sábado, 19 de novembro de 2011

ELEMENTOS DA ESCRITURA PÚBLICA


EMENTA.

REDAÇÃO. (PRIMEIRA PESSOA; PRETÉRITO PERFEITO DO INDICATIVO);

IDENTIFICAÇÃO DO CARTÓRIO, NOME DO TABELIÃO, NOME DO LIVRO, NÚMERO DO LIVRO, NÚMERO DA FOLHA, LOCAL DE LAVRATURA, DATA.

PARTES. PARTES PROPRIAMENTE DITAS, INTERVENIENTES, TESTEMUNHAS INSTRUMENTÁRIAS; IDENTIFICAÇÃO E QUALIFICAÇÃO, IMPLICAÇÕES DO REGIME DE BENS; CAPACIDADE; LEGITIMAÇÃO OU CAPACIDADE ESPECIAL.


OBJETO DA ESCRITURA. MANIFESTAÇÃO CLARA E VÁLIDA DA VONTADE DAS PARTES; DECLARAÇÃO; FATO JURÍDICO; ATO(S) JURÍDICO(S) ESTRITO SENSO OU NEGÓCIO(S) JURÍDICO(S) OU CONTRATO(S) JURÍDICO(S); PRESTAÇÕES; CLÁUSULA DE MANDATO (PREÇO, FORMA DE PAGAMENTO, INDIVIDUALIZAÇÃO DO OBJETO OU COISA DA PRESTAÇÃO; CLÁUSULA DE MANDATO; CLÁUSULAS ACESSÓRIAS).

DILIGÊNCIAS E EXIGÊNCIAS DO TABELIÃO.

CUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIAS LEGAIS E FISCAIS. RELAÇÃO DE DOCUMENTOS; RELAÇÃO DE CERTIDÕES; CIÊNCIA DO ADQUIRENTE (CONHECIMENTO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL E DE SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA)

INFORMAÇÃO DE VALOR DE EMOLUMENTOS.

LEITURA DO ATO ÀS PARTES OU PELAS PARTES.

ENCERRAMENTO DO ATO. ASSINATURA DAS PARTES, INTERVENIENTES, TESTEMUNHAS E TABELIÃO ENCERRANDO O ATO.

EMENTA:

A ementa da escritura deve trazer a expressão “escritura pública” seguida do nomen iuris do(s) ato(s) jurídico(s) estrito senso, ou negócio(s) jurídico(s), ou contrato(s) – principais e acessórios – que instrumentaliza.

Dispensam-se outros elementos na ementa, a exemplo de dizer-se “que celebram fulano e beltrano”.

Ementa de escritura deve conter apertadíssima síntese da qual se possa compreender a essência do ato.

Assim, ter-se-á por ementa, de escritura:

  • de compra e venda simples com mandato:  escritura pública de compra e venda com mandato;
  • de compra e venda com pagamento a prazo, hipoteca e mandato: escritura pública de compra e venda de imóvel a prazo, com pacto de hipoteca e mandato;
  • de compra e venda com financiamento bancário e hipoteca: escritura pública de compra e venda, mútuo feneratício e pacto de hipoteca;
  • de compra e venda com financiamento bancário e alienação fiduciária: escritura pública de compra e venda, mútuo feneratício e alienação fiduciária em garantia;
  • de compra e venda com financiamento bancário, recursos do FGTS e alienação fiduciária: escritura pública de compra e venda de imóvel, utilização de recursos do FGTS, mútuo e alienação fiduciária em garantia;
  • de doação simples: escritura pública de doação pura e simples;
  • de doação de imóvel com reserva de usufruto até determinada data: escritura pública de doação com retenção de usufruto a termo;
  • escritura pública de doação de imóvel com retenção de usufruto e cláusula de reversão de usufruto;
  • escritura pública de doação de imóvel com cláusula de impenhorabilidade;
  • escritura pública declaratória de situação jurídica;
  • escritura pública declaratória de união estável;
  • escritura pública declaratória de união estável e regulação das questões patrimoniais;
  • escritura pública de inventário e partilha;
  • escritura pública de separação consensual;
  • escritura pública de conversão de separação judicial em divórcio;
  • escritura pública de conversão de separação extrajudicial em divórcio;
  • escritura pública de divórcio direto consensual;
  • escritura pública de renúncia de herança;
  • escritura pública de cessão de direitos hereditários a título oneroso;
  • escritura pública de cessão de direitos hereditários a título gratuito;
  • escritura pública de cessão de direitos aquisitivos de imóvel a título oneroso;

REDAÇÃO:


A escritura será redigida em língua portuguesa. Se qualquer comparecente não souber a língua nacional nem o tabelião entender a língua em que ele se expressa, deverá comparecer tradutor público (registrado na Junta Comercial). O tradutor público não pode funcionar em testamento, ato personalíssimo (então o estrangeiro que não entende a língua portuguesa fará testamento cerrado ou particular ou em seu órgão consular, segundo as leis de seu país).

A escritura deve ser redigida na primeira pessoa do singular, com identificação de nome e função de quem a lavra. Pode ser lavrada por tabelião, tabelião-substituto ou escrevente-autorizado. Ou mesmo pode ser lavrada por um e encerrada por outro. Recomendo, em prova, que sempre seja lavrada pelo tabelião, o que facilitará as referências a quem lavrou e encerrou.

Segundo Afonso Celso Rezende, enquanto a ata notarial caracteriza uma narrativa, a escritura caracteriza uma redação, cujo autor é o tabelião, que certifica haverem comparecido tais pessoas e firmado determinado ato jurídico, ao qual dá fé. É ele, portanto, autor da escritura.

Entendo que devem ser usados verbos no pretérito perfeito do indicativo (fórmula costumeira), mesmo porque a escritura pressupõe que seja dada ciência a qualquer pessoa, não participante do ato, obviamente, em tempo posterior a ele. A fórmula tabelioa “Saibam quantos esta virem que...” anuncia a terceiros um ato jurídico ocorrido, tomado em notas do tabelião.

Deve-se evitar o tempo e modo verbal do pretérito imperfeito do indicativo, ainda comum em escrituras de procurações: “E pelo mandante me foi dito que nomeava e constituía seu bastante procurador...” Esse tempo verbal dá idéia de haver interrupção de uma ação que estava em curso. O mandante não nomeava e, por alguma razão, deixou de nomear. Efetivamente, o mandante, por meio da procuração, diz que nomeia e constitui o mandatário.


IDENTIFICAÇÃO DO CARTÓRIO, NOME DO TABELIÃO, NOME DO LIVRO, NÚMERO DO LIVRO, NÚMERO DA FOLHA, LOCAL DE LAVRATURA, DATA:

A folha do livro de atos notariais deve conter todos esses elementos. Normalmente a identificação do cartório (nome do ofício e endereço) vem no cabeçalho do formulário pré-impresso. Em prova de concurso, na folha de respostas, essa identificação tanto pode ser inserida em cabeçalho quanto no texto do ato.

No Distrito Federal, é vedada a utilização do nome ou símbolo do Poder Judiciário (art. 242, parágrafo único, PGCTJDFT). Pode-se utilizar brasão da República. Obviamente que tal recurso é dispensado em prova de concurso.

Os livros de notas não têm regulamentação na lei, mas por ato das Corregedorias. O que se deve ao fato de o serviço de notas, a exemplo do serviço de protesto, não estar regulamentado na LRP. A LRP cuida de registro civil, registro de títulos e documentos e pessoas jurídicas e registro de imóveis e dá nome e formato aos seus livros.

No Distrito Federal, os livros de notas obrigatórios são: I – Testamentos Públicos e Registro de Aprovação de Testamentos Cerrados; II – Escrituras; III – Procurações e Substabelecimentos; IV – Atas Notariais. Poderão ser utilizados dois livros para testamentos: um por meio eletrônico e outro manuscrito para realização do ato fora da serventia.

Os livros de notas têm por nome o próprio nome dos atos que contêm e são numerados seqüencialmente: Livro n.º 1 de Escrituras; Livro n.º 2 de Escrituras; Livro n.º 3 de Escrituras; Livro n.º 1 de Procurações e Substabelecimentos; Livro n.º 1 de Ata Notarial. No Estado de São Paulo há livro único para todos esses serviços.

As folhas dos livros de notas são numeradas de 1 a 200, podendo ultrapassar esse último número, caso seja necessário para finalizar o último ato do livro. O tabelião pode escolher entre utilizar ou não o verso das folhas. As folhas cujo verso estiver em branco deverão ser inutilizadas (com carimbo ou traço). O verso somente poderá ser usado para concluir ato (não se pode iniciar ato no verso de folha do livro).

No Distrito Federal, o termo de abertura e o termo de encerramento não são numerados; em São Paulo são.

Todo ato notarial deve conter a data de sua lavratura grafada por extenso (dia, mês e ano).

Os atos notariais, diferentemente de alguns registrais, a exemplo de registros de imóveis e de títulos e documentos e pessoas jurídicas, podem ser praticados em qualquer dia e hora. Para o ato de registro de óbito há previsão em lei formal da prática em dias não úteis; para os notariais não há. O PGCTJDFT, art. 261, § 1.º prevê que, somente em casos excepcionais, os atos notariais poderão ser realizados fora da serventia e, em qualquer dia e hora.

A escritura deve conter endereço completo do local onde foi lida e assinada, quando diferente da sede do cartório (art. 279, I, PGCTJDFT). Tabelião do Distrito Federal pode lavrar o ato em qualquer local do Distrito Federal, mesmo em cidade satélite distinta da de seu cartório: em hospital, cadeia, residência, local de trabalho. É comum lavrar-se testamento ou procuração em hospital, sendo recomendável exigir atestado médico da capacidade da parte e que o médico seja testemunha instrumentária.

Note que a atividade jurisdicional é prestada fora da sede dos fóruns, por meio dos juizados itinerantes.


PARTES: PARTES PROPRIAMENTE DITAS, INTERVENIENTES, TESTEMUNHAS INSTRUMENTÁRIAS; IDENTIFICAÇÃO E QUALIFICAÇÃO, IMPLICAÇÕES DO REGIME DE BENS; CAPACIDADE; CAPACIDADE E LEGITIMAÇÃO OU CAPACIDADE ESPECIAL.

Partes propriamente ditas são as estipulantes do negócio jurídico ou declarantes do fato jurídico. Interveniente, via de regra, dá consentimento a um negócio; é o caso do cônjuge casado na comunhão parcial que comparece na escritura para anuir na venda de bem particular pelo outro cônjuge; o interveniente não aliena, mesmo porque não tem domínio sobre o bem, mas, por exigência legal, autoriza que seu cônjuge venda. Outro exemplo temos no herdeiro necessário descendente que anui na venda de seu pai ao irmão.

Testemunhas instrumentárias dividem com o tabelião a responsabilidade pelo sentimento quanto à capacidade das partes e funcionam como ratificantes de que elas manifestaram tal e qual vontade. Diferente da testemunha instrumentária é a declarante-testemunha; aquela firma testemunho tão-somente de que a parte praticou o ato notarial; já essa funciona no ato como declarante – verdadeira parte – firmando declarações de fatos dos quais fora testemunha. Exemplo de testemunha instrumentária é a do testamento e de declarante-testemunha é a que comparece em escritura de divórcio direto para declarar saber que o casal está separado de fato há mais de dois anos.

Se alguma parte não for conhecida do tabelião nem puder se identificar por documento, deverão participar do ato pelo menos duas testemunhas que o conheçam e atestem sua identidade (art. 262, § 3.º, PGCTJDFT). São testemunhas instrumentárias, que atestam a identidade da parte.

A pessoa natural deve ser identificada e qualificada com nome, nacionalidade (vedado dizer brasileiro naturalizado), profissão, documento de identidade, CPF, domicílio e residência, estado civil, nome do cônjuge, regime de bens do casamento, data do casamento (ou informação de se casado antes ou após a Lei 6.515/1973), menção a pacto antenupcial (cartório, livro, folha e data). O PGCTJDFT, no art. 279, III, “a” prevê, ainda, filiação. Entendo que filiação somente deve ser informada em escrituras especiais, como, por exemplo, em reconhecimento de paternidade, em que tenham de ser declarados nomes dos avós paternos. Em qualquer operação que envolva alienação de imóvel a parte terá de ter CPF.

O estrangeiro se identificará com cédula de Registro de Estrangeiro, expedida pelo Departamento de Polícia Federal.

Tratando-se de pessoa jurídica: a) nome, se de direito público ou privado, natureza, forma de constituição, sede, inscrição no CNPJ, inscrição na Junta Comercial ou Cartório de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas, lei instituidora em caso de pessoa jurídica de direito público; b) qualificação do representante ou presentante.

Da pessoa jurídica de direito privado deve ser informado número de inscrição na Junta Comercial (número de NIRE) ou registro no Cartório de Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas.

As sociedades empresárias e as cooperativas (mesmo sendo simples) registram-se na junta comercial. As demais em cartório de títulos e documentos e registro civil das pessoas jurídicas.

Partidos políticos, igrejas, associações, fundações, sociedades simples (salvo de advogados, que se registram exclusivamente na OAB) são registradas em cartório de títulos e documentos e pessoas jurídicas.

O empresário individual é a própria pessoa física; registra-se na junta comercial (art. 967, CC), inscreve-se na Secretaria da Receita Federal com CNPJ e não CPF, recebe tratamento tributário de pessoa jurídica, mas não adquire personalidade jurídica, portanto é pessoa natural a parte deve ser qualificada como pessoa natural.

IMPLICAÇÕES DO REGIME DE BENS NAS ESCRITURAS DE ALIENAÇÃO DE IMÓVEL

DISPENSA DE ANUÊNCIA DO CÔNJUGE PARA ALIENAÇÃO DE IMÓVEL:

O Código Civil prevê duas situações em que o cônjuge pode alienar ou gravar de ônus real imóvel sem anuência do outro: a) o casado na separação convencional (ou absoluta, com pacto), quanto ao bem particular (art. 1.647, I); b) o casado na participação final nos aqüestos, quanto ao bem particular, se houver previsto cláusula em tal sentido no pacto antenupcial (art. 1.656, CC).

O art. 978 do Código até dispõe que “o empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real.”

O Código Civil deu tímido passo na discriminação do patrimônio pessoal e do patrimônio afetado à atividade empresarial. Todavia a norma torna-se inócua, ou, ao menos, perde relativa eficácia, na medida em que não se deu à empresa individual personalidade jurídica distinta de seu titular. Empresa individual e seu titular são uma única pessoa (diferentemente do que ocorre na relação entre sociedade empresária e seus sócios).

Mesmo havendo única pessoa, quis admitir distinção do patrimônio, tanto que, para o patrimônio empregado na atividade empresária, permitiu alienação pelo empresário, sem anuência do cônjuge, independentemente do regime de bens do casamento.

É, então, de se admitir que haja patrimônio de afetação à atividade empresária? E como poderia se concretizar essa afetação?  Até vislumbro que a fórmula seria: no momento da aquisição do bem, a título oneroso ou gratuito, dar-se-ia a destinação ao patrimônio empresarial e não ao pessoal, colhendo-se anuência do cônjuge do empresário individual. Assim, por exemplo, se um imóvel for adquirido por Antônio Carlos da Silva, com destinação à Firma Individual Antônio Carlos da Silva, inscrita no CNPJ sob n.., registrada na Junta Comercial do Distrito Federal sob n...., então poderia Antônio Carlos da Silva alienar ou gravar o bem sem anuência do cônjuge.

Penso que o dispositivo do art. 978 carece de norma complementar, que dê personalidade jurídica ao empresário individual. Assim, e considerando que o tabelião deve adotar entendimento que assegure maior segurança jurídica, não é de se admitir que empresário individual aliene imóvel sem anuência do cônjuge.

No Código Civil antigo – independentemente do regime de bens, e ainda que para alienar bem particular – era necessária a anuência conjugal. Logo, considerando o disposto no art. 2.039 do NCC (o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil de 1916 é o por ele estabelecido), a dispensa de anuência, quando for o caso, somente se dá nos casamentos realizados na vigência do novo Código Civil. Daí a importância de se consignar nas escrituras, na qualificação das partes, a data do casamento e não somente se celebrado antes ou depois da Lei 6.515/1977.

Nos casos em que for devida a anuência conjugal, o anuente figurará na escritura como interveniente-anuente e não como vendedor. Se figurar como vendedor, o ato será válido e eficaz (quem outorgou mais, que é vender, outorgou menos, que é anuir na venda), mas a técnica não terá sido a melhor.

A anuência para venda deverá ser dada no próprio instrumento de compra e venda (art. 220, CC)

A confirmação posterior da venda para alienar imóvel pode ser firmada em instrumento particular com assinatura reconhecida (art. 1.649, parágrafo único, CC).


REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

Nesse regime, comunicam-se os bens imóveis adquiridos onerosamente na constância do casamento.

Excluem-se da comunhão os bens que cada cônjuge possuir ao casar, os que cada cônjuge adquirir por doação ou sucessão (e cessão a título gratuito), os sub-rogados em seu lugar, os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares e os bens cuja aquisição tiver por título causa anterior ao casamento.

Assim, nesse regime:

1.     Na aquisição de imóvel, onerosamente, bastará que seja parte na escritura apenas um dos cônjuges, consignando dados do outro cônjuge, para que o bem adquirido se comunique. Exemplo: comparece, como outorgado comprador: José..., casado com Maria, e somente José assina a escritura. Também não haverá prejuízo algum se marido e mulher figurarem com compradores;
2.     Na aquisição de imóvel, onerosamente, em que haja uma das causas da incomunicabilidade em favor de um cônjuge, deverá tal situação ser cuidadosamente inserida na escritura e deverá o outro cônjuge anuir. Exemplo “...declara o outorgado-comprador que o preço é pago com produto da venda do bem tal, que era particular do ora comprador, em razão..., e, por conseqüência, nos termos do art. 1.659, II, do Código Civil, a propriedade do bem adquirido por esta escritura não se comunicará ao cônjuge do comprador... E pelo interveniente-anuente me foi dito que reconhece que o preço é pago com produto de venda de bem particular de seu cônjuge e reconhece a incomunicabilidade do bem que seu cônjuge ora compra...”. Se a situação não for narrada na escritura nem reconhecida pelo cônjuge, a incomunicabilidade dependerá de prova.
3.     Para vender imóvel comum, ambos serão partes como vendedores;
4.     Para vender imóvel particular, um será vendedor e o outro interveniente-anuente.

REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL


Nesse regime, comunicam-se todos os bens imóveis presentes e futuros dos cônjuges, salvo os adquiridos por doação ou herança (ou legado) gravados com cláusula de incomunicabilidade (ou inalienabilidade) e os gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva.

Na comunhão universal:

1.     Na aquisição de imóvel, onerosamente, bastará que seja parte na escritura apenas um dos cônjuges, consignando dados do outro cônjuge, para que o bem adquirido se comunique.
2.     Para vender imóvel comum, ambos serão partes como vendedores;
3.     Para vender imóvel particular, um será vendedor e o outro interveniente-anuente.
4.     Admite-se compra de imóvel, na constância do casamento, com incomunicabilidade, se sub-rogado em lugar de bem particular.


REGIME DA PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQÜESTOS

São bens particulares os que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento.

Na lição de Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, esse regime caracteriza-se pela existência de dois patrimônios distintos. Um pertencente ao homem e outro à mulher. Tal situação perdura até a dissolução da sociedade conjugal, quando se fará a apuração dos bens adquiridos pelos cônjuges, a título oneroso, na constância do casamento, partilhando-os meio a meio. Aplicam-se ao regime regras tanto do regime de separação quanto do regime de comunhão parcial. Na constância do casamento, regras da separação; na dissolução, regras da comunhão parcial.
 
Nesse complexo regime, pode-se adotar a livre disposição dos imóveis – sem necessidade de anuência do cônjuge –, mediante cláusula expressa no pacto antenupcial. Se não houver a cláusula é necessária a anuência.


REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS

Nos termos da Súmula 377 do STF “No regime da separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”

O art. 1.641 do Código Civil dispõe que “É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: (...)”. O texto original do projeto do atual Código Civil trazia a redação: “É obrigatório o regime da separação de bens no casamento, sem a comunhão de aqüestos: (...).” Como se vê, a redação original do projeto previa a incomunicabilidade dos bens adquiridos durante o casamento. Como ensina Regina Beatriz Tavares da Silva, na fase final de tramitação do projeto, a vedação foi suprimida. A supressão foi embasada na Súmula 377 do STF, e teve a finalidade de evitar enriquecimento ilícito daquele que tem os bens em seu nome, embora provenientes de esforço comum.

Embora haja autorizadas opiniões em sentido de haver sido revogada a súmula pelo novo Código, entendemos que, ao contrário, e em conformidade com a lição acima e mediante interpretação histórica e teleológica, fora consagrada por ele, o que muito aproxima a separação obrigatória ou legal da comunhão parcial de bens.

Mesmo tomando-se por vigente a súmula, considerando que tanto melhor será o ato notarial quanto maior segurança oferecer e quanto mais atender à legítima vontade das partes, na aquisição de imóvel em que se pretenda a comunicação devem figurar como compradores um e outro cônjuge e não fulano de tal, casado com fulana no regime da separação obrigatória de bens.

Registre-se que os obrigados a se casar na separação de bens poderão reforçar as cláusulas de separação mediante pacto antenupcial; não poderão dispor de forma a amenizar os rigores da separação de bens, mas ratificá-los e reforçarem-nos, sim.

Nesse regime somente se aliena bem particular mediante anuência do cônjuge (exigência que, por exemplo, não pode ser excluída no pacto).


REGIME DA SEPARAÇÃO CONVENCIONAL (OU TOTAL OU ABSOLUTA) DE BENS:

O cônjuge pode alienar imóvel particular sem anuência do outro, desde que casados na vigência do novo Código Civil. Segundo o art. 2.039 aplicam-se as regras do Código de 1916 aos casamentos realizados sob sua égide, e, no sistema do código antigo sempre era necessária a vênia conjugal.

Os cônjuges podem adquirir imóvel em condomínio, hipótese em que figurarão na escritura como compradores, em determinada fração ideal para cada um.

Assim:

1.     Na escritura em que compre imóvel, em regra, figurará como parte apenas o cônjuge adquirente, qualificado como casado com fulano de tal;
2.     Se quiserem adquirir em conjunto, em condomínio (e não por meação), poderão figurar ambos como adquirentes, expressando-se a fração do todo que caberá a cada um; no silêncio dessa manifestação caberá metade a cada um;
3.     Cada cônjuge pode vender bem particular sem anuência do outro, desde que casados na vigência do Novo Código Civil.

CAPACIDADE

Todos têm capacidade de direito, mas nem todos podem exercê-la de fato. Quanto à capacidade de fato, há os absolutamente incapazes, os relativamente incapazes e os capazes. Os absolutamente incapazes serão representados e os relativamente serão assistidos. No ato notarial, o tabelião verificará a capacidade e obstará o ato, mesmo que em decorrência de incapacidade relativa.

Os absolutamente incapazes ou serão representados pelos pais (conjuntamente ou só por um deles, quando houver falta ou impedimento do outro), ou representados pelo tutor (quando houver falta, impedimento ou forem destituídos do poder familiar ambos os pais) quando menores de 18 anos não emancipados, ou representados pelo curador, quando maior de 18 anos e incapaz.

Os relativamente incapazes serão assistidos ou pelos pais (quando entre 16 e 18 anos) ou pelo curador quando maior de 18 anos e absolutamente ou relativamente incapaz.

O maior de 18 anos incapaz será representado por curador.

A curatela é concedida ao absolutamente e ao relativamente incapaz. Ensina Emanoel Macabu Moraes: por isso que o juiz deve fixar bem os limites, que podem ser restritos a certos atos, como no caso do pródigo, que somente fica impedido de praticar sozinho atos que impliquem empréstimo, transação, quitação, alienação, hipoteca, demandar ou ser demandado judicialmente, e os demais atos, em geral, que não sejam de mera administração.

Não podem os pais alienar ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos (art. 1.691, CC).

Sempre que no exercício do poder familiar colidir o interesse dos pais com o do filho, a requerimento deste ou do Ministério Público o juiz lhe dará curador especial (art. 1.692, CC).

O nascituro, quando pai e mãe não tiverem poder familiar, terá curador e não tutor (art. 1.779). O concebido não tem personalidade. Penso que não pode ser parte em ato notarial.  Assim, por exemplo, em escritura de doação pura e simples a nascituro poderá figurar: como aceitante: Alfredo (qualificação), curador do nascituro de Maria (qualificação), nos termos do art. 1.779 do Código Civil e conforme Sentença Judicial (transcrição de parte da sentença em que se nomeou o curador ao nascituro). Lembremos que uma tal doação será negócio jurídico condicional (e não aleatório): somente terá eficácia plena se o nascituro nascer com vida.  Quando pai ou mãe defendem interesse de filho concebido não nascido podem praticar atos em nome próprio defendendo interesse próprio, já que os pais têm usufruto do patrimônio dos filhos.

Representação da pessoa jurídica: a) se de direito público, atende normas de direito administrativo; b) se de direito privado, mediante análise do ato constitutivo.

Haverá presentação da pessoa jurídica quando comparecente ao ato membro de sua administração, por exemplo presidente, ou sócio-administrador, que é o braço, órgão dela; e representação quando houver terceira pessoa, mandatário, por exemplo, atuando em nome da pessoa jurídica. O art. 46, III, do Código Civil usou representação justamente para a hipótese doutrinária de presentação.

Ensina Maria Helena Diniz que, além da capacidade de fato, pode-se também falar em legitimação especial para praticar certos atos:

  • pessoa casada: o cônjuge terá de autorizar na venda, salvo na separação convencional de bens e na participação final nos aqüestos em que se previu a dispensa;
  • compra e venda entre marido e mulher: em regra um cônjuge não pode vender imóvel ao outro, mas admite-se a compra e venda de bem excluído da comunhão – bem que não se comunicou (art. 499 do Código Civil);
  • venda de ascendente a descendente: o cônjuge do vendedor (salvo se casado na separação obrigatória, e demais descendentes do vendedor terão de autorizar (art. 496, CC). A anuência deverá ser dada no próprio instrumento de compra e venda (art. 220, CC). Os herdeiros de quem se exige anuência são os herdeiros necessários no momento do negócio; assim se a venda se deu antes do reconhecimento da paternidade, o reconhecimento não a invalidará. Se um descendente for menor ou incapaz, o juiz, mediante petição dos interessados, poderá suprir seu consentimento, após ouvir o MP, autorizando o negócio, nomeando curador especial (art. 1.692, CC).
  • os que têm dever de zelar de bens de terceiros estão proibidos de adquiri-los, mesmo em hasta pública, a exemplo de tutores, curadores, testamenteiros e administradores (mandatários, síndicos condominiais e administradores judiciais de falências etc.): não podem comprar bens confiados a sua guarda e administração. O mandatário (procurador) pode, se o mandante o autorizou na procuração, com a cláusula de agir em causa própria;
  • os servidores públicos não podem comprar os bens da pessoa jurídica a que servirem, visto que poderão influir na deliberação de se vender e do preço;
  • os juízes, leiloeiros e auxiliares da Justiça (depositário, perito, contador, partidor, distribuidor etc.) não poderão adquirir os bens sobre que se litigar onde esses funcionários servirem, ou a que se estender sua autoridade;
  • o condômino de coisa indivisa: não poderá vender sua parte a estranho, se outra pessoa a quiser pelo mesmo preço;
  • o proprietário de coisa alugada: deverá dar preferência de compra ao locatário.

OBJETO DA ESCRITURA

Descritos ementa, dados da serventia e da folha do livro, identificação do autor da escritura (tabelião ou escrevente autorizado), data e local da lavratura do ato, identificação e qualificação das partes, passa-se a descrever o conteúdo da escritura: declaração de fato; declaração de ato jurídico; constituição de negócio jurídico...

Não sendo ilícito o conteúdo nem sendo próprio de ser lavrado em ato notarial ou registral específico nem sendo obrigatório ato jurisdicional, poderá, então ser objeto de escritura pública. Repare que é lícita declaração sobre coisa ilícita, sendo, portanto, permitida escritura pública em que se declare a ocorrência de atos ilícitos, sem o fim constitutivo de direito. Assim: não poderá pessoa realizar escritura pública declaratória de óbito, pretendendo os mesmos efeitos do registro de óbito, que tem previsão legal de ser realizado no livro “C” de registro civil; não poderá contratar negócio ilícito, como cessão de direitos sobre herança de pessoa viva, nem compra e venda de drogas proibidas; não poderá lavrar escritura de adoção (art. 1.623, CC); poderá declarar testemunho sobre ato ilícito, por exemplo, de que fulano é verdadeiro proprietário de tais bens, simuladamente registrados como de propriedade de alguém; em tal caso, a escritura pública poderá funcionar como meio de produção de prova e terá a força de uma declaração da parte que a firmou.

Podem as partes declarar relação homoafetiva? Penso que sim. A própria escritura declaratória de união estável, firmada entre homem e mulher, é meramente declaratória, não constitui situação nova. A declaratória de união homoafetiva poderá não produzir efeitos sucessórios, previdenciários ou de dever de lealdade e cuidados recíprocos, como no casamento e na união estável. Mas produzirá efeitos patrimoniais. Demais, poderá haver mudança na jurisprudência e declaratória feita hoje poderá servir como meio de prova. A maioria dos cartórios de notas se recusa a lavrar tal escritura.

Sendo objeto da escritura ato jurídico unilateral negocial ou contrato, o tabelião deverá adotar todos os cuidados para interpretar a verdadeira vontade das partes, informar-lhes sobre os efeitos da manifestação, assessorar-lhes, sugerindo adoção de outras cláusulas, adequar a vontade aos termos jurídico-técnicos, orientar sobre melhor meio de obter eficácia do ato.

Ao lavrar escritura, não cabe ao tabelião papel passivo de colher em suas notas manifestação das partes. O tabelião não deve desviar a vontade delas, mas tem papel ativo da redação final do instrumento público. Daí ser correta a afirmação de que o autor da escritura pública é sempre o tabelião e não exatamente as partes. Em São Paulo, o provimento proíbe que o tabelião lavre escritura e diga que foi redigida segundo minuta apresentada, o que seria um meio de se isentar da autoria redacional.

Até em escrituras declaratórias, deve o tabelião assessorar as partes para que declarem segundo a verdadeira vontade. Para escrituras de separação e divórcio resolução do CNJ prevê que o tabelião não deve lavrar ato manifestamente prejudicial a uma das partes.

Deve-se ter cuidado para não extrapolar o dever de interpretar a vontade, assessorar, orientar, propor inclusão de cláusulas, recusar lavratura de ato e adequar a vontade à forma correta. Ao tabelião não é dado decidir sobre pontos controversos, nem mesmo exigir que contratem segundo as presunções legais; deve acatar a vontade das partes segundo a disponibilidade dos direitos. Em uma escritura de divórcio, por exemplo, deverá explicar às partes sobre partilha de bens (comunicabilidade, bens particulares etc.), mas acatará a vontade final deles sobre como querem a divisão.

Os objetivos maiores, nesse campo, são oferecer segurança jurídica, clareza, objetividade, cercamento de todas as cláusulas, prevenção de litígios. Deve usar termos próprios das partes combinados com os equivalentes termos técnicos que representem a vontade; fundamentar informando dispositivos legais em que fundado o ato; usar cláusulas expressas, ainda que haja presunção legal; usar valores e datas por extenso, para evitar fraudes ao instrumento público; inserir cláusulas de mandato, sobretudo em compra e venda de imóvel, para que comprador solucione eventuais exigências.

Assim, por exemplo: a) em doação a casal, e se for essa a vontade do doador, deve o outorgante-doador dizer que doa o imóvel aos outorgados-donatários, na fração ideal de metade para cada um (para evitar aplicação de presunção legal e efeitos contidos no art. 548 e seu parágrafo único, CC); b) em contrato de empréstimo gratuito de imóvel pode até dizer que “empresta gratuitamente o imóvel...”, mas deverá, mesmo que cumulativamente, dizer que “dá o imóvel em comodato, nos termos do art. 579 do Código Civil...”; c) em escritura pública declaratória de união estável, deverá evitar a expressão concubinato, deverá trazer manifestação de que vivem em união estável “com o fim de constituir família”, elemento consagrado na jurisprudência como caracterizador da união estável; em escritura de separação judicial, deverá dizer que terminam a sociedade conjugal, nos termos do art. 1.571, III combinado com art. 1.574 do Código Civil...”; em escritura de divórcio, dizer que “dissolvem o casamento, por divórcio direto consensual, nos termos do § 1.º, do art 1.571 combinado com § 2.º, do art. 1.580, ambos do Código Civil e art... do CPC;  em escritura de pacto antenupcial em que se adota o regime da separação de bens deverá dizer que não se comunicarão os bens atuais e os adquiridos na constância do casamento.

Desnecessárias são declarações que não têm efeito alguma, a exemplo de dizerem que fazem o testamento sem coação. Ora, se a coação existir, a despeito da alegação, o ato restará anulável.      

É nesse conteúdo das escrituras que o tabelião dá boa forma à manifestada vontade das partes. Ele também determina a caracterização que se dá às partes de cada pólo. Assim: na compra e venda, outorgante-vendedor e outorgado comprador; na promessa de compra e venda, outorgante-promitente-vendedor e outorgado-promissário(ou promitente mesmo)-comprador; na doação, outorgante-doador e outorgado-donatário; na compra e venda com financiamento e alienação fiduciária em garantia, outorgante-vendedor, outorgado-comprador-devedor-fiduciante e outorgado-credor-fiduciário. É praxe tabelioa dizer-se outorgante aquele que aliena, transfere, cede, declara, dá em pagamento, dá em garantia e outorgado o que adquire, é cessionário, recebe em pagamento, recebe em garantia.

O uso de “outorgante” e “outorgado” é uma praxe. Não há prejuízo em dispensar esses termos: dizer vendedor e comprador em vez de outorgante-vendedor e outorgado-comprador; mesmo porque, uma só parte pode participar de mais de um negócio jurídico em que em um ele seja outorgante e em outro outorgada. Então ela haveria de ser caracterizada como outorgante-...-e-outorgada-... É exemplo: o comprador de imóvel, que recebe financiamento bancário e dá o imóvel em alienação fiduciária em garantia; no primeiro negócio – compra e venda – ele é outorgado-comprador, no segundo – financiamento com garantia – ele é outorgante-devedor-fiduciante; então seria correto caracterizá-lo como outorgado-comprador-e-outorgante-devedor-fiduciante.

Esse conteúdo é ilimitado, como ilimitadas são as possibilidades de contratar, de se obrigar e de declarar fatos. São comuns escrituras que cumulam mais de um ou até vários negócios jurídicos. É até preferível, para interpretação, que os negócios jurídicos decorrentes de um acordo de vontades sejam firmados em instrumento único. Pode, por exemplo, em uma escritura, ser firmada compra e venda de imóvel, seguida de doação de nua-propriedade ao filho, com retenção de usufruto, com cláusula de reversão.

O objeto da escritura deve ser redigido fazendo-se perfeita adequação da vontade aos institutos de direito das obrigações, contratos, direitos reais, direito de família.

No Curso, trataremos especificamente das escrituras que têm por objeto: compra e venda de imóvel e cláusulas adjetas; doação de imóvel; testamento; separação; divórcio; restabelecimento de sociedade conjugal; inventário; declaratória de união estável; financiamento com alienação fiduciária em garantia. Trataremos ainda de procuração e ata notarial.

