sábado, 31 de dezembro de 2011

UMA VEZ SOGRA, SEMPRE SOGRA.


  Impedimentos do § 2º do art. 1.595 do Código Civil
          A televisão é uma das formas de entretenimento mais difundida pelos domicílios brasileiros. Em pesquisa recente foi verificado que há residências em que não existe uma geladeira, mas a presença do aparelho de TV é indispensável. E é nesta forma de cultura que alguns absurdos acontecem. As novelas pregam situações rejeitadas pelo ordenamento jurídico, mas que o povo leigo muitas vezes aceita como possíveis. A bola da vez agora é o relacionamento entre a filha e o marido da sua genitora, o que vem garantindo bons pontos de audiência para a emissora.

            O Subtítulo II do Título I do Livro IV do Código Civil é destinado a tratar do tema referente aos parentes. Em mais de quarenta artigos, o legislador procurou regrar as situações pertinentes ao assunto. Logo no Capítulo I, referente às disposições gerais, o art. 1593 deixa claras as espécies de parentescos aceitas pelo ordenamento jurídico quando determina que "o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem." Há, portanto, duas formas de parentesco, dentre as quais a civil será objeto do presente ensaio.

            Numa abordagem meramente explicativa, deve-se esclarecer o que vem a ser o parentesco por consangüinidade. Conforme preceitua Caio Mário da Silva Pereira, é a relação "que vincula, umas às outras, pessoas que descendem ter um mesmo tronco ancestral" [01], ou seja: para ser considerado parente consangüíneo, deve existir um ancestral em comum entre as partes; alguém que deu origem a toda a família.

            Porém, em razão de não ser o objetivo central do trabalho aqui apresentado, necessário se faz ultrapassar esta etapa e seguir em busca de um estudo acerca da outra espécie de parentesco.

           A afinidade surge da relação familiar decorrente do vínculo do casamento ou das relações entre companheiros em razão da união estável. É um vínculo derivado exclusivamente de norma legal, não havendo qualquer ligação de sangue. Aqueles que estabelecem uma relação por afinidade, na maioria das vezes, não possuem parentes consangüíneos, sendo um estranho ao outro.

           No que se refere à determinação dos graus, "o cônjuge está inserido na mesma posição na família do seu consorte" [02]. A contagem dos graus de parentesco é feita por analogia, seguindo o determinado no caso de parentesco consangüíneo. Assim, o sogro será parente em primeiro grau em linha reta por afinidade do seu genro, bem como o cunhado será parente em segundo grau e assim por diante.

            Em contrapartida, apesar desta criação legal se equiparar à relação sanguínea, o art. 1.595, § 1º, limita o parentesco por afinidade apenas aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge. Isto implica em dizer que são parentes por afinidade o sogro, a sogra, nora, genros e os cunhados, não mais havendo possibilidade de aumentar esse rol, visto que a norma caracteriza-se por ser taxativa. Ademais, inexiste uma relação entre os parentes dos cônjuges, também chamados de contraparentes. Não há relação de afinidade da afinidade (affinitas affinitatem non pariti), ou seja, não se pode considerar como parente, por exemplo, duas sogras ou dois sogros.

           Por ser uma criação legal, o parentesco por afinidade extingue-se assim que o vínculo que o criou desaparece. Com isso, terminada a relação afetiva (entenda-se como tal o casamento ou a união estável), não há mais que se falar em manutenção daquela. Esta norma, por sua vez, não é absoluta, possuindo uma exceção elencada no art 1595 § 2º do CC.

           Segundo tal dispositivo, "na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento". No intuito de trazer destaque à restrição existente, o legislador inverteu a construção da oração, colocando em primeiro plano a parte final. Assim, fazendo uma leitura direta, conclui-se que não se pode falar em extinção do parentesco em linha reta, mesmo quando a relação que lhe deu origem inexista. Neste sentido, Silvio de Sávio Venosa doutrina:

"Na linha colateral os afins são, portanto, os cunhados. O cunhadio ou afinidade colateral extingue-se com o término do casamento, porém a afinidade em linha reta é sempre mantida. Desse modo, desaparece, por exemplo, o impedimento de o viúvo ou divorciado casar-se com a cunhada, mas permanece o impedimento de casamento de viúvos ou divorciados com sogro e sogra" [03]

            A fim de exemplificar o assunto, Caio Mário diz que, "rompido o vínculo matrimonial, não deixa o sogro ou sogra, genro ou nora de estarem ligados pelas relações de afinidade" [04]. Portanto, dentre os parentes por afinidade determinados no § 1º do art 1595 (ascendentes, descendentes e irmãos do cônjuge), somente o vínculo existente entre cunhados será desfeito com o término do casamento ou da união estável. Permanecerá, desta forma, intacta a conexão entre os ascendentes e descendentes, os chamados parentes em linha reta.

            Vale salientar que a previsão do art. 1.595, § 2º, não se limita somente à esfera civil. No âmbito Penal, ela também influencia no que tange, por exemplo, ao impedimento dos jurados em caso de crime da competência do Tribunal do Júri.
            "Inexiste suspeição ou impedimento de jurado cujo tio foi testemunha no processo, nem daquele cujo tio é cunhado da vítima. Parentesco por afinidade nos termos do § 1º do artigo 1595 do CC, "limita-se aos ascendentes, descendentes, irmãos do cônjuge ou companheiro". Não causa confusão e perplexidade capaz de invalidar o julgamento, a referência nos quesitos de defesa, da expressão vítima visada, desde que indicado seu nome no quesito pertinente ao fato principal que cumulou também a aberratio ictus. [05]
            Ao tratar do tema, o autor Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra Sinopse Jurídica – Direito de Família, afirma que, "com o divórcio e conseqüente rompimento do vínculo, não mais persiste a afinidade" [06]. Ora, tal afirmação não pode ser aceita de forma pacífica; afinal, como já demonstrado, a norma não abriu qualquer exceção, determinando que será mantido o parentesco por afinidade em linha reta "com a dissolução do casamento ou da união estável". Portanto, não cabe ao intérprete restringir a aplicação da lei, sendo ela compatível com qualquer tipo de dissolução do casamento, ou seja, desde a morte de um dos cônjuges até mesmo o divórcio.

            Assim, feita esta pequena consideração, e ainda fundamentado nesta limitação imposta pelo § 2º do art. 1595, deve-se questionar acerca da razão pela qual o legislador não permitiu a extinção do parentesco por afinidade em linha reta quando do término da relação que o originou. Será que tal determinação surgiu por mero capricho legislativo ou teve uma razão lógica de ser?

            Acreditamos que há duas justificativas para a existência deste parágrafo segundo do artigo 1595. A primeira diz respeito ao aspecto meta-jurídico, enquanto que a segunda refere-se ao direito sucessório.
            No que tange ao plano extralegal, os princípios sociais seriam abalados com a inexistência da limitação aqui estudada. Ao permitir que seja extinto o parentesco por afinidade em linha reta, estaria o legislador criando situações consideradas como aberrantes e agressivas ao meio social, visto que permitiria a concretização de relacionamentos entre o cônjuge e seu sogro ou sogra.

            Imaginar a relação entre sogra, sogro ou até mesmo filhos e netos com o consorte do cônjuge seria desestruturar o instituto fundamental para a organização da sociedade que é a família. Certamente, apesar da exibição de exemplos nas novelas, não é aceito o relacionamento, por exemplo, do cônjuge com a filha do seu consorte. Consentir com tal questão é ir diretamente de encontro com a ética e moral social.

