sábado, 17 de dezembro de 2011

DO REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL.

 A responsabilidade tributária do sócio à luz do art. 135, III, do Código Tributário Nacional .
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I – Da responsabilidade tributária; 1.1. Considerações acerca da responsabilidade tributária; 1.2. Interpretando o art. 135, III, CTN; 1.3. O art. 1.080 do Código Civil e a responsabilidade tributária. CAPÍTULO II – A responsabilidade tributária do sócio; 2.1. Noções Gerais; 2.1.2. Pessoas responsáveis; 2.2. Atos geradores da responsabilidade pessoal; 2.2.1. A expressão "excesso de mandato"; 2.2.2. Violação do contrato ou da lei e o não recolhimento do tributo; 2.2.3. A dissolução irregular da sociedade. CAPÍTULO III – A lei de execução fiscal; 3.1. O sujeito passivo da execução fiscal; 3.2. Do redirecionamento da execução fiscal: inclusão de sócio cujo nome não conste da Certidão de Dívida Ativa; 3.3. A defesa do sócio. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.

INTRODUÇÃO
                        O presente trabalho tem por escopo a análise do tema Do redirecionamento da execução fiscal – a responsabilidade tributária do sócio à luz do artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.

                       Aqui, nestas parcas linhas, pretende-se estudar a responsabilidade tributária, a interpretação dada pela doutrina e jurisprudência acerca do art. 135, III, do CTN, o confronto deste dispositivo com o art. 1.080 do Código Civil, as pessoas que podem ser responsáveis por débitos tributários da sociedade, os atos geradores da responsabilidade pessoal e, enfim, o redirecionamento da execução fiscal para abarcar sócio cujo nome não conste da Certidão de Dívida Ativa.

                       Primeiramente analisar-se-á a responsabilidade tributária, diferençando-se as figuras do contribuinte e do responsável tributário. Também será objeto de análise as duas modalidades de responsabilidade tributária (por substituição e por transferência), assim como a interpretação que deve ser dada ao art. 135, III, do CTN.

                       Após, discorrer-se-á sobre a responsabilidade tributária do sócio e a pessoalidade desta responsabilidade nos casos que envolvam o art. 135, III, do CTN. Será feito um sucinto estudo acerca dos atos que têm o condão de gerar a responsabilidade pessoal, como o excesso de mandato, a violação de lei e do contrato social. Serão analisadas, ainda, as controvérsias atinentes ao não recolhimento do tributo como ato ilícito e a dissolução irregular da sociedade.

                       Por fim, analisar-se-á a sujeição passiva sob a égide da Lei 6.830/80, a controvertida possibilidade de redirecionamento da execução fiscal para incluir sócio cujo nome não conste do título executivo extrajudicial (CDA) e as modalidades de defesa a cargo do sócio executado.

                       Importa ressaltar a necessidade do estudo em comento, em vista do sem número de questões semelhantes que chegam diariamente aos tribunais pátrios, donde se infere a importância da pesquisa.

CAPÍTULO I – Da responsabilidade tributária

1.1. Considerações acerca da responsabilidade tributária

                       A obrigação tributária, assim como qualquer obrigação jurídica, assenta-se sobre três elementos, a saber: vínculo jurídico, objeto e sujeitos. O vínculo jurídico que une os sujeitos a uma prestação representa, no direito tributário, o fato gerador do tributo; o objeto, por seu turno, é a própria prestação tributária devida; os sujeitos são representados pelo sujeito ativo (suposto credor da prestação) e sujeito passivo (pretenso devedor daquela).

                      No presente trabalho ater-se-á a abordar, especificamente, a figura do sujeito passivo da relação jurídico-tributária, que pode ser tanto o contribuinte, quanto o responsável tributário, matéria que agora será estudada. Deve ser ressaltado que a esta pesquisa apenas interessa a figura do sujeito passivo na obrigação tributária principal, representando esta o pagamento do tributo ou de penalidade pecuniária.

                      A importância da identificação do devedor é de tal valor para o direito tributário, que um dos requisitos da certidão de dívida ativa, título executivo extrajudicial por meio do qual o Fisco aparelha sua execução fiscal, é justamente a identificação do devedor, conforme preconiza o art. 202 do Código Tributário Nacional.

                     É também o Código Tributário Nacional que distingue as figuras de contribuinte e responsável, vinculando também este último à obrigação tributária.

                      Consoante reza o art. 121 do CTN, ao responsável também é passível de ser conferida a condição de sujeito passivo da obrigação tributária, sendo que o legislador em inúmeras situações permite que tão somente o responsável responda pelo débito tributário, deixando de lado a figura do contribuinte.

                      Luciano Amaro  define com precisão a diferença entre os termos contribuinte e responsável, como se infere adiante:

(...) vemos que o sujeito passivo da obrigação principal (gênero) é sempre alguém ‘relacionado’ com o fato gerador dessa obrigação. Se essa relação for de certa natureza (‘pessoal e direta’), o sujeito passivo diz-se contribuinte. Se tal relação (ou vínculo, consoante o art. 128) for de natureza diversa (a contrario sensu, ‘não pessoal e direta’), o sujeito passivo qualifica-se especificamente como responsável.

                    O autor acima citado aponta que o responsável tributário poderia ser chamado de sujeito passivo indireto, para que não se confunda com o contribuinte, que seria o sujeito passivo direito. Além do mais, a presença do responsável como devedor na obrigação tributária traduz uma "modificação subjetiva no pólo passivo da obrigação, na posição que, naturalmente, seria ocupada pela figura do contribuinte.

                    Para que haja a responsabilidade tributária de terceiro, tal fato precisa de expressa indicação na lei.

                    Sérgio André Rocha Gomes da Silva do alto de seu magistério, aponta que ao se estabelecer hipótese de responsabilidade tributária visa-se a ampliar as possibilidades arrecadatórias do Poder Público, e não penalizar o sujeito que poderia ter assegurado o recolhimento do tributo.

                    É certo que a eleição de terceiro para figurar no pólo passivo da obrigação tributária decorre de variados motivos, dentre os quais conveniência e necessidade. Igualmente certo é que a doutrina [] aponta as técnicas que vão nortear a inclusão de terceiro como responsável tributário.

                    Assim, duas são as modalidades básicas por meio da qual a lei transfere a terceiro a responsabilidade pelo adimplemento do tributo (hipóteses de sujeição passiva indireta), a saber: responsabilidade por sucessão e responsabilidade por transferência.

                    Enquanto na sucessão a lei desde logo transfere para terceiro a obrigação tributária, que já nasce com o pólo passivo ocupado por este, na transferência a obrigação de um devedor é deslocada para outra pessoa em vista de algum evento (ex.: a incorporação de uma empresa por outra).
  
                    Sobre o tema em apreço, Pedro Camara Raposo Lopes indica que "não há como dissociar as figuras de débito e obrigação. (...) devedor e co-responsável são obrigados na mesma medida e com a mesma força, relegando-se a questões de política tributária a distinção da qualidade da sujeição passiva ostentada."
1.2. Interpretando o art. 135, III, CTN

                    Dispõe o art. 135, III do Código Tributário Nacional:

Art. 135: São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto: (...) III – os diretores, gerentes ou representantes das pessoas jurídicas de direito privado.

                    Pode ser facilmente verificado que o referido dispositivo legal exclui do pólo passivo da obrigação o contribuinte, que seria a pessoa em nome de quem age o terceiro responsável, dispondo peremptoriamente que as pessoas ali mencionadas respondem pessoalmente pelo crédito de que é titular a Fazenda Pública.

                    A doutrina majoritária entende que o art. 135 não cuida de responsabilidade solidária nem subsidiária do terceiro, mas seria caso de responsabilidade pessoal.

                    No entanto, o art. 135 do CTN não tem o condão de incidir em quaisquer hipóteses. Para que possa ser chamado à aplicação deve haver a prática de ato para o qual o terceiro não detinha poderes ou de ato praticado com infração de lei, contrato social ou estatuto de uma sociedade . Por isso, inexistente o ato irregular, descabe invocar-se o artigo em análise.

                    Em comentários ao art. 135 do CTN, José Jayme de Macêdo Oliveira [menciona:
Considerando que a causa da substituição definida neste artigo provém de atos dolosos praticados contra os contribuintes substituídos, como faz ver o seu caput, afasta-se da relação jurídica tributária a pessoa definida na lei como contribuinte do tributo. Vale dizer, não é solidária, nem subsidiária dita responsabilidade, mas sim pessoal do agente de referenciados atos.

                    Em síntese, nas situações em referência, a responsabilidade tributária é pessoal, total e exclusiva.

                    Do mesmo modo manifesta-se Sacha Calmon Navarro Coelho  ao aduzir que o art. 135 retira a solidariedade mencionada no art. 134 do CTN e transfere a responsabilidade exclusivamente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa, destarte, a ser pessoal, plena e exclusiva do terceiro, o que ocorrerá sempre que este tiver agido com má-fé, fato hábil a justificar o tratamento mais rigoroso imposto pela legislação tributária.

