sábado, 31 de dezembro de 2011

TERMO INICIAL DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR NA AÇÃO DE ALIMENTOS E INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE

            Uma verdade que se tem por absoluta é que os alimentos são devidos desde a data da citação, até porque isso é o que está escrito na Lei de Alimentos (LA, 5.578-68, art. 13, § 2º): Em qualquer caso os alimentos fixados retroagem à data da citação. Como há a determinação de incidência dessa lei às ações de separação, de anulação de casamento e às revisionais, em todas as demandas em que há a fixação de verba alimentar, o encargo tem como termo inicial o ato citatório.
            Parece que este é um ponto que ninguém questiona: alimentos são devidos desde o momento em que o réu foi citado para a ação. Seja em demanda autônoma, seja o encargo alimentar estabelecido em ação outra, a eficácia da sentença tem efeito retroativo.

Na ação de alimentos
            Para assegurar a tutela diferenciada que determinados direitos merecem, leis especiais prevêem ritos abreviados. Assim, os alimentos, que dizem com a subsistência, com a sobrevivência, necessitam de adimplemento imediato. Por isso, mediante a prova do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar (LA, art. 2º), o juiz estipula, desde logo, alimentos provisórios. Aliás, mesmo se não requeridos, os alimentos devem ser fixados, a não ser que o credor expressamente declare que deles não necessita (LA, art. 4º).
            Os alimentos são devidos a partir do momento em que o juiz os fixa. Equivocado o entendimento que, invocando o § 2º do art. 13 da Lei de Alimentos, sustenta que os alimentos provisórios se tornam exigíveis somente a partir da citação do devedor. Não há como sujeitar o pagamento ao ato citatório. Desempenhando o devedor atividade assalariada, ao fixar os alimentos, o juiz oficia ao empregador para que ele, desde logo, dê início ao desconto da pensão na folha de pagamento do alimentante. Os descontos passam a acontecer mesmo antes da citação do réu. Porém, não dispondo o alimentante de vínculo laboral, não há como lhe conceder prazo distinto para iniciar o pagamento dos alimentos, qual seja, só após ser citado. Descabido tratamento diferenciado. Além de deixar o credor desassistido, estar-se-ia incentivando o devedor a esquivar-se da citação, a esconder-se do Oficial de Justiça.
            Deferidos alimentos provisórios são devidos até o momento em que eventualmente venham a ser modificados: no curso da demanda, pela sentença ou quando do julgamento do recurso. Alterado seu valor, passa a vigorar o novo montante, quer tenha sido majorado, quer tenha sido reduzido. A eficácia retroativa dos alimentos definitivos vai depender se houve aumento ou diminuição de valores. Este tratamento diferenciado decorre do princípio da irrepetibilidade do encargo alimentar. Assim, fixados os alimentos provisórios, devem eles ser pagos. Havendo redução, o novo valor terá eficácia ex nunc, ou seja, só valerá com relação às parcelas futuras. As prestações vencidas, ainda que impagas, continuam devidas pelo valor estipulado a título provisório, pois não há como emprestar efeito retroativo à decisão, sob pena de incentivar-se a inadimplência. Somente quando são estabelecidos alimentos definitivos em valor maior que a verba provisória é que cabe falar em retroatividade. O devedor terá que proceder ao pagamento da diferença desde a data da citação. Há que atentar a um detalhe: como os alimentos provisórios vigem desde a data da fixação, e os definitivos retroagem à data da citação, havendo majoração do valor dos alimentos, a diferença alcança somente as parcelas vencidas depois da data da citação. As prestações vencidas entre a data da fixação liminar e a citação permanecem pelo valor provisório.
            Esta sempre foi a posição pacífica da jurisprudência com o respaldo da doutrina amplamente majoritária. Porém, nada justifica limitar a obrigação alimentar ao ato citatório. Os encargos do poder familiar surgem quando da concepção do filho, eis que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (CC, art. 4º). Ora, com o nascimento, mesmo antes de o pai proceder ao registro do filho, está por demais consciente de todos os deveres inerentes ao dever familiar, entre os quais o de assegurar-lhe o sustento e a educação. Enquanto os pais mantêm vida em comum, o genitor tem o filho sob sua guarda, e os deveres decorrentes do poder familiar constituem obrigação de fazer. Cessada a convivência dos genitores, não se modificam os direitos e deveres com relação à prole (CC, arts. 1.579 e 1.632). Restando a guarda do filho com somente um dos pais, a obrigação decorrente do poder familiar resolve-se em obrigação de dar, consubstanciada no pagamento de pensão alimentícia.
            Assim, o genitor que deixa de conviver com o filho deve alcançar-lhe alimentos de imediato: ou mediante pagamento direto e espontâneo, ou por meio da ação de oferta de alimentos. Como a verba se destina a garantir a subsistência, precisam ser satisfeitas antecipadamente. Assim, no dia em que o genitor sai de casa, deve pagar alimentos em favor do filho. O que não pode é, comodamente, ficar aguardando a propositura da ação alimentar e, enquanto isso, quedar-se omisso e só adimplir a obrigação após citado.
            Cabe lembrar que, na ação de alimentos, há inversão dos encargos probatórios. Ao autor cabe comprovar o vínculo de parentesco ou a obrigação alimentar do réu, bem como indicar as circunstâncias em que ocorreu a mora, ou seja, a data em que houve a cessação do convívio e o não-pagamento dos alimentos. Não há como lhe impor que comprove os ganhos do demandado, pois são informações sigilosas que integram o direito à privacidade. É do réu o ônus de provar seus ganhos para que o juiz possa fixar os alimentos atendendo ao critério da proporcionalidade. Também a ele compete demonstrar que continuou assegurando a subsistência do filho a partir do momento que deixou o filho de estar sob sua guarda.
            Em se tratando de obrigação decorrente do poder familiar, é inequívoca a ciência do réu do direito reclamado pelo autor. Portanto, não há por que constituir o devedor em mora pelo ato citatório para lhe impor o adimplemento da obrigação alimentar (CPC, art. 219). A mora constituiu-se quando deixa o pai de prover o sustento do filho. Assim, na ação mister que reste provado o parentesco, os ganhos do genitor bem como o momento em que ele deixou de adimplir a obrigação de prover o sustento do filho. Por ocasião da sentença, o juiz fixará os alimentos indicando o termo inicial de sua vigência: aquém da data da citação e aquém da data da propositura da ação. O dies a quo será o momento em que houve a cessação do adimplemento do dever de sustento que decorre do poder familiar. Este é o marco inicial da obrigação alimentar.