            Portanto, apenas no mundo fantasioso das novelas, e somente nele, será possível a existência de um relacionamento entre, por exemplo, a filha e o seu padrasto. Não se pode esquecer que tal restrição aplica-se também no caso da união estável que, além da previsão expressa na respectiva norma legal, teve seu tratamento igualado ao do casamento, pela Carta Magna.

            Já no que se refere ao aspecto jurídico, somente se pode concordar com o pensamento do ilustre autor Silvo de Sávio Venosa de que "a afinidade não em repercussões no direito sucessório" [07], mediante a existência do § 2º do art. 1595. Assim, inexistindo tal preceito, a afinidade atingiria diretamente ao direito sucessório conforme demonstraremos.

            Dispõe o art. 1790 e o art. 1829 do Código Civil, respectivamente:
            Art. 1790 - "A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
            I- se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
            II- se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
            III- se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
            IV- não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança;"
            Art. 1829 – "A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
            I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
            II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
            III- ao cônjuge sobrevivente;
            IV- aos colaterais"
            Aceitar o relacionamento entre o consorte e seus parentes por afinidade em linha reta teria como conseqüência a interferência direta no direito sucessório deste, visto que, conforme preceitua o Código Civil, o cônjuge concorre com o descendente e o ascendente em caso de sucessão hereditária. A fim de demonstrar a influência da situação aqui apresentada no direito sucessório, destaca-se que:

"Concorrendo com descendentes só do autor da herança, receberá o cônjuge parcela idêntica à dos que sucederem por direito próprio. Assim, sendo 4 (quatro) filhos, cada qual receberá 1/5 da herança. Existindo entre os filho algum pré-morto, sua prole, netos do falecido, herdam por representação, partilhando entre si, em quotas iguais, o que cabia ao seu pai (1/5)" [08]

            Não foi por acaso que o legislador, no § 2º do art. 1595, determinou que permanecerá o vinculo de parentesco por afinidade em linha reta, já que em se tratando de direito sucessório, haveria uma grande modificação nos bens destinados ao ex-cônjuge. Assim, buscou-se, além de tudo, compelir fraudes que viessem a acontecer a fim de prejudicar aquele que teve o seu vínculo afetivo finalizado.

            Percebe-se que o legislador utilizou-se da sutileza pertinente ao parágrafo de um artigo para garantir a segurança de grande parte do direito sucessório, o que justifica, mais uma vez, a impossibilidade, tanto do aspecto social como jurídico, de se aceitar que haja um relacionamento entre o consorte e o sogro, sogra, noras, genros ou netos do seu cônjuge.

           Portanto, por ser um meio de informação em massa, deveriam os produtores de programas e novelas da televisão brasileira ter mais cuidado na hora de formular situações como a apresentada atualmente, a fim de que, além de ser respeitada a normal legal, seja garantida a ordem social e a concretização do vínculo familiar.

BIBLIOGRAFIA
            PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: vol VI: Direito de Família. 14. ed. Rio de Janeiro. Forense. 2004.
            VENOSA, Silvio de Sávio. Direito Civil. Direito de Família. 4ª Ed. Editora Atlas. 2004 São Paulo.
            TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL - www.tj.rs.gov.br
            GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopse Jurídicas: Direito de Família. 9 ed atual de acordo com o novo Código Civil (lei nº 10.406 de 10-1-2002. São Paulo. Saraiva. 2003.
            CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil, vol. 6: direito das sucessões. 2 ed atual. rev.. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 217.
            CATEB, Salomão de Araújo. Direito das sucessões. 3 ed. São Paulo. Atlas. 2003.

NOTAS
            01 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: vol VI: Direito de Família. 14 Ed. Rio de Janeiro. Forense. 2004. p. 309.
            02 VENOSA, Silvio de Sávio. Direito Civil: Direito de Família. 4 Ed. São Paulo. Atlas. 2004. p. 262
            03 Ob Cit. p 263
            04 Ob Cit. p. 311
            05 Trecho do acórdão da apelação crime nº 70009560392, Relator Elba Aparecida Nicolli Bastos - TJRS
            06 GONÇALVES, Carlos Roberto. Sinopse Jurídicas: Direito de Família. 9 ed atual de acordo com o novo Código Civil (lei nº 10.406 de 10-1-2002. São Paulo. Saraiva. 2003. p.86
            07 Ob Cit. p. 263
            08 CAHALI, Francisco Jose; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Curso avançado de direito civil, vol. 6: direito das sucessões. 2 ed atual. rev.. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2003. p. 217.

Trabalho desenvolvido por SALOMÃO RESEDÁ, advogado, mestrando em direito Privado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), pós-graduando lato sensu em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
  

