O Plenário do
Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria, julgou parcialmente procedentes as
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4357 e 4425 para declarar a
inconstitucionalidade de parte da Emenda Constitucional 62/2009, que instituiu
o novo regime especial de pagamento de precatórios. Com a decisão, foram
declarados inconstitucionais dispositivos do artigo 100 da Constituição
Federal, que institui regras gerais para precatórios, e integralmente
inconstitucional o artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), que cria o regime especial de pagamento.
O regime especial instituído pela EC 62 consiste na adoção de sistema de
parcelamento de 15 anos da dívida, combinado o regime que destina parcelas
variáveis entre 1% a 2% da receita de estados e municípios para uma conta
especial voltada para o pagamento de precatórios. Desses recursos, 50% são
destinados ao pagamento por ordem cronológica, e os valores restantes a um
sistema que combina pagamentos por ordem crescente de valor, por meio de
leilões ou em acordos diretos com credores.
Na sessão desta quinta-feira (14), a maioria dos ministros acompanhou o
relator, ministro Ayres Britto (aposentado), e considerou o artigo 97 do ADCT
inconstitucional por afrontar cláusulas pétreas, como a de garantia de acesso à
Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada. O
redator do acórdão, ministro Luiz Fux, anunciou que deverá trazer o caso
novamente ao Plenário para a modulação dos efeitos, atendendo a pedido de
procuradores estaduais e municipais preocupados com os efeitos da decisão sobre
parcelamentos em curso e pagamentos já realizados sob a sistemática da emenda.
ARTIGO 100
Na sessão de quarta-feira (13), o Plenário já havia decidido pela
inconstitucionalidade de dispositivos do artigo 100 da Constituição Federal,
com a redação dada pela emenda, considerando parcialmente procedentes as ADIs
em pontos que tratam da restrição à preferência de pagamento a credores com
mais de 60 anos, da fixação da taxa de correção monetária e das regras de
compensação de créditos.
Ministro Luiz Fux
O ministro Luiz Fux reiterou os fundamentos de seu voto-vista concluído na
sessão de ontem (13), posicionando-se no mesmo sentido do relator, pela
inconstitucionalidade das regras da EC 62. De acordo com o ministro Fux, a
forma de pagamento prevista no parágrafo 15 do artigo 100 da Constituição
Federal e detalhada pelo artigo 97 do ADCT é inconstitucional. Ele considerou,
entre os motivos, o desrespeito à duração razoável do processo, uma vez que o
credor quer um resultado palpável para a realização do seu direito de receber a
quitação da dívida.
Na opinião do ministro Fux, “não se pode dizer que a EC 62 representou um
verdadeiro avanço enquanto existir a possibilidade de pagamento de precatório
com valor inferior ao efetivamente devido em prazo que pode chegar a 80 anos”.
O ministro destacou ainda que esse regime não é uma fórmula mágica, viola o
núcleo essencial do estado de direito. “É preciso que a criatividade dos nossos
legisladores seja colocada em prática conforme a Constituição, de modo a erigir
um regime regulatório de precatórios que resolva essa crônica problemática
institucional brasileira sem, contudo, despejar nos ombros do cidadão o ônus de
um descaso que nunca foi seu”, afirmou.
Ministro Teori Zavascki
O ministro Teori Zavascki manteve a conclusão de seu voto, pela improcedência
das ADIs, também já proferido ontem (13). “Continuo entendendo que a disciplina
relativa ao pagamento de precatório está dentro do poder constituinte derivado,
e continuo achando que é um exagero supor que a disciplina dessa matéria possa
atentar contra a forma federativa de Estado; voto direito, secreto, universal e
periódico; separação de poderes; ou que tenda a abolir direitos e garantias
individuais”, salientou.
O ponto central do debate, conforme ele, é a conveniência ou não da fórmula
encontrada pela EC 62 para solucionar a questão. Para o ministro Teori
Zavascki, o Supremo tem que estabelecer como parâmetro não o que entender como
ideal para o pagamento de precatório, mas deverá ser feita uma escolha entre o
sistema anterior e o sistema proposto pela emenda. “Não podemos fugir de uma
verdade: que o modelo anterior era mais perverso ainda. Os estados
inadimplentes estão inadimplentes há 15, 20 anos ou mais”, disse.
Ministra Rosa Weber
A ministra Rosa
Weber acompanhou integralmente o voto do relator no sentido da procedência das
duas ADIs e julgou inconstitucional o sistema especial preconizado pela EC 62.
“Subscrevo, na íntegra, os fundamentos do voto do relator, ministro Ayres
Britto, quando conclui que os dois modelos especiais para pagamento de
precatórios afrontam a ideia central do Estado democrático direito, violam as
garantias do livre e eficaz acesso ao Poder Judiciário, do devido processo
legal e da duração razoável do processo e afrontam a autoridades das decisões
judiciais, ao prolongar, compulsoriamente, o cumprimento de sentenças judiciais
com trânsito em julgado”, afirmou ela. “Não se trata de escolher entre um e
outro regime perverso”, observou ela. “Ambos são perversos. Teremos que achar
outras soluções”.