Na ação investigatória de paternidade
            Nas ações de alimentos, separação, anulatória de casamento, entre outras, existe a prova pré-constituída do vínculo obrigacional alimentar. Daí a possibilidade de uso de lei especial (Lei 5.478-68), que dispõe de rito diferenciado e admite a concessão de tutela antecipada por meio da fixação de alimentos provisórios.
            Na ação de investigação de paternidade, inexiste o vínculo constituído da relação de parentesco. Aliás, este é o próprio objeto da ação. Ainda assim, por salutar construção jurisprudencial, passou-se admitir a concessão de alimentos provisórios nessa demanda. Havendo indícios da parentalidade, são fixados alimentos initio litis. Também cabe deferir alimentos provisórios, de modo incidental, com o resultado positivo do exame de DNA ou quando se recusa o réu a submeter-se à perícia.
            Sendo os alimentos fixados por ocasião da sentença, o eventual recurso, no que diz com o encargo alimentar, dispõe do só efeito devolutivo. Em qualquer dessas hipóteses cabe promover a execução dos alimentos, ainda antes do trânsito em julgado da ação investigatória.
            Depois de algumas vacilações, a jurisprudência, ao atentar à natureza declaratória da demanda investigatória de paternidade, deu mais um significativo passo, e o Superior Tribunal de Justiça veio a editar a Súmula 227: Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.
            Acabou por invocar-se o art. 13, § 2º da Lei de Alimentos. A solução foi providencial. Uma bela forma de dar um basta à postura procrastinatória do réu, que fazia uso de expedientes protelatórios e um sem-número de recursos manifestamente improcedentes para retardar o desfecho da ação. Como a condenação ao pagamento dos alimentos ocorria somente na sentença, livrava-se o réu durante anos, ou décadas, do encargo alimentar.
            Mas pai é pai desde a concepção do filho. A partir daí, nascem os ônus, encargos e deveres decorrentes do poder familiar. O simples fato de o genitor não assumir a responsabilidade parental não o desonera. No entanto, é isso o que se vê acontecer todos os dias. Ao saber que a namorada ou companheira está grávida, o homem tenta induzi-la ao aborto, nega ser o pai, a abandona. Ameaça denegrir sua imagem argüindo a malsinada exceptio plurium concubentium e que levará vários amigos como testemunhas para afirmarem que tiveram contato sexual com ela. A mulher, fragilizada, muitas vezes abandonada pela família, acaba criando o filho sozinha. Tem enorme dificuldade de procurar um advogado, de amealhar provas de um relacionamento íntimo que lhe causou tanto sofrimento e que, muitas vezes, por imposição do varão, se manteve na clandestinidade.
            Mas o filho tem direito à identidade, à proteção integral, merece viver com dignidade, precisa de alimentos, quer ter alguém para chamar de pai. Quando, depois de vários anos, consegue obter o reconhecimento da paternidade, os alimentos injustificadamente são fixados a partir da citação do réu, como se o filho tivesse nascido naquele dia. Essa orientação consolidada da jurisprudência esquece o que se chama de responsabilidade parental. Nenhum pai mais irá acompanhar a mãe, registrar o filho e pagar alimentos sabendo que, se ficar inerte e lograr safar-se da citação, poderá ficar anos sem arcar com nada.
            O filho necessita de cuidados especiais mesmo durante a vida intra-uterina. A mãe tem que se submeter a exames pré-natais, e o parto sempre gera despesas, ainda que feito pelo SUS. Durante a gravidez, a mãe precisa de roupas apropriadas e adequada alimentação, sem olvidar que tem sua capacidade laboral reduzida durante a gestação e depois do nascimento do filho. Também seus ganhos são limitados no período da licença-maternidade.
            É necessário dar efetividade ao princípio da paternidade responsável que a Constituição (art. 227) procurou realçar quando elegeu, como prioridade absoluta, a proteção integral a crianças e adolescentes, delegando não só à família, mas à sociedade e ao próprio Estado, o compromisso pela formação do cidadão de amanhã. Esse compromisso é também do Poder Judiciário, que não pode simplesmente desonerar o genitor de todos os encargos decorrentes do poder familiar e, na ação investigatória de paternidade, responsabilizá-lo exclusivamente a partir da citação.
            Mas há outro princípio constitucional que necessita ser invocado: o que impõe tratamento isonômico aos filhos, vedando discriminações (CF, art. 227, § 6º). O pai responsável acompanha o filho desde sua concepção, participa do parto, registra o filho, embala-o no colo. Com relação ao filho que não recebeu estes cuidados, deve a Justiça procurar suavizar essas desigualdades e não as acentuar ainda mais limitando a obrigação alimentar do genitor, relapso.
            Claro que a alegação do demandado sempre será de que desconhecia a gravidez, não soube do nascimento do filho e sequer tomara conhecimento da sua existência, só vindo a saber de tais fatos quando da citação. Nessas ações, como a prova é de fato que acontece a descoberto de testemunha, não há divisão tarifada dos encargos probatórios segundo os ditames processuais (CPC, art. 333). Aliás, a atribuição dos ônus probatórios até perdeu relevo, em face do alto grau de certeza dos exames de DNA e da presunção que decorre da negativa em submeter-se à perícia (CC, arts. 230 e 231). Súmula do STJ [01] atribui presunção juris tantum à omissão do investigado. Com referência à prova da ciência da paternidade, cabe ao autor demonstrar as circunstâncias em que réu tomou conhecimento de sua concepção, do seu nascimento ou da sua existência. Não logrando o demandado comprovar que desconhecia ser o pai do autor antes da citação, deverá ser-lhe imposto o pagamento dos alimentos desde o momento em que tomou ciência da paternidade.
            Outro fundamento a ser utilizado pelo réu para livrar-se dos alimentos com efeito retroativo é o de que não tinha certeza da paternidade, não podendo assumir o encargo sem saber se o filho era seu. No entanto, desde o advento do exame do DNA, que dispõe de índice de certeza quase absoluto, não há mais como alegar dúvida sobre a verdade biológica. Nem o custo do teste e nem a negativa da genitora em deixar o filho submeter-se ao exame servem de justificativa para não ser buscada a verdade. Basta ingressar com ação declaratória ou negatória de paternidade. Também pode ajuizar cautelar de produção antecipada de prova. Em todas as hipóteses, a quem não tiver condições de pagar, o acesso ao exame genético é gratuito.
            Nada justifica livrar o genitor das obrigações decorrentes do poder familiar, que surgem desde a concepção do filho. Como a ação investigatória de paternidade tem carga eficacial declaratória, todos os efeitos retroagem à data da concepção, até mesmo a obrigação alimentar. A filiação, que existia antes, embora sem caráter legal, passa a ser assente perante a lei. O reconhecimento, portanto, não cria: revela-a. Daí resulta que os seus efeitos, quaisquer que sejam, remontam ao dia do nascimento, e, se for preciso, da concepção do reconhecido. [02]
            Esta é a orientação que já vem se insinuando na doutrina [03] e desponta na jurisprudência. [04]
            É muito bonito falar-se em dignidade humana, em paternidade responsável, em proteção integral a crianças e adolescentes. Mas é preciso dar efetividade a todos esses princípios. Certamente a responsabilidade é da Justiça. Para isso, não é necessário aguardar o legislador. Basta o Poder Judiciário continuar desempenhando o seu papel com coragem e responsabilidade, para garantir a cidadania a todos, principalmente aos cidadãos de amanhã.