INCONSTITUCIONALIDADE DA LEGALIZAÇÃO DO ABORTO

 APELO À RAZÃO

             Segundo Sócrates (470-399 a.C.), a base das virtudes está no domínio da racionalidade sobre a animalidade (no autodomínio; na liberdade frente aos instintos), que leva à verdadeira felicidade [01]. É verdadeiro o ditado: "quem não vive como pensa, acaba pensando como vive" [02]. Quer dizer: quem não vive segundo as exigências da razão, raciocina segundo as exigências (imediatistas) das paixões, da sensibilidade, dos apetites ou satisfações físicas.
            Cumpre, pois, rejeitar, de plano, o relativismo que impera nas sociedades atuais, que pensam como vivem. É a verdade (racional, científica e moral) que deve conduzir o ser humano, não as opiniões, da maioria ou da minoria. Segundo penso (e aqui não colimo ofender ninguém; expresso uma idéia abstrata, geral), o relativismo é próprio dos espíritos medíocres (medíocres porque não compreendem as verdades ou porque, compreendendo-as, não se dispõem a submeter-se às suas exigências).
            Muito bem. Escrevo contra a legalização da pesquisa com células-tronco embrionárias, contra a legalização do aborto, em qualquer hipótese, inclusive contra a autorização do aborto do anencéfalo. Estou convencido, pelo que demonstraram especialistas de renome, especialmente o Dr. Jérôme Lejeune, da Universidade René Descartes, em Paris, pai da genética moderna e descobridor da Síndrome de Down, de que a vida começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, como também de que o anencéfalo é um ser humano vivo, ainda que malformado, merecedor de toda a proteção legal.
            Afirmou o Dr. Lejeune:
            "O que define um ser humano é o fato de ser membro da nossa espécie. Assim, quer seja extremamente jovem (um embrião), quer seja mais idoso, ele não muda de uma espécie para outra. Ele é da nossa estirpe. Isto é uma definição. Diria, muito precisamente, que tenho o mesmo respeito à pessoa humana, qualquer que seja o número de quilos que pese, ou o grau de diferenciação das células." [03]
            Ora, é óbvio que o ser humano no início da sua existência e do seu desenvolvimento não apresenta toda a complexa estrutura do homem maduro, plenamente desenvolvido. O começo de todas as coisas é mais simples do que o seu pleno desenvolvimento. Uma árvore frondosa é um ser mais complexo – pelo menos sob o aspecto externo, da forma – do que a semente germinada.
            É frágil a tese dos abortistas; é relativista, cheia de eufemismos.
            Apenas para argumentar, poder-se-ia admitir existir alguma controvérsia entre os especialistas sobre o começo da vida e sobre a situação do anencéfalo. Controvérsia estranha, porque nos meus tempos de escola parecia não haver qualquer dúvida.
            Pois bem. O direito à vida é o primeiro de todos os direitos; é um direito humano. Se não há acordo entre todos os especialistas, mesmo que não houvesse certeza científica de que vida não há (o que, decididamente, não me parece ser o caso), impor-se-ia a proteção do embrião e do anencéfalo, desde a fecundação do óvulo. In dubio pro embrião. In dubio pro anencéfalo. Na dúvida, deve-se tomar a decisão mais protetiva da vida.
            Não é legítimo matar o que pode ser – na verdade, é – um ser humano. Por quê? Porque os seres humanos (bem ou malformados, completamente desenvolvidos ou não) são iguais perante a lei, perante a Constituição e o Estado; não podemos submetê-los a discriminações arbitrárias e injustificadas.
            Qualquer lei que pretenda legitimar o aborto, inclusive do anencéfalo – prática semelhante às dos nazistas, que vilipendiavam os deficientes físicos –, seria flagrantemente inconstitucional. Com efeito, dispõem os arts. 1.º, III, e 5.º, caput, da Constituição Federal de 1988:
            "Art. 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
            (...)
            III – a dignidade da pessoa humana;".
            "Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
            (...)
            III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
            (...)
            XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;
            (...)
            XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação penal;
            (...)
            XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;
            (...)
            XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura (...);
            (...)
            XLVII – não haverá penas:
            a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
            (...)
            e) cruéis;
            (...)
            XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
            (...)
            § 1.º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
            § 2.º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
            § 3.º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais." (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional n.º 45, de 30 de dezembro de 2004) (grifos nossos)
            Veremos que no aborto um homem – um ser humano – inocente é torturado e assassinado de forma cruenta. Sua pena (capital) é mais grave do que a dos verdadeiros criminosos, que possuem, ademais, direito de defesa. Seu delito é existir. Seu azar é ser fraco. O médico e sua mãe exercem verdadeiro juízo de exceção para decretar-lhe a morte.
            Pelo art. 5.º, XLI, não restam dúvidas de que a descriminalização do aborto seria uma aberração inconstitucional. Toda discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais deve ser punida por lei. No aborto, um ser humano mais fraco é privado do seu direito à vida e, conseqüentemente, de todos os seus direitos.
            O direito positivo brasileiro, frise-se, não desconhece a verdade científica. Tanto que o Código Civil Brasileiro, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, estabelece:
            "Art. 2.º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."
            Demais disso, o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que dispõe no art. 4.º:
            "1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito está protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente."
            Tenha-se em mente o que acontece no abortamento. Ele é feito por um destes processos: 1.º) o bebê é arrancado aos pedaços pelo bisturi do médico, que o corta dentro do útero da mãe. Trata-se de verdadeiro esquartejamento; 2.º) é esmigalhado seu pequenino crânio para que morra; 3.º) o bebê é retirado vivo do ventre de sua mãe, para que morra, já que fora do útero não consegue sobreviver; 4.º) injeta-se uma solução salina na bolsa em que o embrião se aninha, e o bebê morre cauterizado; 5.º) no chamado aborto parcial, extrai-se do ventre materno, mesmo durante o parto inconcluso, o corpo da criança, com exceção da cabeça; "perfura-se, a seguir, o crânio da mesma com um instrumento afiado e faz-se a aspiração do cérebro". Segue-se a retirada do crânio [04].
            Tudo o mais são distorções da verdade e eufemismos. Formas de amenizar a realidade. Substituir, por exemplo, a expressão aborto por interrupção da gravidez não condiz com a verdade. O parto prematuro também é interrupção da gravidez. O que define o aborto é a morte do embrião ou do feto, de um ser humano, pois.
            Não tenho dúvidas acerca da existência do direito natural. A razão demonstra que o legislador e os juízes não detêm poder absoluto. Devem legislar e julgar atentos às leis que regem a natureza humana (sabedores de que o homem não é um animal qualquer; é dotado de racionalidade. Não está sujeito apenas aos instintos. Pode domá-los pela razão). O direito positivo é um instrumento da justiça e do bem comum; não é fim em si mesmo. A democracia, igualmente, não é fim em si mesma; deve servir ao bem comum.
            Com efeito, o reconhecimento da existência dos direitos humanos – a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 –, do direito à vida, à integridade física, à igualdade, à liberdade nada mais são do que o reconhecimento da existência do direito natural.
            Podem o legislador ou o Judiciário, legitimamente, autorizar o extermínio de judeus, ou de negros, ou de louros, ou de pessoas com deficiência mental? Negar o direito natural implica responder sim, porque tudo seria permitido à maioria ou aos mais influentes nos bastidores do poder (aos melhores lobistas, às organizações internacionais mais abastadas).
            Sócrates, Platão e Aristóteles, filósofos pagãos, gigantes do pensamento universal, que precederam o cristianismo, já reconheciam a existência do direito natural [05].
            Santo Agostinho advertia:
            "Em conseqüência, onde não há verdadeira justiça não pode existir verdadeiro direito. Como o que se faz com direito se faz justamente, é impossível que se faça com direito o que se faz injustamente. Com efeito, não devem chamar-se direito as iníquas instituições dos homens, pois eles mesmos dizem que o direito mana da fonte da justiça e é falsa a opinião de quem quer que erradamente sustente ser direito o que é útil ao mais forte. Portanto, onde não existe verdadeira justiça não pode existir comunidade de homens fundada sobre direitos reconhecidos e, portanto, tampouco povo, segundo a definição de Cipião ou de Cícero." [06]
            Vale advertir, contra certos preconceitos de que a Igreja Católica e alguns católicos apelidados radicais ou tradicionalistas têm sido vítimas: um cientista ou jurista não sofre diminuição em sua capacidade técnica por ser católico. Aliás, é preferível deixar-se influenciar por motivações religiosas e racionais do que, por exemplo, por objetivos estritamente individuais ou, quem sabe, econômicos. Observe-se que os não católicos também são influenciados pelas religiões ou correntes de pensamento que – consciente ou inconscientemente – abraçam.
            As posições da Igreja Católica são – pasmem! – racionais e não meramente religiosas. Possuem base científica robusta. Sublinhe-se que foi a Igreja quem nos deu gigantes do pensamento universal como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. A Igreja de Roma tem tradição e competência intelectual. Aliás, o pensamento cristão não desconhece lições importantes dos filósofos pagãos.
            Não sejamos, pois, preconceituosos. Julguemos os argumentos e não partamos do preconceito da falta de autoridade de quem argumenta. Discutamos os argumentos e não sobre quem argumenta. Do contrário, ficará evidente que os argumentos de quem contesta a posição dos católicos tradicionalistas são demasiadamente frágeis.
            Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados, na Comissão de Seguridade Social e Família (CCSF), o Projeto de Lei (PL) 1.135, de 1991, de autoria do Dep. Eduardo Jorge, que descriminaliza o aborto no Brasil, ao qual foram apensados inúmeros projetos pró e contra o aborto, tendo sido, ainda, apresentado um substitutivo ao projeto original pela Relatora Dep. Jandira Feghali, do PCdoB, que opinou pela sua aprovação.
            Solicito, pois, aos senhores deputados do Brasil, lembrando que o cânon 1398 do Código de Direito Canônico da Igreja Católica comina pena de excomunhão latae sententiae (automática, independente de proclamação formal) ao católico que provoca aborto, seguindo-se o efeito, que votem e se empenhem contra qualquer proposição legislativa que promova o aborto em nosso País. Aliás, a Santa Sé tem advertido que os políticos e legisladores católicos não podem aproximar-se da Sagrada Comunhão se defendem projetos de lei nesse sentido. Creio, aliás, que os católicos, mesmo os não-políticos, que defendem projetos dessa natureza também não estão aptos a aproximarem-se da Sagrada Comunhão. Certamente, o sangue dos pequeninos inocentes recairá sobre a cabeça dos legisladores que defenderem semelhantes propostas.

