no país.
          ARNALDO RIZZARDO sobre o tema leciona:
          "(...) tão importante tornou-se o trânsito para a vida nacional que passou a ser instituído um novo direito, ou seja, a garantia a um trânsito seguro. Dentre os direitos fundamentais, que dizem com a própria vida, como a cidadania, a soberania, a saúde, a liberdade, a moradia e tantos outros, proclamados no art. 5º da Constituição Federal, está o direito ao trânsito seguro, regular, organizado, planejado, não apenas no pertinente à defesa da vida e incolumidade física, mas também relativamente à regularidade do próprio trafegar, de modo a facilitar a condução dos veículos e a locomoção das pessoas." [2]
          Mesmo antes de haver doutrina entendendo haver instituto especial para a circulação e trânsito, como acima exposto, já era comum tratar a questão como de interesse difuso (ou de todos), em razão de haver uso de bem público.
          Regra o Código Civil, em seu art. 99:
          "Art. 99. São bens públicos:
          I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; (...)" (grifos não constantes no original)
          A Professora ODETE MEDAUAR aponta:
          "Os bens públicos devem ter destinação que atenda ao interesse público, de modo direto e indireto (...) Sob vários os critérios que podem ser classificados os bens públicos. (...) Quanto aos aspectos geográficos, são os seguintes: bens terrestres (exemplo: ruas, edifícios, estradas) (...)." [3] (grifos não constantes no original)
          E continua:
          "Típico desses bens é a utilização geral, realizada por pluralidade de pessoas não individualizadas." [4]
          GUSTAVO TEPEDINO, HELOÍSA HELENA BARBOSA e MARIA CELINA BODIN DE MORAES, no estudo de referido artigo, concluem:
          "Os bens de uso comum do povo são aqueles que qualquer pessoa, cumprindo os regulamentos, pode utilizar." [5]
           
          O mestre HELY LOPES MEIRELLES, por sua vez, apresenta:
          "No uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade – ‘uti universi’ -, razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele decorrentes. Pode-se dizer que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo." [6]
          Deste modo, vê-se que estradas são bens de uso comum do povo que, por sua vez, têm como usuários pessoas indeterminadas, pessoas essas que se são em verdade detentores do direito de uso e circulação (conforme regra a Constituição Federal e Código de Trânsito Brasileiro), podendo cobrar dos órgãos públicos e do poder judiciário medidas quando seus direitos forem violados, como por exemplo houver embaraço ao livre exercício de circulação e trânsito.
DA EXIGIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA LEI
          Reportando-se ao Código de Defesa do Consumidor, precisamente seu art. 81, I, tem-se que os interesses ou direitos difusos são os "os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato."
          A transindividualidade significa que se trata de um direito ou de um interesse que ultrapassa a individualidade, indo além de cada indivíduo singularmente considerado.
          A natureza indivisível, conforme semântica notória, significa que não pode ser dividido.
          Esse direito tem titulares, que são, no entanto, indeterminados, ou seja, não podem ser individualizados, em concreto, senão na sua conformação como componente do grupo.
          Por fim, essas pessoas devem estar ligadas por circunstâncias de fato (situação de fato).
          Nessa linha de pensamento, em caso de violação ao direito de circulação, será possível manifestação individual ou coletiva visando o exercício desse direito, assegurado pela norma maior do país, seja em esfera administrativa ou jurídica (Constituição Federal, art. 5º, XXXIV e XXXV).
          A norma constitucional deve sempre buscar a máxima efetividade, atendidas as diferentes naturezas e bem jurídicos tutelados.
          No caso, sendo a efetividade o termômetro da eficácia da norma, e, buscando-se a concretização dessa eficácia, que é o direito que todos as pessoas têm de circular e trafegar por vias públicas, não pode haver obstáculos jurídicos à satisfação da norma.
          O dever contido na Constituição enseja rigoroso e imediato cumprimento, sob pena de se aceitar a possibilidade de manutenção de meros direitos formais, quando a natureza do Estado Democrático de Direito enseja legitimação material da Constituição.
          A permanente tensão existente entre norma e realidade deve ser analisada não como óbice ao cumprimento do dever legal; mas, sim, como fator de observação para procura de instrumentos e técnicas de melhor atendimento e eficácia da norma.
          A provocação do Judiciário pelo cidadão visa, então, à obtenção de dois resultados de naturezas distintas e harmônico-dependentes: cobrar a efetividade da norma garantidora de seu direito e, ainda, alcançar o amparo devido através da concretização da eficácia dessa norma.