Notas
            01 Súmula 301: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.
            02 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, 3ª. ed., Tomo IX, Borsoi: 1971, p. 99.
            03 FERNANDES, Thycho Barhe. Do Termo Inicial dos Alimentos na Ação de Investigação de Paternidade, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 694, p. 268-70, 1993; COLTRO, Antônio Carlos Mathias. O Termo Inicial dos Alimentos e a Ação de Investigação de Paternidade, Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 50-60, 2000; BORGHEZAN, Miguel. O Termo Inicial dos Alimentos e A Concreta Defesa da Vida na Ação de Investigação de Paternidade, Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, 3/18048, 2001.
            04 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECUSA EM SUBMETER AO EXAME DE DNA. ALIMENTOS. FIXAÇÃO E TERMO INICIAL À DATA DA CONCEPÇÃO. A recusa em se submeter ao exame de paternidade gera presunção da paternidade. O fato de inexistir pedido expresso de alimentos não impede o magistrado de fixá-los, não sendo extra petita a sentença.
            O termo inicial da obrigação alimentar deve ser o da data da concepção quando o genitor tinha ciência da gravidez e recusou-se a reconhecer o filho. REJEITADA A PRELIMINAR. APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (TJRGS – AC 70012915062 – 7ª C.Cív. – Rel. Desa. Maria Berenice Dias – j. 9/11/2005).

Trabalho desenvolvido por MARIA BERENICE DIAS, desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

UMA VEZ SOGRA, SEMPRE SOGRA.


  Impedimentos do § 2º do art. 1.595 do Código Civil
          A televisão é uma das formas de entretenimento mais difundida pelos domicílios brasileiros. Em pesquisa recente foi verificado que há residências em que não existe uma geladeira, mas a presença do aparelho de TV é indispensável. E é nesta forma de cultura que alguns absurdos acontecem. As novelas pregam situações rejeitadas pelo ordenamento jurídico, mas que o povo leigo muitas vezes aceita como possíveis. A bola da vez agora é o relacionamento entre a filha e o marido da sua genitora, o que vem garantindo bons pontos de audiência para a emissora.

            O Subtítulo II do Título I do Livro IV do Código Civil é destinado a tratar do tema referente aos parentes. Em mais de quarenta artigos, o legislador procurou regrar as situações pertinentes ao assunto. Logo no Capítulo I, referente às disposições gerais, o art. 1593 deixa claras as espécies de parentescos aceitas pelo ordenamento jurídico quando determina que "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem." Há, portanto, duas formas de parentesco, dentre as quais a civil será objeto do presente ensaio.

            Numa abordagem meramente explicativa, deve-se esclarecer o que vem a ser o parentesco por consangüinidade. Conforme preceitua Caio Mário da Silva Pereira, é a relação "que vincula, umas às outras, pessoas que descendem ter um mesmo tronco ancestral" [01], ou seja: para ser considerado parente consangüíneo, deve existir um ancestral em comum entre as partes; alguém que deu origem a toda a família.

            Porém, em razão de não ser o objetivo central do trabalho aqui apresentado, necessário se faz ultrapassar esta etapa e seguir em busca de um estudo acerca da outra espécie de parentesco.

           A afinidade surge da relação familiar decorrente do vínculo do casamento ou das relações entre companheiros em razão da união estável. É um vínculo derivado exclusivamente de norma legal, não havendo qualquer ligação de sangue. Aqueles que estabelecem uma relação por afinidade, na maioria das vezes, não possuem parentes consangüíneos, sendo um estranho ao outro.

           No que se refere à determinação dos graus, "o cônjuge está inserido na mesma posição na família do seu consorte" [02]. A contagem dos graus de parentesco é feita por analogia, seguindo o determinado no caso de parentesco consangüíneo. Assim, o sogro será parente em primeiro grau em linha reta por afinidade do seu genro, bem como o cunhado será parente em segundo grau e assim por diante.

            Em contrapartida, apesar desta criação legal se equiparar à relação sanguínea, o art. 1.595, § 1º, limita o parentesco por afinidade apenas aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge. Isto implica em dizer que são parentes por afinidade o sogro, a sogra, nora, genros e os cunhados, não mais havendo possibilidade de aumentar esse rol, visto que a norma caracteriza-se por ser taxativa. Ademais, inexiste uma relação entre os parentes dos cônjuges, também chamados de contraparentes. Não há relação de afinidade da afinidade (affinitas affinitatem non pariti), ou seja, não se pode considerar como parente, por exemplo, duas sogras ou dois sogros.

           Por ser uma criação legal, o parentesco por afinidade extingue-se assim que o vínculo que o criou desaparece. Com isso, terminada a relação afetiva (entenda-se como tal o casamento ou a união estável), não há mais que se falar em manutenção daquela. Esta norma, por sua vez, não é absoluta, possuindo uma exceção elencada no art 1595 § 2º do CC.

           Segundo tal dispositivo, "na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento". No intuito de trazer destaque à restrição existente, o legislador inverteu a construção da oração, colocando em primeiro plano a parte final. Assim, fazendo uma leitura direta, conclui-se que não se pode falar em extinção do parentesco em linha reta, mesmo quando a relação que lhe deu origem inexista. Neste sentido, Silvio de Sávio Venosa doutrina:

"Na linha colateral os afins são, portanto, os cunhados. O cunhadio ou afinidade colateral extingue-se com o término do casamento, porém a afinidade em linha reta é sempre mantida. Desse modo, desaparece, por exemplo, o impedimento de o viúvo ou divorciado casar-se com a cunhada, mas permanece o impedimento de casamento de viúvos ou divorciados com sogro e sogra" [03]

            A fim de exemplificar o assunto, Caio Mário diz que, "rompido o vínculo matrimonial, não deixa o sogro ou sogra, genro ou nora de estarem ligados pelas relações de afinidade" [04]. Portanto, dentre os parentes por afinidade determinados no § 1º do art 1595 (ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge), somente o vínculo existente entre cunhados será desfeito com o término do casamento ou da união estável. Permanecerá, desta forma, intacta a conexão entre os ascendentes e descendentes, os chamados parentes em linha reta.