DILIGÊNCIAS E EXIGÊNCIAS DO TABELIÃO

Além das já citadas diligências externas, por exemplo para lavrar testamento ou procuração de pessoa enferma, o tabelião poderá adotar outras diligências e exigir documentos para garantir a segurança jurídica. Por exemplo, se tiver dúvida acerca da capacidade da parte, poderá requerer atestado médico da rede pública que declare gozar a pessoa de boa saúde mental, com discernimento para praticar atos da vida civil. Antes de lavrar testamento, deverá promover entrevista cuidadosa com testador. Quando comparecerem mandante e mandatário para lavrar procuração, deverá ouvir o mandante e não o mandatário. Se a pessoa apresentar mínimo sinal de embriaguez ou de estar sob efeito de droga deverá recusar lavratura do ato.

CUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIAS LEGAIS E FISCAIS. RELAÇÃO DE DOCUMENTOS; RELAÇÃO DE CERTIDÕES; CIÊNCIA DO ADQUIRENTE.

Os principais requisitos para lavratura de escritura estão: a) nos artigos 221 a 225 da Lei n.º 6.015/1973; b) na Lei n.º 7.433/1985; c) no Decreto n.º 93.240/1986, que regulamenta a Lei 7.433/1985; d) no art. 215 do Código Civil; e) nos artigos 278 a 287 do Provimento Geral da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios de 2006.

Na escritura deverá ser referida a apresentação das certidões abaixo:

Certidões e guias relativas ao imóvel urbano e aos alienantes

1)     Escritura de alienação ou oneração de imóveis urbanos:

a) Certidão de ônus (art. 1º, § 2º, Lei nº 7.433/85 e art. 1º, IV, Decreto nº 93.240/86). Certidão de ônus do imóvel, com validade de 30 dias após expedição. Expedida pelo cartório de registro de imóveis em que matriculado o imóvel. Nela consta toda a vida do imóvel: matrícula, registros e averbações (criação, descrição, construção, alienação, gravação de ônus...). Deve ser rigorosamente analisada para se verificar: titulares dos direitos reais; existência de ônus que impeça a alienação ou nova oneração; existência de ônus que não impeça a venda, mas que implique necessidade de se dar ciência ao adquirente.

A hipoteca, em regra, não impede a alienação de imóvel, exigindo-se que devedor previamente notifique o credor da alienação. Há várias exceções, em que em vez de mera notificação, o devedor tem de obter autorização da alienação do credor hipotecário; assim nas hipotecas decorrentes de cédula rural ou comercial hipotecária e nas hipotecas em garantia de financiamento do SFH.

O art. 292 da Lei 6.015/1973 previa necessidade de prévia notificação pelo devedor ao credor hipotecário para, depois, alienar o imóvel.

A Lei 8.004/1990, quanto a hipotecas do SFH, revogou o art. 292 da LRP, passando a exigir anuência do banco credor.

O STJ confirmou a necessidade de interveniência do agente financeiro (Resp.  81.844-SP; Resp 193.582-DF; Resp. 116.589-SC).

Alguns autores sustentam a inconstitucionalidade da Lei 8.004/1990, que afrontaria o direito de propriedade, vez que inibe a pessoa de alienar ou onerar bem de que tem propriedade. Ao tabelião não é dado descumprir lei formal por entendê-la inconstitucional (ver lição de Alexandre de Moraes).

O art. 1.475 do Código Civil prevê ser nula cláusula contratual que estipule inalienabilidade de imóvel hipotecado. Entendo que esse dispositivo não revogou a Lei 8.004/1990. O imóvel hipotecado não fica com cláusula de inalienabilidade; depende apenas de legitimação especial: de o credor hipotecário intervir. É também exemplo a necessidade de anuência do cônjuge para alienação de bem particular, ou do descendente para venda de ascendente a descendente.


Há autorizadas opiniões em sentido contrário, mas entendo que o Código Civil não revogou a Lei 8.004/1990, que deve ser aplicada, até que, se for o caso, seja declarada inconstitucional. Esse parece ser o entendimento dos notários. Em consulta a mais de vinte deles, de várias cidades, todos disseram não lavrar escritura de imóvel hipotecado no SFH ou por cédula bancária, sem autorização do banco credor.

Outra hipótese em que é exigida anuência do credor para venda do bem hipotecado é a de imóvel hipotecado em decorrência de cédulas de crédito, rural, comercial e industrial (Decreto-Lei n.º 167/1967, art. 59). 

Observe que a Lei 8.004/90 exige interveniência da instituição financiadora para venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão e o Decreto-Lei 167 prevê anuência para venda dos bens hipotecados; não exigem interveniência para oneração do imóvel; ou seja: para gravar o imóvel com hipoteca de segundo grau, o devedor não precisaria de autorização do banco-credor. Entendemos que, de fato, o devedor hipotecário, em hipoteca decorrente do SFH ou de cédula rural (industrial ou comercial) hipotecária, pode dar o imóvel em hipoteca de segundo grau, ao mesmo ou a outro credor. Primeiro porque não há proibição expressa; as vedações somente dizem respeito a venda, promessa de venda ou cessão de direitos. Segundo porque não há prejuízo algum ao credor da primeira hipoteca: a hipoteca de segundo grau somente pode ser excutida após cancelada a de primeiro grau.

Cumpre esclarecer que há posições no sentido da proibição da hipoteca de segundo grau, quando a primeira decorre de SFH ou cédula. Fundamentam a proibição no art. 1.420 do Código Civil. Alegam que, se somente quem pode alienar pode hipotecar e somente o que se puder alienar se pode hipotecar, então quem precisa de autorização para alienar precisará de autorização para hipotecar.

b) Certidões de feitos ajuizados em nome dos alienantes (art. 1.º, § 2º, Lei 7.433/85 e art. 1º, IV, Decreto nº 93.240/86). Contemplam: Certidão de ações cíveis e de interdição e tutela do Cartório de Distribuição do Distrito Federal; certidão de ações cíveis da Justiça Federal; certidão de ações trabalhistas, todas do lugar do imóvel e do lugar de domicílio do alienante). A certidão de interdição e tutela é necessária para se verificar eventual incapacidade; as de ações cíveis, para alertar adquirente sobre eventual fraude a execução. Os Cartórios do Distrito Federal não exigem certidão da Justiça do Trabalho. Entendo que é devida, sobretudo quando o alienante é pessoa jurídica, que, via de regra, é empregador. Processos trabalhistas também são feitos judiciais. Além disso, em razão da natureza de alimentos do crédito trabalhista e da celeridade do processo do trabalho, mais facilmente se declarará ineficácia de venda de imóvel para garantir crédito trabalhista. Em caso de venda feita pelo espólio, a certidão deve ser tirada em face do autor da herança e dos herdeiros, ainda que haja renúncia a direitos hereditários. As certidões devem ser expedidas no lugar do imóvel e no lugar do domicílio dos alienantes, caso sejam diversos.

c) certidão de protestos em nome dos alienantes. Não há previsão legal de sua obrigatoriedade. Entendo que ser apresentada em face do que dispõe o art. 159 do Código Civil. Com a certidão de protesto há meio de o adquirente, pessoa de cuidado normal, conhecer sobre insolvência do alienante.
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d) Certidão negativa de tributos imobiliários (art. 1º, § 2º, Lei 7.433/85 e art. 1º, III, a, Decreto nº 93.240/86). Somente é exigida em escritura de alienação de domínio. Expedida pelo Distrito Federal. Pode ser dispensada pelo adquirente, que, neste caso, responderá pelos débitos fiscais existentes. É certidão que diz respeito diretamente ao imóvel e não aos seus proprietários, alienantes. Expedida a certidão negativa, fica isento o adquirente de responder por créditos tributários anteriores à aquisição.

e) Certidão Conjunta Negativa de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União (Portaria Conjunta PGFN/RFB n.º 3, de 2-5-2007). Expedida pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.  Exigida se o alienante for pessoa jurídica de direito privado. A lei exige certidão da empresa, que deve ser entendida como pessoa jurídica de direito privado, que é passível de ser obrigada tributária. A certidão positiva (salvo se com efeitos de negativa) impede a alienação ou oneração. Fica dispensada da certidão empresa que explore exclusivamente atividade de compra e venda de imóveis, locação, desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de imóveis destinado à venda, desde que o imóvel objeto da transação esteja contabilmente lançado no ativo circulante e não conste, nem tenha constado, do ativo permanente da empresa. Bastará que o alienante declare, sob as penas da lei, que atende às condições, relativamente à atividade exercida e à contabilização do imóvel.

f) Certidão Negativa de Débitos Relativos às Contribuições Previdenciárias e às de Terceiros (art. 47, I, b, c/c art. 33, caput, Lei nº 8.212/1991 e Decreto n.º 3.048, art. 257, I, “a”, de 6-5-1999, Presidência da República ). Exigida de pessoa jurídica. Inexigível nas mesmas condições do item anterior: objeto da pessoa jurídica e contabilização do imóvel. Não há previsão de sua dispensa por simples declaração da pessoa jurídica quanto ao seu objeto, razão por que deve ser analisado seu ato constitutivo. Quanto à contabilização é a aceita a declaração da pessoa jurídica. A lavratura da escritura sem CND causará responsabilidade solidária do tabelião e nulidade do ato (art. 48, Lei 8.212/1991).

g) Comprovante de pagamento do imposto de transmissão de bens imóveis – ITBI ou ITCD (art. 1º, II, Decreto nº 93.240/86).

h) Certidão negativa de débitos de contribuições condominiais, no caso de imóveis em condomínio, expedida pelo representante do condomínio, síndico. Essa certidão poderá ser substituída por declaração do alienante de que as obrigações decorrentes do imóvel estão pagas. A certidão expedida pelo condomínio tem natureza de quitação; portanto, eventual obrigação pretérita não poderá ser cobrada do adquirente.


2)     Escritura de alienação e ou oneração de imóveis rurais. São necessárias as certidões do item anterior e:

a) Certidão negativa de tributos imobiliários expedida pela Secretaria da Receita Federal (art. 1º, § 2º, Lei 7.433/85 e art. 1º, III, a, Decreto nº 93.240/86).

b) Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR. Serão transcritos do CCIR na escritura: código do imóvel, nome do detentor, nacionalidade do detentor, denominação do imóvel, localização do imóvel (art. 22, § 6º, Lei nº 4.947/66).

c) Prova de pagamento de ITR dos cinco últimos exercícios (art. 21, Lei 9.393/1996).

d) Observância do módulo rural ou fração mínima de parcelamento, que no Distrito Federal é de 2ha. No Distrito Federal é proibida a venda de fração ideal (em condomínio) de maneira que caiba ao condômino fração equivalente a tanto inferior a 2ha (art. 8º, § 3º, Lei 5868/72). O PGCTJDFT, art. 254, § 1.º  proíbe lavratura e registro de escritura envolvendo mais de um adquirente em que conste, para cada adquirente, area inferior a 2 ha.

e) Certidão Negativa de Dívidas referentes a multas do IBAMA e SEDUMA (art. 37 da Lei nº 4.771/65).

f) Averbação da reserva legal. Na certidão de ônus do imóvel deverá constar estar averbada a reserva legal (art. 16, § 2º, Lei nº 4.771/65).

g) Memorial descritivo da área objeto do negócio, subscrito por Agrimensor inscrito no CREA/DF, obedecida norma Técnica de Georeferenciamento de Imóveis Rurais, aprovada pelo Incra.

h) Certidão da SEDUMA – Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente do Distrito Federal que ateste a localização do imóvel e qual o menor módulo ambiental daquela localização.

INFORMAÇÃO DE VALOR DE EMOLUMENTOS.

Em todos os atos notariais serão informados os correspondentes valores de emolumentos. Os emolumentos de escritura terão por base o maior valor entre: a) o declarado pelas partes para o negócio jurídico; b) o considerado no lançamento fiscal como base de cálculo.

LEITURA DO ATO ÀS PARTES OU PELAS PARTES.

Todos os atos notariais devem ser lidos pelo tabelião, ou escrevente, às partes. O art. 279, VII, do PGCTJDFT prevê que a escritura deverá conter declaração de ter sido lida na presença das partes e demais comparecentes, ou de que todos a leram.

OUTRAS DECLARAÇÕES.
Em escritura de alienação de imóvel o tabelião deverá fazer constar declaração de que “foi emitida DOI – Declaração sobre Operação Imobiliária, nos termos de Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal.”

ENCERRAMENTO DO ATO. ASSINATURA DAS PARTES, INTERVENIENTES, TESTEMUNHAS E TABELIÃO ENCERRANDO O ATO.

A escritura será encerrada colhendo-se todas as assinaturas. No Distrito Federal colhem-se todas as assinaturas no encerramento do ato. Normas de alguns Estados permitem que se colham assinaturas das partes em dias distintos.

As escrituras serão encerradas com as declarações previstas no art. 265 do PGCTJDFT. Recomendamos que, em prova de concurso público, seja autor do ato o próprio tabelião e não escrevente-autorizado, o que permitirá redução do texto.


ESCRITURA DE COMPRA E VENDA

CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL

Contrato de compra e venda é contrato em que uma pessoa se obriga a transferir a outra a propriedade de coisa corpórea ou incorpórea, mediante pagamento de certo preço em dinheiro ou valor fiduciário correspondente (Cario Mário da Silva Pereira).

O contrato de compra e venda não produz direito de propriedade ao adquirente. Produz direito pessoal. O direito de propriedade se dá após a tradição – entrega da coisa, se bem móvel, ou registro do título, se imóvel (CC, art. 1.267 e Súmula 489, STF). Se houve contrato e pagamento do preço sem entrega do bem, o comprador não é proprietário, de modo que, se o vendedor o alienar novamente a terceira pessoa, o primitivo comprador não terá direito de reivindicá-lo, mas apenas de exigir que o vendedor lhe pague as perdas e danos.

Há cartórios de notas e cartórios de imóveis. No cartório de notas é lavrada, feita a escritura, e no cartório de imóveis é registrada a escritura que foi feita em cartório de notas. O contrato de compra e venda é firmado, instrumentalizado, na escritura feita no cartório de notas (ou até mesmo em instrumento particular, quando hábil), mas a transferência da propriedade acontecerá somente quando essa escritura ou instrumento particular for registrado.

CLASSIFICAÇÃO DA COMPRA E VENDA DE IMÓVEL


Contrato bilateral, oneroso (as duas partes auferem vantagens patrimoniais), comutativo ou aleatório (normalmente é comutativo, porque há uma equivalência direta entre prestações previamente conhecidas), solene (exige-se forma escrita ou até forma especial, escritura pública), translativo de domínio (ele não causa a transferência de propriedade, mas é títulos hábil para transferir).

ELEMENTOS DA COMPRA E VENDA DE IMÓVEL


Coisa, preço, consentimento e forma.

A coisa deverá ter existência (ainda que potencial), ser individuada, ser disponível e ter possibilidade de ser transferida.

Ainda segundo lição de Maria Helena Diniz, a coisa alienada deverá ser existente, sob pena de nulidade da compra e venda. Todavia, nem sempre o contrato terá de incidir sobre objeto já conhecido e perfeitamente caracterizado no momento de sua formação, visto que nosso direito permite que verse sobre coisa futura (CC, art. 483). Observe que a doação não poderá versar sobre coisa futura.

É ainda possível venda de “imóvel em construção”, por exemplo, unidade autônoma em prédio residencial, ainda não edificado, mas com memorial de incorporação já registrado, com criação de matrícula própria. Suficiente será, portanto, a existência potencial da coisa no momento de sua celebração, mas na data avençada para entrega precisará integrar o patrimônio do vendedor, para que possa transferir a propriedade pela tradição ou pelo registro.

O Provimento Geral da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (PGCTJDFT) prevê no inciso I, do art. 278 que, antes de se fazer escritura de alienação de imóvel, deverá ser observado pelo tabelião se o título de propriedade do alienante está registrado no cartório de imóveis. Em suma, poder-se-á lavrar escritura de imóvel matriculado em cartório de registro de imóveis.

A coisa deverá ser individuada. Já que o contrato de compra e venda cria obrigação de dar, essa obrigação há de recair sobre coisa perfeitamente determinada.

O PGCTJDFT prevê, no § 2.º, do art. 279 que se consideram cumpridas as exigências do art. 225 da Lei 6.015/1973 se mencionado o número do registro ou a matrícula no ofício imobiliária, logradouro, número, bairro, cidade e Estado. É, então, dispensada, na escritura, a referência a medidas, área e confrontações do imóvel.

Para imóveis rurais é necessário o geo-referenciamento por profissional autorizado pelo INCRA. O PGCTJDFT, art. 254, § 1.º proíbe alienação de imóvel rural a mais de um adquirente, ainda que em condomínio, em que caiba a algum adquirente área ou fração equivalente a menos de 2 ha.

A coisa deverá ser disponível, vez que sua inalienabilidade natural, legal ou voluntária (convencional) impossibilitaria sua transmissão ao comprador.

O preço deverá apresentar os caracteres:

  • pecuniariedade: constituir soma em dinheiro (ou coisa que o represente, a exemplo de cheque, nota promissória). Se constituir em outra coisa que ultrapasse metade do imóvel adquirido ter-se-á permuta. Se for convencionado pagamento mediante prestação de serviço o contrato não será exatamente de compra e venda; terá outro nome.
  • seriedade. Deverá ser sério, real e verdadeiro, indicando firme objetivo de se constituir contraprestação. Se for fictício, não se terá venda alguma, mas doação dissimulada. Não se exige perfeita equivalência objetiva entre coisa e o preço, mas apenas que este não seja tão irrelevante a ponto de significar uma liberalidade do alienante.
  • certeza: determinado ou determinável.