                    Tal posicionamento encontra amparo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, citada por Sérgio André Rocha Gomes da Silva ], no Recurso Especial nº 308195, publicado no DJ em 25.06.2001, no qual ficou assentado o seguinte:

                    Tributário e Processual Civil. Execução Fiscal. Responsabilidade de sócio-gerente. Limites. Art. 135, III, do CTN. Precedentes.
 (...)
3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto, nos termos do art. 135, III, do CTN.
  
  1.3. O art. 1.080 do Código Civil e a responsabilidade tributária
  
                    Citado dispositivo legal reza que "As deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram."

                    De imediato nota-se a similitude com o art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, antes mencionado. No entanto, a diferença entre ambos reside no fato de que a norma do Código Civil é bem mais genérica que a do CTN, uma vez que está a abarcar todos os sócios da pessoa jurídica.

                    Especificamente comentando o art. 1.080 do Código Civil, Leonardo Nunes Marques leciona o que segue:

É mais genérica porque abarca todas as hipóteses de atos ilegais e violadores do contrato social, e não apenas os que geram o nascimento da obrigação tributária. E, ao contrário do art. 135 do CTN, que se aplica aos administradores das sociedades limitadas, o art. 1.080 do CC submete ao cumprimento da obrigação justamente os sócios que aprovam as deliberações caracterizadas em tal dispositivo.

                    E é justamente o art. 1.080 do Código Civil que impõe aos sócios da sociedade limitada, da mesma forma que o art. 135 do Código Tributário Nacional, aos administradores de tais empresas, a responsabilidade pelo cumprimento das obrigações advindas de atos que violem a lei ou o contrato social, quando praticados por influência de suas vontades.

                    Tanto é assim que enquanto o inciso III do art. 135, CTN, impõe ao administrador da sociedade limitada, por exemplo, a responsabilidade pelo adimplemento do débito tributário resultante de atos praticados com infração à lei, excesso de poderes e violação do contrato social, o art. 1.080 do Código Civil submete os sócios aprovadores à responsabilidade por toda a sorte de deveres advindos das deliberações que infrinjam o contrato ou a lei.

                    Também sobre o assunto em comento, elucidativo é o exemplo ofertado por Leonardo Nunes Marques , abaixo transcrito:

No caso específico das obrigações tributárias, então, ocorrerão hipóteses em que tanto o administrador da sociedade limitada será responsável pelo seu cumprimento, quanto alguns ou todos os seus sócios. Isso se dará quando, em reunião ou em assembléia, os sócios aprovarem deliberações no sentido de manter a conduta ilícita ou anticontratual geradora do vínculo fiscal por parte do administrador e este permanecer em sua prática. Percebe-se que, em tal circunstância, o administrador se enquadrará na previsão contida no inc. III do art. 135 do CTN, o que resulta em sua responsabilização, e os sócios que aprovaram a continuidade da irregular conduta da sociedade, por se enquadrarem na norma posta pelo art. 1.080 do CC, também deverão arcar com o cumprimento da obrigação tributária.

                    Ante o exposto, inegável a semelhança entre as normas constantes do art. 135, inciso III do Código Tributário Nacional e art. 1.080 do Código Civil.

CAPÍTULO IIA responsabilidade tributária do sócio

2.1. Noções gerais

                    Como já visto no capítulo anterior, pode o sócio ser chamado à responsabilização pelo débito tributário, à luz do que dispõe o art. 135, III, do Código Tributário Nacional sempre que tiver agido com excesso de poderes, infração de lei, contrato social (para a sociedade limitada, por exemplo) ou estatuto (caso em que se tem em mira uma sociedade anônima).

                    Entretanto, não são todas as categorias de sócios passíveis de serem pessoalmente responsabilizados. Neste sentido, estatui mencionado dispositivo legal que apenas são chamados a responder pelo débito tributário "os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado."

                    Importa saber como a doutrina e a jurisprudência pátrias encaram o dispositivo acima aludido, bem como que atos praticados implicam tal responsabilidade pessoal, de molde a excluir, desta feita, a pessoa jurídica do pólo passivo da relação tributária.

2.1.1. Pessoas responsáveis

                    Anteriormente foi mencionado que a sujeição passiva no direito tributário envolve tanto a figura do contribuinte, pessoa ligada pessoal e diretamente ao fato gerador da obrigação tributária, quanto a figura do responsável tributário, que é a pessoa a qual a lei impõe a obrigação de responder pelo débito tributário e que possui alguma relação com o fato gerador, desde que não seja uma relação pessoal e direta.

                   Assim, cumpre esclarecer quais as pessoas que podem ser chamadas a responder pessoalmente pelo débito tributário, consoante o disposto no art. 135, inciso III, do CTN, uma vez que sua redação não parece permitir a responsabilização de todo e qualquer sócio de pessoa jurídica de direito privado.
         
                 Vê-se claramente que o legislador, em citado dispositivo, pretendeu responsabilizar aquele que objetiva dar à pessoa jurídica fins ilícitos ou contrários a seu objeto social. Para o autor Leonardo Nunes Marques a causa da responsabilização pode ser deduzida pelo fato de que

(...) os demais sócios não podem arcar com as arbitrariedades cometidas pelo membro que conduz irregularmente a atividade comercial, tal como ocorreria na hipótese de fixação de responsabilidade solidária. Essa é a justificativa para a pessoalidade da responsabilização.

                  Por isso, não é a mera condição de sócio hábil a ensejar aludida responsabilidade pessoal pelo adimplemento dos tributos devidos pela pessoa jurídica. É necessário mais: apenas o sócio-gerente pode ser responsável tributário por substituição, sob a ótica do art. 135, III, do CTN. Isso porque apenas estes são capazes de praticar os atos que fazem eclodir a responsabilidade pelo pagamento do tributo.

                   O sócio-gerente é aquele incumbido de direcionar os negócios da sociedade empresária, levando-a a praticar atos necessários ao atingimento de seu fim social. Desta forma, aduz a doutrina que é justamente ele, o sócio com poderes de gerência, quem pode conduzir a sociedade à prática de atos infringentes da lei, do contrato social ou de seus estatutos.

                    Elucidativas são as ementas de acórdãos abaixo colacionadas, que espancam quaisquer dúvidas porventura existentes acerca da questão posta em análise:

A responsabilidade tributária atinge o diretor, gerente ou representante da sociedade anônima, não o mero acionista. (AC 16.970/PE, TRF 5ª Região, 2ª Turma, Rel. Juiz Nereu Santos. DJU 24.02.1995)
Sobre mero acionista de Sociedade Anônima não pode incidir a execução, ainda que a sociedade tenha desaparecido sem deixar bens para serem penhorados. A figura do responsável tributário (art. 568, V, do CPC c/c os artigos 134 e 135 do CTN) não se aplica ao acionista. ( RE 96.943/RJ. STF, Rel. Min. Soares Muñoz. DJU 25.06.82)
               
                    E não basta apenas ser sócio-gerente ou administrador da pessoa jurídica, que tenha infringido a lei ou o contrato, eis que a doutrina aponta que o ato atribuído a estas pessoas tenha decorrido de atuação dolosa. Tanto é assim que a fraude, o conluio e a sonegação usados para impedir o recolhimento do tributo devido acarretam a incidência do art. 135, III, do CTN, nos dizeres de Sacha Calmon Navarro Coelho [

2.2. Atos geradores da responsabilidade pessoal
2.2.1. A expressão "excesso de mandato"

                    O caput do artigo 135 do Código Tributário Nacional assevera serem pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias os sócios-gerentes da pessoa jurídica, quanto aos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto. Destarte, a responsabilidade será imputada ao membro da sociedade quando o fato jurídico-tributário também configurar ato ilícito, excesso de poderes ou violação ao contrato social.

                    O legislador tributário, ao estabelecer a responsabilidade do sócio-gerente pelo cumprimento das obrigações fiscais que se originam de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei ou ao contrato social, pretendeu fazer com que aquele que praticasse o ato ficasse obrigado ao recolhimento do tributo devido.
  
                    Por isso mesmo informa Sérgio André Rocha Gomes da Silva que
Considerações acerca da culpa in eligendo das pessoas jurídicas de direito privado ou dos mandantes pela escolha de seus respectivos representantes legais devem orientar o legislador no momento pré-jurídico em que o mesmo estrutura o ordenamento jurídico.
  
                    O excesso de mandato, ou excesso de poderes, nos exatos termos da lei tributária, pode ser entendido como todo e qualquer ato praticado pelo sócio com poderes de gerência que exorbite de suas atribuições contratuais, o que faz incidir a pessoalidade de sua responsabilidade.
                    
                   Nestes termos, verifica-se da ementa de acórdão abaixo colacionada o acerto da decisão proferida pelo TRF da 4ª Região, acerca da ocorrência do excesso de poder na atitude do sócio, ao transferir para si maior parte do patrimônio da empresa:

Ao transferir para o seu nome a maior parte do patrimônio da empresa e selecionando, segundo as suas próprias conveniências negociais, os credores, a quem oferecia pagamento, com prejuízo de credores preferenciais como a Fazenda Nacional, é certo que o embargante, sócio-gerente, obrou com excesso de poder, eis que reduziu a sociedade à insolvência, fazendo-a desaparecer e com ela a garantia dos credores. (REO 94.04.03206-9/PR. TRF 4ª Região, 2ª Turma, Rel. Juiz Dória Furquim. DJU 09.08.05)
    
2.2.2. Violação do contrato ou da lei e o não recolhimento do tributo

                   Do mesmo modo, reza o artigo 135, inciso III do CTN, serem responsáveis tributários os diretores, gerentes e representantes da pessoa jurídica que tenham cometido ato ilícito (infração de lei) ou violado o estatuto social.