            Vale salientar que a previsão do art. 1.595, § 2º, não se limita somente à esfera civil. No âmbito Penal, ela também influencia no que tange, por exemplo, ao impedimento dos jurados em caso de crime da competência do Tribunal do Júri.
            "Inexiste suspeição ou impedimento de jurado cujo tio foi testemunha no processo, nem daquele cujo tio é cunhado da vítima. Parentesco por afinidade nos termos do § 1º do artigo 1595 do CC, "limita-se aos ascendentes, descendentes, irmãos do cônjuge ou companheiro". Não causa confusão e perplexidade capaz de invalidar o julgamento, a referência nos quesitos de defesa, da expressão vítima visada, desde que indicado seu nome no quesito pertinente ao fato principal que cumulou também a aberratio ictus. [05]
            Ao tratar do tema, o autor Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra Sinopse Jurídica – Direito de Família, afirma que, "com o divórcio e conseqüente rompimento do vínculo, não mais persiste a afinidade" [06]. Ora, tal afirmação não pode ser aceita de forma pacífica; afinal, como já demonstrado, a norma não abriu qualquer exceção, determinando que será mantido o parentesco por afinidade em linha reta "com a dissolução do casamento ou da união estável". Portanto, não cabe ao intérprete restringir a aplicação da lei, sendo ela compatível com qualquer tipo de dissolução do casamento, ou seja, desde a morte de um dos cônjuges até mesmo o divórcio.

            Assim, feita esta pequena consideração, e ainda fundamentado nesta limitação imposta pelo § 2º do art. 1595, deve-se questionar acerca da razão pela qual o legislador não permitiu a extinção do parentesco por afinidade em linha reta quando do término da relação que o originou. Será que tal determinação surgiu por mero capricho legislativo ou teve uma razão lógica de ser?

            Acreditamos que há duas justificativas para a existência deste parágrafo segundo do artigo 1595. A primeira diz respeito ao aspecto meta-jurídico, enquanto que a segunda refere-se ao direito sucessório.
            No que tange ao plano extralegal, os princípios sociais seriam abalados com a inexistência da limitação aqui estudada. Ao permitir que seja extinto o parentesco por afinidade em linha reta, estaria o legislador criando situações consideradas como aberrantes e agressivas ao meio social, visto que permitiria a concretização de relacionamentos entre o cônjuge e seu sogro ou sogra.

            Imaginar a relação entre sogra, sogro ou até mesmo filhos e netos com o consorte do cônjuge seria desestruturar o instituto fundamental para a organização da sociedade que é a família. Certamente, apesar da exibição de exemplos nas novelas, não é aceito o relacionamento, por exemplo, do cônjuge com a filha do seu consorte. Consentir com tal questão é ir diretamente de encontro com a ética e moral social.

            Portanto, apenas no mundo fantasioso das novelas, e somente nele, será possível a existência de um relacionamento entre, por exemplo, a filha e o seu padrasto. Não se pode esquecer que tal restrição aplica-se também no caso da união estável que, além da previsão expressa na respectiva norma legal, teve seu tratamento igualado ao do casamento, pela Carta Magna.

            Já no que se refere ao aspecto jurídico, somente se pode concordar com o pensamento do ilustre autor Silvo de Sávio Venosa de que "a afinidade não em repercussões no direito sucessório" [07], mediante a existência do § 2º do art. 1595. Assim, inexistindo tal preceito, a afinidade atingiria diretamente ao direito sucessório conforme demonstraremos.

            Dispõe o art. 1790 e o art. 1829 do Código Civil, respectivamente:
            Art. 1790 - "A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
            I- se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
            II- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
            III- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
            IV- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança;"
            Art. 1829 – "A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
            I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
            II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
            III- ao cônjuge sobrevivente;
            IV- aos colaterais"
            Aceitar o relacionamento entre o consorte e seus parentes por afinidade em linha reta teria como conseqüência a interferência direta no direito sucessório deste, visto que, conforme preceitua o Código Civil, o cônjuge concorre com o descendente e o ascendente em caso de sucessão hereditária. A fim de demonstrar a influência da situação aqui apresentada no direito sucessório, destaca-se que:

"Concorrendo com descendentes só do autor da herança, receberá o cônjuge parcela idêntica à dos que sucederem por direito próprio. Assim, sendo 4 (quatro) filhos, cada qual receberá 1/5 da herança. Existindo entre os filho algum pré-morto, sua prole, netos do falecido, herdam por representação, partilhando entre si, em quotas iguais, o que cabia ao seu pai (1/5)" [08]

            Não foi por acaso que o legislador, no § 2º do art. 1595, determinou que permanecerá o vinculo de parentesco por afinidade em linha reta, já que em se tratando de direito sucessório, haveria uma grande modificação nos bens destinados ao ex-cônjuge. Assim, buscou-se, além de tudo, compelir fraudes que viessem a acontecer a fim de prejudicar aquele que teve o seu vínculo afetivo finalizado.

            Percebe-se que o legislador utilizou-se da sutileza pertinente ao parágrafo de um artigo para garantir a segurança de grande parte do direito sucessório, o que justifica, mais uma vez, a impossibilidade, tanto do aspecto social como jurídico, de se aceitar que haja um relacionamento entre o consorte e o sogro, sogra, noras, genros ou netos do seu cônjuge.

           Portanto, por ser um meio de informação em massa, deveriam os produtores de programas e novelas da televisão brasileira ter mais cuidado na hora de formular situações como a apresentada atualmente, a fim de que, além de ser respeitada a normal legal, seja garantida a ordem social e a concretização do vínculo familiar.

BIBLIOGRAFIA
            PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: vol VI: Direito de Família. 14. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2004.
            VENOSA, Silvio de Sávio. Direito Civil. Direito de Família. 4ª Ed. Editora Atlas. 2004 São Paulo.
            TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL - www.tj.rs.gov.br
            GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopse Jurídicas: Direito de Família. 9 ed atual de acordo com o novo Código Civil (lei nº 10.406 de 10-1-2002. São Paulo. Saraiva. 2003.
            CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil, vol. 6: direito das sucessões. 2 ed atual. rev.. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 217.
            CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 3 ed. São Paulo. Atlas. 2003.

NOTAS
            01 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: vol VI: Direito de Família. 14 Ed. Rio de Janeiro. Forense. 2004. p. 309.
            02 VENOSA, Silvio de Sávio. Direito Civil: Direito de Família. 4 Ed. São Paulo. Atlas. 2004. p. 262
            03 Ob Cit. p 263
            04 Ob Cit. p. 311
            05 Trecho do acórdão da apelação crime nº 70009560392, Relator Elba Aparecida Nicolli Bastos - TJRS
            06 GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopse Jurídicas: Direito de Família. 9 ed atual de acordo com o novo Código Civil (lei nº 10.406 de 10-1-2002. São Paulo. Saraiva. 2003. p.86
            07 Ob Cit. p. 263
            08 CAHALI, Francisco Jose; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil, vol. 6: direito das sucessões. 2 ed atual. rev.. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 217.