O consentimento entre os contratantes requer válida manifestação de vontade, por pessoas capazes e legitimadas. Casos especiais:

  • pessoa casada: o cônjuge terá de autorizar na venda, salvo na separação convencional de bens e na participação final nos aqüestos;
  • compra e venda entre marido e mulher: em regra um cônjuge não pode vender imóvel ao outro, mas admite-se a compra e venda de bem excluído da comunhão – bem que não se comunicou (art. 499 do Código Civil);
  • venda de ascendente a descendente: o cônjuge do vendedor (salvo se casados na separação obrigatória de bens) e demais descendentes do vendedor (herdeiros necessários imediatos, de primeira classe) terão de autorizar, sendo anulável a venda feita sem autorização. O art. 496 do CC trouxe nova hipótese em que a pessoa casada pode vender imóvel particular sem anuência do cônjuge: casado na separação obrigatória que aliena a descendente. Por outro lado, o casado na separação convencional ou na participação final nos aqüestos com dispensa de anuência prevista em pacto, contrariando a regra geral, terá de obter anuência do cônjuge para alienar imóvel particular a descendente. Mas também contraria a regra geral a necessidade de o alienante ter de obter anuência do descendente, sob pena de anulabilidade, para vender seu imóvel. A norma, como ensina Clóvis Beviláqua, visa “evitar que, sob color de venda, se façam doações, prejudicando a igualdade das legítimas”.  Questão levantada em sala de aula foi a de se saber a que se refere a expressão “em ambos os casos” contida no parágrafo único do art. 496 do Código. Encontramos a resposta no Enunciado n.º 177, da III Jornada de Direito Civil, realizada em 1.º e 3-12-2004: “Por erro de tramitação, que retirou a segunda hipótese de anulação de venda entre parentes (venda de descendente para ascendente), deve ser desconsiderada a expressão ‘em ambos os casos’, no parágrafo único do art. 496.”
  • os que têm dever de zelar de bens de terceiros estão proibidos de adquiri-los, mesmo em hasta pública, a exemplo de tutores, curadores, testamenteiros e administradores (mandatários, síndicos condominiais e administradores judiciais de falências etc.): não podem comprar bens confiados a sua guarda e administração. O mandatário (procurador) pode, se o mandante o autorizou na procuração, com a cláusula de agir em causa própria;
  • os servidores públicos não podem comprar os bens da pessoa jurídica a que servirem, visto que poderão influir na deliberação de se vender e do preço. Poderão comprar se houver lei autorizativa;
  • os juízes, leiloeiros e auxiliares da Justiça (depositário, perito, contador, partidor, distribuidor etc.) não poderão adquirir os bens sobre que se litigar onde esses funcionários servirem, ou a que se estender sua autoridade;
  • o condômino de coisa indivisa: não poderá vender sua parte a estranho, se outra pessoa a quiser pelo mesmo preço (art. 504, CC);
  • o proprietário de coisa alugada: deverá dar preferência de compra ao locatário. O inquilino terá 30 dias subseqüentes àquele em que for notificado para exercer seu direito de preferência (Lei 8.245/91, arts. 27 a 31 e 34). O locatário que não for notificado da venda poderá, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses contados do assento do ato competente no Cartório de Imóveis, desde que o contrato de locação esteja assentado no Cartório de Imóveis pelo menos trinta dias antes da venda. Se houver direito de preferência a condômino e a locatário prevalecerá a do condômino.
  • Sociedade simples ou empresária: Nos termos do art. 1.015 do Código Civil, não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir; ou seja: se no objeto da sociedade não estiver contemplada a atividade de compra e venda de imóveis, ela somente poderá vender imóvel após regular deliberação de mais da metade do capital votante.
  • Pessoas e situações caracterizadas no art. 280 do PGCTJDFT. Segundo o dispositivo, “sem prejuízo de outras hipóteses legais, deverá ser exigido alvará judicial para lavratura de escritura que vise à transmissão do domínio ou de direito e à constituição ou à sub-rogação de direitos reais ou de garantia, nos seguintes casos: I – quando houver interesse de espólio, massa falida, herança jacente ou vacante, incapaz, acervo em concordata ou em recuperação judicial, ou ainda quando se tratar de bens relativos à sucessão aberta; e II – em caso de divórcio ou separação judicial, não houver sido ultimada a partilha.” Esse inciso II refere-se à hipótese em que haja sido iniciado e não encerrado o processo judicial de separação ou divórcio. Obviamente que, se houve separação judicial ou divórcio, sem partilha dos bens, os ex-cônjuges poderão alienar imóvel como condôminos, se for o caso.



CLÁUSULAS ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA


RETROVENDA, PREEMPÇÃO (PREFERÊNCIA), PACTO COMISSÓRIO (CLÁUSULA RESOLUTIVA).

RETROVENDA


Ensina Maria Helena Diniz que retrovenda é a cláusula adjeta à compra e venda pela qual o vendedor se reserva o direito de reaver, no prazo máximo de três anos, o imóvel alienado, restituindo ao comprador o preço ou o valor recebido, mais as despesas por ele realizadas durante o período de resgate, desde que autorizadas por escrito, inclusive as empregadas em benfeitorias necessárias (CC, art. 505). Só é admissível em venda de imóveis.

Caracteriza-se como condição resolutiva. O adquirente terá propriedade resolúvel, que se extinguirá no momento em que o alienante exercer seu direito de recomprar o imóvel, mediante declaração unilateral de vontade, não sujeita a forma especial.

O alienante “recomprará” o imóvel mediante restituição do preço, atualizado monetariamente se houver disposição nesse sentido; pagamento das despesas de escritura, registro e imposto de transmissão efetuadas no primeiro negócio pelo adquirente; pagamento de despesas efetuadas no imóvel com autorização escrita do alienante, inclusive benfeitorias necessárias.

Ensina o Registrador de Imóveis Ademar Fioranelli que, para Serpa Lopes, venda e retrovenda devem ter por fonte um único título jurídico, não podendo provir de títulos diversos, e, se tal acontecer, não pode ser objeto de transcrição ou averbação, porquanto o contrato inicial foi realizado sem condição alguma (Tratado dos Registros Públicos, 1940, vol. III, p. 309). O mesmo entendimento tem Carvalho Santos e Caio Mário da Silva Pereira.

Divergem renomados juristas, defendendo a possibilidade de o pacto constar de instrumento autônomo, Pontes de Miranda, entendendo que a Lei Civil, formulando as regras jurídicas dos arts. 1.140/1.143 do CC, não cerceou a autonomia da vontade.

A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo já decidiu que: “(...) não exige a lei que em único título se trate do negócio jurídico principal e do pacto acessório. Autônomas que sejam suas instrumentações, nada impede que ao registro principal concorra a averbação de cláusula acessória. A eficácia erga omnes da retrovenda (art. 1.142, CC) não reclama a unitariedade da titulação, mas apenas a publicidade da cláusula no sistema do registro imobiliário.”

Ainda na lição de Serpa Lopes, o registro da compra e venda com cláusula é imprescindível, sim, para produzir efeitos erga omnes, diferentemente do que parece dizer a parte final do art. 1.142, do Código Civil de 1916, que traria, então, dispositivo inócuo, vazio de efeitos.

No sistema do Código Civil de 1916 tinha-se que, se convencionado prazo maior que três anos, não se anulava a cláusula, mas reduzia-se ele ao tanto máximo.

Entre as hipóteses taxativas de averbações previstas no art. 167, II, da Lei de Registros Públicos (6.015/1973), não há previsão das cláusulas especiais à compra e venda. Logo, no cartório de registro de imóveis, elas devem ser informadas juntamente com a compra e venda, no próprio texto do registro da compra e venda.

Para contratação de cláusula da espécie é obrigatória anuência do cônjuge do comprador (salvo nas hipóteses de dispensa), já que o ato pode ter por conseqüência justamente a perda, pela resolução, da propriedade ao alienante.

Na resolução da compra e venda opera-se perda dos efeitos do contrato primitivo. Ainda na lição de Fioranelli, “A operação junto ao Serviço Registral consiste em averbar o cancelamento do registro de transmissão, a requerimento das partes (comprador e vendedor), e de todos os direitos constituídos sobre a propriedade resolúvel, retomando-se a situação primitiva, dada a força retroativa emergente da condição e sua natureza eminentemente resolutiva (...). Caso haja recusa do comprador, o cancelamento não poderá prescindir de ordenamento judicial, em procedimento próprio, com decisão transitada em julgado.”

Diferentemente da contratação da cláusula resolutiva sobre imóvel (em que pode ser necessária a escritura pública), o requerimento de averbação de seu cancelamento pode ser instruído com instrumento particular, com firma reconhecida, firmado por todas as partes que tenham participado do ato registrado, ou mesmo à vista de autorização expressa ou quitação outorgada pelo credor ou seu sucessor, em instrumento público ou particular, tudo nos termos do art. 250, II e 251, I, da Lei 6.015/1973. 

Se o comprador ser recusar a permitir o direito de resgate, o vendedor deverá promover ação judicial, dentro do prazo decadencial(podendo propor ação reivindicatória), depositando em juízo o preço. Se ocorrer a hipótese do art. 506 do Código Civil (alienante efetuar depósito insuficiente) a questão, processual, será regulada pelos artigos 890 a 900 do CPC.

O direito de resgate é intrasmissível por ato inter vivos. É direito personalíssimo do vendedor, que somente se transfere aos herdeiros e legatários. De acordo com o art. 507 do Código Civil “O direito de retrato, que é cessível e transmissível a herdeiros e legatários, poderá ser exercido contra terceiro adquirente”. A interpretação é de que somente é cessível a herdeiros e legatários e somente é transmissível a herdeiros e legatários.

Ensina Moreira Alves que o direito de retrovenda é potestativo; seu registro não gera direito real, mas eficácia erga omnes.

O comprador, enquanto tiver propriedade sob condição resolutiva, terá direitos aos frutos e rendimentos do imóvel, não respondendo pelas deteriorações surgidas, salvo se agir dolosamente.

PACTO COMISSÓRIO


O novo Código Civil não prevê o pacto comissório. Mas ante a liberdade de as pessoas contratarem pode ainda ser adotado. É a cláusula inserida no contrato de compra e venda pela qual as partes concordam que a venda se desfaça, caso o comprador não cumpra sua obrigação.

A venda fica sob condição resolutiva e só se aperfeiçoa se o comprador cumprir suas obrigações no prazo estipulado ou se, no prazo de dez dias após o vencimento, o vendedor cobrar judicialmente a dívida (ou seja, se o vendedor cobrar judicialmente a dívida presume que ele preferiu exigir o preço em vez de rescindir a compra e venda).

Passados dez dias de vencido e não cobrado judicialmente o preço, a cláusula operará efeitos de pleno direito.

A exemplo de Maria Helena Diniz, vários autores dizem que, por operar efeitos de pleno direito, não é necessário provimento judicial reconhecendo a resolução do negócio.

Entendemos diversamente. Ora, quando a lei diz que determinado ato é nulo de pleno direito nem por isso dispensa a declaração judicial de nulidade.

O artigo 474 do Código Civil – dispõe que a cláusula resolutiva expressa opera de pleno direito e a tácita depende de interpelação judicial – tem sentido de que a cláusula resolutiva expressa, após reconhecida judicialmente, produz efeitos de resolução desde a ocorrência do fato resolutivo e a tácita produz resolução desde a citação.

Resolvida a venda, com decisão judicial (que produzirá o efeito de declarar rescindido de pleno direito o contrato de compra e venda desde quando o comprador se tornou inadimplente, mesmo sem prévia interpelação), retorna o imóvel para o vendedor por força da resolução.


PREEMPÇÃO


Segundo Caio Mário é o pacto em que o comprador de coisa móvel ou imóvel fica com a obrigação de oferecê-la por meio de notificação judicial ou extrajudicial a quem lha vendeu, para que este use do direito de preferência em igualdade de condições com terceiro no caso de pretender vendê-la ou dá-la em pagamento.

Pode ser contratada com prazo decadencial máximo de dois anos para imóvel.

A venda é pura e simples, pois produz todos os seus efeitos, enquanto o adquirente não tiver intenção de revender a coisa; condicional será tão-somente a revenda ao vendedor (Maria Helena Diniz).

Não impede a venda, mas responderá por perdas e danos o comprador, se alienar a coisa sem ter dado ao vendedor ciência do preço e das vantagens que por ela lhe oferecem e responderá solidariamente o adquirente, se tiver procedido de má-fé (CC, art. 518).

É um direito pessoal que não se transmite por ato inter vivos ou causa mortis, não passando aos herdeiros.
EFEITOS DA COMPRA E VENDA

GARANTIA CONTRA EVICÇÃO

Evicção é a perda da coisa, por força de decisão judicial, fundada em motivo jurídico anterior, que a confere a outrem, seu verdadeiro dono, com o reconhecimento em juízo da existência de ônus sobre a mesma coisa, não denunciado oportunamente no contrato (Cáio M. S. Pereira).

Ensina Orlando Gomes que “a garantia por evicção constitui obrigação de fazer do transmitente: a) de não turbar o adquirente, assegurando-lhe a posse pacífica da coisa alienada; b) de o assistir e tomar a sua defesa, no curso de uma ação reivindicatória, ao ser denunciado à lide; e c) de reparar os danos sofridos pelo comprador, se a evicção se consumar.”

“A evicção não constitui direito real, que se transmita com a coisa para o domínio do adquirente. Por ela só responde quem foi parte no contrato (RT, 451:104, 111: 597).

Na evicção há três pessoas: a) evicto, adquirente, que perde, total ou parcialmente a coisa; b) alienante, que transfere o bem; c) evictor, terceiro que move a ação judicial, vindo a ganhar, total ou parcialmente, o bem objetivado no ato negocial (Washington de Barros Monteiro). 

Segundo lição de Maria Helena Diniz, são requisitos da evicção:

1.     Onerosidade da aquisição do bem, pois a responsabilidade pelos riscos da evicção é inerente aos contratos onerosos (CC, art. 447). Exceções: doação para casamento com certa e determinada pessoa, em que o doador ficará sujeito à evicção, salvo convenção em contrário (art. 552, CC); nas doações remuneratórias e com encargo, haverá responsabilidade pela mora, pelo vício redibitório e pela evicção, quanto à parte correspondente ao serviço prestado e à incumbência cometida.
2.     Perda, total ou parcial, da propriedade ou da posse da coisa alienada pelo adquirente; em caso de evicção parcial, o evicto poderá optar entre a rescisão contratual ou o abatimento no preço, proporcionalmente à parte subtraída a seu domínio ou à desvalorização sofrida pela existência de ônus real.
3.     Sentença judicial, transitada em julgado, declarando a evicção. Essa regra não é absoluta. Tem-se admitido evicção, independentemente de sentença judicial, quando por exemplo houver apreensão policial do bem em razão de furto ou roubo anterior à alienação.
4.     Anterioridade do direito do evictor.
5.     Denunciação da lide;

CLÁUSULA DE EXCLUSÃO DA GARANTIA CONTRA EVICÇÃO

VENDA AD MENSURAM E VENDA AD CORPUS

Direitos do comprador e do vendedor quando houver divergência na área do imóvel (constata-se divergência, para mais ou para menos, entre a área verdadeira do imóvel e a descrita na escritura).

Há venda de imóvel ad mensuram (caput do art. 500 e §§ 1.º a  2.º, CC) e venda ad corpus(§ 2.º do art. 500, CC). É recomendável que se diga no título se a venda é ad mensuram ou ad corpus.

Venda ad mensuram é aquela em que a área do imóvel vendido é essencial, e não meramente enunciativa. Estipula-se o preço por medida de extensão. Ensina Maria Helena Diniz que a especificação precisa da área do imóvel é elemento indispensável, pois ela é que irá determinar o preço total do negócio.

O preço será fixado tendo por base cada unidade ou a medida de cada alqueire, hectare ou metro quadrado, como por exemplo, quando o alienante diz: “vendo 200 alqueires de terra a R$ 180.000,00 o alqueire”.

O art. 500 do Código Civil prevê que, na venda ad mensuram, se o comprador constatar que o imóvel não corresponde às dimensões da escritura, terá direito de exigir o complemento da área, e, não sendo possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

Assim, haverá por parte do vendedor obrigação facultativa: primeiro de acrescentar a área faltante e, se isso não for possível surgirá obrigação alternativa: o comprador escolherá entre resolver o negócio ou pedir abatimento proporcional no preço. Segundo o § 1.º desse artigo presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo (5%) da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio. Exemplo da parte final desse parágrafo teríamos em compra feita para instalação de granja de frangos: ainda que a diferença seja inferior aos 5%, se, em razão dessa diferença, vier a se impossibilitar a instalação da granja (por exigência de área mínima da indústria parceira), nasceria ao comprador direito de exigir complemento da área ou, não sendo possível, de resolver o negócio ou exigir abatimento.

Se constatar que a área vendida for maior que a enunciada e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador escolher entre completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.

Assim, na venda ad mensuram, rara e própria de venda de imóvel rural: 1. se, após a compra, o comprador constatar que a área verdadeira é mais que 5% menor que a constante na escritura, terá direito a exigir complemento da área; não sendo possível o complemento terá direito de escolher entre resolver a compra e venda ou exigir abatimento proporcional no preço.

Chama-se ex-empto ou ex vendito, ação real, a em que se pede complemento da área. Requer citação do cônjuge do vendedor para validade (art. 10, CPC). Chama-se ação redibitória a em que se pedir resolução da compra e venda. Chama-se ação quanti minoris ou estimatória a em que se pedir abatimento proporcional no preço. Essas duas últimas – redibitória e estimatória – são ações pessoais. Não há obrigação de citar o cônjuge.

O art. 501 do Código Civil determina que qualquer desses direitos decai um ano após o registro do título aquisitivo no cartório de imóveis. O parágrafo único do artigo diz que se houver atraso na imissão de posse no imóvel, atribuível ao alienante, a partir da posse correrá o prazo de decadência.

Venda ad corpus é aquela em que o imóvel é alienado como corpo certo e determinado. O bem é individuado e o comprador o adquire pelo conjunto e não em atenção à área declarada, que assume caráter meramente enunciativo, mesmo que não haja menção expressa de que houve venda ad corpus (Maria Helena Diniz).

É a mais comum, mesmo em se tratando de imóvel rural (comumente as pessoas vendem a chácara tal ou a fazenda tal). É a regra na venda de imóveis urbanos (quando não há relação de consumo), mesmo porque não se pode vender tantos metros quadrados de um apartamento ou casa, em face de sua indivisibilidade.

Na venda ad corpus a diferença de área não gera efeito algum.

Nos termos do § 3.º do art. 500, do Código Civil “não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus”.