          Ao tecer comentários sobre o histórico constituinte da Constituição Federal de 1998, BONAVIDES e ANDRADE destacam a importância da atuação do próprio cidadão para manutenção dos direitos adquiridos e nela hoje estampados, afirmando:
          "(...) apesar de sua importância decisiva, faz-se mister sempre lembrar que a lei básica é princípio formal: cabe ao cidadão zelar para que ela seja cumprida." [7]
          E continuam:
          "para que isso aconteça, urge que a sociedade esteja organizada para defender os princípios que consagrou em sua Constituição."
          CLÁDIA MARIA BERÉ, em tese apresentada no III Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, destacou:
          "O trânsito e o transporte têm se revelado mazelas urbanas. Não importa se o deslocamento das pessoas é feito a pé, de bicicleta, de motocicleta, de automóvel, de ônibus ou de metrô: todos enfrentam dificuldades, que vão de calçadas mal conservadas, com buracos e obstáculos, vias esburacadas, congestionamentos e falta de segurança a transporte coletivo de má-qualidade, lotado, caro. (...) Logo, é evidente a abrangência do interesse pela circulação urbana, questão que, de um modo ou de outro, afeta indistintamente todos os moradores da cidade. E o reflexo das questões relativas à circulação sobre a qualidade de vidas das pessoas tem feito com que, muitas vezes, cheguem ao Ministério Público representações ligadas a esse assunto. Importa, pois, justificar a atuação ministerial quanto às questões referentes à circulação." [8]
          Assim, é mister que haja pelo Poder Judiciário a determinação do cumprimento da lei pelos transgressores que, em outras palavras, pode ser dito como determinar que os transgressores cumpram o regramento normativo que estabelece seu dever de respeitar as normas democraticamente criadas para a regulamentação da vida em sociedade e, por tal desiderato, permitir a todos os cidadãos o exercício de seus direitos, de forma integral e eficiente, consubstanciada no direito de trafegar e circular pelas vias públicas de acesso, ou seja, pelas estradas e rodovias do país.

DAS TIPIFICAÇÕES PENAIS INCIDENTES
          Constata-se, nessa prática de fechamento de estradas e rodovias, a exteriorização de diversas condutas que, claramente, constituem ilícitos penais.
          Infelizmente, essas configurações de crime ou não são corretamente observadas por boa parte dos agentes públicos ou, então, são propositadamente deixadas de lado, situações que vêm fomentando o sentimento de impunidade e balbúrdia.
          Esses grupos, em geral sob siglas ou ao pálio de certa representatividade (vide movimentos que postulam terra, movimento de produtores, união de moradores, sindicatos, grupos indígenas, associações, ONGs, etc), estão a incorrer em diversas figuras penais, as quais se passa a expor.
          A Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei n.º 3.688/41), em seu art. 19, determina:
          "Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
          Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente."
          É comum observar, durante boa parte dessas manifestações, geralmente praticadas por grupos que se dizem ligados a questões agrárias, o uso ostensivo de facões e foices, durante o fechamento de tais estradas e rodovias.
          Nesse aspecto, é preciso parar de aceitar a demagoga e repugnante retórica de que facões e foices seriam meros símbolos ligados às atividades rurais, posto que claramente utilizadas para intimidar motoristas e autoridades.
          O uso de tais facas, podões e foices, a toda evidência, constituem a contravenção supramencionada, já que caracterizadas como armas brancas, mormente por longe estarem dos fins a que se destinam.
          LCP, art. 31:
            " Art. 31. Deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso:
                  Pena – prisão simples, de dez dias a dois meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis.
                  Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:
                  a) na via pública, abandona animal de tiro, carga ou corrida, ou o confia à pessoa inexperiente;
                  b) excita ou irrita animal, expondo a perigo a segurança alheia;
                  c) conduz animal, na via pública, pondo em perigo a segurança alheia."
          Um aspecto que não pode ser olvidado é a prática, por alguns transgressores (sejam produtores ou sem terras), do uso de animais para embaraçar ou impedir a livre circulação de pessoas e veículos, conduzindo-os ou soltando-os em via pública.
          LCP, art. 37:
          "Art. 37. Arremessar ou derramar em via pública, ou em lugar de uso comum, ou do uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguém:
          Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
          Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, sem as devidas cautelas, coloca ou deixa suspensa coisa que, caindo em via pública ou em lugar de uso comum ou de uso alheio, possa ofender, sujar ou molestar alguém."