Trabalho desenvolvido por SALOMÃO RESEDÁ, advogado, mestrando em direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), pós-graduando lato sensu em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
  

INCONSTITUCIONALIDADE DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

 APELO À RAZÃO

             Segundo Sócrates (470-399 a.C.), a base das virtudes está no domínio da racionalidade sobre a animalidade (no autodomínio; na liberdade frente aos instintos), que leva à verdadeira felicidade [01]. É verdadeiro o ditado: "quem não vive como pensa, acaba pensando como vive" [02]. Quer dizer: quem não vive segundo as exigências da razão, raciocina segundo as exigências (imediatistas) das paixões, da sensibilidade, dos apetites ou satisfações físicas.
            Cumpre, pois, rejeitar, de plano, o relativismo que impera nas sociedades atuais, que pensam como vivem. É a verdade (racional, científica e moral) que deve conduzir o ser humano, não as opiniões, da maioria ou da minoria. Segundo penso (e aqui não colimo ofender ninguém; expresso uma idéia abstrata, geral), o relativismo é próprio dos espíritos medíocres (medíocres porque não compreendem as verdades ou porque, compreendendo-as, não se dispõem a submeter-se às suas exigências).
            Muito bem. Escrevo contra a legalização da pesquisa com células-tronco embrionárias, contra a legalização do aborto, em qualquer hipótese, inclusive contra a autorização do aborto do anencéfalo. Estou convencido, pelo que demonstraram especialistas de renome, especialmente o Dr. Jérôme Lejeune, da Universidade René Descartes, em Paris, pai da genética moderna e descobridor da Síndrome de Down, de que a vida começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, como também de que o anencéfalo é um ser humano vivo, ainda que malformado, merecedor de toda a proteção legal.
            Afirmou o Dr. Lejeune:
            "O que define um ser humano é o fato de ser membro da nossa espécie. Assim, quer seja extremamente jovem (um embrião), quer seja mais idoso, ele não muda de uma espécie para outra. Ele é da nossa estirpe. Isto é uma definição. Diria, muito precisamente, que tenho o mesmo respeito à pessoa humana, qualquer que seja o número de quilos que pese, ou o grau de diferenciação das células." [03]
            Ora, é óbvio que o ser humano no início da sua existência e do seu desenvolvimento não apresenta toda a complexa estrutura do homem maduro, plenamente desenvolvido. O começo de todas as coisas é mais simples do que o seu pleno desenvolvimento. Uma árvore frondosa é um ser mais complexo – pelo menos sob o aspecto externo, da forma – do que a semente germinada.
            É frágil a tese dos abortistas; é relativista, cheia de eufemismos.
            Apenas para argumentar, poder-se-ia admitir existir alguma controvérsia entre os especialistas sobre o começo da vida e sobre a situação do anencéfalo. Controvérsia estranha, porque nos meus tempos de escola parecia não haver qualquer dúvida.
            Pois bem. O direito à vida é o primeiro de todos os direitos; é um direito humano. Se não há acordo entre todos os especialistas, mesmo que não houvesse certeza científica de que vida não há (o que, decididamente, não me parece ser o caso), impor-se-ia a proteção do embrião e do anencéfalo, desde a fecundação do óvulo. In dubio pro embrião. In dubio pro anencéfalo. Na dúvida, deve-se tomar a decisão mais protetiva da vida.
            Não é legítimo matar o que pode ser – na verdade, é – um ser humano. Por quê? Porque os seres humanos (bem ou malformados, completamente desenvolvidos ou não) são iguais perante a lei, perante a Constituição e o Estado; não podemos submetê-los a discriminações arbitrárias e injustificadas.
            Qualquer lei que pretenda legitimar o aborto, inclusive do anencéfalo – prática semelhante às dos nazistas, que vilipendiavam os deficientes físicos –, seria flagrantemente inconstitucional. Com efeito, dispõem os arts. 1.º, III, e 5.º, caput, da Constituição Federal de 1988:
            "Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
            (...)
            III – a dignidade da pessoa humana;".
            "Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
            (...)
            III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
            (...)
            XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;
            (...)
            XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação penal;
            (...)
            XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
            (...)
            XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura (...);
            (...)
            XLVII – não haverá penas:
            a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
            (...)
            e) cruéis;
            (...)
            XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
            (...)
            § 1.º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
            § 2.º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
            § 3.º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais." (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004) (grifos nossos)
            Veremos que no aborto um homem – um ser humano – inocente é torturado e assassinado de forma cruenta. Sua pena (capital) é mais grave do que a dos verdadeiros criminosos, que possuem, ademais, direito de defesa. Seu delito é existir. Seu azar é ser fraco. O médico e sua mãe exercem verdadeiro juízo de exceção para decretar-lhe a morte.
            Pelo art. 5.º, XLI, não restam dúvidas de que a descriminalização do aborto seria uma aberração inconstitucional. Toda discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais deve ser punida por lei. No aborto, um ser humano mais fraco é privado do seu direito à vida e, conseqüentemente, de todos os seus direitos.
            O direito positivo brasileiro, frise-se, não desconhece a verdade científica. Tanto que o Código Civil Brasileiro, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, estabelece:
            "Art. 2.º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."
            Demais disso, o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que dispõe no art. 4.º:
            "1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito está protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente."
            Tenha-se em mente o que acontece no abortamento. Ele é feito por um destes processos: 1.º) o bebê é arrancado aos pedaços pelo bisturi do médico, que o corta dentro do útero da mãe. Trata-se de verdadeiro esquartejamento; 2.º) é esmigalhado seu pequenino crânio para que morra; 3.º) o bebê é retirado vivo do ventre de sua mãe, para que morra, já que fora do útero não consegue sobreviver; 4.º) injeta-se uma solução salina na bolsa em que o embrião se aninha, e o bebê morre cauterizado; 5.º) no chamado aborto parcial, extrai-se do ventre materno, mesmo durante o parto inconcluso, o corpo da criança, com exceção da cabeça; "perfura-se, a seguir, o crânio da mesma com um instrumento afiado e faz-se a aspiração do cérebro". Segue-se a retirada do crânio [04].
            Tudo o mais são distorções da verdade e eufemismos. Formas de amenizar a realidade. Substituir, por exemplo, a expressão aborto por interrupção da gravidez não condiz com a verdade. O parto prematuro também é interrupção da gravidez. O que define o aborto é a morte do embrião ou do feto, de um ser humano, pois.
            Não tenho dúvidas acerca da existência do direito natural. A razão demonstra que o legislador e os juízes não detêm poder absoluto. Devem legislar e julgar atentos às leis que regem a natureza humana (sabedores de que o homem não é um animal qualquer; é dotado de racionalidade. Não está sujeito apenas aos instintos. Pode domá-los pela razão). O direito positivo é um instrumento da justiça e do bem comum; não é fim em si mesmo. A democracia, igualmente, não é fim em si mesma; deve servir ao bem comum.
            Com efeito, o reconhecimento da existência dos direitos humanos – a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 –, do direito à vida, à integridade física, à igualdade, à liberdade nada mais são do que o reconhecimento da existência do direito natural.
            Podem o legislador ou o Judiciário, legitimamente, autorizar o extermínio de judeus, ou de negros, ou de louros, ou de pessoas com deficiência mental? Negar o direito natural implica responder sim, porque tudo seria permitido à maioria ou aos mais influentes nos bastidores do poder (aos melhores lobistas, às organizações internacionais mais abastadas).
            Sócrates, Platão e Aristóteles, filósofos pagãos, gigantes do pensamento universal, que precederam o cristianismo, já reconheciam a existência do direito natural [05].
            Santo Agostinho advertia:
            "Em conseqüência, onde não há verdadeira justiça não pode existir verdadeiro direito. Como o que se faz com direito se faz justamente, é impossível que se faça com direito o que se faz injustamente. Com efeito, não devem chamar-se direito as iníquas instituições dos homens, pois eles mesmos dizem que o direito mana da fonte da justiça e é falsa a opinião de quem quer que erradamente sustente ser direito o que é útil ao mais forte. Portanto, onde não existe verdadeira justiça não pode existir comunidade de homens fundada sobre direitos reconhecidos e, portanto, tampouco povo, segundo a definição de Cipião ou de Cícero." [06]
            Vale advertir, contra certos preconceitos de que a Igreja Católica e alguns católicos apelidados radicais ou tradicionalistas têm sido vítimas: um cientista ou jurista não sofre diminuição em sua capacidade técnica por ser católico. Aliás, é preferível deixar-se influenciar por motivações religiosas e racionais do que, por exemplo, por objetivos estritamente individuais ou, quem sabe, econômicos. Observe-se que os não católicos também são influenciados pelas religiões ou correntes de pensamento que – consciente ou inconscientemente – abraçam.
            As posições da Igreja Católica são – pasmem! – racionais e não meramente religiosas. Possuem base científica robusta. Sublinhe-se que foi a Igreja quem nos deu gigantes do pensamento universal como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. A Igreja de Roma tem tradição e competência intelectual. Aliás, o pensamento cristão não desconhece lições importantes dos filósofos pagãos.
            Não sejamos, pois, preconceituosos. Julguemos os argumentos e não partamos do preconceito da falta de autoridade de quem argumenta. Discutamos os argumentos e não sobre quem argumenta. Do contrário, ficará evidente que os argumentos de quem contesta a posição dos católicos tradicionalistas são demasiadamente frágeis.
            Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados, na Comissão de Seguridade Social e Família (CCSF), o Projeto de Lei (PL) 1.135, de 1991, de autoria do Dep. Eduardo Jorge, que descriminaliza o aborto no Brasil, ao qual foram apensados inúmeros projetos pró e contra o aborto, tendo sido, ainda, apresentado um substitutivo ao projeto original pela Relatora Dep. Jandira Feghali, do PCdoB, que opinou pela sua aprovação.
            Solicito, pois, aos senhores deputados do Brasil, lembrando que o cânon 1398 do Código de Direito Canônico da Igreja Católica comina pena de excomunhão latae sententiae (automática, independente de proclamação formal) ao católico que provoca aborto, seguindo-se o efeito, que votem e se empenhem contra qualquer proposição legislativa que promova o aborto em nosso País. Aliás, a Santa Sé tem advertido que os políticos e legisladores católicos não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão se defendem projetos de lei nesse sentido. Creio, aliás, que os católicos, mesmo os não-políticos, que defendem projetos dessa natureza também não estão aptos a aproximarem-se da Sagrada Comunhão. Certamente, o sangue dos pequeninos inocentes recairá sobre a cabeça dos legisladores que defenderem semelhantes propostas.