APLICAÇÃ0 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Se a compra e venda de imóvel configurar relação de consumo aplica-se o Código de Defesa do Consumidor e não o § 3.º do Código Civil. É pacífico na doutrina que à venda de imóvel amparada pelo CDC aplicam-se as regras de venda ad mensuram naquilo que for mais benéfico ao consumidor. Logo, na relação de consumo, se houver área menor, em tanto superior a 1/20 (ou 5%) do imóvel, exclusivamente contra o consumidor, ele terá o direito de exigir complementação da área ou, não sendo possível, resolução ou abatimento no preço.


ESCRITURAS PÚBLICAS DE SEPARAÇÃO, CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO, DIVÓRCIO DIRETO, RESTABELECIMENTO DE SOCIEDADE CONJUGAL, INVENTÁRIO E PARTILHA  E INVENTÁRIO E ADJUDICAÇÃO.

Lei 11.441, de 4-1-2007; Resolução n.º 35, de 24-4-2007, do Conselho Nacional de Justiça;

Disposições Gerais

No inventário judicial, as normas de competência são as do art. 96 do CPC e art. 10 da LICC, que fixam a competência: a) primeiramente, em razão do domicílio do autor da herança; b) para o caso em que o autor da herança não tenha domicílio certo: b.1) foro da situação dos bens, quando todos situados em único local; b.2) foro do local onde ocorreu o óbito, quando possuía bens em locais diferentes.

O art. 1.º da Resolução n.º 35, do CNJ previu que é livre a escolha do tabelião para lavratura de escrituras da espécie, não se aplicando as regras de competência do CPC. A Resolução apenas consagrou o disposto no art. 8.º da Lei 8.935/94.

As partes podem livremente escolher o tabelião independentemente do domicílio dos separandos ou divorciandos, do domicílio do autor da herança, do local dos bens, do local do óbito...

Deve-se, obviamente, ser respeitado o art. 9.º da Lei 8.935, que proíbe a prática de ato pelo tabelião fora do município de sua delegação. Em sua circunscrição, poderá o tabelião praticar o ato fora da serventia.

Os interessados terão opção pela via judicial ou extrajudicial. No início da vigência da Lei, alguns juízos chegaram a extinguir os feitos consensuais ao fundamento de perda de interesse de agir.

Embora referida lei haja previsto gratuidade de emolumentos tão-somente para as escrituras de separação e divórcio, a Resolução do CNJ, art. 6.º, a estendeu às de inventário. Observe que o dispositivo introduzido no CPC, art. 1.124-A, § 3.º, refere-se apenas à separação e ao divórcio, mas manda que demais atos notariais serão gratuitos aos que se declararem pobres. Penso que, por interpretação extensiva, “demais atos notariais” abrange “atos registrais”. Assim, seriam gratuitos, aos que se declararem pobres, a escritura e registros e averbações dela decorrentes (no registro de imóveis e no registro civil). Então, como a Resolução do CNJ estendeu a gratuidade, serão gratuitos, aos que se declararem pobres, as escrituras de separação, divórcio direto, conversão de separação em divórcio, restabelecimento de sociedade conjugal e inventário e partilha.

Induvidosa será a gratuidade, no Distrito Federal, de registros e averbações no registro civil de pessoas naturais decorrentes de escritura de separação e divórcio, ante o disposto no art..... do PGCTJDF. Se os registros e averbações decorrentes de processos judiciais em que se concedeu gratuidade de justiça serão gratuitos, também serão os decorrentes de escritura em que se acatou declaração de pobreza.

É obrigatória a participação de advogado no ato, sob pena de nulidade da escritura. Poderá haver um advogado para todas as partes ou um para cada uma. É dispensada a apresentação de mandato ao advogado, já que não haverá mesmo representação – as partes comparecem no ato assistidas pelo advogado.

O advogado assistente não pode cumular a função de mandatário de parte. O advogado poderá atuar em nome próprio, sem assistência de outro advogado. A escritura deverá conter nome do advogado, domicílio profissional e número de inscrição na OAB.

É desnecessário o registro da escritura no Livro “E” de ofício de registro civil. O art. 10 da Resolução manda que os tribunais de justiça promovam, em prazo já vencido (180 dias após a Resolução) unificação de dados no âmbito estadual e distrital. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal criou central, alimentada pelos 16 cartórios de notas do DF, por meio da internet.

Disposições referentes ao inventário e à partilha

A Lei 11.441/2007 alterou o CPC. Permitiu que inventário e partilha seja feito por escritura pública quando o autor da herança não tenha deixado testamento. Essa escritura pública, referida no alterado artigo 982 do CPC, produz os efeitos da sentença e não precisa ser homologado por juiz.

E se houver testamento, poderá se fazer escritura pública de inventário e partilha? Não. Mas se poderá fazer escritura pública de partilha amigável, nos termos do art. 2.015 do Código Civil, que deverá ser homologada pelo juiz.

A partilha amigável era prevista no ordenamento jurídico antes da Lei 11.441/2007, no art. 2.015 do Código Civil. E não era condição dela que houvesse ou não houvesse testamento. Como ensina Francisco Cahali, “agora, a Lei 11.441/2007 determina expressamente que o inventário será judicial no caso de o autor da herança ter deixado testamento (art. 982, 1.ª parte, CPC). Uma possibilidade de interpretação é a de que, nos casos em que houver testamento, a escritura pública deverá ser submetida à homologação judicial.”  

É obrigatória a nomeação de inventariante, sem necessidade de seguir a ordem prevista no art. 990 do CPC.

Admite-se inventário e partilha extrajudicial com herdeiro ou cônjuge representado por procurador, mediante procuração pública (que não tem prazo de validade, diferentemente da procuração para separação e divórcio, que tem curta validade de 30 dias, talvez em razão de possível desistência dos mandantes).

A escritura poderá ser retificada por consentimento de todas as partes. Os erros materiais poderão ser retificados de ofício, por averbação à margem do ato.

Comentar artigos 14, 15 e 16 da Resolução do CNJ.

Os cônjuges dos herdeiros serão partes quando casados na comunhão universal de bens (em que a aquisição se comunica). Quando houver renúncia ou algum tipo de partilha que importe transmissão o cônjuge do herdeiro deverá comparecer como anuente, salvo quando casado na separação absoluta ou na participação final nos aqüestos em que se convencionou dispensa de anuência.

Deverá ser observado estado civil e regime de bens do casamento do herdeiro tanto no momento da abertura da sucessão, quanto no momento do ato notarial. Se, na abertura da sucessão, o herdeiro era casado na comunhão universal, o cônjuge ou ex-cônjuge terá de comparecer como parte, a menos que já tenham partilhado os direitos hereditários.

Deve-se qualificar o herdeiro fazendo constar seu estado civil no momento da abertura da sucessão e no momento do ato notarial, fazendo-se referência à data de seu casamento, da separação, do divórcio ou da viuvez.

Se o herdeiro era solteiro, divorciado ou viúvo na abertura da sucessão, mas no ato notarial é casado na comunhão parcial de bens ou na separação obrigatória, o cônjuge terá de comparecer como interveniente-anuente quando houver renúncia ou partilha que importe transmissão.

Viúvo ou viúva, em qualquer dos regimes de bens, é parte na escritura em face de seu direito de meação ou de herança.

O companheiro que tenha direito à sucessão é parte. Será aceito como companheiro se os demais herdeiros reconhecerem. Se não houver outros herdeiros ou se eles não reconhecerem, será necessária ação judicial para o reconhecimento da união estável. Observe que para se declarar no registro de óbito que o falecido deixou companheira, é necessário demonstrar a união estável por sentença (matéria de registro civil de pessoas naturais – assento de óbito).

Entendemos que, obviamente  se houver concordância de todos os interessados, na hipótese de autor da herança que era separado de fato, poderão comparecer a viúva, a companheira e os demais herdeiros. O art. 1.723, § 1.º, CC admite união estável do separado de fato.

Pode-se fazer especificação de meação na escritura.

Na qualificação das partes, além dos itens do art. 20 da resolução do CNJ, deve constar estado civil dos herdeiros na abertura da sucessão, no momento do ato notarial e no intervalo entre um e outro.

À qualificação completa do autor da herança e às declarações que devem ser prestadas pelos herdeiros, previstas no art. 21 da resolução, Karin Regina Rick Rosa acrescenta que, por cautela, para evitar questões que possam ensejar a invalidação da partilha, deve ser colhida declaração das partes, na escritura, de que desconhecem a existência de outros herdeiros, de companheira viúva do falecido, ou de ações de reconhecimento de união estável ou investigação de paternidade, o que inibiria malícia de herdeiros.

O art. 22 da resolução traz relação do mínimo de documentos que devem ser apresentados. Na certidão de óbito do autor da herança deve ser verificada a relação de filhos que deixou, para se confrontar com herdeiros comparecentes ao ato. Deve ser apresentada certidão de casamento do herdeiro e certidões que demonstrem estado civil no momento da abertura da sucessão, no momento da escritura e no intervalo entre eles.

No início da vigência da Lei 11.441 discutiu-se muito se poderiam ser partilhados direitos sobre bens imóveis não matriculados. Nas sugestões enviadas ao CNJ pela Anoreg-BR estava de que pudessem ser partilhados direitos que recaem sobre o imóvel tal, ainda que o imóvel não estivesse matriculado no registro de imóveis, como, aliás, fazem constar juízes do Distrito Federal, em inventários judiciais. Todavia, no item “e” do art. 22 da Resolução, o CNJ exigiu “certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos.”

Grupo de Estudos instituído pela Portaria CG 1/2007 da Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo aprovou as conclusões: “4.9 Quanto aos bens, recomenda-se: 4.9.1 Se imóveis, prova de domínio por certidão de propriedade atualizada. 4.9.2 Se imóvel urbano, basta menção a sua localização e ao número da matrícula (art. 2.º da Lei 7.433/85).(...) 4.9.8 Direitos e posse são suscetíveis de inventário e partilha e deve haver precisa indicação quanto à sua natureza, além de determinados e especificados.”

Em meu entender pode-se partilhar propriedade e posse de imóvel matriculado no registro de imóveis.

Devem ser exigidas certidões próprias de alienação de imóvel quando, na escritura, se fizer alienação a terceiros não herdeiros.

Permite-se sobrepartilha por escritura pública, ainda que a partilha haja sido judicial.

Havendo um só herdeiro, com direito à totalidade da herança, lavrar-se-á escritura de inventário e adjudicação (art. 26 da Resolução).

A existência de débito tributário impede a escritura (art. 1.031, CPC). Os débitos tributários devem ser pagos antes. A existência de outros credores do espólio não impedirá a lavratura. As partes podem reconhecer a dívida na escritura e caracterizá-la (valor, origem, título, credor, forma de pagamento, de correção...). Podem separar bens para garantir a dívida, podem pagá-la ou indicar herdeiro ou herdeiros que a pagarão.

Ainda que o credor seja prejudicado, restam-lhe tem três instrumentos, processuais civis, de proteger seu crédito: a) requerer aceitação, em nome do renunciante, da herança renunciada pelo herdeiro-devedor, nos termos do art. 1.813 e §§ 1.º e 2.º, do Código Civil; b) invocar fraude contra credores; c) invocar fraude à execução.

É admissível inventário negativo por escritura. Viúvo ou viúva pode se interessar por inventário negativo, por exemplo, para evitar causa suspensiva para casamento – art. 1.523, I, CC.

É vedada a lavratura de escritura pública de inventário e partilha referente a bens localizados no exterior.

Aplica-se a Lei 11.441/07 aos óbitos ocorridos antes de sua vigência. A lei modifica norma procedimental. Normas processuais e procedimentais têm aplicação imediata e abrangem fatos anteriores à sua vigência.

O novo prazo para abertura de inventário, previsto no art. 983 do CPC, é de 60 dias a contar da morte do autor da herança. Parece referir-se a norma a processo de inventário judicial, mesmo porque tabelião não tem competência para “processo de inventário e partilha”, como descrito. Tabelião lavra escritura de inventário e partilha, que não constitui um processo. Assim, seria de se interpretar que não haveria prazo para a escritura de inventário. Todavia, segundo o art. 31 da Resolução CNJ, cabe ao tabelião fiscalizar o recolhimento de eventual multa, por descumprimento de prazo para abertura do inventário. Então, o tabelião há de fiscalizar se os herdeiros requereram a lavratura da escritura dentro do prazo de sessenta dias. No Distrito Federal não há lei que preveja multa por abertura de inventário após o prazo legal.

DISPOSIÇÕES COMUNS À SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO CONSENSUAIS

O art. 33 da resolução prevê os documentos necessários à escritura.

As partes devem declarar na escritura que não têm filhos comuns ou, havendo, que são absolutamente capazes. Se houver filho comum incapaz é vedada a escritura. A proibição visa a proteger interesse do filho incapaz, o que seria impossível em sede de procedimento em cartório extrajudicial, vez que ao tabelião não é dado julgar. Em processo judicial, o incapaz tem defesa do Ministério Público. A proibição de escritura subsiste ainda que em processo de conversão de separação em divórcio, mesmo que no processo judicial de separação já se tenha disposto sobre a proteção do filho incapaz (guarda, pensão, visitas...). A existência de filho emancipado autoriza a escritura.

A escritura deve conter nome e data de nascimento dos filhos.

A escritura deve conter declaração constante no art. 35 da Resolução do CNJ.

As partes podem ser representadas por mandatário. A procuração tem de ser pública, com poderes especiais, descrição das cláusulas essenciais e prazo de validade de trinta dias. Obviamente que a escritura tem de ser lavrada dentro do prazo de validade da procuração, não bastando o simples requerimento dela no prazo.

Antes da regulamentação do CNJ houve dúvidas a respeito da aceitação de procuração. Isso porque alguns juízes não aceitavam a separação ou divórcio por meio de mandatário, ante o dever de tentar reconciliar as partes. Mas o tabelião não teria esse dever. Demais, como assevera Yussef Cahali: “Em princípio, os cônjuges devem comparecer pessoalmente, no ato de escritura. Nenhum impedimento legal, porém, ocorre a que qualquer um deles se faça representar por procurador na lavratura do ato notarial (art. 215, § 1.º, II, do CC), eis que se trata de negócio jurídico de natureza contratual; de resto, desde que expressamente admitida a celebração do casamento fazendo-se nubente representar por procurador especial (art. 1.535 do CC), não haveria como recusar similar possibilidade, em sede de dissolução da sociedade conjugal...”

Como requisitos essenciais da procuração, Christiano Cassettari elenca: a) declaração de impossibilidade de reconciliação do casal; b) descrição dos bens e a forma da partilha; c) decidindo-se que não será feita a partilha de bens conjuntamente na escritura, indicar que o mandante deseja que a mesma seja feita posteriormente; d) individualização do que será pago a título de pensão alimentícia; ou e) declaração de que não será paga pensão alimentícia ao outro cônjuge; f) declaração de que renuncia pensão alimentícia para si; g) se irá, ou não, retomar o nome que tinha antes do casamento, ou se tal discussão será judicial.

É pública a procuração lavrada em consulado brasileiro. Se o Estado é delegante da atividade notarial e registral, pode ele exercer diretamente a atividade. Assim, mais que competência para lavrar a procuração, o cônsul tem competência para lavrar o próprio instrumento público de separação, divórcio, inventário.

Antes da partilha, deve-se discriminar o patrimônio particular de cada cônjuge e o patrimônio comum, tudo no corpo da escritura.

As partes ou seu advogado devem apresentar minuta da escritura na secretaria de fazenda para eventual emissão de guia de imposto de transmissão.

O traslado da escritura pública será apresentado ao oficial de registro civil do assento de casamento para averbação. O oficial deverá averbar e expedir comunicado ao cartório de registro de nascimento para anotação.

Não há sigilo nas escrituras públicas.

A escritura deve conter declaração do art. 43 da resolução do CNJ.

As partes poderão alterar cláusulas de obrigações alimentares em escrituras futuras com esse fim específico.

Uma parte, unilateralmente, com assistência de advogado, poderá, em outra escritura, posterior à de separação ou divórcio, adotar nome anterior ao casamento.

Segundo art. 46, “o tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de separação ou divórcio se houver fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvida sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito.”

DISPOSIÇÕES REFERENTES À SEPARAÇÃO CONSENSUAL

Os requisitos da separação extrajudicial: a) um ano de casamento; b) válida manifestação da vontade; c) ausência de filho comum menor não emancipado ou incapaz do casal; d) assistência de advogado.

Pode-se fazer escritura de restabelecimento de sociedade conjugal.  Se a Lei 11.441/07 permitiu o mais, que é a separação e o divórcio, também autorizou o restabelecimento da sociedade conjugal do separado, judicial ou extrajudicialmente. Demais, a proteção do casamento é mandamento constitucional.

O restabelecimento pode ocorrer a qualquer tempo, nos termos do art. 1.577 do CC.

Na escritura de restabelecimento, o tabelião deve: a) fazer constar que as partes foram orientadas sobre a necessidade de apresentação de seu traslado no registro civil do casamento. Esta disposição é comum às separações, divórcios, conversões em divórcio, restabelecimento, retomada de nome anterior ao casamento; b) anotar o restabelecimento à margem da escritura pública de separação ou comunicar ao cartório competente, para anotação; c) comunicar ao juízo da separação judicial.