                   Também aqui a responsabilidade tributária transfere-se inteiramente para o substituto, de modo que a aquela passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros.

                   Tais fatos ocorrerão sempre que os substitutos tributários procederem com manifesta malícia contra as pessoas jurídicas que representam, justificando-se, assim, o tratamento mais rigoroso ante a má-fé dos responsáveis.
                   
                   A questão que gera grande impasse doutrinário e jurisprudencial está em saber se o mero não recolhimento do tributo configura ato ilícito, de molde a engendrar a responsabilidade pessoal dos dirigentes da pessoa jurídica.

                   Prevalece o entendimento segundo o qual o não recolhimento de tributo pela pessoa jurídica na data aprazada não tem o condão de gerar a responsabilidade pessoal dos dirigentes da pessoa jurídica, como se verifica da ementa de acórdão abaixo transcrita [17], originária de julgamento levado a cabo pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

E, consoante voto do em. Des. Régulo Peixoto, confirmado pelo em. Min. Octávio Gallotti, no recurso extraordinário nº 114337-1, de MG, em 29/09/87 (por cópia às fls. 95/98).
A responsabilidade do sócio seja ele gerente ou não, é condicionada à prática de atos com violação do contrato ou da lei. A responsabilidade, como é da melhor doutrina e jurisprudência, não é simplesmente objetiva, exigindo o ato doloso ou culposo para induzir a responsabilidade pessoal do sócio. O simples débito fiscal da sociedade não está neste caso, pois, do contrário, qualquer dívida da sociedade ‘poderia constituir aludida violação à lei, e, nesse passe, todos os credores estariam autorizados a executar bens particulares dos sócios-gerentes das sociedades limitadas’. (RT, v. 305/376)
Evidentemente, como já se disse na apelação nº 62038, da comarca de Governador Valadares, simples falta de pagamento de tributo devido pela sociedade não é infração à lei imputável ao sócio, porque a obrigação tributária é da sociedade e não dele (idem RE nº 98996, in RTJ, v. 106/828, idem RE nº 91631, in RT, v. 538/246).

                    Acresça-se, ainda, que o título executado (Certidão da Dívida Ativa, fls. 4) foi extraída contra a firma Mineração e Calcinação Lajinha Ltda. No magistério de Humberto Theodoro Júnior (in Processo de Execução, ed. Univ. de Direito, 6ª ed. SP, 1981, p. 65):

‘Se não houve procedimento administrativo contra o sócio, nem sequer se extraiu certidão de dívida ativa contra ele, não é possível desviar-se o rumo da execução da sociedade para a pessoa física do sócio não-solidário. Não fica, como é evidente, a Fazenda com o alvedrio de executar qualquer co-responsável, porquanto seu título executivo (Certidão) terá força contra os devedores perante os quais foi constituído.’ (TJMG, Apelação Cível nº 79.862/5).
   
                    Esse posicionamento é perfilhado de forma majoritária por nossa doutrina e jurisprudência uma vez que se aduz a necessidade de que os atos praticados pelos administradores, gerentes e representantes da sociedade tenham que se dar de forma dolosa, para que ensejem a responsabilização pessoal. Assim, o simples inadimplemento do tributo não caracteriza infração legal.

                   Inexistindo prova de que o substituto tributário tenha agido com excesso de poderes, ou infração de lei, contrato social ou estatutos, não há que se falar em sua responsabilização.

                   No entanto, há vozes dissonantes no seio doutrinário e jurisprudencial, aduzindo pela responsabilização pessoal do sócio-gerente de cuja pessoa jurídica não houve o recolhimento tributário. Traz-se a lume o posicionamento, minoritário na doutrina, do Procurador da Fazenda Nacional Pedro Camara Raposo Lopes.

Parece-nos, pois, que o legislador, ao elencar como fato gerador da responsabilidade tributária a prática de ato ilícito, entendido como condutas (comissivas ou omissivas) que, transgredindo dever jurídico imposto por lei, acarretam para o agente conseqüências jurídicas não pretendidas, quis referir-se, sim, ao não pagamento dos tributos tout court, independentemente da perquirição de dolo ou culpa, da solvabilidade da sociedade ou do evento de sua irregular dissolução.

                    Também há entendimento da jurisprudência no sentido acima exposto, como se pode verificar do acórdão abaixo, proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

A falta de recolhimento de tributo configura infração da lei tributária. Os sócios-gerentes e diretores de sociedades anônimas são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes às obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei (art. 135, III, do Código Tributário Nacional). A execução fiscal pode incidir contra o devedor ou contra o responsável tributário, mesmo que o nome deste não conste da dívida ativa. (Ag. 4.693/94. TJDF, 4ª Turma, Rel. Des. Júlio de Oliveira. DJU 03.05.95)

                    Não obstante os ensinamentos acima melhor é entender que o não recolhimento do tributo não se traduz em violação da lei, donde se exclui a responsabilização pessoal do sócio com poderes de gerência, uma vez que aludida violação há de ser praticada dolosamente.

2.2.3. A dissolução irregular da sociedade

                    Outra questão causadora de acesos debates na doutrina e jurisprudência pátrias reside em saber se a dissolução irregular da sociedade traduz-se em violação da lei, engendrando, assim, a responsabilização do sócio sob a égide do art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

                    Haroldo Funke citado por Sérgio André Rocha Gomes da Silva, em monografia acerca da responsabilidade tributária dos sócios-administradores de sociedades, assim se manifesta sobre a violação da lei, como exige a lei tributária para a pessoalidade da responsabilização do sócio:

(...) a expressão infração à lei, contida no texto, não se refere à infração da lei fiscal, mas à infração de lei de outra natureza.
(...)
É sabido que os administradores de sociedades, além dos deveres previstos no contrato social ou nos estatutos, têm também deveres legais expressos e implícitos, previstos na legislação que rege os diversos tipos de sociedades (Código Comercial, Lei das Sociedades Anônimas, Lei das Sociedades Limitadas).

                   É a infração desses deveres que entendemos se refere à expressão infração de lei, contida na norma codificada, quando do mesmo ato, concomitantemente, resultam relações jurídicas diversas: uma, entre o administrador e a sociedade e/ou terceiros (relação jurídica comercial); outra, entre o administrador e o fisco (relação jurídica tributária), da qual se acha excluída a sociedade, face à responsabilidade pessoal do administrador.

                   Hodiernamente tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça a tese segundo a qual a dissolução irregular da sociedade é infração à lei que enseja a responsabilidade tributária do sócio-gerente. Para corroborar essa posição, citam-se dois acórdãos que evidenciam referido posicionamento.

Sociedade civil. Responsabilidade do sócio-gerente. Dissolução regular por força da insolvência civil. A jurisprudência tem identificado como ato contrário à lei, caracterizador da responsabilidade pessoal do sócio-gerente, a dissolução irregular da sociedade, porque a presunção aí é a de que os bens foram distribuídos em benefício dos sócios ou de terceiros, num e noutro caso em detrimento dos credores; não se cogita, todavia, de responsabilidade, se a sociedade foi dissolvida regularmente, por efeito de insolvência civil processada nos termos da lei. Recurso especial não conhecido. (RSTJ 122/224)
 Sócio. Responsabilidade. Fechamento irregular da firma. Como a firma foi encerrada irregularmente, sem o recolhimento dos impostos devidos, e não foram encontrados bens da sociedade, os sócios responsáveis, gerentes, respondem pelas dívidas da executada com seus bens particulares. Recurso improvido. (STJ, 1ª Turma, Resp 84.404/SP, rel. Min. Garcia Vieira, j. 07.11.97, DJU 15.12.97, p. 66.217)

                   Há, não obstante, entendimento em sentido contrário [21], asseverando que aludida presunção de distribuição de receitas entre os sócios não deve ser encarada de forma absoluta, devendo ser a este possibilitado efetuar a contraprova de que os bens não foram distraídos em prejuízo do Fisco e muito menos de que não existiu culpa em uma eventual redução do acervo social.

                   Mas, o melhor posicionamento inclina-se no sentido de que a dissolução irregular traduz-se numa violação de lei e impõe a responsabilidade do sócio-gerente e do administrador pelas dívidas tributárias não pagas, uma vez que a Lei Comercial e, agora, a Lei Civil, estabelecem o procedimento para a regular liquidação societária.

CAPÍTULO III – A lei de execução fiscal

 3.1. O sujeito passivo da execução fiscal

                   O art. 4º da Lei 6.830/80 estabelece contra quem poderá ser promovida a execução fiscal, ou seja, que pessoas poderão figurar como sujeitos passivos de executivo fiscal ajuizado pela pessoas jurídicas de direito público e autarquias, a saber: I) o devedor; II) o fiador; III) o espólio; IV) a massa; V) o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou de pessoas jurídicas de direito privado e VI) os sucessores a qualquer título.