Notas
            01 MARTINS FILHO, Ives Gandra. Manual esquemático de história da filosofia. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2004. p. 31.
            02. __________. Manual esquemático de filosofia. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2003. p. 12.
            03 In: AQUINO, Felipe Rinaldo Queiroz de. O Bebê de proveta. Extraído do site: www.cleofas.com.br/virtual/texto.php?doc=moral&id=97. Acesso em: 8 nov. 2005.
            04 BETTENCOURT, Estêvão. Católicas pelo Direito de Decidir (CDD). Pergunte e Responderemos, Rio de Janeiro: Lumen Christi. Ano XLVI. Setembro de 2005. n.º 519. p. 397-99.
            05 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 20. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 306.
            06 A cidade de Deus: (contra os pagãos). Tradução de Oscar Paes Leme. Bragança Paulista: Universitária São Francisco, 2003. v. 2. p. 412

Trabalho desenvolvido por PAUL MEDEIROS KRAUSE, procurador do Banco Central em Brasília (DF), subcoordenador-geral de processos de consultoria bancária e de normas (COBAN), bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ALIMENTOS - EXONERAÇÃO - AVÔ PATERNO DA MENOR

ALIMENTOS - Pensão alimentícia - Exoneração - Pretensão manifestada pelo alimentante, avô paterno da menor - Admissibilidade, visto que o genitor da infante, por ter atingido a maioridade e ser pessoa saudável, já pode arcar com a obrigação alimentar.

Ementa da Redação: Admissível é a exoneração da pensão alimentícia prestada pelo avô paterno da menor, se o genitor desta, por ter atingido a maioridade e ser pessoa saudável, já pode arcar com a obrigação alimentar.

Ap 129.818-4/9 - Segredo de Justiça - 3.ª Câm. - j. 07.12.1999 - rel. Des. Toledo César.

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos de ApCiv 129.818-4/9, da Comarca de Campinas, em que é apelante M. S. S., sendo apelada a F. Q. O. S., menor representada por sua mãe. Acordam, em 3.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, por v.u., dar provimento ao recurso.

Trata-se de ação de exoneração de pensão proposta pelo avô da menor F. Q. O. S., objetivando sua exclusão como alimentante da neta porque seu filho, pai da menor, teria atingido a maioridade, e daí a responsabilidade financeira com F. Houve contestação da representante da menor afirmando que ainda precisa do dinheiro, mas possibilitou um acordo para diminuição do valor pago mensalmente.