A sociedade não pode ser restabelecida com modificações. Sustenta o Professor Doutor Francisco José Cahali que “o casal separado que optar pelo restabelecimento da sociedade conjugal poderá, também optar por novo regime de bens. A possibilidade decorre, especialmente, de alteração no conteúdo da norma jurídica, que antes constava no art. 46 da Lei 6.515/73, e agora se encontra no art. 1.577 do Código Civil. O art. 46 da Lei do Divórcio previa a possibilidade de restabelecimento da sociedade conjugal, nos mesmos termos em que fora constituída. O legislador pátrio, ao prever o restabelecimento no Código Civil, suprimiu justamente esse trecho, ficando a redação do art. 1.577 assim: ‘Art. 1.577. Seja qual for a causa da separação judicial e o modo como esta se faça, é lícito aos cônjuges restabelecer, a todo tempo, a sociedade conjugal, por ato regular em juízo(...)’. A conclusão decorre, primeiro, da disposição expressa do art. 1.576, no sentido de que a separação põe fim ao regime de bens. Portanto, separados, o regime de bens do casamento deixa de existir. A alteração do regime de bens durante o casamento é admitida desde a vigência do Código Civil de 2002, art. 1.639, § 2º, ressalvados os direitos de terceiros. Se a mudança do regime de bens pode ocorrer na própria constância do casamento, não há razão para que o casal que restabelece a sociedade conjugal finda não possa optar por outro regime de bens no ato do restabelecimento. Entretanto, ainda há divergência entre os estudiosos e operadores do direito sobre a possibilidade da alteração do regime de bens quando da reconciliação efetivada pela via extrajudicial, tendo em vista que uma das exigências previstas no § 2º do art. 1.639 do Diploma Civil é a ‘autorização judicial’. E, neste sentido, afirma Viviane Girardi em artigo de sua autoria: ‘(...) Nesse aspecto, sendo imprescindível a devida chancela judicial por ser requisito expresso da lei, sobretudo porque o juiz deverá analisar e dar valor à motivação trazida pelo casal –o que definitivamente está fora da órbita e dos poderes dos notários públicos–, tem-se como impossibilitada a modificação do regime de bens por ocasião da reconciliação feita administrativamente pelo casal”.

Combinando-se os artigos 48 e 51 da Resolução do CNJ tem-se que a escritura de restabelecimento pode ser efetuado à vista de sentença de separação transitada em julgado ou da certidão de casamento com averbação da separação. E o registrador civil somente averbará o restabelecimento após averbar a separação.

DISPOSIÇÕES REFERENTES AO DIVÓRCIO CONSENSUAL

Pode-se lavrar escritura de divórcio direto consensual e de conversão de separação (judicial ou extrajudicial) em divórcio consensual.

Para o divórcio direto não basta declaração das partes de que estão separados de fato há mais de dois anos. Deve haver prova documental da separação ou declaração de pelo menos uma testemunha.

OUTRAS QUESTÕES

Para escrituras da espécie deve ser emitida DOI, fazendo-se menção na escritura.

Se houver nascituro do autor da herança deve ser obstada a escritura.

Não se admite separação de corpos por escritura.


ESCRITURA DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL

Adotamos, quase que integralmente, as profundas e seguras lições do Professor Francisco José Cahali, in Contrato de Convivência na União Estável, Ed. Saraiva. Assim, transcrevemos abaixo, com pequenos comentários e retirada de texto resumo contido em referido livro, que será a referência de nossa aula sobre o tema.

UNIÃO ESTÁVEL COMO CONDICIO IURIS (EFICÁCIA CONDICIONADA À CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL)

Podemos qualificar o contrato de convivência como negócio jurídico de Direito de Família, pois não gera obrigações se os sujeitos não integrarem uma entidade familiar.

Claudia Grieco Tabosa Pessoa: “Por sua vez, também não é correto dizer que o contrato servirá para criar a união estável, fato jurídico que se forma com o decurso do tempo e o perfazimento dos elementos que a caracterizam, nos moldes do art. 1º da Lei nº 9.278/96; servirá a avenca, todavia, como meio de prova que permitirá estabelecer um marco temporal  a partir do  qual se presume o início da união estável”, tendo antes referido que “o eventual contrato firmado entre as partes nesses moldes não servirá à constituição da união concubinária (que se forma pelo perfazimento dos elementos constitutivos previstos na lei, ou seja, a convivência com a intenção de constituição da família). Havendo, entretanto, contrato escrito firmado entre as partes, os efeitos pessoais e patrimoniais decorrentes da união concubinária retroagirão à datado contrato.

Daí por que, por exemplo, na jurisprudência não se estar admitindo o contrato escrito, ainda que lavrado por escritura pública ou registrado em títulos  e documentos, como prova pré-constituída da união estável, apta a autorizar um dos concubinos a reclamar alimentos pelo rito especial da Lei nº 5478/68. Confira, a  respeito, decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo com a seguinte ementa: “Alimentos- Sociedade de fato – Alimentos  provisórios postulados por ex-concubina – Necessidade de prova preconstituída do parentesco da obrigação alimentar _ Norma do artigo 1º da Lei nº 8971/94 que só se aplica na hipótese de haver prova suficiente do dever de prestar alimentos – Recurso parcialmente provido. Reclamando a ação especial a existência de prova preconstituída da obrigação alimentar (parentesco ou vínculo matrimonial), é de admitir-se o uso da referida ação pela companheira, apenas se munida esta de sentença declaratória dos requisitos fáticos do artigo 1º da Lei 8971/94”.

Repita-se, agora, tratar-se de ineficácia do pacto enquanto não caracterizada a entidade familiar.

Nesse instante, cabe refletir sobre a celebração de um contrato de convivência, previamente ou durante uma relação adulterina, por exemplo, que não tem aptidão para se caracterizar enquanto instituto amparado pelo ordenamento vigente. Neste caso, a condicio iuris também  não se consuma, e a eficácia das disposições subordinadas à união estável só se dará se e quando da sua caracterização. Haverá, ainda que não literalmente, um reconhecimento voluntário e recíproco do fato jurídico e aceitação de suas conseqüências (legais ou contratuais).

Nesta hipótese, os contratantes, ressalvado eventual vício na manifestação de  vontade, ficam impedidos, entre si, de negar a união reconhecida até o instante do reconhecimento em contrato, podendo ser exigido o cumprimento das obrigações assumidas, e a produção dos efeitos previstos na lei e na convenção. Não valerão, entretanto, os efeitos em face de terceiros que livremente podem impugnar a existência atual e pretérita daquela relação.

Por fim deve ser analisado um outro aspecto no que se refere à interdependência do pacto com a constância da união estável, observando-se que a vigência do contrato não confere, por si só, sustentação à existência da convivência. Em outros termos, o concubinato tem seu fim, pela só constatação de fato do término da relação quer pela morte quer pela separação. Havendo contrato, não há necessidade de sua revogação para se por termos à união, como ocorre, por exemplo, no casamento.

Excepcionalmente, não tem aplicação a regra contida no art. 1093 do Código Civil, segundo a qual o distrato se faz pela mesma forma que o contrato respectivo. Aliás, esta é mais uma peculiaridade dessa espécie de pacto.

Pela sua natureza e essência, o contrato de convivência é sempre condicional e dependente do fato jurídico cujos efeitos nele se contêm. Está Subordinado à união estável. É acessório do concubinato. Não se trata de identificá-lo com contrato acessório, ou obrigação acessória, pois reclamaria para tanto a união estável enquanto contrato ou obrigação principal, qualidades que ela não possui, pela origem factual. Mas a convenção não deixa de ser um ato jurídico acessório (em sentido amplo) ao fato jurídico. E não sobrevive à extinção da relação (ressalvados os efeitos já produzidos cuja execução pode ser reclamada pelas partes, mesmo após o fim da relação).

Prevalece o princípio de que o acessório segue o destino do principal, especialmente no que se refere à condição jurídica do subordinante, de tal modo que se este, por exemplo, for anulado, aquele também o será por decorrência, ainda que nele não se contenha qualquer vício. Para nosso estudo, desaparecendo a condição jurídica de conviventes, a partir de então os efeitos voluntariamente estabelecidos, igualmente, deixam de se apresentar no mundo jurídico.

E Este vínculo de dependência, subordinação, acessoriedade não vincula a validade do ato, mas a sua própria eficácia a partir do exato instante em que se verificou o rompimento. Daí decorre dispensa de rescisão judicial ou amigável ou resilição do contrato, sendo automática a extinção das obrigações nele contidas a partir da dissolução da relação.

Diverge, também por isso, o regime convencional, ou mesmo legal, na união estável do regime de bens no casamento. Para o termo final da comunhão dos bens adquiridos na constância do matrimônio, quando existente a comunicação do patrimônio, há necessidade de um pronunciamento judicial ou de lavratura de escritura pública correspondente, condicionado por lei, inclusive, à dissolução do casamento (Lei do Divórcio, art. 3º ).

Para o regime convencional produzir seus efeitos, ou para se fazer valer a presunção legal de condomínio na união estável, ao contrário do casamento, na falta de composição entre os conviventes, o interessado obrigatoriamente deverá demandar para obter o resultado pretendido. E nesta sede, imprescindível se faz a prova da união estável e a exata delimitação de seu período (termo inicial e final). E só no período reconhecido judicialmente é que se dará efeito à convenção ou presunção legal.

Em outras palavras, o regime convencional ou legal na união estável só se positiva, ou concretiza (na recusa ao cumprimento voluntário), por um pronunciamento judicial que venha a reconhecer os seus efeitos em determinado período. Por sua vez, no casamento, a convenção prevista no pacto ou no regime legal de bens têm sua eficácia plena e real até mesmo independentemente da constância do matrimônio, pela só existência jurídica deste, sendo necessária decisão judicial apenas para a exclusão dos efeitos lá especificados.

Não obstante as considerações acima conferindo pouca eficácia ao contrato no que se refere à caracterização da união estável, não se pode obviamente negar a sua força como robusta prova da convivência, ainda que seja uma prova juris tantum. Já vimos que valerá entre as partes enquanto reconhecimento voluntário do fato jurídico pretérito e contemporâneo à celebração da convenção. E mesmo não se caracterizando para alguns como prova pré-constituída para  instruir  a ação de alimentos pelo rito especial, sem dúvida representa demonstração quantum satis para habilitar um pedido de liminar em ação cautelar de alimentos ou mesmo robusta  comprovação para fundamentar pedido de tutela antecipada.

Vale dizer, o contrato é uma das provas do fato jurídico, mas não representa um instrumento jurídico de criação  de uma situação jurídica entre as partes a ser respeitada forçosamente por terceiros.
Cabe ressaltar, entretanto, situações especiais, com tratamento diverso, como ocorre, por exemplo, na previsão contida no art. 20 do Decreto nº 611/92, regulamentando a Lei nº 8.213/91, pela qual a “declaração especial feita perante tabelião” constitui prova bastante e suficiente sobre a existência de união estável entre segurados da previdência social.

O Decreto nº 611/92:
“Art. 20. A qualificação da companheira ou companheiro decorre da comprovação da existência de união estável com o segurado ou segurada, por ocasião do óbito, na forma do disposto nos §§ 5º e 6º do art. 13, considerando-se para esse efeito os seguintes documentos:
(...)VI- declaração especial feita perante tabelião; (...) XV- escritura de compra de imóvel pelo segurado em nome do dependente. § 1º Os documentos enumerados nos incisos III, IV , V, VI, VII, VIII e XII do caput constituem, por si sós, prova bastante e suficiente, vendo os demais ser considerados em conjunto, no mínimo, processada na forma dos arts. 178 a 187”.

MOMENTO DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA

Não encontramos óbice à mutabilidade das convenções patrimoniais entre os conviventes, daí, também, afastar-se a similitude com o pacto antenupcial. Para Álvaro Villaça Azevedo, como a união estável é situação de fato, esse  contrato escrito pode ser feito a qualquer tempo; o mesmo não ocorre com o casamento, em que o pacto é anterior a este e imutável. Observamos, ainda, que no direito projetado há previsão expressa quanto à possibilidade de se regerem as relações patrimoniais entre os companheiros a qualquer momento.

Sobre outro ângulo, merece reflexão a eficácia retroativa das disposições patrimoniais entre os conviventes. Admitida a estipulação  com efeito pretérito, a previsão não é, entretanto, totalmente ilimitada.
Em um primeiro momento, encontra sua tangente no início da união. Os bens pertencentes aos companheiros anteriormente à união não podem ser objeto desse contrato de convivência. Não se trata de uma opção a regime de bens, o que afasta a possibilidade de se adotar a comunhão universal. O Contrato tem por finalidade a definição dos efeitos patrimoniais decorrentes da união, principalmente em razão da presunção de condomínio prevista na Lei nº 9.278/96. Não se presta a direcionar o patrimônio particular das partes anteriormente à união.

Não sendo um pacto antenupcial, inexistindo previsão legal sobre regime de bens, inadequado dar retroatividade ao contrato sobre bens particulares preexistentes ao início da relação. O permissivo legal contido no art. 5º da Lei nº9.278/96 fala na previsão escrita para afastar a presunção de condomínio na constância da união, não para ampliar a presunção a bens particulares.

Ao pretenderem as partes a comunhão de bens anteriores à convivência, o instrumento apropriado é, se relativo a imóvel, a doação, com suas formalidades, não o contrato de convivência.

Cabe identificar que a restrição é apenas quanto à adequação e eficácia dessa disposição enquanto contrato de convivência, na sua abrangência aqui tratada. Apenas se considera a previsão nesse instrumento de cláusula de comunhão universal pura e simples, pois esta estipulação não é juridicamente possível.

Nada impedirá, no entanto, que como cláusula específica no pacto,  as partes promovam doações recíprocas quanto ao patrimônio particular de cada um, tornando-os comuns com a formalização do instrumento. Não terá repercussão, para a comunhão desejada, o contrato de convivência, mas a própria doação em si, realizada no respectivo instrumento.

Assim, a comunhão universal ou doação de imóvel no contrato de convivência, ainda que levado a registro em títulos e documentos ou como escritura de declaração em tabelionato de notas, não terá valor para efeito de se transferir a propriedade ao parceiro.
Também Sílvio de Salvo Venosa, escrevendo sobre as convenções entre os companheiros, aduz que podem ser modificadas de comum acordo e a qualquer tempo, enquanto o regime de bens do casamento é imutável.

Arnold Wald, sobre a situação patrimonial no projeto de “Estatuto da União Estável” observa que não se aplica o princípio da irrevogabilidade do regime de bens que é peculiar ao casamento.

ELEMENTOS ESSENCIAIS GENÉRICOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

Agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

SITUAÇÕES PECULIARES NO CONTRATO DE CONVIVÊNCIA

Impossibilidade de caracterização da união estável diante da existência de impedimentos matrimoniais e seus reflexos no contrato de convivência:
Quanto aos impedimentos dirimentes absolutos, prestigia-se a reprovação às relações formadas nestas circunstâncias, afastando a caracterização da união estável e colocando os sujeitos à margem da proteção destinada à entidade familiar. Merece ressalva a redução da rigidez desta orientação para, em caráter excepcional, permitir a formação de uma união estável, na amplitude de seus efeitos, por pessoas que, embora casadas, estejam separadas judicialmente ou apenas de fato do respectivo cônjuge.

Quanto às pessoas separadas judicialmente, a própria Lei nº 8971/94 autoriza expressamente a constituição de união estável em sua total amplitude, embora subsistente o impedimento matrimonial.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO PACTO ANTENUPCIAL

O nosso sistema jurídico adota o princípio da ampla liberdade dos noivos para o regramento de suas relações patrimoniais após as núpcias, como decorrência do art. 256 do Código Civil, mantido integralmente no art. 1.639 do novo Codex: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”, permitida a celebração dos chamados regimes misto ou atípico, desprendidos daquelas espécies tipificadas e mais freqüentes na prática.

RESTRIÇÕES AO CONTEÚDO DOS CONTRATOS DE CONVIVÊNCIA

A respeito do pacto antenupcial, “ter-se-á por não escrita a convenção ou a cláusula:  I- que prejudique os direitos conjugais, ou os paternos; II- que contravenha disposição absoluta da lei”(CC, art. 1.655). Por exemplo, estipulações que privem a mãe do direito de guarda dos filhos, que dispensem do dever de fidelidade, coabitação, mútua assistência e que os inibam do direito de recorrer ao divórcio, ou alterem o modo de administração dos bens do casal, dispensando a necessidade de outorga uxória para alienar imóveis particulares.

Em linhas gerais, é vedada a cláusula afastando a incidência das leis próprias da união estável, ou mesmo daquelas destinadas às relações familiares como um todo e especificamente ao casamento, aplicadas por analogia, criando direitos indisponíveis, impondo, nessas condições, determinados efeitos de caráter cogente aos seus sujeitos. A respeito das restrições às estipulações no contrato de convivência, como também no pacto antenupcial, lembramos ser afastado o princípio da contaminação, de tal sorte que a nulidade ou ineficácia de determinada estipulação não prejudica a validade das demais  previsões, prevalecendo a regra utile per inutile non vitiatur.

CONCLUSÕES

“Embora reconhecida a existência do concubinato, com repercussão patrimonial fundada na teoria da sociedade de fato, historicamente havia restrição da doutrina e jurisprudência à validade do contrato de convivência, por considerá-lo ilícito em razão da imoralidade do objeto.

Na jurisprudência o primeiro passo foi a edição da Súmula 35 do STF. E após teoria da indenização por serviços prestados (inicialmente pelo comércio sexual, seguido pela reparação dos afazeres domésticos) chegou-se ao reconhecimento da sociedade de fato.

Em São Paulo, houve manifestação da Corregedoria do Tribunal de Justiça reconhecendo a nulidade desses pactos, ao considerá-los casamento por contrato, e impondo aos Tabeliães e Oficiais de Registro de Títulos e Documentos a proibição, respectivamente, de lavratura de escrituras e registro de documentos com este objeto.

No Rio Grande do Sul, pela Circular nº 7/52 da Corregedoria do Tribunal de Justiça, considerando tratar-se de mancebia simulada em matrimônio, foi imposta a proibição não só da lavratura de escrituras e registro como também do reconhecimento de firmas em contratos dessa natureza, determinando, ainda, aos Oficiais que advertissem as partes da imprestabilidade de tais convenções, frente ao direito e à moral.

Com o advento a Constituição Federal de 1988, a união estável foi elevada à condição de entidade familiar, merecendo proteção do Estado em situação similar à família constituída pelo casamento. A partir de então, não há mais como se falar naquelas restrições à celebração de contratos dispondo sobre os efeitos da relação, superado o óbice à outorga de escritura, registro do documento ou reconhecimento de firma nos pactos.