Ministro Dias Toffoli
Para o ministro Dias Toffoli, o artigo 97 do ADCT, segundo a redação dada pela
EC 62, não ofende a coisa julgada, pois não interfere no valor da condenação. O
ministro citou ainda o decidido na ADI 1098, segundo o qual todo o processo de
precatório tem caráter administrativo. Para o ministro, a EC 62 não ofende
cláusula pétrea, o Poder Judiciário nem a coisa julgada. “O que a emenda tentou
fazer foi dar racionalidade ao sistema, instituindo também uma série de
responsabilizações ao Estado”, afirmou o ministro, votando pelo indeferimento
do pedido feito nas ADIs.
Ministra Cármen Lúcia
Acompanhando o relator pela procedência das ADIs em relação ao parágrafo 15 do
artigo 100 e em relação ao artigo 97 do ADCT, a ministra Cármen Lúcia entendeu
que há, sim, ofensa à Constituição Federal no texto da Emenda Constitucional.
Segundo ela, o valor da condenação é definido judicialmente, e há ofensa à
Constituição Federal se um regime não oferece solução para o credor. “Não é por
reconhecer que o sistema anterior era pior que eu poderia dar o meu aval”,
afirmou. “Não seria honesto comigo, nem com o cidadão”.
A ministra chamou atenção para o disposto no parágrafo 15 do artigo 100, que
prevê a possibilidade de lei complementar federal estabelecer regime especial
de pagamento, ao que se antecipou o artigo 97 do ADCT, fixando um na forma especifica.
“O que é preciso que seja lido, e o que os procuradores dos estados certamente
verificaram, é que há outros caminhos postos, que não só esse regime. Até mesmo
aquele apontado no parágrafo 16 do artigo 100, que permite que a União possa
financiar diretamente os Estados para perfazer os precatórios” afirmou.
Ministro Gilmar Mendes
O ministro Gilmar Mendes, que na sessão no dia 6 de março já havia votado pela
improcedência das ADIs, acrescentou, na sessão de hoje, que considera a
legislação atual um avanço, pois o modelo de cálculo de correção monetária de
precatórios em vigor anteriormente praticamente impossibilitava o pagamento das
dívidas dos estados. De acordo com o ministro, a EC 62 é uma fórmula de
transição com o objetivo de superar um estado de fato inequivocamente
inconstitucional. “Mas não é inconstitucional desde a Emenda 62, na verdade
estamos a falar de débitos que se acumularam ao longo do tempo”, sustentou.
O ministro afirmou que, segundo dados do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais,
o novo modelo institucional, que determina a vinculação de receitas e prazo
máximo para quitação, criou um quadro diferente e permitiu que diversos estados
paguem suas dívidas judiciais, além de possibilitar a outros que aumentassem
significativamente o valor dos créditos. Ele citou, entre outros, o caso de São
Paulo, cujo passivo de precatórios caiu de R$ 19 bilhões, em 2009, para R$ 15
bilhões em dezembro de 2012.
De acordo com o ministro, caso haja retorno à regra original da Constituição de
1988, pois a vigência da Emenda 30 sobre o mesmo assunto também está suspensa,
restará ao Tribunal apenas a opção de declarar intervenção nos estados para
garantir a coisa julgada e o direito adquirido. “A medida vem cumprindo essa
função. Qual é o sentido de declarar sua inconstitucionalidade e retornar ao
texto original? Para dizer que o caos é o melhor que a ordem?”,
questionou.
Ministro Marco Aurélio
Em relação ao artigo 97 do ADCT, o ministro Marco Aurélio julgou parcialmente
procedentes as ADIs. Para ele, o regime especial trazido pela nova redação do
artigo está limitado aos débitos vencidos, caso contrário, o sistema se
perpetuaria. “Não pode esse regime especial de pagamento ultrapassar esse
período de 15 anos, sob pena de perpetuarmos a situação que o motivou”, avaliou
o ministro, ressaltando que o artigo 97 deveria viger por período certo. De
acordo com ele, se o sistema é transitório, “ele não pode transitar no tempo de
forma indeterminada”, uma vez que a EC 62 visou afastar o impasse da não satisfação
de valores à época.
“Se não houver a liquidação dos débitos em 15 anos é porque realmente não há
vontade política de se observar o que quer a Constituição Federal, que a todos
indistintamente submete”, salientou. Ele acrescentou que o titular de
precatório que fizer, a qualquer tempo, sessenta anos de idade, terá
preferência.
Quanto ao índice da caderneta de poupança para atualização dos créditos, o
ministro afastou tal incidência. “O que se tem na caderneta é um todo que
confunde a reposição do poder aquisitivo com os juros, a junção”, disse. O
ministro lembrou que, na análise do artigo 100, ele votou afastando não só a
reposição do poder aquisitivo pelo índice utilizado quanto à caderneta de
poupança, como também afastando os juros da caderneta.