Notas
            01 MARTINS FILHO, Ives Gandra. Manual esquemático de história da filosofia. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2004. p. 31.
            02. __________. Manual esquemático de filosofia. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 2003. p. 12.
            03 In: AQUINO, Felipe Rinaldo Queiroz de. O Bebê de proveta. Extraído do site: www.cleofas.com.br/virtual/texto.php?doc=moral&id=97. Acesso em: 8 nov. 2005.
            04 BETTENCOURT, Estêvão. Católicas pelo Direito de Decidir (CDD). Pergunte e Responderemos, Rio de Janeiro: Lumen Christi. Ano XLVI. Setembro de 2005. n.º 519. p. 397-99.
            05 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 20. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 306.
            06 A cidade de Deus: (contra os pagãos). Tradução de Oscar Paes Leme. Bragança Paulista: Universitária São Francisco, 2003. v. 2. p. 412

Trabalho desenvolvido por PAUL MEDEIROS KRAUSE, procurador do Banco Central em Brasília (DF), subcoordenador-geral de processos de consultoria bancária e de normas (COBAN), bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ALIMENTOS - EXONERAÇÃO - AVÔ PATERNO DA MENOR

ALIMENTOS - Pensão alimentícia - Exoneração - Pretensão manifestada pelo alimentante, avô paterno da menor - Admissibilidade, visto que o genitor da infante, por ter atingido a maioridade e ser pessoa saudável, já pode arcar com a obrigação alimentar.

Ementa da Redação: Admissível é a exoneração da pensão alimentícia prestada pelo avô paterno da menor, se o genitor desta, por ter atingido a maioridade e ser pessoa saudável, já pode arcar com a obrigação alimentar.

Ap 129.818-4/9 - Segredo de Justiça - 3.ª Câm. - j. 07.12.1999 - rel. Des. Toledo César.

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos de ApCiv 129.818-4/9, da Comarca de Campinas, em que é apelante M. S. S., sendo apelada a F. Q. O. S., menor representada por sua mãe. Acordam, em 3.ª Câm. de Direito Privado do TJSP, por v.u., dar provimento ao recurso.

Trata-se de ação de exoneração de pensão proposta pelo avô da menor F. Q. O. S., objetivando sua exclusão como alimentante da neta porque seu filho, pai da menor, teria atingido a maioridade, e daí a responsabilidade financeira com F. Houve contestação da representante da menor afirmando que ainda precisa do dinheiro, mas possibilitou um acordo para diminuição do valor pago mensalmente.

O douto Magistrado julgou a ação parcialmente procedente, condenando o autor no pagamento de 1,5 salário mínimo, ao invés dos 3 salários pagos até então.

Não foram arbitrados honorários advocatícios.

Houve recurso interposto pelo autor contra a r. sentença proferida em primeira instância.

Oferecidas as contra-razões, subiram os autos.

O parecer do Exmo. Dr. Procurador de Justiça foi no sentido do provimento do recurso.

É o relatório.

Com razão o apelo do autor.

Certo é que o pai da menor completou a maioridade civil e com ela chegou a obrigação de pensionar sua filha. Esteve isento até o momento, tendo em vista sua falta de possibilidade em arcar com tais despesas e pela ausência de obrigação, donde assumiu, subsidiariamente, o avô paterno.

Acontece que o alimentante, cumpridor de sua obrigação mensal, se vê compelido a retirar-se de tal encargo por dois motivos justificáveis: primeiro porque o filho, genitor da criança, completou 21 anos, estando apto para assumir o dever inerente de pai; e, segundo, porque suas despesas se modificaram pela doença ocasional.

Essa possibilidade existe, tanto que a própria apelada não refutou os argumentos postos na inicial e concordaria com a redução da pensão. Mas não é tão simples retirar a obrigação do genitor e passá-la para o ascendente deste.

Discorrendo sobre o assunto, Yussef Said Cahali disse que: "O direito não protege o comodismo; não pode o comodismo, portanto, gerar qualquer direito".

E continua, sob o ensinamento de Estevam de Almeida, que "a ação de alimentos não procederá contra o ascendente de um grau Revista dos Tribunais - Página : 259 sem prova de que o de grau mais próximo não pode satisfazê-la".

Isto porque "a má vontade do pai dos menores em assisti-los convenientemente não pode ser equiparada à sua falta, em termos de devolver a obrigação ao avô; se o pai não está impossibilitado de prestar alimentos, porque é homem válido para o trabalho, nem está desaparecido, a sua relutância não poderá ser facilmente tomada como escusa, sob pena de estimular-se um egoísmo anti-social. No caso, os meios de coerção de que pode valer-se o credor da prestação alimentícia devem ser utilizados antes" (autor citado, Dos alimentos, 3. ed., p. 703).

Para completar seu entendimento, o mencionado mestre disse que: "Mas a exclusão dos mais remotos pelos mais próximos, entre os ascendentes, não impede que possam aqueles ser chamados para complementar a pensão, se provada pelo alimentante a insuficiência do que recebe, aliás, a regra da complementação é válida ainda quando um só dos ascendentes da mesma classe esteja prestando os alimentos reputados insuficientes" (p. 707).

Não foi feita nenhuma prova de que o pai da criança não tem condições de pensioná-la, e o simples fato de ter ficado "inerte" quando da audiência não o exime da obrigação.

A apelada tem o direito de procurar o sustento de sua filha, mas deve fazê-lo diante do verdadeiro responsável. O direito a protege e deverá ser respeitado o binômio necessidade-possibilidade, para tanto a obrigação será excluída dele que não a tem, diretamente, para determinar que o verdadeiro e direto responsável seja trazido ao Judiciário para findar a pendenga.

Com razão o Exmo. Dr. Procurador de Justiça quando salientou que: "A apelada dispõe de meios legais para obrigar o credor a pagar os alimentos, que, segundo o apelante, foram propostos no valor de um salário mínimo, pouco menos do que foi fixado na decisão de primeiro grau".

Por isso, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença, exonerando o autor da obrigação de prestar alimentos.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Alfredo Migliore (com declaração de voto em separado) e Waldemar Nogueira Filho.

São Paulo, 7 de dezembro de 1999 - TOLEDO CÉSAR, pres. e relator.

Provimento.

Dispõe o art. 229 da CF:

ALFREDO MIGLIORE, vencedor, com a seguinte declaração de voto:

"Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar a amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade".

Ressalta sumamente injusto que o autor tenha, em avançada idade e portador de seqüelas decorrentes de acidente vascular, na condição de aposentado, que alimentar a neta, enquanto que o pai, um jovem de 24 anos de idade, mantenha-se inerte no cumprimento de suas obrigações.

Procedente a lição de Yussef Cahali, mencionada na manifestação ministerial de primeiro grau, às f., verbis:

"A má vontade do pai dos menores em assisti-los convenientemente não pode ser equiparada à sua falta, em termos de devolver a obrigação ao avô; se o pai não está impossibilitado de prestar-lhe alimentos, porque é homem válido para o
trabalho, nem está desaparecido, a sua relutância não poderá ser facilmente tomada com escusa, sob pena de estimular-se um egoísmo anti-social".

Assim, a redução da pensão determinada pela r. sentença guerreada não é o bastante para que Justiça seja aplicada ao autor. Impõe-se a exoneração. Como bem ressaltou a Procuradoria de Justiça em seu parecer, a obrigação de alimentar é do pai, pessoa saudável e maior, exercendo atividade laborativa, em contraste com o autor, pessoa idosa e doente, registrando o parecer, a final, que a apelada dispõe dos meios legais para compelir o pai a pagar alimentos.

Dentro deste quadro, não há como não prover o recurso, para o fim de exonerar o autor do encargo, obrigação esta exclusiva de seus pais, pessoas jovens e aptas para o trabalho.

ALFREDO MIGLIORE.