A Lei nº 8971/94 não previu, mas também não excluiu, a possibilidade de estipulação consensual de efeitos patrimoniais da união estável, subsistindo a orientação permissiva dos contratos de convivência.
A Lei nº 9278/96 previa expressamente em seu art. 3º o contrato escrito entre os conviventes para regulamentação de seus direitos e deveres, estabelecendo no art. 4º seu requisito de validade perante terceiros (inscrição no Registro Civil e comunicação ao Registro de Imóveis); entretanto, tais dispositivos foram vetados pelo Presidente da república, que justificou o veto por entender que se estaria criando um casamento em segundo grau, e não apenas regulamentando os efeitos da união estável.

Embora vetados os referidos dispositivos, o regime patrimonial proposto para a união estável pelo art. 5º da Lei 9278/96 (presunção de condomínio sobre bens adquiridos a título oneroso na constância da relação) permite a estipulação em contrário do legalmente previsto por contrato escrito, podendo ser condiderado, então, previsto o contrato de convivência.

O Contrato de convivência representa o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem a auto-regulamentação quanto aos reflexos da relação, podendo revestir-se da roupagem de documento solene, escritura pública, escrito particular, levado ou não à inscrição, registro ou averbação, pacto informal, e, até mesmo, ser apresentado apenas como disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em negócios jurídicos diversos, desde que contenham a manifestação bilateral da vontade dos companheiros, identificando o elemento volitivo expresso pelas partes.

O contrato de convivência não tem força para criar a união estável e assim tem sua eficácia condicionada à caracterização, pelas circunstâncias fáticas, da entidade familiar em razão do comportamento das partes. A união estável apresenta-se como conditio juris ao pacto, de tal sorte que, se aquela inexistir, a convenção não produz os efeitos nela projetados.

O Contrato de convivência pode ser celebrado a qualquer momento na constância da união estável ou previamente ao seu início.

Permite-se a eficácia retroativa das disposições contidas no contrato de convivência, no sentido de fazer incidir suas previsões sobre situações pretéritas ou patrimônio anterior à convenção. Porém, a retroatividade encontra limite na eficácia apenas a partir da caracterização da união e sobre patrimônio comum pela presunção legal, e na preservação dos direitos de terceiros em seus negócios jurídicos realizados com qualquer dos conviventes.

O contrato de convivência pode ser modificado no todo ou em parte, a qualquer momento, inclusive com efeito retroativo a período anterior às alterações, respeitados os limites da retroatividade acima apontados.

A convenção pode abranger a universalidade dos reflexos patrimoniais da união estável, ou regulamentar efeitos específicos contendo disposições destinadas exclusivamente a certos e determinados bens e direitos.

Conciliando a mutabilidade em parte com a abrangência parcial do contrato de convivência, verifica-se a possibilidade de vigência simultânea de dois ou mais instrumentos dispondo sobre a destinação patrimonial dos conviventes, caracterizando a pluralidade de disposições vigentes.

A licitude do objeto é aferida não só com paradigma na literalidade de uma norma escrita, como também na sua harmonia com os preceitos fundamentais, aí incluídos a moral, os bons costumes e princípios gerais do direito. Para traçar as fronteiras do permitido, buscam-se fontes para confronto em todas as áreas do Direito, não só de Família, como de Obrigações, das Sucessões, das Coisas, Público ou Constitucional.

Diante das suas peculiaridades, existem elementos essenciais próprios do contrato de convivência, uma vez condicionado à caracterização da união estável; assim: a capacidade das partes é aferida, também, à luz de sua aptidão à constituição de família nesta modalidade, de sorte que, havendo impedimento matrimonial previsto nos art. 1.521 (salvo o VI), do Código Civil, também haverá óbice à caracterização da união estável, tornando ineficaz o contrato de convivência firmado entre pessoas nessas condições. Excepcionalmente, poderá constituir-se a relação, acompanhada ou não de convenção, caso um dos companheiros seja casado, desde que separado de fato.

Por sua vez , os impedimentos matrimoniais previstos no arrt. 1.523 do Código Civil não obstam à caracterização de união estável e à respectiva contratação de efeitos patrimoniais.

A imposição do regime da separação obrigatória de bens no casamento entre pessoas com idade avançada não se estende à união estável, permitindo, assim, ao maior de 60 anos a disposição de seus bens em contrato de convivência, com os limites usuais desta convenção, independentemente da condição pessoal.

Também não se impõe restrição para a celebração do pacto às pessoas com as características previstas no art. 1.641, I do Código Civil, para quem é igualmente indicado o regime da separação obrigatória de bens (quando o impedimento for meramente impediente).

As pessoas sujeitas ao pátrio poder, tutela ou curatela, uma vez caracterizada a união estável, e devidamente assistidas ou representadas, podem celebrar contrato de convivência, não se aplicando, igualmente, a imposição ao regime da separação obrigatória.

Não se reclama, para a validade do ato, o instrumento público ou a inscrição do contrato de convivência em Cartório de Títulos e Documentos ou Cartório de Registro de Imóveis, sendo suficiente à eficácia da convenção a celebração por escrito firmada entre as partes. Embora conveniente, nem mesmo a presença de testemunhas faz-se necessária à produção de efeitos do pactuado.

Junto ao Tabelionato de Notas permite-se a celebração de contrato de convivência a ser promovido sob a forma de escritura de declaração.

Na forma proposta, em harmonia com os demais institutos do Direito Civil, deve ser entendida a presunção legal prevista no art. 5º da Lei nº 9278/96 como reconhecendo o direito entre os conviventes à participação recíproca no patrimônio amealhado a título oneroso na constância da convivência, sem adotar uma ou outra forma existente em nosso ordenamento (comunhão ou condomínio), mas criando uma nova categoria.

Mais se aproxima o regime proposto à comunhão de bens móveis decorrentes do casamento, pela qual a disponibilidade plena do patrimônio é exercida pelo seu titular (aparente ou identificado), sem prejuízo da participação do outro cônjuge, a ser verificada apenas quando da dissolução do vínculo. Trata-se de um regime patrimonial próprio e exclusivo da união estável, com contornos próximos  à participação dos cônjuges na meação sobre bens móveis e direitos adquiridos a título oneroso na constância do casamento (quando não afastada a comunhão destes pelo pacto), similitude esta verificada não só na fluência do regime durante a união, como na posterior efetivação da partilha, quando da dissolução do vínculo.

Ausente a previsão legal, inexistente averbação ou inscrição da união estável no Cartório de Registro de Imóveis, e marcada a distinção entre o regime patrimonial da união estável e o regime matrimonial de bens, é dispensada a autorização do convivente para o outro alienar ou gravar com ônus real os bens imóveis em seu nome.

Na hipótese de ter sido, previamente à dissolução, dilapidando intencionalmente o patrimônio de forma a fraudar a participação do companheiro no acervo, o companheiro prejudicado pode pleitear a recomposição de seus direitos, por meio de ação de indenização por perdas e danos, não pelo direito de seqüela, nem tampouco pela anulação das transferências. Apenas se comprovada a simulação pode ser vulnerado o negócio realizado com terceiros por defeito do ato jurídico.

Por expressa previsão legal (parágrafo único do art. 5º da Lei nº 9278/96), fica excluído da comunhão, ainda, o patrimônio sub-rogado aos bens particulares, quer sejam estes anteriores à união, quer sejam posteriores, mas afastados da participação pela sua origem (p. ex., adquiridos a título gratuito).

O contrato de convivência, por si só, não se impõe a terceiros, admitindo a insurgência de qualquer interessado quanto à união estável nele reconhecida. Esta circunstância decorre do fato de ser a convivência uma situação fática, com reflexos jurídicos, mas sem representar um estado da pessoa. Diverge, pois, do casamento, cuja celebração, e respectiva comprovação, pelo registro civil têm eficácia erga omnes.

A posição dos terceiros que realizam negócios jurídicos com qualquer dos conviventes deve ser preservada. Tratando-se de compra de imóvel, prevalece a titularidade indicada no respectivo registro para identificação da propriedade e convalidação da venda promovida  pelo titular do domínio, independentemente da eventual participação de outro convivente, decorrente da existência da união estável, com ou sem contrato de convivência. A questão deve ser analisada de forma objetiva, prestigiando a posição do terceiro diante da informação constante do título de propriedade.

Os prejuízos experimentados pelo convivente em razão da disposição de bens sobre os quais teria participação (pela presunção legal ou pelo contrato de convivência) devem ser recompostos pelo alienante, sem comprometer o negócio realizado.

Apenas no caso de comprovado vício no ato jurídico, como o decorrente da simulação entre o terceiro e o companheiro vendedor, será possível pretender a anulação do negócio realizado. Inexistente o defeito no ato jurídico, a lesão ao direito do convivente por ter o outro alienado ou gravado com ônus real bem sobre o qual teria participação, pela lei ou pelo contrato, deverá ser recomposta por meio de pedido indenizatório, sem atingir o terceiro contratante.

Em linhas gerais, o contrato de convivência projeta-se para afastar ou reduzir a presunção legal de condomínio sobre os bens móveis e imóveis adquiridos na constância da convivência. Mas seu conteúdo, pelas  circunstâncias fáticas de cada relação, pode ter abrangência diferenciada, contemplando peculiaridades específicas para situações próprias.

Mesmo abrangente o seu conteúdo, não se pode pretender, pela convenção, enquanto instrumento de auto-regulamentação dos efeitos patrimoniais da união estável, tornar comum patrimônio anterior à relação ou adquirido a título gratuito. Desejando os conviventes a comunicação destes bens, devem promovê-la mediante instituto próprio, que é a doação, inclusive com os encargos tributários e formalidades legais  inerentes a este negócio jurídico. Assim, o contrato de convivência que apenas prevê a comunicação desses bens particulares não terá a finalidade pretendida, representando apenas promessa de doação que, como tal, admite o arrependimento.


O contrato de convivência não tem força, por si só, para transferir a propriedade de bens entre os conviventes, não se mostrando instrumento adequado para tanto. Indispensável, por exemplo, para os bens imóveis, a outorga da escritura de transmissão do direito real (dação em pagamento, permuta, doação), com o respectivo registro junto ao Álbum de Imóveis. Excepcionalmente, e se assim expressamente contido no contrato de convivência apresentado por instrumento público, poderá haver a outorga de escritura de transferência de bens, atendidos os requisitos pertinentes a este solene ato jurídico.

Ressalvadas as restrições apontadas, o contrato de convivência admite, em regra, a inserção de critérios adotados pelas partes para a repercussão patrimonial da união estável, criando, modificando ou extinguindo direito com conteúdo econômico, diferenciando o regime proposto pelo legislador, desde que respeitada a forma escrita para a sua celebração e obedecidas as regras gerais do Direito das Obrigações e princípios inerentes ao Direito de Família. Assim,  a autonomia da vontade ou autonomia  privada é a força motriz à autoregulamentação das relações econômicas resultantes da união estável, buscando os companheiros prestigiar seus interesses particulares e comuns ao prescreverem as condições e efeitos da convivência, respeitados os limites impostos pelo ordenamento jurídico.

É permitida a fixação de participação diferenciada para cada companheiro sobre o patrimônio adquirido durante a convivência, como, por exemplo, destinando 70% dos bens para um e 30% dos bens para o outro convivente, reconhecendo o condomínio legal, mas afastando a divisão em partes iguais.

Para a acomodação dos interesses das partes, pode ser estabelecida a incidência da presunção legal apenas para certos e determinados bens ou direitos, afastando a participação conjunta sobre a outra parcela do patrimônio. Por representar exceção à regra, a cláusula de exclusão do condomínio deve ser clara, indicando com precisão o patrimônio a ser reservado ou o parâmetro a ser adotado. O critério para o tratamento diferenciado pode ser de acordo com a origem, a titularidade, o momento de aquisição, o gênero, a classe, a espécie de bens ou direitos, etc.

Alternativamente à destinação de titularidade sobre os bens, é permitida a outorga apenas do respectivo usufruto ao convivente. Este usufruto pode representar apenas a redução do condomínio presumido ou pode ser constituído como instituto autônomo, sobre bens particulares. O usufruto aqui tratado não é aquele resultante do Direito de Família (CC, art. 715), embora convencionado na união estável. Trata-se de disposição contratual, e não imposta por lei, daí exigir o cumprimento dos requisitos para a sua instituição, reclamando forma própria quando recair sobre imóveis.

Com as mesmas considerações feitas para o usufruto, o pacto de convivência pode conter a outorga de direito real de habitação ou outros direitos reais sobre a coisa alheia.

É admissível a convenção para o fim de estabelecer previamente critérios a serem observados quando da partilha de bens em caso de dissolução da união estável, sem comprometer a presunção de participação em partes iguais sobre o patrimônio adquirido na constância da relação. Exemplificando, imagine fixarem as partes que o imóvel residencial, móveis e alfaias respectivas serão destinados à companheira, e as quotas sociais sobre empresa da qual o companheiro é sócio-gerente a ele pertencerão, ajustando-se, mediante ativos financeiros ou outros bens, eventuais diferenças de valores desse patrimônio, para ajuste do quinhão. O contrato de convivência na essência aqui proposta é extremamente dinâmico, pela sua mutabilidade, permitindo a precisa indicação pelos companheiros quanto ao destino do patrimônio no curso da evolução patrimonial da união. Poderá haver, também, a previsão aqui tratada, mas com redução  da participação igualitária sobre os bens, de tal modo que, independentemente de eventuais diferenças quanto ao valor do acervo partilhado para cada convivente, não haverá compensação ou reposição.

Na pretendida abrangência da regulamentação contratual das relações econômicas resultantes da união estável, temos como viável o estabelecimento de cláusula fixando previamente indenização para o caso de eventual rompimento voluntário e imotivado, ou a dissolução culposa da relação, de acordo com o que restar contratualmente estabelecido pelas partes.

A indenização, quando pactuada, não poderá ser excessivamente onerosa; deve ser razoável, verificada a razoabilidade com parâmetro no patrimônio dos conviventes e respectivo padrão econômico-financeiro, caso contrário a cláusula passa a ferir a finalidade precípua da união estável, ou seja, a constituição e preservação de uma família. Em não sendo respeitada a natureza da relação, a previsão representaria um contrato de risco, ou jogo econômico entre os partícipes, devendo ser repudiada nas relações familiares a expectativa de sua formação apenas como potencial fonte de riquezas.

Tratando-se de disposições patrimoniais sobre direitos disponíveis, é possível a fixação de cláusulas no contrato de convivência estabelecendo condição suspensiva ou resolutiva, para melhor acomodar os interesses das partes, relevadas as prioridades particulares e objetivos comuns.

Mostra-se possível a convenção de arbitragem no contrato de convivência, por meio de cláusula compromissária, devidamente pactuada, encontrando-se no procedimento arbitral uma saudável  opção, em diversas situações, para  superar litígios decorrentes da união estável. Entretanto, a utilização do juízo arbitral só se mostra viável, impondo sejam necessariamente observados os requisitos próprios para a instituição contratual deste procedimento, previstos na Lei nº 9.307/96, retirando desta forma de julgamento a apreciação a respeito da caracterização da relação. Assim, questionada  a existência da união estável, a controvérsia só poderá ser decidida pelo Poder  Judiciário.

Por expressa previsão na Lei nº 9278/96 (§ 2º do art. 5º), permite-se a fixação em contrato de cláusula conferindo a um dos conviventes  a administração do patrimônio comum. Entretanto, para valer em face de terceiros, a cláusula de administração excepcionando a regra deve revestir-se da qualidade jurídica de um mandato, enquanto ato jurídico previsto nos arts. 653 e ss. do Código Civil, e como tal será tratada, independentemente da situação fática das partes (mandante e mandatário), pois a união estável por si só, ainda que acrescida de pacto , não tem eficácia erga omnes. Assim, sem significado a lei, na medida em que o ato a ser praticado deverá representar a regular instituição de mandato, admitido ordinariamente no gerenciamento patrimonial. Como tal, a sua revogação pode ser promovida por ato unilateral do outorgante, dispensando a modificação consensual necessária às alterações pretendidas no contrato de convivência.

Não será válida a cláusula afastando a obrigação alimentar entre os conviventes. A pensão alimentícia representa imposição legal – independentemente da vontade das partes –, a ser verificada quando do rompimento, outorgando ao titular um direito indisponível.(...)

Os demais efeitos sucessórios decorrentes da união estável, consistentes na outorga de habitação e usufruto também não podem ser objeto do contrato. (...)

A fronteira da liberdade de contratar é a licitude do objeto. Considerando que os efeitos pessoais puros das relações familiares são, em regra, indisponíveis, previstos de forma cogente na norma, há adequada resistência em permitir sejam objeto de contrato de convivência.

... Antijurídica será a cláusula contratual que ultrapassar etapas, formalidades ou requisitos previstos em lei como indispensáveis a obter determinado resultado, como por exemplo preestabelecendo a adição de patronímico ou reconhecendo, prematuramente, a filiação comum, futura e incerta.

O Código Civil propõe modificação ao efeito patrimonial da união estável em relação à sistemática vigente, na media em que, em vez da atual presunção de condomínio, determina seja aplicado às relações patrimoniais o regime da comunhão parcial de bens. Mais abrangente, ter-se-á a participação do companheiro não apenas sobre o patrimônio adquirido a título oneroso na constância da convivência, mas também sobre outros bens, como aqueles adquiridos por fato eventual.

Permite o Código o contrato de convivência, na abrangência aqui tratada, pois expressamente prevê o regime da comunhão parcial, ‘salvo contrato escrito entre os companheiros”.

           
ATA NOTARIAL

CONCEITO

O ato notarial é gênero do qual são espécies escritura pública e ata notarial.

Em regra, a escritura pública é instrumento de materialização de ato jurídico estrito senso ou negócio jurídico ou especificamente contrato ou mesmo declaração de fato jurídico pelas partes, enquanto ata notarial é narrativa, feita pelo tabelião (ou escrevente-autorizado), de um fato jurídico, a servir como meio de prova.

