O processo de construção do chamado novo
Código Florestal, que na verdade não é um Código, mas uma lei ordinária, foi
longo, polêmico, trabalhoso e muito educativo. Numa verdadeira lição de
democracia, o projeto foi amplamente discutido com a sociedade, entidades de
pesquisa, instituições de ensino, membros do Judiciário, produtores rurais,
ambientalistas, ONGs, sindicatos, movimentos independentes, enfim, todos os
segmentos. O resultado, além de uma nova lei, foi um Brasil mais consciente,
inserido no debate ambiental mundial e certamente, por isto, mais sustentável.
A nova lei trouxe algumas mudanças que incidirão
principalmente nos 30% do território brasileiro que já tiveram sua vegetação
suprimida e que produzem alimento, fibra, energia e garantem o superávit da
balança comercial. Nos quase 65% de vegetação nativa que o Brasil possui (!!),
as regras continuam praticamente as mesmas estabelecidas na legislação
anterior.
Enfim, da porteira pra dentro como fica a nova lei?
O Brasil continua sendo o País que tem a lei
ambiental mais protetiva do mundo em suas regiões naturais. As áreas de
preservação permanente, onde se proíbe qualquer intervenção, protegem onze
tipos diferentes de locais considerados frágeis ou importantes, são eles: as
margens dos cursos d’água naturais, o entorno de lagos e lagoas naturais, o
entorno de reservatórios d’água artificiais, o entorno das nascentes, as
encostas com declividade superior a 45°, as restingas como fixadores de dunas
ou estabilizadoras de mangues, os manguezais, as bordas dos tabuleiros ou
chapadas, os topos de morros, montes, montanhas e serras, áreas com altitude
superior a 1800m e finalmente as veredas.
As metragens de proteção na margem dos rios e no
entorno das nascentes continuam as mesmas da legislação anterior para áreas em
que não houve intervenção, vão de 30
a 500
metros conforme a largura do rio e tem 50 metros de raio no
entorno das nascentes. Embora tenha ficado comprovado que a largura do rio não
é um critério tecnicamente adequado para estabelecer a margem de mata ciliar
necessária para uma proteção eficiente, não houve ambiente político para
alterações nos conceitos predeterminados de APP. A discussão foi muito
apaixonada, ideológica e contaminada por um romantismo urbano que desconhece a
realidade em campo, o que acabou por prejudicar a adoção de critérios
tecnicamente mais adequados.
A modificação nas APPs de margem de rios é que a
metragem começa a contar da borda da calha do leito regular, ou seja,
efetivamente do barranco e não mais do leito maior como na antiga lei. A
consequência prática desta alteração, é que as várzeas, quando fora das faixas
de proteção exigidas (de 30 a
500 m da
borda) não são mais consideradas áreas de preservação e podem ser utilizadas, o
que é bom já que praticamente 80% do arroz produzido no País o é nas várzeas.
As porcentagens de reserva legal exigidas pela
legislação anterior também permaneceram as mesmas, 80% quando o imóvel estiver
em áreas de floresta na Amazônia Legal, 35% quando no cerrado da Amazônia e 20%
no restante do País. Novamente o Brasil supera qualquer outra legislação
mundial quando uma parte do patrimônio particular, sem qualquer subsídio ou
participação do Estado, é destinada a um bem coletivo.
As mudanças em relação a reserva legal são relativas
à desnecessidade de averbação na matrícula do imóvel, à possibilidade de
cômputo das áreas de preservação permanente para completar o percentual exigido
e à possibilidade de compensação fora da propriedade e da bacia hidrográfica,
sendo exigido que a área utilizada para compensar a reserva legal faltante
esteja no mesmo bioma.
Os imóveis que possuíam até 4 módulos fiscais até a
data de 22 de julho de 2008 não precisarão completar o percentual de reserva
legal faltante para atingir o percentual exigido, sendo a vegetação nativa
existente naquela data suficiente para a regularização ambiental da
propriedade. Assim também é a regra que não exige complementação da reserva
legal para aquele que suprimiu a vegetação respeitando a legislação vigente à
época da supressão.
Aquele que não foi autuado (multado ou embargado)
até 28 de maio de 2008 por não possuir reserva legal ou por não ter íntegras as
áreas de preservação permanente, não poderá mais receber tais autuações por
estes motivos. A intenção da nova lei é dar oportunidade de regularização
respeitando a história, a atividade, a boa fé e a dignidade do produtor.
Trata-se de uma mudança não só legal, mas de
conceitos, o inicio de um processo de valorização da natureza em que os
serviços ambientais oferecidos pelo meio ambiente poderão ser convertidos em dinheiro. Além
disso, as medidas necessárias para implantação de práticas sustentáveis terão
incentivos, como facilitação de acesso a crédito e isenção de impostos.
O novo Código tem como objetivo principal proteger o
meio ambiente, sem inviabilizar as atividades que estão sendo desenvolvidas e
disciplinando a forma de desenvolvê-las de ora em diante. Como
instrumento desta organização foi instituído o Cadastro Ambiental Rural (CAR)
que será obrigatório para todas as propriedades rurais do País.
O CAR será declaratório, assim como o Imposto de
Renda que pode ser feito diretamente pelo contribuinte no site da Receita
Federal. O Ministério do Meio Ambiente adquiriu as imagens necessárias e o
produtor irá completar o cadastro no site dos órgãos ambientais sobre estas
imagens, indicando onde estão suas áreas de preservação permanente e
remanescentes que podem ser utilizados como reserva legal.
Para as propriedades acima de 4 módulos fiscais será
necessário um mapa, que não precisa ser georreferenciado, mas que necessita de
memorial descritivo e indicação das coordenadas geográficas com pelo menos um
ponto de amarração do perímetro. Para as áreas com menos de 4 módulos fiscais o
procedimento será simplificado sem a necessidade do mapa ou memorial, bastando
um croqui.
Os produtores terão o prazo de um ano da implantação
do CAR para fazer o cadastro que, uma vez realizado, será a base da informação
dos Estados na elaboração dos seus Programas de Regularização Ambiental (PRA).
Esses programas deverão ser instituídos por lei por cada um dos Estados da
Federação de acordo com as potencialidades e fragilidades locais e formarão o
conjunto de regras que servirá de roteiro para as regularizações ambientais
necessárias.
É importante destacar que algumas situações poderão
causar dúvida, pois não tem sua solução prevista pela nova lei, como por
exemplo os TACs (termos de ajustamento de conduta) já assinados.
A interpretação de alguns juristas é de que o termo
tem natureza de contrato e que como foi assinado conforme a lei vigente não
pode ser revogado ou renegociado, no entanto, entendo que se trata, como o
próprio nome diz, de um ajustamento da conduta ilegal a uma lei vigente e que
se esta lei não está mais vigente, o termo ainda não cumprido não pode
continuar válido. Todos os TACs em andamento, portanto, podem ser revistos.
Por Samanta Pineda, advogada ambiental e assessora
jurídica da Frente Parlamentar da Agropecuária
Renato Ponzio
Scardoelli
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