COMPLEMENTAÇÃO DE ALIMENTOS - AÇÃO PROPOSTA CONTRA AVÔ PATERNO – RECURSO ESPECIAL


Recorrentes: Wladimir dos Santos e outros

Advogados: Dr. Joaquim Hugo Nascimento Amaral Gama e outros

Recorrido: Thiago de Albuquerque Santos

Advogados: Dra. Liliana Camali e outro

EMENTA: - PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. COMPLEMENTAÇÃO DE ALIMENTOS. AÇÃO PROPOSTA CONTRA AVÔ PATERNO. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO COM OS AVÓS MATERNOS. DISSÍDIO NÃO DEMONSTRADO. PRECEDENTES. ORIENTAÇÃO DA TURMA. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I - Não se conhece do recurso especial pela divergência interpretativa, quando não indicado qualquer aresto modelo, sabido que nos recursos de fundamentação vinculada, como é o caso do recurso especial, não se admite, como parte integrante das razões recursais, a simples reiteração a fundamentos de outras manifestações processuais.

II - Citação doutrinária não se enquadra como padrão de divergência, por exigir a lei a ocorrência de dissídio entre acórdãos (art. 105, III, c, Constituição).

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso. Votaram com o Relator os Ministros Barros Monteiro, César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Júnior.

Custas, como de lei.

Brasília, 5 de outubro de 2000 (data do julgamento).

Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Presidente - Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, Relator.

EXPOSIÇÃO

O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA: - Insurge-se o recorrente contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que, nos autos da ação de complementação de alimentos ajuizada pelo recorrido, concluiu pela legitimidade passiva “ad causam” do avô paterno do autor, rejeitando as alegações de carência da ação, por ausência de prova da incapacidade financeira do pai, e de necessidade de citação do avô materno para integrar a relação processual. O acórdão, a propósito, recebeu esta ementa:

“Agravo de instrumento - Ação de alimentos - Legitimidade do avô paterno para figurar no pólo passivo - Existência de litisconsórcio facultativo, não estando o autor obrigado a citar todos os ascendentes do mesmo grau - Inteligência dos arts. 397 do Código Civil e 46, “caput” e 47, “caput”, ambos do Código de Processo Civil - Recurso improvido”.

Ao colacionar doutrina de Yussef Said Cahali, alega o recorrente dissídio jurisprudencial, sustentando dois pontos: a) descabimento do ajuizamento da ação de alimentos diretamente contra o avô, quando não demonstrada, em primeiro lugar, a incapacidade econômica dos parentes mais próximos (pais); b) que o dever de prestar alimentos incumbe aos dois avós - paterno e materno - e não por um só, por livre escolha do alimentado.

Com as contra-razões, foi o recurso inadmitido, ensejando a interposição de agravo, que restou provido (Ag. n. 166.997/SP).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra do Dr. WASHINGTON BOLÍVAR JÚNIOR, opinou, em preliminar, pelo não conhecimento do recurso; e, no mérito, pelo seu desprovimento, recebendo o parecer esta ementa:

“Recurso especial interposto com fulcro na alínea c do permissivo constitucional. Divergência jurisprudencial não comprovada. Ação de alimentos. Legitimidade passiva de avô. Responsabilidade suplementar, caso insuficiente a capacidade econômica do pai. Ação proposta por neto somente contra avô paterno, excluindo avós maternos. Possibilidade. Inocorrência de litisconsórcio passivo necessário entre avós paternos e maternos. Parecer, em preliminar, pelo não conhecimento do recurso; e, no mérito, caso ultrapassada a preliminar, pelo desprovimento”.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA (Relator): - 1. Melhor examinando a espécie, não vejo como conhecer do recurso especial, na linha do parecer do Ministério Público Federal.

O recorrente, ao arrimar seu recurso em dissídio jurisprudencial, não colaciona um julgado sequer, sendo certo que citação doutrinária não se enquadra como padrão de divergência, por exigir a lei a ocorrência de dissídio entre acórdãos (art. 105, III, c, Constituição).

Acrescente-se, ainda, que a argumentação do recorrente, no sentido de que a divergência foi demonstrada nas razões de agravo, não tem o condão de suprir a exigência legal. Nos recursos de fundamentação vinculada, como é o caso do recurso especial, não se admite, como parte integrante das razões recursais, a simples reiteração a fundamentos de outras manifestações processuais (a propósito, dentre outros, o REsp n. 184.369/SP, DJ 10.04.2000, de minha relatoria).

Em suma, em razão da sua deficiente fundamentação, o recurso não merece conhecimento, nos termos do Enunciado n. 284 da Súmula/STF.

2. De outro lado, se superada a preliminar, haver-se-ia de considerar que esta Turma firmou orientação no sentido de que não há litisconsórcio passivo necessário entre avós paternos e maternos, em ação de alimentos ajuizada pelo neto. Nesse sentido, o REsp n. 50.153/RJ (DJ 14.11.1994, Relator o Ministro BARROS MONTEIRO), assim ementado:

“AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA POR NETOS CONTRA O AVÔ PATERNO. CITAÇÃO DETERMINADA DOS AVÓS MATERNOS. INOCORRÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO.

I - O credor não está impedido de ajuizar a ação apenas contra um dos coobrigados. Não se propondo a instauração do litisconsórcio facultativo impróprio entre devedores eventuais, sujeita-se ele às conseqüências de sua omissão.

II - Recurso especial não conhecido”.

Do voto do em. Ministro Relator, por oportuno, colho a seguinte passagem:

“Não se pode falar, pois, “in casu” em litisconsórcio passivo necessário. Yussef Said Cahali, bem a propósito, leciona que:

“Embora não se tratando de obrigação solidária, o credor não está impedido de ajuizar a ação de alimentos apenas contra um dos coobrigados; sendo certo, porém, que, não se propondo à instauração do litisconsórcio facultativo impróprio entre devedores eventuais, sujeita-se o autor às conseqüências de sua omissão” (“Dos Alimentos”, p. 139, 2ª ed.).

Mais adiante, o mesmo Magistrado e Professor reitera a posição doutrinária, nestes termos:

“Perante o nosso direito, ajuizada a ação apenas contra um dos coobrigados, inadmitindo o eventual chamamento de terceiro coobrigado para integrar a lide, sujeita-se apenas o credor - que não optou pela instauração do litisconsórcio facultativo impróprio - a ver a sua pensão fixada na proporção da responsabilidade do demandado. Aliás, é de entendimento jurisprudencial correntio a fixação da pensão alimentícia devida por um obrigado, levando-se em conta que também o coobrigado não demandado tem o dever de contribuir para a manutenção do reclamante” (ob. cit., p. 141)”.

Em outra oportunidade, também anotou esta Turma o entendimento de que “a responsabilidade dos avós não é apenas sucessiva em relação à responsabilidade dos progenitores, mas também é complementar para o caso em que os pais não se encontrem em condições de arcar com a totalidade da pensão, ostentando os avós, de seu turno, possibilidades financeiras para tanto” (REsp n. 70.740/SP, DJ 25.08.1997, Relator o Ministro BARROS MONTEIRO).

Com essa mesma orientação, o REsp n. 81.838/SP (DJ 04.09.2000), da relatoria do Ministro ALDIR PASSARINHO JÚNIOR, resumido nesta ementa:

“II - O art. 397 do Código Civil Brasileiro, ao dispor sobre o direito à prestação alimentar, não excluiu a responsabilidade solidária dos ascendentes próximos. Sendo insuficiente a capacidade econômica do pai para arcar integralmente com o dever jurídico dos alimentos devidos ao filho, poderão suplementar a pensão os ascendentes próximos (avós), na medida de suas possibilidades, apuradas em juízo”.