Ao analisar os dispositivos questionados nas ADIs, o ministro concluiu pela
supressão de algumas expressões. “Onde tivermos que podar o artigo 97 para
tornar realmente suprema a Constituição Federal, devemos podar”, disse.
Ministro Ricardo Lewandowski
O voto do ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o do ministro Marco Aurélio
em alguns pontos, no sentido de afastar expressões contidas no artigo 97 do
ADCT. Ele declarou inconstitucionais partes dos dispositivos que tratam da
atualização dos créditos com base no índice da caderneta de poupança (inciso II
do parágrafo 1º e parágrafo 16 do artigo 97 do ADCT), mas admitiu os juros de
mora com base nesse índice.
No parágrafo 2º do mesmo dispositivo, o ministro retira a expressão “e a
vencer”, por entender que a moratória não pode ultrapassar os 15 anos e, no
artigo 17, dá interpretação conforme para observar o preceito apenas quanto aos
precatórios vencidos à época da promulgação da norma. O artigo 14 também
recebeu do ministro interpretação conforme para limitar o regime especial ao
prazo de 15 anos. Finalmente, em relação ao artigo 18, seu voto estende a
preferência aos credores com mais de 60 anos a qualquer tempo, e não apenas na
data da promulgação da emenda.
Quanto aos demais dispositivos, que considerou constitucionais, o ministro
observou que a emenda constitucional foi resultado de amplo debate no Congresso
Nacional, com a participação de todas as lideranças partidárias, a fim de
encontrar solução para a crise vivida à época pelas fazendas públicas estaduais
e municipais. “Quem viveu esse período, seja no Judiciário, na administração ou
como credor da fazenda pública, viveu essa experiência lamentável”, destacou.
Ministro Celso de Mello
O ministro Celso de Mello acompanhou integralmente o voto do relator no sentido
da inconstitucionalidade do novo regime de pagamento de precatórios. Endossou,
nesse sentido, observação do relator segundo a qual “o desrespeito à
autoridades da coisa julgada – no caso, débitos de estados, do Distrito Federal
e municípios já constituídos por decisão judicial – ofende valores tutelados
com cláusulas pétreas inscritas na Constituição Federal (CF) de 1988, tais como
a independência dos poderes, o respeito aos direitos humanos e, também, à
própria coisa julgada.
O ministro Celso de Mello observou que desrespeitar a coisa julgada é o mesmo
que desrespeitar uma norma legal. Ele disse que, ao aprovar o terceiro
adiamento do pagamento dos precatórios previsto pela EC 62 – após norma
inscrita na CF de 88 e a posterior edição da EC 30/2000 –, o Congresso Nacional
exorbitou dos limites de mudança da Constituição estabelecidos por ela própria,
por ofender princípios pétreos que não são suscetíveis de mudança legislativa.
Segundo ele, no Estado democrático de direito, o Estado não apenas dita normas
jurídicas, mas também se sujeita a elas, respondendo por danos que venha a
causar.
Ministro-presidente
O presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, também acompanhou o relator e
declarou parcialmente procedentes as ADIs 4357 e 4425 para julgar
inconstitucional o parágrafo 15 do artigo 100 e o artigo 97 do ADCT. O ministro
considerou inconstitucional o regime especial de pagamento uma vez que, a seu
ver, a modalidade de moratória instituída pela Emenda Constitucional 62 não tem
limite temporal definido. Como o devedor deve depositar para pagamento dos
credores uma porcentagem do valor da sua receita, e não do estoque de
precatórios, a moratória durará enquanto a dívida for maior que o volume de
recursos disponíveis.
“Por essa razão eu considero correta a afirmação do ministro Ayres Britto de
que algumas unidades federadas podem levar dezenas de anos para pagar os
precatórios”, afirmou. “Por isso, a meu ver, impor ao credor que espere pelo
pagamento tempo superior à expectativa de vida média do brasileiro retira por
completo a confiança na jurisdição e a sua efetividade”. Ele observou que mesmo
a modalidade que impõe o parcelamento em 15 anos estipula prazo excessivamente
elevado, e também destacou que o sistema de acordos e leilões de precatórios
configura-se muito danoso para os credores, uma vez que alguns deles, dado a
falta de perspectiva de pagamento, estariam a receber apenas 25% do valor
integral de seu crédito.
RESULTADO
Dessa forma, o Tribunal julgou parcialmente procedentes as ações nos termos do
voto do relator, ministro Ayres Britto, acompanhado pelos ministros Luiz Fux,
Rosa Weber, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o presidente, Joaquim Barbosa. Os
ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski votaram pela procedência das
ADIs, em menor extensão. Votaram pela total improcedência os ministros Gilmar
Mendes, Teori Zavascki e Dias Toffoli.
Redação/AD