O douto Magistrado julgou a ação parcialmente procedente, condenando o autor no pagamento de 1,5 salário mínimo, ao invés dos 3 salários pagos até então.

Não foram arbitrados honorários advocatícios.

Houve recurso interposto pelo autor contra a r. sentença proferida em primeira instância.

Oferecidas as contra-razões, subiram os autos.

O parecer do Exmo. Dr. Procurador de Justiça foi no sentido do provimento do recurso.

É o relatório.

Com razão o apelo do autor.

Certo é que o pai da menor completou a maioridade civil e com ela chegou a obrigação de pensionar sua filha. Esteve isento até o momento, tendo em vista sua falta de possibilidade em arcar com tais despesas e pela ausência de obrigação, donde assumiu, subsidiariamente, o avô paterno.

Acontece que o alimentante, cumpridor de sua obrigação mensal, se vê compelido a retirar-se de tal encargo por dois motivos justificáveis: primeiro porque o filho, genitor da criança, completou 21 anos, estando apto para assumir o dever inerente de pai; e, segundo, porque suas despesas se modificaram pela doença ocasional.

Essa possibilidade existe, tanto que a própria apelada não refutou os argumentos postos na inicial e concordaria com a redução da pensão. Mas não é tão simples retirar a obrigação do genitor e passá-la para o ascendente deste.

Discorrendo sobre o assunto, Yussef Said Cahali disse que: "O direito não protege o comodismo; não pode o comodismo, portanto, gerar qualquer direito".

E continua, sob o ensinamento de Estevam de Almeida, que "a ação de alimentos não procederá contra o ascendente de um grau Revista dos Tribunais - Página : 259 sem prova de que o de grau mais próximo não pode satisfazê-la".

Isto porque "a má vontade do pai dos menores em assisti-los convenientemente não pode ser equiparada à sua falta, em termos de devolver a obrigação ao avô; se o pai não está impossibilitado de prestar alimentos, porque é homem válido para o trabalho, nem está desaparecido, a sua relutância não poderá ser facilmente tomada como escusa, sob pena de estimular-se um egoísmo anti-social. No caso, os meios de coerção de que pode valer-se o credor da prestação alimentícia devem ser utilizados antes" (autor citado, Dos alimentos, 3. ed., p. 703).

Para completar seu entendimento, o mencionado mestre disse que: "Mas a exclusão dos mais remotos pelos mais próximos, entre os ascendentes, não impede que possam aqueles ser chamados para complementar a pensão, se provada pelo alimentante a insuficiência do que recebe, aliás, a regra da complementação é válida ainda quando um só dos ascendentes da mesma classe esteja prestando os alimentos reputados insuficientes" (p. 707).

Não foi feita nenhuma prova de que o pai da criança não tem condições de pensioná-la, e o simples fato de ter ficado "inerte" quando da audiência não o exime da obrigação.

A apelada tem o direito de procurar o sustento de sua filha, mas deve fazê-lo diante do verdadeiro responsável. O direito a protege e deverá ser respeitado o binômio necessidade-possibilidade, para tanto a obrigação será excluída dele que não a tem, diretamente, para determinar que o verdadeiro e direto responsável seja trazido ao Judiciário para findar a pendenga.

Com razão o Exmo. Dr. Procurador de Justiça quando salientou que: "A apelada dispõe de meios legais para obrigar o credor a pagar os alimentos, que, segundo o apelante, foram propostos no valor de um salário mínimo, pouco menos do que foi fixado na decisão de primeiro grau".

Por isso, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença, exonerando o autor da obrigação de prestar alimentos.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Alfredo Migliore (com declaração de voto em separado) e Waldemar Nogueira Filho.

São Paulo, 7 de dezembro de 1999 - TOLEDO CÉSAR, pres. e relator.

Provimento.

Dispõe o art. 229 da CF:

ALFREDO MIGLIORE, vencedor, com a seguinte declaração de voto:

"Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".

Ressalta sumamente injusto que o autor tenha, em avançada idade e portador de seqüelas decorrentes de acidente vascular, na condição de aposentado, que alimentar a neta, enquanto que o pai, um jovem de 24 anos de idade, mantenha-se inerte no cumprimento de suas obrigações.

Procedente a lição de Yussef Cahali, mencionada na manifestação ministerial de primeiro grau, às f., verbis:

"A má vontade do pai dos menores em assisti-los convenientemente não pode ser equiparada à sua falta, em termos de devolver a obrigação ao avô; se o pai não está impossibilitado de prestar-lhe alimentos, porque é homem válido para o
trabalho, nem está desaparecido, a sua relutância não poderá ser facilmente tomada com escusa, sob pena de estimular-se um egoísmo anti-social".

Assim, a redução da pensão determinada pela r. sentença guerreada não é o bastante para que Justiça seja aplicada ao autor. Impõe-se a exoneração. Como bem ressaltou a Procuradoria de Justiça em seu parecer, a obrigação de alimentar é do pai, pessoa saudável e maior, exercendo atividade laborativa, em contraste com o autor, pessoa idosa e doente, registrando o parecer, a final, que a apelada dispõe dos meios legais para compelir o pai a pagar alimentos.

Dentro deste quadro, não há como não prover o recurso, para o fim de exonerar o autor do encargo, obrigação esta exclusiva de seus pais, pessoas jovens e aptas para o trabalho.

ALFREDO MIGLIORE.

COMPLEMENTAÇÃO DE ALIMENTOS - AÇÃO PROPOSTA CONTRA AVÔ PATERNO – RECURSO ESPECIAL


Recorrentes: Wladimir dos Santos e outros

Advogados: Dr. Joaquim Hugo Nascimento Amaral Gama e outros

Recorrido: Thiago de Albuquerque Santos

Advogados: Dra. Liliana Camali e outro

EMENTA: - PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. COMPLEMENTAÇÃO DE ALIMENTOS. AÇÃO PROPOSTA CONTRA AVÔ PATERNO. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM OS AVÓS MATERNOS. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. PRECEDENTES. ORIENTAÇÃO DA TURMA. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I - Não se conhece do recurso especial pela divergência interpretativa, quando não indicado qualquer aresto modelo, sabido que nos recursos de fundamentação vinculada, como é o caso do recurso especial, não se admite, como parte integrante das razões recursais, a simples reiteração a fundamentos de outras manifestações processuais.

II - Citação doutrinária não se enquadra como padrão de divergência, por exigir a lei a ocorrência de dissídio entre acórdãos (art. 105, III, c, Constituição).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Júnior.

Custas, como de lei.