Tanto da escritura quanto da ata o autor é o tabelião; mas podemos dizer com tranqüilidade que, enquanto na escritura há autor mediato (partes) e imediato (tabelião), na ata notarial há tão-somente o autor imediato, o tabelião.

Ensina Walter Ceneviva – citado por João Teodoro da Silva, em Ata Notarial, Editora Safe – comentando o art. 7.º da Lei 8.935/94, que o relato feito pelo tabelião se destina à satisfação de objetivos de direito público e privado: “(...) do mesmo relato genérico, porém, garantido pela fidelidade na narrativa dos eventos. A neutralidade e a rigorosa vinculação à verdade são essenciais, convindo que o delegado reproduza fielmente as declarações pronunciadas pelas partes, embora possa orientá-las, na área de sua competência estrita, a respeito do que pretendem fazer constar da ata.”

Ainda Ceneviva, comentado o art. 6.º de referida Lei:

“O verbo autenticar é aqui vinculado ao termo fatos. Significa a confirmação, pela autoridade da qual o notário é investido, da existência e das circunstâncias que caracterizam o fato, enquanto acontecimento juridicamente relevante.

Quando uma certa ocorrência possa dar origem a direitos, passa a ser considerada fato jurídico, capaz de provocar efeitos em atos ou negócios jurídicos.”

João Teodoro da Silva ainda cita Antônio Albergaria Pereira, que também comenta os arts. 6.º e 7.º da lei:

“Pode, pois, o notário autenticar fatos jurídicos, sejam eles naturais ou voluntários. Exemplo: o notário pode ser chamado para registrar em suas notas que um raio, atingindo um prédio, tornou imprestável seu uso pelo locatário, e, com base nesse registro notarial, irá ele postular em juízo a rescisão do contrato de locação. Aí está um fato jurídico natural que acarreta conseqüências jurídicas. Um notário pode ser solicitado para comparecer a uma assembléia condominial em que assuntos nela a serem decididos podem comprometer os direitos do condômino que solicitou o comparecimento do notário, para que este registre em suas notas a ocorrência desses fatos. Esses fatos são fatos jurídicos voluntários. Essa competência os notários atuais a possuem por força de expresso texto de lei. Isso talvez venha causar espécie a muitos notários, afeitos mais a lavrar em suas notas escrituras de venda e compra de imóveis. A gama de fatos jurídicos, sejam naturais ou voluntários, que podem ocorrer, é imensa.
(...)
Essa competência leva-nos a conceituar ata notarial como sendo o registro pelo notário em seu livro de notas da ocorrência de um fato jurídico, fato esse que pode ser natural ou voluntário (acrescento: a requerimento de alguém). É uma distinção que ora fazemos entre escritura notarial e ata notarial, para, clareando nosso entendimento sobre a distinção feita, deixar expresso que, para nós, a escritura deve ser destinada ao registro de atos jurídicos e a ata notarial deve registrar fatos jurídicos em qualquer de suas modalidades.

O notário Leonardo Brandelli conceitua ata notarial como “o instrumento público através do qual o notário capta, por seus sentidos, uma determinada situação, um determinado fato, e o translada para seus livros de notas ou para outro documento. É a apreensão de um ato ou fato, pelo notário, e a transcrição dessa percepção em documento próprio.”

OBJETO DA ATA NOTARIAL

Brandelli afirma que o objeto da ata notarial é um fato jurídico captado pelo notário por todos os seus sentidos, e transcrito no documento apropriado; é mera narração de fato verificado, não podendo haver por parte do notário qualquer alteração, interpretação ou adaptação do fato, ou juízo de valor. O autor lança questionamento acerca da possibilidade de o tabelião narrar, em ata, um ato jurídico presenciado, e conclui que sim.

O objeto da ata notarial é obtido por exclusão; não pode ser objeto de escritura pública ou objeto de ato registral próprio. A materialização de manifestação de vontade se dará em escritura pública em que o tabelião adequará a vontade das partes ao ordenamento jurídico. Mas nada impede que se lavre ata notarial em que o tabelião narre haver presenciado a realização de um ato jurídico. Por exemplo, que narre a entrega de coisa móvel, gado.

Ensina mais Brandelli que “Dizer que o conteúdo da ata notarial é um fato jurídico quer significar em síntese que não pode haver na ata notarial a narração de vontade humana ou, em havendo, não pode a declaração de vontade estar endereçada ao tabelião e destinada a concretizar o suporte fático abstrato descrito na norma jurídica, isto é, não pode tal declaração de vontade destinar-se a celebrar, pelo instrumento público notarial, um ato jurídico; o notário pode, entretanto, ser um mero observador daquelas vontades, não recepcionando. Daí que é possível lavra uma ata notarial de uma assembléia de uma pessoa jurídica, ou da celebração de um contrato verbal, pois embora se trate de um ato jurídico, a vontade não está endereçada ao notário que, tão-somente narra o acontecido, caso em que a ata notarial, por si só, constitui-se num ato-fato jurídico.

Também é perfeitamente possível lavratura de ata notarial para se narrar ocorrência de ato ilícito.

Não pode a ata notarial ter por objeto aqueles específicos de outros serviços registrais ou mesmo de outras autoridades. Inviável, por exemplo, narrar que determinada pessoa declarou um nascimento. Será, sobretudo, rigorosamente inviável, quando se quiser, por ela, atingir efeitos próprios de atos específicos.

FORMA DA ATA NOTARIAL

Protocolar ou extraprotocolar?

A primeira questão a enfrentar no que concerne à forma da ata notarial é de saber se é ela documento notarial protocolar ou extrapotocolar. Embora possa parecer questão menor, é de extrema importância, visto que se for puramente protocolar será lavrada no livro de notas, e, se for puramente extrapotocolar, será lavrada fora do livro de notas, em documento apartado, embora possa ser arquivada cópia no tabelionato.

Os documentos notariais protocolares são os lavrados nos livros do notário, ou os arquivados, no original, na serventia notarial, sempre derivados da intervenção notarial.

No Estado do Rio Grande do Sul, por força do art. 640 do Provimento 01/98 da Corregedoria Geral de Justiça, as atas notariais são extra-protocolares, sendo pois entregue o original para o requerente e arquivando-se cópia no tabelionato. O conteúdo do citado artigo é o seguinte: “Cópias de atas notariais serão arquivadas em pasta especial no tabelionato”.

Em São Paulo, uma vez que não há norma específica, e uma vez que em não havendo norma específica utilizam-se subsidiariamente as normas concernentes à escritura pública, pensamos que as atas devem ser protocolares, isto é, devem ser lavradas no livro de notas, expedindo-se cópia ao requerente.

No Distrito Federal a ata notarial é protocar. Há livro próprio, distinto do livro de escrituras, para atas notariais (art. 272, IV, Provimento Geral CTJDFT).

A ata notarial, instrumento notarial que é, em princípio protocolar, tal qual a escritura pública, e diante do vácuo legislativo no concernente aos requisitos da ata notarial, parece adequado afirmar que devem ser observados na ata notarial, no que couberem, os requisitos aplicáveis à escritura pública.

Temos assim, que  a ata notarial deverá conter, primeiramente, a data  e o local de sua lavratura, e, ao final, a assinatura do tabelião ou de seu preposto autorizado, a teor do que dispõe o art. 134, § 1º, a e f, do CC.

A ata notarial, da mesma forma que a escritura, deve ser requerida ao notário, não podendo ela ser deflagrada de ofício, continuando íntegro aqui o caráter rogatório da função notarial, segundo o qual o notário não pode agir senão quando provocado para tanto. Assim, de acordo ainda com o art. 134, § 1º, f, do CC brasileiro, mister se faz conste na ata notarial a assinatura do solicitante, havendo aqui, entretanto, uma peculiaridade em relação à escritura. Uma vez requerida e iniciada a autuação notarial, se o solicitante nega-se a assinar a ata, pode o notário consignar o fato e perfectibilizar (aperfeiçoar) o ato, em nada afetando a ata notarial tal negativa. Uma vez que na ata notarial não há manifestação de vontade a ser confirmada pela assinatura, uma vez que não há outorga, havendo tão-somente a captação de fatos pelo notário, mediante solicitação de alguém, mesmo que quem solicitou a ata recuse-se a assiná-la, por motivos que (não importa aventar) desimporta (vários)  aventar, estará a  ata perfeita  eis que o notário já terá captado  os fatos com força autenticante.

Para prevenir o risco de o requerente recusar-se a assinar o ato, nessa qualidade de requerente, temos como seguro o procedimento de exigir requerimento escrito e assinado, prévio ao ato.

A Consolidação das Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul prevê:

Art. 638. Ata notarial é narração de fatos verificados pessoalmente pelo Tabelião.

Art. 639. A ata notarial conterá:

a) local, data de sua lavratura e hora;
b) nome e qualificação do solicitante;
c) narração circunstanciada do fato;
d) declaração de haver sido lida ao solicitante, e, sendo o caso, às testemunhas;
e) assinatura do solicitante, ou de alguém a seu rogo, e, sendo o caso, das testemunhas;
f) assinatura e sinal público do tabelião.”


Leciona José Henrique Goma Salcedo que não há necessidade de o notário realizar um juízo de capacidade do requerente da ata notarial, bastando averiguar-se acerca da capacidade natural, do interesse legítimo e da licitude da autuação notarial. Efetivamente, parece-nos assistir razão ao citado notário espanhol, bem como nos parece aplicável a sua lição ao direito brasileiro, senão vejamos: uma vez que a ata é mera narração de fatos jurídicos verificados pelo tabelião, não havendo nela manifestação de vontade, não passa ela própria pela qualificação da vontade das partes, isto é, a vontade não é elemento relevante, da mesma forma que ocorre por exemplo nos atos ilícitos. Assim, da mesma forma que pode um incapaz praticar um ato ilícito porque a vontade não integra o suporte fático da norma jurídica, por ele requerer a lavratura de uma ata notarial, desde que tenha ele capacidade natural para efetuar tal requerimento e legítimo interesse. Nesse sentido, um alienado mental que não tenha noção dos atos da vida não poderia requerer a ata por lhe faltar capacidade natural.

Entretanto, afigura-se-nos possível que um menor com dezessete anos de idade, por exemplo, solicite ao tabelião a lavratura de uma ata notarial que narre o conteúdo de determinada página da rede mundial de computadores.

Embora entendamos não haver necessidade de análise da capacidade jurídica do requerente, mister se faz identificá-lo, ou constar duas testemunhas que o identifiquem, e qualifica-lo, devendo o mesmo assinar o ato, ou alguém a seu rogo se este não souber ou não puder assinar, após a leitura, a fim de materializar o requerimento para a lavratura da ata.

Ao se exigir a assinatura do requerente, não se está a dizer que deve o notário narrar o fato ao sabor da vontade do requerente; pelo contrário, deverá o notário ser absolutamente  imparcial na narração dos fatos, sendo fiel ao que está presenciando, abstendo-se, reitere-se, de emitir qualquer juízo de valor, limitando-se pois a descrever o que está a captar por meio de seus sentidos.

Outro ponto relevante no tratamento da ata notarial é o fato de não ser necessário o respeito à unidade do ato, podendo ela iniciar em um momento e terminar em outro, até mesmo em dias diferentes, devendo distinguir-se cada parte da ata como diligência distinta, consignando-se o lugar, data e hora. É o caso, por exemplo, da narrativa da abertura forçada de um cofre bancário, cujo processo pode estender-se por mais de um dia.

Oportuno ressalvar ainda que, a depender  do fato que se narra na ata, pode ser necessário citar o horário da lavratura, sem o que não se obterá uma pré-constituição de prova efetiva, uma perpetuação segura no tempo daquele fato.

Note-se por fim, que o tabelião, ao lavrar uma ata notarial, deve respeitar os direitos subjetivos alheios, como, verbi gratia, o direito à propriedade e o direito à intimidade. Nesse diapasão, não pode o notário invadir a propriedade de alguém para lavrar uma ata notarial a pedido de outrem, sem que o proprietário consinta com isto.


EFICÁCIA

As atas notariais não têm eficácia substantiva nem executiva, presentes nas escrituras, mas tão-somente eficácia probatória, também presente nas escrituras. Quer-se dizer  com isto que a ata notarial perpetua no tempo, com caráter probatório revestido de fé pública, os atos ou fatos descritos pelo notário. Note-se, porém, conforme adverte Pedro Ávila Álvarez, que a ata notarial não é exaustiva, porquanto o ato ou fato nela consubstanciado pode ser provado  por qualquer outro meio de prova admitido em direito.

Tem a ata notarial o condão de preconstituir prova dotada de fé pública, isto é, os fatos que o notário declarar que ocorreram em sua presença presumem-se verdadeiros, tornam-se críveis, até que se prove o contrário. Por isso diz-se que a ata notarial tem característica de perpetuar  o fato no tempo, com força de fé pública.

Tal eficácia probatória da ata notarial tem ancoradouro positivo no art. 364 do CPC brasileiro, que reza, reitere-se, que o “documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença”.

PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA
                                                                                                           
A ata notarial tem a nobre função de servir como prova pré-constituída para o processo civil, gozando de presunção relativa de verdade.

Ainda segundo lição de João Teodoro da Silva, “...a produção antecipada de prova pericial, ou seja, a tradicionalmente conhecida vistoria ad perpetuam rei memoriam, não dependendo da presença física do juiz em diligência, ela sim, pode e deve ser difundida e praticada sob a modalidade de ata notarial de presença, mediante a qual o tabelião de notas, deslocando-se dentro da circunscrição de sua competência territorial, verifica in locu a existência de um fato e o relata minuciosamente, com o auxílio de quem esteja presente e queira colaborar; mais ainda, se for o caso, com a participação de perito ou peritos que lhe esclareçam as questões técnicas e, se convier, emitam laudo ou laudos a fazer parte integrante da ata.”

Ensina o ilustre notário Leonardo Brandelli que a função notarial surgiu eminentemente redatora, colhedora de fatos, longe da complexidade jurídica que a caracteriza hoje. Explica não ser pacífico, mas costuma-se situar no escriba egípcio o mais antigo antepassado do notário. Os escribas pertenciam às categorias de funcionários mais privilegiadas e lhes era atribuída uma preparação cultural especialíssima. Eram eles que redigiam os atos jurídicos para o monarca, bem como atendiam e anotavam todas as atividades privadas. Sua função, no entanto, era a de mero redator, narrando, o que captava por seus sentidos, não tendo poder autenticador por faltar-lhe a fé pública.

No Brasil, a ata notarial somente veio ser positivada no ordenamento jurídico no art. 7.º da Lei 8.935/1994. Antes havia previsões pontuais em alguns provimentos de tribunais de justiça.

E continua afirmando que “os notários já há muito tempo lavravam atas notariais com outros nomes, embora sem saber que o faziam, como, por exemplo, no caso da aprovação de testamento cerrado e das ‘escrituras declaratórias’, que em verdade, nada mais são do que atas notariais, exceção feita ao caso de contemplarem elas uma declaração unilateral de vontade...”

DIFERENÇA ENTRE ATA NOTARIAL E ESCRITURA PÚBLICA

O principal elemento de distinção entre as escrituras públicas e as atas notariais consiste na existência ou não de manifestação de vontade a ser captada e moldada juridicamente pelo notário. Na escritura, o tabelião recebe a manifestação de vontade das partes, voltadas para a concreção do suporte fático lato sensu, e a qualifica juridicamente, assessorando juridicamente as partes; na ata, não há manifestação de vontade, mas tão-somente a narração de um fato presenciado e apreendido pelos sentidos, sem qualificação  jurídica do fato, sem moldá-lo juridicamente, sem juízo de valor.

A escritura busca criar, modificar ou extinguir direitos; a ata se caracteriza por seu aspecto conservatório. Daí assistir razão a Nunez Lagos ao asseverar que nas escrituras o notário redige e nas atas narra.

Nas escrituras, há necessariamente um juízo de capacidade, posto que há manifestação de vontade das partes, dirigidas á confecção de um ato jurídico lato sensu, ao passo que, nas atas, como vimos, não há essa análise da capacidade de direito, bastando haver capacidade natural e legítimo interesse.

Na escritura pública, a assinatura das partes significa outorga, o que não ocorre nas atas. A outorga, segundo José Henrique Goma Salcedo, é o consentimento das partes ao texto redigido pelo notário, que o fazem seu, materializado pela assinatura. Dessa forma, quando as partes assinam a escritura, estão manifestando conformidade com a redação feita pelo tabelião e estão igualmente assumindo a autoria das declarações de vontade constantes no corpo do ato. Já nas atas notariais, quando o requerente assina, está meramente manifestando conformidade ao texto narrado pelo tabelião, sem contudo assumir autoria de declaração alguma; está em tal caso apenas materializando o requerimento dirigido ao notário para que lavrasse a ata notarial.

As escrituras são sempre protocolares, são, aliás, atos notariais protocolares por excelência; as atas podem ser tanto protocolares como extraprotocolares.

Como se vê, são claras as distinções entre a escritura pública e a ata notarial, não sendo lícito confundi-las. Entretanto, se uma ata não pode nunca ser uma escritura, uma escritura sempre tem algo de ata, isto é, em uma escritura sempre há narração por parte do tabelião de fatos por ele presenciados, porém, há um plus que é a manifestação de vontade das partes.

ESPÉCIESDE ATA NOTARIAL:

ATAS DE PROTOCOLIZAÇÃO;
ATAS DE DEPÓSITO;

ATAS DE PRESENÇA;

São as atas notariais típicas. Aquelas por meio das quais o notário narra um fato por ele presenciado, sem influir no desenvolvimento do fato.
Esta é tão-somente a ata notarial a que o notariado brasileiro está habilitado a lavrar, pois que esta é a ata notarial compreendida na autorização genérica contida no art. 7º, III, da Lei nº 8935/94; para as demais espécies há necessidade de autorização específica e não colisão com atribuição específica de outro oficial público.

ATAS DE NOTIFICAÇÃO;
ATAS DE NOTORIEDADE;
ATAS DE SUBSANAÇÃO.

Aula de 21-9-2007

Professor Allan

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