                   Vê-se pelo mencionado dispositivo que os sócios-gerentes, administradores e representantes das pessoas jurídicas podem ser chamados a integrar o pólo passivo da relação processual, na condição de responsáveis tributários, nos termos do art. 135, III, do Código Tributário Nacional.

                   Outro não é o posicionamento de nossos tribunais sobre o tema em comento, como se infere abaixo:

Tendo sido citada a firma executada, mas não o sócio sobre cujo bem veio a incidir a penhora, não pode esta subsistir. Embora pudesse ser tal sócio responsável, em substituição, pelo débito fiscal da sociedade, incabível admitir-se a penhora de seus bens sem que tivesse ele sido previamente citado. (Ac 91.01.08072-5/DF. TRF 1ª Região, 4ª Turma, Rel. Juiz Leite Soares. DJU 08.02.93)
3.2. Do redirecionamento da execução fiscal: inclusão de sócio cujo nome não conste da Certidão de Dívida Ativa

                    Consoante artigo 4º, inciso V, da Lei 6.830/80, a execução fiscal poderá ser promovida contra "o responsável, nos termos da lei, por dívidas tributárias ou não, de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado."

                    Conjugando o mencionado dispositivo legal ao artigo 135, III, do Código Tributário Nacional, tem-se que o sócio-gerente, o diretor ou o responsável pela pessoa jurídica que tenham agido com excesso de poderes, infração de lei ou contrato social, poderão ser chamados a integrar o pólo passivo da execução fiscal, na condição de substitutos tributários.

                   Tanto é assim que o artigo 2º, § 5º, inciso I, da Lei 6.830/80 estatui que o Termo de Inscrição de Dívida Ativa deve conter o nome do co-responsável. Por seu turno, o artigo 202, inciso I, do Código Tributário Nacional inquina de nulidade a inscrição em que há ausência de um dos requisitos do Termo.

                   No entanto, a jurisprudência majoritária vem entendendo que não é exigível fazer constar da Certidão de Dívida Ativa o nome do responsável tributário. O próprio Supremo Tribunal Federal [22] reconhece a desnecessidade de fazer constar o nome do responsável na CDA, como se denota da ementa a seguir colacionada:

                  Podem (os responsáveis por substituição) ser citados – e ter seus bens penhorados – independentemente de processo judicial prévio para a verificação inequívoca das circunstâncias de fato aludidas no art. 135, caput, do CTN, matéria essa que, no entanto, poderá ser discutida, amplamente, em embargos do executado.

                   O iminente tributarista Ricardo Lobo Torres [assevera que a responsabilidade constante do art. 135 do CTN, sob o prisma processual, exige que o auto de infração consigne o nome do responsável, de modo a que lhe seja assegurado o exercício do direito de defesa.

                   Assim também Humberto Theodoro Júnior, que entende pela inviabilidade de manejar a execução fiscal contra pessoa que não esteja indicada no título executivo, como se infere de suas exposições adiante trazidas à colação:

Sendo a execução fiscal regulada pela Lei nº 6.830/80 puro procedimento executivo, continua, a meu ver, inadmissível em feito da espécie, pretender a Fazenda o acertamento de responsabilidades de terceiros ou coobrigados que não figuraram no processo administrativo e contra quem não se formou o título executivo, que é a Certidão de Dívida Ativa... O não-devedor, destarte, pode também ser executado, mas apenas quando por algum dispositivo legal de cunho objetivo, ou por acertamento judicial ou administrativo prévio, tiver tornado líquida e certa sua responsabilidade... A certeza, sem a qual o título carece de exeqüibilidade, há de ser não só objetiva quanto subjetiva, isto é, há de dizer respeito tanto ao crédito tributário, como quanto aos que por ele respondem (devedor e co-responsáveis).
             
                   Como já dito acima, não é este o posicionamento predominante em sede jurisprudencial, já que o Superior Tribunal de Justiça, em inúmeros de seus julgados, manifesta-se pela viabilidade de redirecionamento da execução fiscal contra responsável tributário cujo nome não conste de modo expresso na CDA. Assim, elucidativo o acórdão trazido abaixo:

Tributário. Execução Fiscal. Penhora de bens. Responsabilidade do sócio. Artigos 135 e 136, CTN.
1. O sócio responsável pela administração e gerência da sociedade limitada, por substituição, é objetivamente responsável pela dívida fiscal, contemporânea ao seu gerenciamento ou administração, constituindo violação à lei o não-recolhimento da dívida fiscal regularmente constituída e inscrita. Não exclui a sua responsabilidade o fato de seu nome não constar na certidão de dívida ativa.
2. Multiplicidade de precedentes jurisprudenciais (STF-STJ).
3. Recurso provido. (STJ, Resp 33.731-1/MG, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, 1ª Turma, DJU 06.03.95, p. 4318)

                    No entanto, mesmo sendo admitido que o executivo fiscal volte-se contra responsável, independentemente de seu nome estar expresso na CDA, certo é que a penhora de seus bens, para garantia do Juízo, deve ser precedida de citação pessoal, para que não seja violado o princípio do devido processo legal, como se verifica a seguir:

Ajuizada execução fiscal contra sociedade por quotas de responsabilidade limitada, e não localizados bens desta suficientes para o adimplemento da obrigação, pode o processo ser redirecionado contra sócio-gerente, hipótese em que este deve ser preliminarmente citado em nome próprio para se defender da responsabilidade imputada (...). (Resp 7.397/MT. STJ, 2ª Turma, Rel. Min. Ari Pargendler. DJU 30.10.95).

                    Nestes termos, manifestou-se o Eg. Superior Tribunal de Justiça, asseverando que se a penhora não foi precedida de citação na execução fiscal, o responsável tributário tem embargos de terceiro para afastá-la, sem prejuízo de sua renovação pelos meios regulares.

3.3. A defesa do sócio

                    Sabido é que o executado dispõe de meios para impugnar a execução que seja infundada ou mesmo com vistas a diminuir o excesso de execução. O meio mais comum de oposição se dá pelo ajuizamento da ação cognitiva de embargos do devedor, consoante art. 16 da Lei 6.830/80. Exige este a prévia segurança do juízo, o que vem a onerar em demasia o executado.

                    Doutrinariamente se concebe, porém, outra modalidade de defesa do executado, a se desenvolver no curso do próprio processo executivo, denominada exceção de pré-executividade, que poderá ser por ele manejada sempre que faltar ao título executivo alguns de seus requisitos essenciais ou quando tiver havido violação de norma de ordem pública, podendo as matérias constantes da petição serem conhecidas de ofício pelo julgador.

                    Neste sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que a exceção de pré-executividade pode ser oposta quando se queira argüir questões processuais, como, por exemplo:
Processual Civil. Execução Fiscal. Possibilidade de argüição de exceção de pré-executividade. A exceção de pré-executividade, construção doutrinária tendente à instrumentalização do processo não se presta para argüir ilegalidade da própria relação jurídica material que deu origem ao crédito executado. Seu âmbito é restrito a questões concernentes aos pressupostos processuais, condições da ação e vícios objetivos do título, referentes à certeza, liquidez e exigibilidade. (Resp 232076/PE, 1ª Turma, Rel. Min. Milton Pereira, DJ 25.03.02)

                  Traduz-se a exceção de pré-executividade em instrumento de defesa muito menos dispendioso para o executado, na medida em que prescinde da garantia do Juízo, até porque sua principal finalidade é justamente evitar a constrição indevida.

                  Quando se cuida de exceção de pré-executividade para que se discuta em seu bojo eventual vício de ilegitimidade da parte, a doutrina encontra-se dividida quanto a sua aceitação. Tanto é assim que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Resp 287.515-SP que "responsabilidade do sócio de sociedade que se extinguiu de fato é tema controvertido e que enseja indagações fáticas e exame de prova, afastando a discussão através de exceção de pré-executividade.

                  Destarte só se admite referido instrumento processual quando a matéria objeto de discussão não comporte dilação probatória, seja porque a prova já conste dos autos da própria execução, seja porque não haja mesmo provas a serem produzidas.

CONCLUSÃO

                  Ante toda a exposição levada a cabo ao longo deste trabalho algumas considerações finais podem ser feitas.

                  O inciso III do art. 135, do Código Tributário Nacional, foi inserido no ordenamento jurídico como exceção à regra da limitação da responsabilidade dos sócios pelas dívidas fiscais contraídas pela pessoa jurídica de direito privado. Referida responsabilidade tributária é atribuída de forma exclusiva às pessoas eleitas por aquele dispositivo legal. Deste modo, o tributo passa a ser devido apenas pelo responsável tributário em substituição e não mais pelo contribuinte.

                  Apenas se dará a responsabilização do sócio-gerente, administrador ou representante da pessoa jurídica quando o fato jurídico tributário constituir também ato ilícito, excesso de poderes ou violação do contrato social. Tal ato terá que decorrer de conduta dolosa do responsável tributário. Ademais, o mero não recolhimento do tributo não configura violação da lei, justo porque não se traduz em ato ilícito dolosamente provocado.