Brasília, 5 de outubro de 2000 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente - Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

EXPOSIÇÃO

O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: - Insurge-se o recorrente contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, nos autos da ação de complementação de alimentos ajuizada pelo recorrido, concluiu pela legitimidade passiva “ad causam” do avô paterno do autor, rejeitando as alegações de carência da ação, por ausência de prova da incapacidade financeira do pai, e de necessidade de citação do avô materno para integrar a relação processual. O acórdão, a propósito, recebeu esta ementa:

“Agravo de instrumento - Ação de alimentos - Legitimidade do avô paterno para figurar no pólo passivo - Existência de litisconsórcio facultativo, não estando o autor obrigado a citar todos os ascendentes do mesmo grau - Inteligência dos arts. 397 do Código Civil e 46, “caput” e 47, “caput”, ambos do Código de Processo Civil - Recurso improvido”.

Ao colacionar doutrina de Yussef Said Cahali, alega o recorrente dissídio jurisprudencial, sustentando dois pontos: a) descabimento do ajuizamento da ação de alimentos diretamente contra o avô, quando não demonstrada, em primeiro lugar, a incapacidade econômica dos parentes mais próximos (pais); b) que o dever de prestar alimentos incumbe aos dois avós - paterno e materno - e não por um só, por livre escolha do alimentado.

Com as contra-razões, foi o recurso inadmitido, ensejando a interposição de agravo, que restou provido (Ag. n. 166.997/SP).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Dr. WASHINGTON BOLÍVAR JÚNIOR, opinou, em preliminar, pelo não conhecimento do recurso; e, no mérito, pelo seu desprovimento, recebendo o parecer esta ementa:

“Recurso especial interposto com fulcro na alínea c do permissivo constitucional. Divergência jurisprudencial não comprovada. Ação de alimentos. Legitimidade passiva de avô. Responsabilidade suplementar, caso insuficiente a capacidade econômica do pai. Ação proposta por neto somente contra avô paterno, excluindo avós maternos. Possibilidade. Inocorrência de litisconsórcio passivo necessário entre avós paternos e maternos. Parecer, em preliminar, pelo não conhecimento do recurso; e, no mérito, caso ultrapassada a preliminar, pelo desprovimento”.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): - 1. Melhor examinando a espécie, não vejo como conhecer do recurso especial, na linha do parecer do Ministério Público Federal.

O recorrente, ao arrimar seu recurso em dissídio jurisprudencial, não colaciona um julgado sequer, sendo certo que citação doutrinária não se enquadra como padrão de divergência, por exigir a lei a ocorrência de dissídio entre acórdãos (art. 105, III, c, Constituição).

Acrescente-se, ainda, que a argumentação do recorrente, no sentido de que a divergência foi demonstrada nas razões de agravo, não tem o condão de suprir a exigência legal. Nos recursos de fundamentação vinculada, como é o caso do recurso especial, não se admite, como parte integrante das razões recursais, a simples reiteração a fundamentos de outras manifestações processuais (a propósito, dentre outros, o REsp n. 184.369/SP, DJ 10.04.2000, de minha relatoria).

Em suma, em razão da sua deficiente fundamentação, o recurso não merece conhecimento, nos termos do Enunciado n. 284 da Súmula/STF.

2. De outro lado, se superada a preliminar, haver-se-ia de considerar que esta Turma firmou orientação no sentido de que não há litisconsórcio passivo necessário entre avós paternos e maternos, em ação de alimentos ajuizada pelo neto. Nesse sentido, o REsp n. 50.153/RJ (DJ 14.11.1994, Relator o Ministro BARROS MONTEIRO), assim ementado:

“AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR NETOS CONTRA O AVÔ PATERNO. CITAÇÃO DETERMINADA DOS AVÓS MATERNOS. INOCORRÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.

I - O credor não está impedido de ajuizar a ação apenas contra um dos coobrigados. Não se propondo a instauração do litisconsórcio facultativo impróprio entre devedores eventuais, sujeita-se ele às conseqüências de sua omissão.

II - Recurso especial não conhecido”.

Do voto do em. Ministro Relator, por oportuno, colho a seguinte passagem:

“Não se pode falar, pois, “in casu” em litisconsórcio passivo necessário. Yussef Said Cahali, bem a propósito, leciona que:

“Embora não se tratando de obrigação solidária, o credor não está impedido de ajuizar a ação de alimentos apenas contra um dos coobrigados; sendo certo, porém, que, não se propondo à instauração do litisconsórcio facultativo impróprio entre devedores eventuais, sujeita-se o autor às conseqüências de sua omissão” (“Dos Alimentos”, p. 139, 2ª ed.).

Mais adiante, o mesmo Magistrado e Professor reitera a posição doutrinária, nestes termos:

“Perante o nosso direito, ajuizada a ação apenas contra um dos coobrigados, inadmitindo o eventual chamamento de terceiro coobrigado para integrar a lide, sujeita-se apenas o credor - que não optou pela instauração do litisconsórcio facultativo impróprio - a ver a sua pensão fixada na proporção da responsabilidade do demandado. Aliás, é de entendimento jurisprudencial correntio a fixação da pensão alimentícia devida por um obrigado, levando-se em conta que também o coobrigado não demandado tem o dever de contribuir para a manutenção do reclamante” (ob. cit., p. 141)”.

Em outra oportunidade, também anotou esta Turma o entendimento de que “a responsabilidade dos avós não é apenas sucessiva em relação à responsabilidade dos progenitores, mas também é complementar para o caso em que os pais não se encontrem em condições de arcar com a totalidade da pensão, ostentando os avós, de seu turno, possibilidades financeiras para tanto” (REsp n. 70.740/SP, DJ 25.08.1997, Relator o Ministro BARROS MONTEIRO).

Com essa mesma orientação, o REsp n. 81.838/SP (DJ 04.09.2000), da relatoria do Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, resumido nesta ementa:

“II - O art. 397 do Código Civil Brasileiro, ao dispor sobre o direito à prestação alimentar, não excluiu a responsabilidade solidária dos ascendentes próximos. Sendo insuficiente a capacidade econômica do pai para arcar integralmente com o dever jurídico dos alimentos devidos ao filho, poderão suplementar a pensão os ascendentes próximos (avós), na medida de suas possibilidades, apuradas em juízo”.

E, como se sabe, a aferição da capacidade econômica dos alimentantes e dos alimentandos cabe às instâncias ordinárias.

3. À vista do exposto, não conheço do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n. 261.772 - SP - (2000.0055111-2) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Recorrentes: Wladimir dos Santos e outros. Advogados: Dr. Joaquim Hugo Nascimento Amaral Gama e outros. Recorrido: Thiago de Albuquerque Santos. Advogados: Dra. Liliana Camali e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso (em 05.10.2000 - 4ª Turma).

Votaram com o Exmo. Sr. Ministro Relator os Exmos. Srs. Ministros Barros Monteiro, César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Júnior.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR.