A
despeito dos claros avanços legislativos advindos de seus dispositivos, o novo
Código Florestal (lei 12.651/12) deixou de enfrentar certas questões
relevantes para as quais a sociedade há muito aguardava uma resposta (como, por
exemplo, questões relativas às áreas de preservação permanente em áreas
urbanas), bem como suscitou novas polêmicas, como é o caso da averbação da
reserva legal nas matrículas dos imóveis rurais.
Se a
obrigação legal de preservação ambiental da reserva legal persiste por força do
art. 12 do novo Código Florestal, ainda há dúvidas sobre como se dará
publicidade a esse instituto. Sob a égide do antigo código (lei 4.771/65), era dever do proprietário averbar a
reserva legal à margem da matrícula do imóvel.
O efetivo
cumprimento dessa obrigação pelos proprietários rurais, contudo, foi postergado
diversas vezes pelo Executivo por meio da edição de decretos. Sobre as novas
regras, surge a dúvida: permanece obrigatória a averbação da reserva legal à
margem da matrícula do imóvel ou bastaria seu registro no CAR - Cadastro
Ambiental Rural (ainda não regulamentado pelo Poder Público), instituído pelo
novo art. 29?
A questão já chegou aos tribunais e o entendimento
não tem sido uniforme sobre a questão.
Em
MG, a Corregedoria Geral de Justiça do Estado defendeu ser "facultativa a averbação da reserva legal no Cartório de Registro
de Imóveis, nos termos do art. 18, §4º, da lei 12.651/12, mostrando-se, assim,
sem amparo legal qualquer exigência de prévia averbação da reserva legal como
condição para todo e qualquer registro de todo e envolvendo imóveis rurais".
Tal entendimento também tem prevalecido no TJ do Estado, onde os magistrados
defendem não ser necessária a averbação da reserva legal após o advento do novo
Código Florestal. Nesse mesmo sentido, há também precedentes no TJ/SC.
Já no TJ/SP, os magistrados têm sido mais
conservadores ao analisar o assunto, prevalecendo o entendimento de que a
averbação da reserva legal deverá ser mantida enquanto o CAR não for implementado
pelo Poder Público.
É
possível verificar que os magistrados, entretanto, não têm analisado a questão
sob a ótica do direito notarial, limitando-se a julgar a matéria com base nas
novas regras florestais (notadamente o art. 18, §4º). Sob esse aspecto, verifica-se
que a LRP - lei de registros públicos (lei 6.015/73) estabelece como obrigatória a averbação
da reserva legal à margem da matrícula do imóvel (art. 167, II, 22 c/c art.
169). Como se sabe, o ato notarial dá publicidade erga omnis à informação e
segurança jurídica aos atos e negócios jurídicos - além de proporcionar o
atendimento aos princípios da concentração, especificação e eficiência, de modo
que todos os atos, limitações, benfeitorias, etc., fiquem reunidos na matrícula
do imóvel à disposição da população para consulta.
O
novo Código Florestal não revogou expressamente o mencionado dispositivo legal
da lei registral, estabelecendo, apenas, que as coordenadas geográficas da
reserva legal deverão ser informadas no CAR – por meio da juntada de planta e
memorial descritivo ou por meio de certidão do cartório de imóveis contendo
referidas informações. Nesse sentido, o art. 2º da lei de introdução às normas
do Direito brasileiro estabelece que lei posterior só revogará lei anterior se
expressamente o fizer, se forem incompatíveis ou, ainda, se regular
especificamente a matéria da lei anterior. Adicionalmente, "A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior"
(art. 2º, §2º).
Pode-se
concluir, portanto, que a averbação da reserva legal na matrícula do imóvel
deverá permanecer como regra em função da necessária publicidade que se deve
outorgar a essa limitação administrativa, devendo o órgão ambiental competente,
uma vez em posse das informações do CAR, informar ao cartório de imóveis quais
dados deverão ser averbados a esse título. Essa, na verdade, já é uma prática
adotada pelos órgãos ambientais em outras situações. A lei de gerenciamento de
áreas contaminadas do Estado de SP (lei 13.577/09), por exemplo, prevê a averbação da
contaminação na matrícula do imóvel por meio do envio de informações ao
registro de imóveis pelo órgão ambiental competente.
Diante
da sobreposição de normas e falta de clareza sobre a matéria, o entendimento
que tem sido dominante no TJ/SP nos parece atualmente o mais apropriado, ou
seja, a obrigatoriedade de averbação da reserva legal na matrícula do imóvel
deverá ser mantida até que o CAR seja implantado e o governo regulamente a
matéria de forma apropriada, "evitando-se, assim, que a
inércia do Poder Público configure salvo conduto para descumprimento das normas
ambientais" (E.Dcl. 0008315-63.2011.8.26.0541/50000 - Rel. Des.
Paulo Alcides - TJ/SP). Espera-se, portanto, que o governo enfrente a questão
com clareza, uma vez que, ante a especificidade e controvérsia envolvendo a
matéria, seria temerário sob o ponto de vista da segurança jurídica esperar que
o Poder Judiciário o fizesse caso-a-caso.
Giovani Tomasoni e Patricia Frederighi
quinta-feira, 2/5/2013
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