E, como se sabe, a aferição da capacidade econômica dos alimentantes e dos alimentandos cabe às instâncias ordinárias.

3. À vista do exposto, não conheço do recurso.

EXTRATO DA MINUTA

REsp n. 261.772 - SP - (2000.0055111-2) - Relator: Exmo. Sr. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Recorrentes: Wladimir dos Santos e outros. Advogados: Dr. Joaquim Hugo Nascimento Amaral Gama e outros. Recorrido: Thiago de Albuquerque Santos. Advogados: Dra. Liliana Camali e outro.

Decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso (em 05.10.2000 - 4ª Turma).

Votaram com o Exmo. Sr. Ministro Relator os Exmos. Srs. Ministros Barros Monteiro, César Asfor Rocha, Ruy Rosado de Aguiar e Aldir Passarinho Júnior.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR.

ALIMENTOS DEVIDOS PELOS AVÓS

Sumário: Introdução – Obrigação Alimentar – Natureza dos alimentos devidos pelos avós – Conclusão – Referências bibliográficas
INTRODUÇÃO
            É fato que o homem necessita conviver em sociedade para que sobreviva. Não é por outro meio, senão através da divisão dos encargos, que o homem consegue obter os recursos necessários a manter-se vivo. É preciso distribuir os ônus da sobrevivência a toda a sociedade, em especial à família.
            Como afirma Arnoldo Wald: "a obrigação alimentar caracteriza a família moderna. É uma manifestação de solidariedade econômica que existe em vida entre os membros de um mesmo grupo, substituindo a solidariedade política de outrora". [01]
            Não subsiste mais a família propalada por Clóvis Bevilaqua, como sendo aquela formada pela associação do homem e da mulher, em vista da reprodução e da necessidade de criar os filhos, consolidada pelos sentimentos afetivos e pelo princípio da autoridade, garantida pela religião, pelos costumes e pelo direito. [02]
            A família se assenta sobre o princípio da solidariedade havida entre seus sujeitos, como explicam Ambroise Colin e Henri Capitant, ao afirmarem que esta se impõe aos parentes, ao menos a alguns, a fim de fornecer os alimentos aos membros mais próximos que se encontram necessitados. [03] A obrigação alimentar não se limita a existir entre pais e filhos e envolvem outros membros da família.
            Como recorda Washington de Barros Monteiro, "a obrigação alimentar constitui estudo que interessa ao Estado, à sociedade e à família". [04]
            Como fenômeno contemporâneo, cada vez mais é exigida dos membros da família a participação no custeamento dos outros, é preciso complementar os fundos necessários para a mantença de cada indivíduo, contrariando a afirmação de Henri Leon Mazeaud e Jean Mazeaud, de que a obrigação alimentar diminui por causa da generalização do sistema de seguridade social. [05]
            Neste sentido aborda Arnoldo Wald que "a finalidade dos alimentos é assegurar o direito à vida, substituindo a assistência da família à solidariedade social que une os membros da coletividade, pois as pessoas necessitadas, que não tenham parentes, ficam em tese, sustentadas pelo Estado". [06]
            A família compreende o primeiro círculo de solidariedade, e somente na sua falta é que o Estado é convocado a suprir as necessidades do alimentando. Desta forma são chamados os avós a participarem para o suprimento das necessidades dos netos por conta do disposto no artigo 1.694, do Código Civil, que autoriza os parentes a pedirem uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
            Dispõe, ainda, o artigo 1.696 do Código Civil que o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
OBRIGAÇÃO ALIMENTAR
            A obrigação alimentar se define como sendo aquela em que se determina a uma pessoa fornecer a outra os meios necessários à satisfação das necessidades essenciais da vida. A palavra alimentos deve ser entendida em seu sentido lato, compreendendo não somente a nutrição, mas tudo mais que for necessário à existência, como moradia, vestuário, despesas médicas, despesas com educação e com o funeral.
            Surgiu antes como officium pietatis do que propriamente uma imposição. O seu pagamento estava muito mais próximo da noção de caridade, de dever moral, do que uma obrigação de caráter estritamente jurídico. [07] É como afirma Roberto de Ruggiero: "tendo surgido primeiramente como um dever ético, um officium, confiado à pietas e às normas morais, é depois englobada no direito, que a eleva a obrigação jurídica e a mune de sanção". [08]
            Roberto de Ruggiero garante que sua função e seu fim são os de fornecer ao parente que tenha necessidade os meios de subsistência, se não tem de onde tirar e se encontra impossibilitado de os produzir. [09]
            Trata-se de obrigação de caráter personalíssimo, devida pelo alimentante em função de seu vínculo de parentesco com o alimentando. Extrai-se que o direito a alimentos toma as seguintes características: são irrenunciáveis, intransmissíveis, imprescritíveis, impenhoráveis, incompensáveis, recíprocos, inalienáveis e não repetíveis.
            Os elementos fundamentais para que se dê o direito aos alimentos são o vinculo de parentesco, a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade do alimentando, sendo que o critério de fixação do valor devido a este título está na proporção entre estes dois últimos requisitos.
            A obrigação de alimentar apenas subsiste enquanto subsista a necessidade do alimentando e a possibilidade econômica de a satisfazer do alimentante, como atenta Roberto de Ruggiero: "... a obrigação é por sua natureza condicional e variável: cessa quando se extingue a necessidade ou falta a capacidade patrimonial, e a prestação muda de medida conforme varia a necessidade ou a fortuna das duas partes". [10]
            Além das garantias ordinárias do pagamento, como a execução forçada, o credor de alimentos se beneficia de garantias especiais, como a responsabilidade penal pelo abandono da família.
NATUREZA DOS ALIMENTOS DEVIDOS PELOS AVÓS
            Antes de tudo, é importante não se confundir a obrigação com o dever de alimentar, como ensina Rolf Madaleno:
            A fim de poder apreender com maior clareza a distinção entre obrigação alimentar e dever de prestar alimentos, é preciso ter presente a noção de família nuclear, formada basicamente, pelo par andrógino e seus filhos, evidentemente, quando existentes. A este núcleo familiar deita uma obrigação de alimentos calcada no vínculo de solidariedade que se mostra muito mais intenso e significativo. Já no respeitante ao dever pensional parental, devem ser enquadrados os parentes de graus mais distantes, como avós e irmãos, sobre os quais pesa igualmente um dever de solidariedade, no entanto, sem lhes impor sacrifícios, pois atrelados à assistência nos limites das forças de seus recursos.
            A solidariedade familiar entre pais e filhos é ilimitada e vai ao extremo de exigir a venda de bens para cumprimento da obrigação filiada ao princípio constitucional do direito à vida, dentro da dignidade da pessoa humana (arts. 1º e 5º, da CF). É o entendimento de Yussef Said Cahali, ao referir devam ser envidados ‘todos os esforços dos pais no sentido de fazer do filho por ele gerado um ser em condições de viver por si mesmo...’ ". [11]
            Pontes de Miranda, em seu Tratado de Direito de Família assenta que a pretensão a alimentos é de natureza familiar e não obrigacional, tomando, portanto, contornos próprios:
            A pretensão a alimentos, fundada nos arts. 396-405, é pretensão de direito de família, que nada tem com o direito das obrigações. Não só se funda no parentesco; o parentesco, nas espécies que o Código Civil aponta, é, apenas, junto à necessidade do alimentando e à suficiência de recursos do alimentante, elemento do suporte fático. Do dever de alimentar deriva o direito a alimentos, pessoal, razão por que não se podem invocar regras jurídicas do direito das obrigações, analogicamente. No trato das relações jurídicas de que se irradiam direitos e deveres alimentares devem-se separar, nitidamente, o que concerne à existência da sociedade conjugal, o que deriva da relação jurídica de pátrio poder, inclusive em caso de adoção, e o que provém da relação jurídica paternofilial, ou maternofilial." [12]
            Em relação aos avós, declara Pontes de Miranda:
            Avós. Na falta dos pais, a obrigação passa aos avós, bisavós, trisavós, tetravós etc., recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. Pelo antigo direito brasileiro (Assento de 9 de abril de 1772, § 1), na falta dos pais, a obrigação recaía nos ascendentes paternos e, faltando esses, nos ascendentes maternos; mas a distinção não tem razão de ser, pois não na fez o Código Civil, que diz explicitamente: ‘... uns em falta de outros’. Se existem vários ascendentes no mesmo grau são todos em conjunto.
            Por isso que os ascendentes de um mesmo grau são obrigados em conjunto, a ação de alimentos deve ser exercida contra todos, e a quota alimentar é fixada de acordo com os recursos dos alimentantes e as necessidades do alimentário. Assim, intentada a ação, o ascendente (avô, bisavô etc.; avó, bisavó etc.) pode opor que não foram chamados a prestar alimentos os outros ascendentes do mesmo grau. Se algum dos ascendentes não tem meios com que alimente o descendente, o outro dos ascendentes do mesmo grau os presta. Se o descendente já recebe de algum ascendente o suficiente para a sua alimentação (no sentido largo, que é o técnico), podem os outros opor esse fato; mas, se a quantia ou recursos fornecidos pelo alimentar não bastam, é lícito ao alimentário argüir a insuficiência do que recebe, ou a precariedade de seu sustento em casa do ascendente, e pedir ao outro ou aos outros ascendentes que completem o quanto, ou prestem o necessário à sua vida normal. [13]
            Depreende-se que em se tratando de alimentos pretendidos em face dos avós, não existe dever de sustento, apenas obrigação de alimentar baseada no princípio de solidariedade familiar. Assim decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao proclamar o caráter substitutivo da obrigação de alimentar dos avós. "Os avós, desde que possível, em face do princípio da solidariedade familiar na ação de alimentos, assumem obrigação substitutiva dos pais que não reúnem condições financeiras para a garantia da sobrevivência da prole que geraram". [14]
            A responsabilidade dos avós quantos aos alimentos é complementar e deve ser diluída entre os progenitores paternos e maternos. [15] É como se extrai da lição de Roberto de Ruggiero:
            Avós e outros ascendentes. – Na falta de pais ou quando eles não tenham meios suficientes, a obrigação passa para os avós e para os outros ascendentes legítimos segundo a ordem de proximidade (arts. 138 e 142 do cc e arts. 147, 148 e 433 do CC), dividindo-se entre a linha paterna e materna, analogamente ao que sucede na sucessão hereditária". [16]
            Se ocorre a pluralidade de obrigados, deve cada um deles concorrer na proporção de suas condições econômicas, como ensina Domenico Barbero. [17]
            Sendo assim, o comprometimento dos avós com os alimentos dos netos deve ser complementar no sentido de auxiliar os pais no sustento de seus filhos. Quando os pais podem prover os alimentos de seus filhos os avós não devem ser chamados, pois "os filhos têm direito aos alimentos segundo a fortuna dos pais, não sendo lícito cotejar fortunas entre os avós e destes com as dos pais para pedir contra quem for mais bem aquinhoado". [18]
            Clóvis Bevilaqua alerta que os alimentos pretendidos em face dos avós são devidos pietatis causa, ad necessitatem e não ad utilitatem. [19] Ao contrário da obrigação alimentar baseada nos deveres de mútua assistência, os alimentos devidos pelo laço de parentesco visam garantir unicamente os recursos indispensáveis à sobrevivência digna do necessitado, "embora admissível a proposição de ação alimentar contra os avós, não é razoável impelir o avô paterno a complementar pensão alimentar quando não demonstrada a insuficiência econômica do genitor do alimentado, que apenas está inadimplente. Recomendável, no caso, utilização de remédio jurídico processual adequado que é a execução de alimentos", como decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. [20]
            Isso porque a obrigação de alimentar é subsidiária e complementar, sendo devidos alimentos pelos avós "somente se restar demonstrado que o pai dos menores não tem patrimônio hábil para sustentá-los, ou não possui condições de arcar sozinho com a obrigação de alimentar". [21]
            Em razão do deveres relativos ao poder parental, o dever de alimentar dos pais é recíproco, devendo cada um deles contribuir no sustento de seus filhos, não cabendo exclusivamente a um dos genitores arcar sozinho com as despesas relativas a guarda e conservação de seus filhos.
            A suplementação dos alimentos pelos avós deve ser vista como uma excepcionalidade e devida tão-somente "diante da prova inequívoca da insuficiência de recursos não só do pai-alimentante, mas também da mãe, já que a obrigação alimentar em relação aos filhos incumbe a ambos". [22]
            Antes de serem chamados os avós a suprirem as necessidades de seus netos é preciso ficar demonstrada a impossibilidade dos pais em garantir-lhes a sobrevivência, "a ação de alimentos deve ser dirigida primeiramente contra o pai, para, na impossibilidade dele, serem chamados os avós. Somente após, comprovada a impossibilidade do pai em prover os alimentos ao filho postulante, estaria legitimado a intentar a ação contra os avós". [23]
            A obrigação de alimentar, no caso de omissão do pai, estende-se aos avós, levando-se em consideração o binômio capacidade–necessidade, devidamente comprovado. [24]
            Entendeu o Superior Tribunal de Justiça que "os avós, tendo condições, podem ser chamados a complementar o pensionamento prestado pelo pai que não supre de modo satisfatório a necessidade dos alimentandos". [25] O fato de o pai já vir prestando alimentos ao filho não impede que ele possa reclamá-los dos avós, desde que demonstrada a insuficiência do que recebe. "A responsabilidade dos avos não é apenas sucessiva em relação a responsabilidade dos progenitores, mas também e complementar para o caso em que os pais não se encontrem em condições de arcar com a totalidade da pensão, ostentando os avós, de seu turno, possibilidades financeiras para tanto". [26]
            Os alimentos pretendidos em face dos avós devem ser apreciados pela ótica da necessidade do alimentando e da possibilidade do alimentante. O pedido deve ser verificado com cautela, a fim de não impor um excessivo sacrifício aos avós que estão no final da vida e não devem ser privados das comodidades que alcançaram com seu labor.
            A pretensão de alimentos em face dos avós deve atender exclusivamente às necessidades básicas da criança, não tendo os filhos direito a alimentos superiores a fortuna dos pais, "não sendo lícito cotejar fortunas entre os avós e destes com as dos pais para pedir contra quem for mais bem aquinhoado". [27]
            Não é só e só porque o pai deixa de cumprir a obrigação alimentar devida aos seus filhos que sobre os avós deve recair a responsabilidade pelo seu cumprimento integral, na mesma quantificação da pensão devida, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça. "Os avós podem ser instados a pagar alimentos aos netos por obrigação própria, complementar e/ou sucessiva, mas não solidária. Na hipótese de alimentos complementares, tal como no caso, a obrigação de prestá-los se dilui entre todos os avós, paternos e maternos, associada à responsabilidade primária dos pais de alimentarem os seus filhos". [28]
            Deliberou o Tribunal de Justiça do Paraná que "a ação de alimentos contra os avós tem cabimento quando comprovada a falta ou a incapacidade financeira absoluta dos pais". [29]
            O valor dos alimentos deve atender às necessidades primárias do alimentando sem, contudo, impor excessivo sacrifício aos avós no final da vida, privando-os das comodidades que sempre usufruíram. [30] Como asseguram Theodor Kipp e Martin Wolff, pode-se exigir dos ascendentes somente os alimentos indispensáveis, compreendidos aqueles que cubram as necessidades imprescindíveis da vida. [31]
CONCLUSÃO
            Sendo assim, deve-se concluir que muito embora sejam devidos alimentos aos netos pelos avós, os mesmo são de natureza diversa daqueles devidos pelos pais, pois se assentam no dever de solidariedade e não de sustento.
            Como conseqüência, os alimentos devidos pelos avós devem ser aqueles estritamente necessários à sobrevivência dos netos e somente serão devidos se houver possibilidade de prestá-los sem prejuízo do próprio sustento dos alimentantes.
            Por sua vez, os alimentos prestados pelos avós devem ser considerados subsidiários, somente sendo devidos na falta dos pais ou na impossibilidade destes em arcar com as necessidades de seus filhos.
            Depreende-se que tais alimentos devem ser vistos como complementares, não devendo os avós arcar com o sustento de seus netos se os pais os puderem prover.
            A ajuda mútua sempre foi um elemento caracterizador da família, desde suas origens, por ser condição de sobrevivência dos indivíduos. Nas civilizações primitivas, alerta Massimo Canevacci, não conseguir constituir família põe em questão a possibilidade de sobrevivência do indivíduo solteiro. [32]
            Nesse mesmo sentido, modernamente é preciso convocar os parentes mais próximos a fim de auxiliar na produção dos meios necessários a alimentar e educar os membros da família.