                  Por seu turno, a dissolução irregular da sociedade é ato ilícito hábil a ensejar a responsabilização dos sócios com poderes de gerência, eis que se reveste da qualidade de ato ilícito, na medida em que faz presumir a distribuição indevida de receitas entre os sócios, deixando à míngua os credores.

                  Neste sentido, possível se faz o redirecionamento da execução fiscal para incluir em seu pólo passivo o responsável tributário, sendo certo que este deverá ser citado em nome próprio, até para que seja viabilizada a incidência da penhora sobre seu patrimônio pessoal.

                  Igualmente possível é aludido redirecionamento do executivo fiscal sem que o nome do sócio gerente ou administrador da sociedade conste da Certidão de Dívida Ativa, que aparelha a execução fiscal, no entender da jurisprudência majoritária. No entanto, ao sócio terá que ser dada oportunidade de defesa, sob pena de violação do princípio do devido processo legal.

                   Deste modo, poderá o sócio executado se defender utilizando-se dos embargos de devedor e também, em algumas hipóteses, da exceção de pré-executividade, quando se queira discutir matéria de ordem pública passível de ser apreciada de ofício pelo magistrado, contanto que não envolva dilação probatória.

Maíra Silva da Fonseca Ramos
advogada do Conselho Regional de Farmácia do Rio de Janeiro, especialista em direito processual civil pela UCAM/RJ, pós-graduanda em direito processual civil.

REUNIÃO DOS PROCESSOS: DEVER OU FACULDADE DO JUIZ?


          Uma questão bastante controvertida em matéria de reunião de processos é o caráter imperativo ou facultativo da dicção do artigo 105, quando prescreve que o juiz "pode ordenar a reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente".

          A jurisprudência é farta em julgados que asseveram, ora uma, ora outra posição. Entendendo que a reunião dos processos é faculdade e não dever, temos os seguintes julgados:

          Competência - Conexão - Reunião dos Processos - Faculdade do Juiz
          - A reunião de ações referida no art. 105 do CPC constitui faculdade, e não ato obrigatório do Juiz. Se ao Juiz é facultado julgar apenas uma das ações já reunidas, com muito maior razão poderá decidir somente uma das ações tidas como conexas e não reunidas. (MS 125.339, 25.3.81, 5ª C 2º TACSP, Rel. Juiz Mariz de Oliveira, in RT 553/156).
A reunião das ações em caso de conexão ou continência, prevista no art. 105 do CPC, não é obrigatória, é faculdade do Juiz para evitar decisões contraditórias. Portanto, onde não ocorre este risco, é incensurável a decisão do magistrado que nega a junção de processos. (Ap. 509/76, 12.5.76, 1ª CC TAPR, Rel. Juiz Maximiliano Stasiak, in RT 499/222).
          Não é pacífico o entendimento acerca da regra do art. 105 do CPC, no sentido de seu alcance ou seja, se a determinação legal em questão traduz dever ou simples faculdade atribuída ao Juiz. Todavia, é ligeiramente majoritária a posição segundo a qual a reunião em caso de conexão não é obrigatória, mas, ao contrário, ditada pelas circunstâncias. (Ap. 143.423, 26.10.82, 3o Gr. Câms. 2º TACSP, Rel. Juiz Borelli Machado, in RT 573/194, em.).
          A faculdade judicial prevista no art. 105 do estatuto processual básico, exerce-se tendo em consideração a compatibilidade procedimental, quer em virtude do rito das causas conexas, quer em virtude do estado em que cada uma delas se encontre. (AI 327.634, 28.6.84, 1ª C 1º TACSP, Rel. Juiz Marco César, in JTA 92/6).

          Em sentido contrário, porém, não faltam julgados assinalando que o juiz, presentes as condições autorizadoras da reunião dos processos, estará obrigado a fazê-lo, posto que não dispõe de faculdade, mas de dever, ou, quando muito, que a regra, embora facultativa, deve ser observada para que os processos sejam reunidos:

         Configurada a conexão de causas, devem estas ser reunidas, para se evitarem decisões conflitantes e para se observar a economia processual. (AI 138.748, 18.11.81, 9ª C 2º TACSP Rel. Juiz Joaquim de Oliveira, in RT 557/154).
          Embora, de regra, seja facultativa a reunião de processos, na melhor inteligência do art. 105 do CPC, para evitar possíveis julgamentos contraditórios, é imperativa a medida quando houver embargos do devedor decorrentes de execução proposta na pendência de ação de nulidade de títulos executivos que a instruem, se a nulidade é alegada também na oportunidade dos embargos. (Ap. 1791/88, 1ª TC TJMS, Rel. Des. Rubens Bergonzy Bossay, in DJMS 2387, 1.9.88, p. 4).
          Regra de conexão que não é processualmente cogente, para o Juiz, embora o seja como preceito obrigatório de Justiça material. Forte presunção de conexão que impedia o julgamento antecipado da lide. (MS 38.750. 4.3.76, 5ª C 2º TACSP, Rel. Juiz Bueno Magano, in JTA 43/195).

          Interessante, quanto a este ponto, examinarmos os posicionamentos defendidos pela doutrina, que revelam a indefinição conceitual da suposta faculdade insculpida no artigo 105 do CPC.

          Para CELSO AGRÍCOLA BARBI, o artigo 105 "tem a mesma impropriedade de redação já observada no comentário ao artigo 102, porque usa, em relação ao juiz, o verbo poder, parecendo, assim, que é faculdade sua atender ou negar o pedido. Mas, como já se viu nos citados comentários, o juiz, quando houver conexão, tem o dever legal de mandar reunir as várias ações. Este dever ele o exercerá a pedido das partes ou mesmo de ofício, como está no art. 105".

          Inicialmente trilhando a mesma linha de entendimento, ARRUDA ALVIM narra sua mudança de posição acerca do sentido encerrado no dispositivo legal citado, entre uma e outra edição de sua obra:

          Sustentamos, na 1a edição desta obra (vol. I/184), que o vocábulo "pode" do art. 105 era impróprio, uma vez que, desde que constatados os pressupostos da conexão, era inexorável a reunião de processos. Então, haver-se-ia de entender, esse "pode" como significado "deve", não ocorrente qualquer margem de avaliação, ou mais precisamente, de latitude maior para interpretação. No entanto, quer nos parecer que o correto é o entendimento que decorre até da mera interpretação gramatical mesma do texto, ou seja, o juiz pode, tendo-lhe conferido margem mais lata de interpretação (= avaliação concreta do grau de conexão e da utilidade da reunião das causas). Se a interpretação precedente tinha algum sentido, colimando corrigir o texto legal, a realidade é que tão grande é a diversidade dos tipos de influência recíproca, de uma causa na outra (isto é, da decisão de uma na outra, e vice-versa), que mais operativo e funcional é se reconhecer certa margem de liberdade ao juiz para que decida, de uma ou de outra forma, diante das circunstâncias caracterizadoras de cada caso concreto".

          Pode-se concluir, portanto, que a indefinição deve prevalecer por algum tempo, até que o legislador, atento ao problema, venha a remodelar o preceito legal, para evitar a dubiedade interpretativa.

          Ao que nos parece, a tendência da doutrina e da jurisprudência caminham para a interpretação segundo o sentido literal do verbo poder, como faculdade atribuída ao juiz, dentro de sua estreita discricionariedade na condução do processo.

         O que se verifica, no entanto, em todas as varas cíveis, seja no âmbito da Justiça Estadual ou Federal, é a tramitação de ações dispersas, quando poderiam ser reunidas por preencherem os requisitos autorizadores, nas figuras da conexão e da continência.

          Vejamos a propósito a observação do Professor CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, acerca da multiplicidade de litígios entre um mesmo contribuinte e o mesmo ente tributante: "Outro aspecto, esse ainda pouco versado, é o da ampliação objetiva dos julgados, de modo a colher feixes de situações jurídicas do mesmo sujeito e oferecer, numa única decisão, solução abrangente para todas elas. É o que se dá em causas tributárias, com pretensões fiscais que se repetem de modo sempre igual, relativamente a fatos geradores homogêneos, com a tendência dos tribunais examiná-las uma a uma. Constitui imposição dos tempos e das modernas tendências metodológicas do direito processual a admissão de demandas bem amplas, capazes de pacificar para o presente e para o futuro e de evitar as incertezas de julgados conflitantes em torno de uma tese jurídica só" .

          Não bastasse essa tendência, de multiplicação de ações idênticas entre as mesmas partes, é de observar-se a regra que se institucionalizou no sentido de limitar o pólo passivo da relação processual, no que tange ao número de autores.

          Sob a justificativa de que um pólo passivo superior à média de 10 litigantes poderia dificultar a atuação jurisdicional, convencionou-se tal número como máximo, pervertendo-se a regra processual que determina a reunião das ações e lançou-se por terra o princípio da economia processual, permitindo, cada vez mais, decisões conflitantes no bojo de processos caros e onerosos quanto à produção de provas.

         A modernidade contribuiu negativamente para esse quadro. Os computadores pessoais, capazes de reproduzir petições iniciais, contestações e sentenças, às centenas, num único dia, a despeito de facilitarem a atividade dos operadores do Direito, contribuíram para institucionalizar a proliferação de ações esparsas, de decisões esparsas, de multiplicadas custas processuais, de multiplicidade de documentos idênticos, juntados aos milhares em processos separados, que pela identidade de objeto poderiam ser reunidos e sentenciados em um único ato, produzindo-se uma só prova, com um só custo e reduzidíssimos atos processuais.

          Aí sim, teríamos uma justiça desemperrada, célere e eficaz. Poder-se-ia pensar, a partir de um modelo estabelecido conforme as leis processuais vigentes, plenamente observadas, em garantia plena de acesso à justiça e em efetividade do processo, cumprindo este seu papel instrumental de dar guarida ao direito material.

As ilegalidades que pairam sobre os casos de fechamento de estradas e rodovias por grupos ou movimentos representativos.

INTRODUÇÃO
         
           Manifestações em vias públicas sempre foram e certamente ainda constituirão mecanismos para exercício da cidadania, destacando-se como meio de expressão de idéias ou, com maior intensidade, de reivindicações e protestos.
          Ocorre que, não bastasse a necessidade de atendimento a diversos regramentos legais para a escorreita fruição desse direito, tem-se que está a ocorrer não apenas uma deturpação do uso das vias pública (com fechamento ilegal de estradas e rodovias), como também se verifica uma crescente ocorrência dessas manifestações nos dias atuais.
          Assim, observa-se uma onda de determinados movimentos ou grupos que, ao seu alvitre, fecham estradas e rodovias, impedindo a circulação de pessoas e bens, causados transtornos e prejuízos passíveis de ações judiciais e, ainda, incidência em diversos tipos penais, merecedores de maior resposta estatal (o que não está a ocorrer).

DO DIREITO DE CIRCULAÇÃO
          A Constituição Federal, em seu art. 5º, dispõe:
          "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:
          I – omissis;
          II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
          III a XIV – omissis;
          XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens (...)": (grifos não constantes no original)
          O professor ALEXANDRE DE MORAES, ao comentar o inciso XV, da Constituição Federal, estampa:
          "O direito à liberdade de locomoção resulta da própria natureza humana, como já salientado por Pimenta Bueno, em comentário à Constituição do Império, onde ensinava que "postou que o homem seja membro de uma nacionalidade, ele não renuncia por isso suas condições de liberdade, nem os meios reacionais de satisfazer suas necessidades e gozos. Não se obriga ou reduz à vida vegetativa, não tem raízes, nem se prende à terra com escravo ao solo. A faculdade de levar consigo os seus bens é um respeito devido ao direito de propriedade". Esse raciocínio é complementado por Canotilho e Moreira, ao afirmarem que ‘a liberdade de deslocação interna e de residência e a liberdade de deslocação transfronteiras constituem, em certa medida, simples corolários do direito à liberdade’, e por Paolo Barile, que relaciona esse direito com a própria dignidade e personalidade humanas." [1]
          O Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503/97), em seu art. 1º, estabelece:
          "Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.
          § 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
          (...)
          Art. 2º São vias terrestres urbanas e rurais as ruas, as avenidas, os logradouros, os caminhos, as passagens, as estradas e as rodovias, que terão seu uso regulamentado pelo órgão ou entidade com circunscrição sobre elas, de acordo com as peculiaridades locais e as circunstâncias especiais."
          O direito à circulação está estampado, deste modo, na Constituição Federal e legislação ordinária em vigor, como direito do brasileiro ou estrangeiro no país.
          ARNALDO RIZZARDO sobre o tema leciona:
          "(...) tão importante tornou-se o trânsito para a vida nacional que passou a ser instituído um novo direito, ou seja, a garantia a um trânsito seguro. Dentre os direitos fundamentais, que dizem com a própria vida, como a cidadania, a soberania, a saúde, a liberdade, a moradia e tantos outros, proclamados no art. 5º da Constituição Federal, está o direito ao trânsito seguro, regular, organizado, planejado, não apenas no pertinente à defesa da vida e incolumidade física, mas também relativamente à regularidade do próprio trafegar, de modo a facilitar a condução dos veículos e a locomoção das pessoas." [2]
          Mesmo antes de haver doutrina entendendo haver instituto especial para a circulação e trânsito, como acima exposto, já era comum tratar a questão como de interesse difuso (ou de todos), em razão de haver uso de bem público.
          Regra o Código Civil, em seu art. 99:
          "Art. 99. São bens públicos:
          I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças; (...)" (grifos não constantes no original)
          A Professora ODETE MEDAUAR aponta:
          "Os bens públicos devem ter destinação que atenda ao interesse público, de modo direto e indireto (...) Sob vários os critérios que podem ser classificados os bens públicos. (...) Quanto aos aspectos geográficos, são os seguintes: bens terrestres (exemplo: ruas, edifícios, estradas) (...)." [3] (grifos não constantes no original)
          E continua:
          "Típico desses bens é a utilização geral, realizada por pluralidade de pessoas não individualizadas." [4]
          GUSTAVO TEPEDINO, HELOÍSA HELENA BARBOSA e MARIA CELINA BODIN DE MORAES, no estudo de referido artigo, concluem:
          "Os bens de uso comum do povo são aqueles que qualquer pessoa, cumprindo os regulamentos, pode utilizar." [5]
           
          O mestre HELY LOPES MEIRELLES, por sua vez, apresenta:
          "No uso comum do povo os usuários são anônimos, indeterminados, e os bens utilizados o são por todos os membros da coletividade – ‘uti universi’ -, razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem: o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar os ônus dele decorrentes. Pode-se dizer que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo." [6]
          Deste modo, vê-se que estradas são bens de uso comum do povo que, por sua vez, têm como usuários pessoas indeterminadas, pessoas essas que se são em verdade detentores do direito de uso e circulação (conforme regra a Constituição Federal e Código de Trânsito Brasileiro), podendo cobrar dos órgãos públicos e do poder judiciário medidas quando seus direitos forem violados, como por exemplo houver embaraço ao livre exercício de circulação e trânsito.
DA EXIGIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA LEI
          Reportando-se ao Código de Defesa do Consumidor, precisamente seu art. 81, I, tem-se que os interesses ou direitos difusos são os "os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato."
          A transindividualidade significa que se trata de um direito ou de um interesse que ultrapassa a individualidade, indo além de cada indivíduo singularmente considerado.
          A natureza indivisível, conforme semântica notória, significa que não pode ser dividido.
          Esse direito tem titulares, que são, no entanto, indeterminados, ou seja, não podem ser individualizados, em concreto, senão na sua conformação como componente do grupo.
          Por fim, essas pessoas devem estar ligadas por circunstâncias de fato (situação de fato).
          Nessa linha de pensamento, em caso de violação ao direito de circulação, será possível manifestação individual ou coletiva visando o exercício desse direito, assegurado pela norma maior do país, seja em esfera administrativa ou jurídica (Constituição Federal, art. 5º, XXXIV e XXXV).
          A norma constitucional deve sempre buscar a máxima efetividade, atendidas as diferentes naturezas e bem jurídicos tutelados.
          No caso, sendo a efetividade o termômetro da eficácia da norma, e, buscando-se a concretização dessa eficácia, que é o direito que todos as pessoas têm de circular e trafegar por vias públicas, não pode haver obstáculos jurídicos à satisfação da norma.
          O dever contido na Constituição enseja rigoroso e imediato cumprimento, sob pena de se aceitar a possibilidade de manutenção de meros direitos formais, quando a natureza do Estado Democrático de Direito enseja legitimação material da Constituição.
          A permanente tensão existente entre norma e realidade deve ser analisada não como óbice ao cumprimento do dever legal; mas, sim, como fator de observação para procura de instrumentos e técnicas de melhor atendimento e eficácia da norma.
          A provocação do Judiciário pelo cidadão visa, então, à obtenção de dois resultados de naturezas distintas e harmônico-dependentes: cobrar a efetividade da norma garantidora de seu direito e, ainda, alcançar o amparo devido através da concretização da eficácia dessa norma.
          Ao tecer comentários sobre o histórico constituinte da Constituição Federal de 1998, BONAVIDES e ANDRADE destacam a importância da atuação do próprio cidadão para manutenção dos direitos adquiridos e nela hoje estampados, afirmando:
          "(...) apesar de sua importância decisiva, faz-se mister sempre lembrar que a lei básica é princípio formal: cabe ao cidadão zelar para que ela seja cumprida." [7]
          E continuam:
          "para que isso aconteça, urge que a sociedade esteja organizada para defender os princípios que consagrou em sua Constituição."
          CLÁDIA MARIA BERÉ, em tese apresentada no III Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, destacou:
          "O trânsito e o transporte têm se revelado mazelas urbanas. Não importa se o deslocamento das pessoas é feito a pé, de bicicleta, de motocicleta, de automóvel, de ônibus ou de metrô: todos enfrentam dificuldades, que vão de calçadas mal conservadas, com buracos e obstáculos, vias esburacadas, congestionamentos e falta de segurança a transporte coletivo de má-qualidade, lotado, caro. (...) Logo, é evidente a abrangência do interesse pela circulação urbana, questão que, de um modo ou de outro, afeta indistintamente todos os moradores da cidade. E o reflexo das questões relativas à circulação sobre a qualidade de vidas das pessoas tem feito com que, muitas vezes, cheguem ao Ministério Público representações ligadas a esse assunto. Importa, pois, justificar a atuação ministerial quanto às questões referentes à circulação." [8]
          Assim, é mister que haja pelo Poder Judiciário a determinação do cumprimento da lei pelos transgressores que, em outras palavras, pode ser dito como determinar que os transgressores cumpram o regramento normativo que estabelece seu dever de respeitar as normas democraticamente criadas para a regulamentação da vida em sociedade e, por tal desiderato, permitir a todos os cidadãos o exercício de seus direitos, de forma integral e eficiente, consubstanciada no direito de trafegar e circular pelas vias públicas de acesso, ou seja, pelas estradas e rodovias do país.

DAS TIPIFICAÇÕES PENAIS INCIDENTES
          Constata-se, nessa prática de fechamento de estradas e rodovias, a exteriorização de diversas condutas que, claramente, constituem ilícitos penais.
          Infelizmente, essas configurações de crime ou não são corretamente observadas por boa parte dos agentes públicos ou, então, são propositadamente deixadas de lado, situações que vêm fomentando o sentimento de impunidade e balbúrdia.
          Esses grupos, em geral sob siglas ou ao pálio de certa representatividade (vide movimentos que postulam terra, movimento de produtores, união de moradores, sindicatos, grupos indígenas, associações, ONGs, etc), estão a incorrer em diversas figuras penais, as quais se passa a expor.
          A Lei de Contravenções Penais (Decreto-lei n.º 3.688/41), em seu art. 19, determina:
          "Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:
          Pena – prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente."
          É comum observar, durante boa parte dessas manifestações, geralmente praticadas por grupos que se dizem ligados a questões agrárias, o uso ostensivo de facões e foices, durante o fechamento de tais estradas e rodovias.
          Nesse aspecto, é preciso parar de aceitar a demagoga e repugnante retórica de que facões e foices seriam meros símbolos ligados às atividades rurais, posto que claramente utilizadas para intimidar motoristas e autoridades.
          O uso de tais facas, podões e foices, a toda evidência, constituem a contravenção supramencionada, já que caracterizadas como armas brancas, mormente por longe estarem dos fins a que se destinam.
          LCP, art. 31:
            " Art. 31. Deixar em liberdade, confiar à guarda de pessoa inexperiente, ou não guardar com a devida cautela animal perigoso:
                  Pena – prisão simples, de dez dias a dois meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis.
                  Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem:
                  a) na via pública, abandona animal de tiro, carga ou corrida, ou o confia à pessoa inexperiente;
                  b) excita ou irrita animal, expondo a perigo a segurança alheia;
                  c) conduz animal, na via pública, pondo em perigo a segurança alheia."
          Um aspecto que não pode ser olvidado é a prática, por alguns transgressores (sejam produtores ou sem terras), do uso de animais para embaraçar ou impedir a livre circulação de pessoas e veículos, conduzindo-os ou soltando-os em via pública.
          LCP, art. 37:
          "Art. 37. Arremessar ou derramar em via pública, ou em lugar de uso comum, ou do uso alheio, coisa que possa ofender, sujar ou molestar alguém:
          Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
          Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, sem as devidas cautelas, coloca ou deixa suspensa coisa que, caindo em via pública ou em lugar de uso comum ou de uso alheio, possa ofender, sujar ou molestar alguém."
          Também é sabido que no fechamento de vias, também é costume os transgressores utilizarem óleos, água, tinta, etc, de modo a caracterizar o tipo acima.
          Adentrando em seara mais rígida, tem-se que o Código Penal, no art. 146, regra:
          "Constrangimento ilegal
          Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
          Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
          Aumento de pena
          § 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.
          § 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência."
          Aqui se verifica um crime que, infelizmente, está a ocorrer em constante crescimento em todo o país (nem se adentrará na discussão do aproveitamento de alguns para a prática de ‘saques’ ou ‘pilhagem’, que nada mais são do que crimes de furto ou roubo).
          O bradar de facas, facões e foices, inclusive batendo-os sobre carros e janelas de ônibus, intimidando os acuados motoristas que não têm como agir, impedidos assim de exercerem o direito constitucional de ir e vir, certamente caracteriza o crime de constrangimento ilegal em exame.
          Não são poucas vezes que se noticia (ou se constata) o modo de agir desses transgressores, com armas brancas nas mãos, ameaçando àqueles que tentar continuar seus trajetos ou almejam transpassar barricadas.
          Também é vista a constante ocorrência de violência, através de agressões físicas e arremesso de objetos contra as pessoas e/ou veículos (no mínimo dolo eventual para crimes contra a pessoa), impedindo-as de transitarem.
          Código Penal, art. 147:
          "Ameaça
          Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
          Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa."
          Não há necessidade de maiores comentários sobre a ocorrência e tipificação do crime em lume, pela clareza de sua disposição, amoldando-se as práticas (palavras e gestos ameaçadores, com fito de causar mal a alguém) à letra da lei.
          Código Penal, art. 148:
          "Seqüestro e cárcere privado
          Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:
          Pena - reclusão, de um a três anos.
          § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
          I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
          II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
          III - se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias.
          IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
          V - se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
          § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
          Pena - reclusão, de dois a oito anos.
          Eis um dos crimes mais graves do ordenamento repressivo brasileiro e que, infelizmente, não tem sido observado como deveria, frente aos casos mencionados.
          Em alguns casos tem-se verificado que os transgressores impedem até mesmo os cidadãos de saírem dos veículos, amedrontando-os com ameaças e violências, restringindo ao máximo a liberdade de locomoção das pessoas.
          Nesses casos, é flagrante a ocorrência do crime de seqüestro, onde tem-se constatado determinados grupos privando motoristas e passageiros de suas liberdades, despojando-os do direito de ir e vir e de escolha sobre o lugar onde quer ficar.
          Código Penal, art. 262, art. 263 e art. 264:
          "Atentado contra a segurança de outro meio de transporte
          Art. 262 - Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento:
          Pena - detenção, de um a dois anos.
          § 1º - Se do fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos.
          § 2º - No caso de culpa, se ocorre desastre:
          Pena - detenção, de três meses a um ano.
          Forma qualificada
          Art. 263 - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258." [9]
          Art. 264. Arremessar projétil contra veículo, em movimento, destinado ao transporte público por terra, por água ou pelo ar.
          Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses.
          Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal, a pena é de detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos; se resulta morte, a pena é a do art. 121, § 1o, aumentada de um terço.
          O delito em tela se verifica nos casos em que os transgressores agem frente aos ônibus de transporte de passageiros, impedindo-os, assim, de prestarem o serviço público a que se destinam. [10]
          Código Penal, art. 286:
          "Incitação ao crime
          Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
          Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa."
          A incitação ao crime é constatada com certa freqüência nos casos de fechamento de vias públicas, já que se percebe o aproveitamento de aglomerações de pessoas para a indução, instigação, provocação ou estimulo aos crimes acima expostos, iniciando a idéia da transgressão ilícita ou corroborando com sua ocorrência, já tendo ela previamente sido delineada por outrem.
          Código Penal, art. 287:
          "Apologia de crime ou criminoso
          Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime:
          Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa."
          Como a figura penal em comento retrata a ação do agente que publicamente faz discurso de defesa ou louvor a fato criminoso, facilmente perceptível a ocorrência do delitos em vários momentos de fechamento de via pública por determinados grupos ou indivíduos, através de líderes ou presidentes desses grupos.
          Código Penal, art. 288:
          "Quadrilha ou bando
          Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:
          Pena - reclusão, de um a três anos. (Vide Lei 8.072, de 25.7.1990)
          Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado."
          Conforme ficou demonstrado durante as digressões acima, além do fechamento da via pública configurar crime e os métodos utilizados para referido mister também assim o configurarem, tem-se que os indivíduos que se associam para tais práticas estão a escancarar o delito em testilha, mormente quando são grupos organizados e pré-ajustados para as delinqüências destacadas.
          CP, art. 348:
          "Favorecimento pessoal.
          Art. 348. Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:
          Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e multa."
          O delito em tela visa a coibir a conduta, também freqüente, daqueles que auxiliam a ‘esconder’ ou ocultar o(s) autor(es) dos delitos já mencionados. Costuma ocorrer com a subtração dos líderes por parte dos demais comparsas.
          Por fim, por um fator específico que tem sido constatado em diversos casos de fechamento de vias públicas, não se poderia olvidar delitos específicos para o uso de crianças, sendo colocados geralmente na frente das barricadas, exposta a constrangimentos e riscos das mais variadas ordens.
          Código Penal, art. 132:
          "Perigo para a vida ou saúde de outrem.
          Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto ou iminente:
          Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave."
          O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus art. 232, dispõe:
          "Art.232. Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento.
          Pena – detenção de seis meses a dois anos."
          E, ainda, há a Lei n. 2.252/54:
          "Art. 1o Constitui crime, punido com a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa de mil cruzeiros a dez mil cruzeiros, corromper ou facilitar a corrupção de pessoa menor de 18 (dezoito) anos, com ela praticando infração penal ou induzindo-a a praticá-la."
          Esse último delito se refere aos menores de idade que, juntamente com os maiores, enveredam-se pelas infrações penais expostas acima, muitas vezes arrebatadas pelos grupos como forma de tentar inibir ação policial repressiva por meio de consternação de populares ou setores de defesa da infância e juventude.

DO PROCEDIMENTO A SE ADOTAR PARA PUNIÇÃO DOS TRANSGRESSORES
          É impressionante como há, além da precariedade da estrutura estatal para a correta aplicação da lei nos casos elencados, falta de vontade de agir por parte de determinados ‘setores’, que sequer se valem dos meios então disponíveis.
          Se é certo que a esgarçada máquina estatal não consegue muitas vezes fazer valer seu poder ante a falta de condições materiais e humanas (falta de viaturas, policiais, acesso precário, etc), também é certo que há uma dose de falta de atitude e empenho por parte de determinados aplicadores da lei.
          Uma delas é a falta de orientação às forças policiais para o devido enquadramento legal das condutas constatadas, havendo freqüentemente falta de entendimento da configuração dos delitos já apontados, por ausência de capacitação específica.
          Outra questão que corrobora com a crescente onda desses tumultos, é a inaceitável "postura observadora" com que muitas vezes atuam, não enfrentando a situação, simplesmente "assistindo a ocorrência dos crimes."
          Há de se afastar essa estória de que o fechamento de estradas e rodovias é aceitável.
          Verificando a ocorrência dos crimes apresentados, há de se fazer valer o poder de polícia estatal, prendendo os transgressores e fazendo restaurar a normalidade, nem que para isso tenha que haver confronto direto com os criminosos.
          Se há ocorrência de flagrante delito, não é preciso ser expert em legislação processual penal para saber que há possibilidade/dever de prisão em flagrante (dever de agir, para a polícia, nos termos do Código de Processo Penal), bem como condução coercitiva para os que se negarem (nos delitos de menor potencial ofensivo) a acompanharem os policiais até a Delegacia de Polícia (por patente entrada em flagrante do crime de desobediência).
          A prisão e autuação dos transgressores não deve ser apenas dos seus chamados mentores e, sim, a todos os envolvidos.
          Dispõe o Código Penal, art. 29:
          "Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade."
          Assim, todos que de certa forma colaboram, sejam fisicamente ou através de suas maquinações intelectivas, deverão responder pelos ilícitos acima expostos.
          A diferença é que aos líderes e coordenadores haverá a incidência da agravante do art. 62. [11]
          Nesse aspecto, deve-se fazer um parêntese para dizer que é comum haver "ordem" ou "determinação" de determinado "líder" ou "presidente" em determinados fechamentos, inclusive com orientação dos meios a serem tomados. Nesse aspecto, ainda que o fechamento ocorra em Mato Grosso do Sul, Pernambuco, São Paulo, ou qualquer outro lugar, e o denominado líder se encontrar no Rio Grande do Sul, Distrito Federal, etc, deverá sim ser responsabilizado pela condutas criminosas exteriorizadas, uma vez verificado o liame do delito e sua atuação.
          Outra questão que deve ser vista é a omissão de repressão por falta de ação de comando das forças policiais, muitas vezes em situação de ‘pressão política’ e, assim, levados a atitudes morosas e expectadora.
          Nesse ponto, deve-se chegar a um basta a aceitação desse estado de coisas, havendo de se responsabilizar todos os omissos.
          O Código Penal, em seu art. 319, regra:
          Prevaricação.
          "Art. 319. Retardar ou deixar de praticar indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
          Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa."
          Nos casos de determinação judicial, caso não haja pronto atendimento para desobstrução das vias públicas e prisão dos transgressores, esses agentes públicos devem ser também responsabilizados:
          Desobediência
          "Art. 330. Desobedecer a ordem legal de funcionário público:
          Pena – detenção, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, e multa."
          Há casos absurdos de não cumprimento de determinações judiciais, em que simplesmente se alega que não teria ocorrido autorização da Secretaria de Segurança Pública.
          Ora, onde está regrado no ordenamento jurídico pátrio que a Secretaria de Segurança Pública é quem decide sobre o cumprimento de uma decisão judicial? E mais, como poderia uma pasta administrativa deter o poder de, acima da Constituição Federal e lei federal, estabelecer quando haveria ou não prisão em flagrante?
          Nesses casos, sabendo os agentes públicos que tais ingerências são ilegais, também estão a cometer os crimes de prevaricação ou desobediência, não se podendo aceitar tamanha violação dos mecanismos legais que regem a vida em sociedade, nos moldes traçados pela Constituição Federal.
          Certamente, na responsabilização dos omissos, surgiram os autores das ‘determinações políticas’ de descumprimento das ordens judiciais ou das omissões frente aos delitos evidenciados. Nesse ponto, além de também terem de ser enquadrados nas figuras criminais apresentadas acima, por também certamente estarem ligadas a vida pública, poderão eventualmente ser responsabilizados nos termos da Lei n.º 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) [12], Lei n.º 1.079/50 (Crimes de Responsabilidade) e regramentos administrativos específicos, dependendo de sua colocação (cargos, funções, etc) na estrutura administrativa do Estado.

CONCLUSÃO
          A liberdade de pensamento garantida pela Constituição Federal (art. 5º, IV) não ampara práticas ilícitas e que atentam sobremaneira contra as demais liberdades (CF, art. 5º, II) e ao direito de ir e vir (CF, art. 5º, XIV) das pessoas, muitas vezes com compromissos e saúde prejudicados por abusos como assim o são os fechamentos de estradas e rodovias por determinados grupos.
          O Estado Democrático de Direito não pode ser conspurcado por determinados grupos ou segmentos da sociedade, devendo os cidadãos e o Estado tomarem medidas fortes e efetivas na busca da manutenção da ordem jurídica, utilizando-se, se preciso, dos mecanismos legais de coerção e imposição das leis.
          Deve haver maior observância das normas civis e figuras penais existentes que, conforme demonstrado, não são poucas e devem ser aplicadas.
          A responsabilização deve recair sobre todos os envolvidos, ou seja, sobre todos os transgressores que obstruem diretamente as vias públicas de acesso, bem como seus mentores e organizadores.
          Por fim, deve haver também responsabilização dos agentes públicos omissos que, ao não agir, estão a permitir a violação de direitos de muitos cidadãos -cerceados em sua locomoção, além fomentar o crescente sentimento de impunidade que ora paira, pondo em risco toda a estrutura de ordem estatal e de vida em sociedade que hoje se concebe.

NOTAS
  1. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas. 2002, p. 254.
  2. Comentários ao Código de Trânsito Brasileiro, 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.
  3. Direito administrativo moderno. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003, p. 260.
  4. Ob.cit., p. 263.
  5. Código civil interpretado. Vol. I – Parte Geral e Obrigações. Rio de Janeiro: Renovar. 2004, p. 201.
  6. Direito administrativo brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros. 2000, p. 475.
  7. BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes. História constitucional do Brasil. 5. ed. Brasília: OAB, 2004, p. 488.
  8. A circulação como interesse difuso passível de tutela pelo Ministério Público. Caderno de Teses do III Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo. Ago/2005. Tese n.º 86, p. 234.
  9. Art. 258 - Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada ao homicídio culposo, aumentada de um terço.
  10. TACrimSP – Atentado contra a segurança de outro meio de transporte. Agente que atira bolas de gude contra o pára-brisa de coletivo, impedindo-o de prestar serviço público. Caracterização. (TACrimSP – RJDTACRIM 23/86).
  11. Código Penal, art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I – promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; II – coage ou induz outrem à execução material do crime; III – instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; IV – executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
  12. Por exemplo, art. 11, caput (constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições), inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência) e II (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício).
Fernando Martins Zaupa
promotor de Justiça do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, especialista em Direito Constitucional pela UNAES/FESMPMS



sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Reserva Legal


Governo prorroga prazo para início da obrigatoriedade de averbação da Reserva Legal
Em meio à discussão sobre as reformas do Código Florestal, o Governo prorrogou novamente o prazo para início da obrigatoriedade de averbação da Reserva Legal das propriedades rurais nas matrículas dos imóveis.
Pelo decreto 7.640/11, publicado no último dia 12, a averbação passará a ser obrigatória à partir de 11/4/12. A advogada Cristina R. Wolter Sabino de Freitas, do escritório Rayes & Fagundes Advogados, explica que a partir dessa data, os proprietários rurais que não tiverem regularizado suas áreas de reserva legal poderão incorrer penalidades de advertência e multa diária de R$ 50,00 a R$ 500,00 por hectare ou fração da área de reserva legal.
Veja abaixo a íntegra do decreto.
_________
DECRETO Nº 7.640, DE 9 DE DEZEMBRO DE 2011.
Altera o art. 152 do Decreto no 6.514, de 22 de julho de 2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente e estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º O art. 152 do Decreto no 6.514, de 22 de julho de 2008, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 152. O disposto no art. 55 entrará em vigor em 11 de abril de 2012.” (NR)
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 9 de dezembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República.
DILMA ROUSSEFF
Francisco Gaetani
Este texto não substitui o publicado no DOU de 12.12.2011