          Também é sabido que no fechamento de vias, também é costume os transgressores utilizarem óleos, água, tinta, etc, de modo a caracterizar o tipo acima.
          Adentrando em seara mais rígida, tem-se que o Código Penal, no art. 146, regra:
          "Constrangimento ilegal
          Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
          Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
          Aumento de pena
          § 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.
          § 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência."
          Aqui se verifica um crime que, infelizmente, está a ocorrer em constante crescimento em todo o país (nem se adentrará na discussão do aproveitamento de alguns para a prática de ‘saques’ ou ‘pilhagem’, que nada mais são do que crimes de furto ou roubo).
          O bradar de facas, facões e foices, inclusive batendo-os sobre carros e janelas de ônibus, intimidando os acuados motoristas que não têm como agir, impedidos assim de exercerem o direito constitucional de ir e vir, certamente caracteriza o crime de constrangimento ilegal em exame.
          Não são poucas vezes que se noticia (ou se constata) o modo de agir desses transgressores, com armas brancas nas mãos, ameaçando àqueles que tentar continuar seus trajetos ou almejam transpassar barricadas.
          Também é vista a constante ocorrência de violência, através de agressões físicas e arremesso de objetos contra as pessoas e/ou veículos (no mínimo dolo eventual para crimes contra a pessoa), impedindo-as de transitarem.
          Código Penal, art. 147:
          "Ameaça
          Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
          Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa."
          Não há necessidade de maiores comentários sobre a ocorrência e tipificação do crime em lume, pela clareza de sua disposição, amoldando-se as práticas (palavras e gestos ameaçadores, com fito de causar mal a alguém) à letra da lei.
          Código Penal, art. 148:
          "Seqüestro e cárcere privado
          Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:
          Pena - reclusão, de um a três anos.
          § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
          I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
          II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
          III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.
          IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
          V - se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
          § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
          Pena - reclusão, de dois a oito anos.
          Eis um dos crimes mais graves do ordenamento repressivo brasileiro e que, infelizmente, não tem sido observado como deveria, frente aos casos mencionados.
          Em alguns casos tem-se verificado que os transgressores impedem até mesmo os cidadãos de saírem dos veículos, amedrontando-os com ameaças e violências, restringindo ao máximo a liberdade de locomoção das pessoas.
          Nesses casos, é flagrante a ocorrência do crime de seqüestro, onde tem-se constatado determinados grupos privando motoristas e passageiros de suas liberdades, despojando-os do direito de ir e vir e de escolha sobre o lugar onde quer ficar.
          Código Penal, art. 262, art. 263 e art. 264:
          "Atentado contra a segurança de outro meio de transporte
          Art. 262 - Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento:
          Pena - detenção, de um a dois anos.
          § 1º - Se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos.
          § 2º - No caso de culpa, se ocorre desastre:
          Pena - detenção, de três meses a um ano.
          Forma qualificada
          Art. 263 - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258." [9]
          Art. 264. Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar.
          Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses.
          Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos; se resulta morte, a pena é a do art. 121, § 1o, aumentada de um terço.
          O delito em tela se verifica nos casos em que os transgressores agem frente aos ônibus de transporte de passageiros, impedindo-os, assim, de prestarem o serviço público a que se destinam. [10]
          Código Penal, art. 286:
          "Incitação ao crime
          Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
          Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa."
          A incitação ao crime é constatada com certa freqüência nos casos de fechamento de vias públicas, já que se percebe o aproveitamento de aglomerações de pessoas para a indução, instigação, provocação ou estimulo aos crimes acima expostos, iniciando a idéia da transgressão ilícita ou corroborando com sua ocorrência, já tendo ela previamente sido delineada por outrem.
          Código Penal, art. 287:
          "Apologia de crime ou criminoso
          Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:
          Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa."
          Como a figura penal em comento retrata a ação do agente que publicamente faz discurso de defesa ou louvor a fato criminoso, facilmente perceptível a ocorrência do delitos em vários momentos de fechamento de via pública por determinados grupos ou indivíduos, através de líderes ou presidentes desses grupos.
          Código Penal, art. 288:
          "Quadrilha ou bando
          Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
          Pena - reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)
          Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado."
          Conforme ficou demonstrado durante as digressões acima, além do fechamento da via pública configurar crime e os métodos utilizados para referido mister também assim o configurarem, tem-se que os indivíduos que se associam para tais práticas estão a escancarar o delito em testilha, mormente quando são grupos organizados e pré-ajustados para as delinqüências destacadas.
          CP, art. 348:
          "Favorecimento pessoal.
          Art. 348. Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:
          Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa."
          O delito em tela visa a coibir a conduta, também freqüente, daqueles que auxiliam a ‘esconder’ ou ocultar o(s) autor(es) dos delitos já mencionados. Costuma ocorrer com a subtração dos líderes por parte dos demais comparsas.
          Por fim, por um fator específico que tem sido constatado em diversos casos de fechamento de vias públicas, não se poderia olvidar delitos específicos para o uso de crianças, sendo colocados geralmente na frente das barricadas, exposta a constrangimentos e riscos das mais variadas ordens.
          Código Penal, art. 132:
          "Perigo para a vida ou saúde de outrem.
          Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente:
          Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave."
          O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus art. 232, dispõe:
          "Art.232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento.
          Pena – detenção de seis meses a dois anos."
          E, ainda, há a Lei n. 2.252/54:
          "Art. 1o Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de mil cruzeiros a dez mil cruzeiros, corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando infração penal ou induzindo-a a praticá-la."
          Esse último delito se refere aos menores de idade que, juntamente com os maiores, enveredam-se pelas infrações penais expostas acima, muitas vezes arrebatadas pelos grupos como forma de tentar inibir ação policial repressiva por meio de consternação de populares ou setores de defesa da infância e juventude.

DO PROCEDIMENTO A SE ADOTAR PARA PUNIÇÃO DOS TRANSGRESSORES
          É impressionante como há, além da precariedade da estrutura estatal para a correta aplicação da lei nos casos elencados, falta de vontade de agir por parte de determinados ‘setores’, que sequer se valem dos meios então disponíveis.
          Se é certo que a esgarçada máquina estatal não consegue muitas vezes fazer valer seu poder ante a falta de condições materiais e humanas (falta de viaturas, policiais, acesso precário, etc), também é certo que há uma dose de falta de atitude e empenho por parte de determinados aplicadores da lei.
          Uma delas é a falta de orientação às forças policiais para o devido enquadramento legal das condutas constatadas, havendo freqüentemente falta de entendimento da configuração dos delitos já apontados, por ausência de capacitação específica.
          Outra questão que corrobora com a crescente onda desses tumultos, é a inaceitável "postura observadora" com que muitas vezes atuam, não enfrentando a situação, simplesmente "assistindo a ocorrência dos crimes."
          Há de se afastar essa estória de que o fechamento de estradas e rodovias é aceitável.
          Verificando a ocorrência dos crimes apresentados, há de se fazer valer o poder de polícia estatal, prendendo os transgressores e fazendo restaurar a normalidade, nem que para isso tenha que haver confronto direto com os criminosos.
          Se há ocorrência de flagrante delito, não é preciso ser expert em legislação processual penal para saber que há possibilidade/dever de prisão em flagrante (dever de agir, para a polícia, nos termos do Código de Processo Penal), bem como condução coercitiva para os que se negarem (nos delitos de menor potencial ofensivo) a acompanharem os policiais até a Delegacia de Polícia (por patente entrada em flagrante do crime de desobediência).
          A prisão e autuação dos transgressores não deve ser apenas dos seus chamados mentores e, sim, a todos os envolvidos.
          Dispõe o Código Penal, art. 29:
          "Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade."
          Assim, todos que de certa forma colaboram, sejam fisicamente ou através de suas maquinações intelectivas, deverão responder pelos ilícitos acima expostos.
          A diferença é que aos líderes e coordenadores haverá a incidência da agravante do art. 62. [11]
          Nesse aspecto, deve-se fazer um parêntese para dizer que é comum haver "ordem" ou "determinação" de determinado "líder" ou "presidente" em determinados fechamentos, inclusive com orientação dos meios a serem tomados. Nesse aspecto, ainda que o fechamento ocorra em Mato Grosso do Sul, Pernambuco, São Paulo, ou qualquer outro lugar, e o denominado líder se encontrar no Rio Grande do Sul, Distrito Federal, etc, deverá sim ser responsabilizado pela condutas criminosas exteriorizadas, uma vez verificado o liame do delito e sua atuação.
          Outra questão que deve ser vista é a omissão de repressão por falta de ação de comando das forças policiais, muitas vezes em situação de ‘pressão política’ e, assim, levados a atitudes morosas e expectadora.
          Nesse ponto, deve-se chegar a um basta a aceitação desse estado de coisas, havendo de se responsabilizar todos os omissos.
          O Código Penal, em seu art. 319, regra:
          Prevaricação.
          "Art. 319. Retardar ou deixar de praticar indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
          Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa."
          Nos casos de determinação judicial, caso não haja pronto atendimento para desobstrução das vias públicas e prisão dos transgressores, esses agentes públicos devem ser também responsabilizados:
          Desobediência
          "Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
          Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa."
          Há casos absurdos de não cumprimento de determinações judiciais, em que simplesmente se alega que não teria ocorrido autorização da Secretaria de Segurança Pública.
          Ora, onde está regrado no ordenamento jurídico pátrio que a Secretaria de Segurança Pública é quem decide sobre o cumprimento de uma decisão judicial? E mais, como poderia uma pasta administrativa deter o poder de, acima da Constituição Federal e lei federal, estabelecer quando haveria ou não prisão em flagrante?
          Nesses casos, sabendo os agentes públicos que tais ingerências são ilegais, também estão a cometer os crimes de prevaricação ou desobediência, não se podendo aceitar tamanha violação dos mecanismos legais que regem a vida em sociedade, nos moldes traçados pela Constituição Federal.
          Certamente, na responsabilização dos omissos, surgiram os autores das ‘determinações políticas’ de descumprimento das ordens judiciais ou das omissões frente aos delitos evidenciados. Nesse ponto, além de também terem de ser enquadrados nas figuras criminais apresentadas acima, por também certamente estarem ligadas a vida pública, poderão eventualmente ser responsabilizados nos termos da Lei n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) [12], Lei n.º 1.079/50 (Crimes de Responsabilidade) e regramentos administrativos específicos, dependendo de sua colocação (cargos, funções, etc) na estrutura administrativa do Estado.

CONCLUSÃO
          A liberdade de pensamento garantida pela Constituição Federal (art. 5º, IV) não ampara práticas ilícitas e que atentam sobremaneira contra as demais liberdades (CF, art. 5º, II) e ao direito de ir e vir (CF, art. 5º, XIV) das pessoas, muitas vezes com compromissos e saúde prejudicados por abusos como assim o são os fechamentos de estradas e rodovias por determinados grupos.
          O Estado Democrático de Direito não pode ser conspurcado por determinados grupos ou segmentos da sociedade, devendo os cidadãos e o Estado tomarem medidas fortes e efetivas na busca da manutenção da ordem jurídica, utilizando-se, se preciso, dos mecanismos legais de coerção e imposição das leis.
          Deve haver maior observância das normas civis e figuras penais existentes que, conforme demonstrado, não são poucas e devem ser aplicadas.
          A responsabilização deve recair sobre todos os envolvidos, ou seja, sobre todos os transgressores que obstruem diretamente as vias públicas de acesso, bem como seus mentores e organizadores.
          Por fim, deve haver também responsabilização dos agentes públicos omissos que, ao não agir, estão a permitir a violação de direitos de muitos cidadãos -cerceados em sua locomoção, além fomentar o crescente sentimento de impunidade que ora paira, pondo em risco toda a estrutura de ordem estatal e de vida em sociedade que hoje se concebe.

NOTAS
  1. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas. 2002, p. 254.
  2. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
  3. Direito administrativo moderno. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003, p. 260.
  4. Ob.cit., p. 263.
  5. Código civil interpretado. Vol. I – Parte Geral e Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 201.
  6. Direito administrativo brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros. 2000, p. 475.
  7. BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 5. ed. Brasília: OAB, 2004, p. 488.
  8. A circulação como interesse difuso passível de tutela pelo Ministério Público. Caderno de Teses do III Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo. Ago/2005. Tese n.º 86, p. 234.
  9. Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.
  10. TACrimSP – Atentado contra a segurança de outro meio de transporte. Agente que atira bolas de gude contra o pára-brisa de coletivo, impedindo-o de prestar serviço público. Caracterização. (TACrimSP – RJDTACRIM 23/86).
  11. Código Penal, art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II – coage ou induz outrem à execução material do crime; III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
  12. Por exemplo, art. 11, caput (constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições), inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência) e II (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício).
Fernando Martins Zaupa
promotor de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, especialista em Direito Constitucional pela UNAES/FESMPMS



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