REFERÊNCIAS
 BARBERO, Domenico. Sistema Del derecho privado, volume II, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa–América, 1967.
BEVILAQUA, Clovis. Código civil comentado, volume II, Belo Horizonte: Francisco Alves, 1933.
CANEVACCI, Massimo. Dialética da Família: gênese, estrutura e dinâmica de uma instituição repressiva, tradução Carlos Nelson Coutinho, 2. ed., S. Paulo, Ed. Brasiliense, (1981).
COLIN, Ambroise et CAPITANT, Henri. Traité de droit civil, tome premier: introduction générale, personnes et famille, biens, Paris: Dalloz, 1953.
COLOMBET, Claude. La famille, Paris: Presses Universitaire de France, 1999.
KIPP, Theodor et WOLFF, Martin. Derecho de familia. Tomo IV, volume II, 2. edição, tradução Blas Pérez González e José Alguer, Barcelona: Bosch, 1953.
MADALENO, Rolf. Direito de família: aspectos polêmicos, 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
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RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil, volume II, tradução Ary dos Santos, São Paulo: Saraiva, 1972.
 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, 13. ed., São Paulo: Saraiva, 2000.

Notas
 01 WALD, Arnoldo. O novo direito de família, 13. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 39.
 02 BEVILAQUA, Clovis. Direito de família, Rio de janeiro: Ed. Rio, 1976, p. 20.
 03 COLIN, Ambroise et CAPITANT, Henri. Traité de droit civil, tome premier: introduction générale, personnes et famille, biens, Paris: Dalloz, 1953, p. 547.
 04 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil, volume II, 21. ed., São Paulo: Saraiva, 1983, p. 289.
 05 MAZEAUD, Henri Leon et MAZEAUD, Jean. Lecciones de derecho civil, volume IV, parte 1, tradução Luis Alcalá-Zamora y Castillo, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa-América, 1978, p. 134.
06 WALD, Arnoldo, ob. cit., p. 40.
07 RODRIGUES, Silvio. Direito civil, volume VI, 27. ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p. 419.
08 RUGGIERO, Roberto de. Instituições de direito civil, volume II, tradução Ary dos Santos, São Paulo: Saraiva, 1972, p. 32.
09 RUGGIERO, Roberto de. Ob. cit., loc. cit.
10 RUGGIERO, Roberto de. Ob. cit., p. 34.
11 MADALENO, Rolf. Direito de família: aspectos polêmicos, 2. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 49-50.
12 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito de família, volume III, Campinas: Bookseller, 2001, p. 255-256
13 PONTES DE MIRANDA. Ob. cit., p. 276-277.
14 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2. Turma Cível, Agravo de Instrumento 20000020015386, relator Des. Edson Alfredo Smaniotto, publicado no Diário da Justiça da União em 21.03.2001, p. 19.
15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4. Turma, Recurso Especial 401484/PR, relator Min. Fernando Gonçalves, publicado no Diário da Justiça de 20.10.2003, p. 278.
16 RUGGIERO, Roberto de. Ob. cit., p. 42.
17 BARBERO, Domenico. Sistema del derecho privado, volume II, Buenos Aires: Ediciones Jurídicas Europa–América, 1967, p. 201.
18 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2. Turma Cível, Apelação Cível 19980110345078, relator Des. Getúlio Moraes Oliveira, publicado no Diário da Justiça da União em 25.10.2000, p. 18.
19 BEVILAQUA, Clovis. Código civil comentado, volume II, Belo Horizonte: Francisco Alves, 1933, p. 390.
20 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 7. Câmara Cível, Agravo de Instrumento 599405495 (00313264), relator Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julgado em 18.08.1999.
21 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 5. Turma Cível, Agravo de Instrumento 20000020026994, relator Des. Romeu Gonzaga Neiva, publicado no Diário da Justiça da União em 31.10.2000, p. 29).
22 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 17. Câmara Cível, Agravo de Instrumento 6103/2000 (14092000), relatora Des. Maria Ines Gaspar, julgado em 09.08.2000.
23 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 8. Câmara Cível, Agravo de Instrumento 599310216 (00313035), relator Des. José Ataides Siqueira Trindade, julgado em 01.07.1999.
24 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 1. Turma Cível, Agravo de Instrumento 19990020014378, relatora Des. Vera Andrigui, publicado no Diário da Justiça da União em 01.03.2000, p. 12.
25 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4. Turma, Recurso Especial 119336/SP (1997/0010143-6), relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, publicado no Diário da Justiça em 10.03.2003, p. 217, RNDJ 41/116, RT 816/168, ADCOAS 44/23.
26 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4. Turma, Recurso Especial 70740/SP (1995/0036741-6), relator Min. Barros Monteiro, publicado no Diário da Justiça de 25.08.1997, p 39375, RDJTJDFT 55/63, RDR 9/325, REVJMG 141/540, REVJUR 242/55, RSTJ 100/195.
27 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 2. Turma Cível, Apelação Cível 19980110345078, relator Des. Getúlio Moraes Oliveira, publicado no Diário da Justiça da União em 25.10.2000, p. 18.
28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 4. Turma, Recurso Especial 366837/RJ (2001/0121216-0), relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, publicado no Diário da Justiça de 22.09.2003, p 331, RNDJ 48/97.
29 PARANÁ. Tribunal de |Justiça do Estado do Paraná, 1. Grupo de Câmaras Cíveis, Acórdão 3802, Apelação Cível 104340701, relator Dês. J. Vidal Coelho, julgado em 04.04.2002.
30 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal, 4. Turma Cível, Apelação Cível 19990110469339, relatora Des. Sandra de Santis, publicado no Diário da Justiça da União em 14.11.2000, p. 30.
 31 KIPP, Theodor et WOLFF, Martin. Derecho de familia. Tomo IV, volume II, 2. edição, tradução Blas Pérez González e José Alguer, Barcelona: Bosch, 1953, p. 236.
32 CANEVACCI, Massimo. Dialética da Família: gênese, estrutura e dinâmica de uma instituição repressiva, trad. Carlos Nelson Coutinho, 2a ed., S. Paulo, Ed. Brasiliense, 1981, p. 31.

Trabalho elaborado pelo professor do Departamento de Direito Público da Universidade Estadual de Maringá