quinta-feira, 23 de agosto de 2012

DESCONHECIMENTO DE GRAVIDEZ NA DATA DA DEMISSÃO NÃO EXCLUI ESTABILIDADE


O TRT da 3ª região, pela turma Recursal de Juiz de Fora/MG, conheceu do recurso ordinário interposto por uma trabalhadora que estava grávida na data de sua demissão. À época, a empregada não tinha conhecimento de sua gravidez, mas um exame de obstetrícia realizado após sua dispensa comprovou que ela se encontrava com oito ou nove semanas de gestação quando ocorreu a rescisão do contrato de trabalho entre as partes.

       Para a juíza convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim, relatora, "o fato de a obreira não saber que estava grávida quando do término do contrato de trabalho com o réu não lhe tira seu direito à estabilidade, já que esta não é uma garantia exclusiva para a gestante, tratando-se, principalmente, de medida que visa assegurar o bem-estar do nascituro. Assim, basta a comprovação de que a gestação iniciou-se à época do contrato de trabalho para se ter direito a estabilidade".
      Com esse entendimento, a turma declarou nula a rescisão do contrato, determinou a imediata reintegração da obreira, estabeleceu o pagamento de seus salários vencidos e vincendos, desde a data da dispensa até a efetiva reintegração, e majorou o valor da condenação para R$10 mil.
·                  Processo: 00351-2012-038-03-00-9-RO
   quinta-feira, 23/8/2012
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Veja a íntegra da decisão.
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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO – 3ª REGIÃO
TRT – 00351-2012-038-03-00-9-RO
Recorrentes: A.P.M.; SUPERMERCADO BAHAMAS LTDA.
Recorridos: OS MESMOS
EMENTA: ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. MOMENTO DA CONCEPÇÃO. O termo “confirmação da gravidez” a que alude o art. 10, II, alínea b, do ADCT, se refere ao momento da concepção e não ao momento em que a gravidez foi atestada formalmente por exame clínico ou médico. Portanto, comprovada a concepção no curso do contrato de trabalho, faz-se devido o reconhecimento da estabilidade provisória, sendo nula a dispensa perpetrada neste período.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recurso Ordinário, em que são partes as indicadas em epígrafe, decide-se:
RELATÓRIO
O Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, pela sentença de f. 127/132, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais formulados por Ana Paulo Mariano em face de Supermercados Bahamas Ltda., conforme dispositivo de f. 7131/132.
Inconformadas, as partes recorrem.
A reclamante interpôs recurso ordinário às f. 133/149, pretendendo a reforma da decisão de origem para que lhe seja reconhecido o direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, alínea “b”, do ADCT, da Constituição da República, com a consequente reintegração ao emprego e pagamento dos salários correspondentes ao afastamento. Na eventualidade, pugna indenização substitutiva do período estabilitário. O reclamado, por sua vez, recorre adesivamente às f. 169/173, objetivando a reforma do julgado primevo no tocante às diferenças salariais deferidas. Comprovados o depósito recursal e o recolhimento das custas processuais às f. 174/175.
Contrarrazões às f. 176/182, pelo réu, e às f. 184/188, pela autora.
Procurações à f. 22, pela reclamante, e às f. 57, pelo reclamado, com substabelecimento às f. 58.
Não houve manifestação do MPT em face da ausência de interesse público na solução da controvérsia.
É o relatório.
VOTO
ADMISSIBILIDADE
Compulsando o caderno processual, observo que o julgador primevo designou o dia 25.04.2012 para a publicação da sentença (assentada de f. 125), antecipando, no entanto, a publicação da decisão para o dia 23.04.2012 (sentença, f. 132), sem constar nos autos certidão de intimação das partes.
Da mesma forma, na consulta ao andamento processual disponível no sítio Internet desse Regional, também não se verifica a intimação das partes quanto à antecipação da sentença, constando apenas o seguinte lançamento, em 23.04.2012: “Decurso De Prazo Para 03/05/2012 Doc.: - Recurso Ordinário”.
Diante de tal informação, constato que o prazo recursal teve início em 26.04.2012, fluindo até 03.05.2012, data de interposição do apelo pela reclamante.
Portanto, o recurso obreiro aviado nessa data é tempestivo, porque interposto dentro do octídio legal.
Sendo assim, conheço do recurso ordinário interposto pela autora, assim como do recurso adesivo patronal, porque presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de sua admissibilidade.
Não conheço, todavia, das contrarrazões ofertadas pela reclamante (f. 184/188), porque flagrantemente intempestivas, tendo em vista que o octídio legal iniciou-se em 22/05/2012 (terça-feira, certidão de f. 183), fluindo até 29/05/2012 (terça-feira), sendo que autora apresentou a peça somente em 31/05/2012 (quinta-feira, f. 184), evidenciando a referida intempestividade.
MÉRITO
RECURSO DA RECLAMANTE ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA GESTANTE – REINTEGRAÇÃO AO EMPREGO
Pugna a reclamante pela reforma da decisão de origem que indeferiu o pleito de reintegração ao emprego, ao argumento que restou comprovado no feito seu estado gravídico quando da dispensa imotivada, fazendo jus à estabilidade provisória prevista no art. 10, alínea “b”, do ADCT, da Constituição da República. Cita jurisprudência a favor de sua tese.
A decisão de origem assim apreciou a matéria:
A questão resolve-se totalmente pela confissão da autora em audiência, no sentido de que “soube de sua gravidez após ser dispensada pela ré; submeteu-se a exame em 14/02/12, cujo resultado lhe foi entregue após o carnaval ...” (fl. 42).
Com efeito, o art. 10, II, “b” do ADCT garante o emprego à gestante desde a confirmação da gravidez, ou seja, desde a certeza do estado gravídico, não desde a concepção.
In casu, a confirmação da gravidez perante a própria reclamante ocorreu quando da realização de exames em data bem posterior ao rompimento do contrato de trabalho, ou seja, à época da dispensa não havia qualquer óbice à ruptura do contrato, não podendo, pois, ser imputada ao empregador a responsabilidade no aspecto.
Corrobora a jurisprudência:
ESTABILIDADE DA GESTANTE CONFIRMAÇÃO O art. 10, II, b, do ADCT, conferiu à empregada gestante a garantia de emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, circunstância que representa limitação ao poder potestativo do empregador, que fica, portanto, impedido de dispensar injustamente a empregada no período. Se a confirmação da gravidez se dá após o decurso do aviso prévio, ou seja, após a extinção do contrato de trabalho não há direito à reintegração ou à indenização substitutiva. Nessas circunstâncias, na época da dispensa, a empregada sequer tinha ciência de seu estado de gravidez, razão pela qual o temo de rescisão do contrato de trabalho revela-se como ato jurídico perfeito, não se podendo atribuir a responsabilidade ao empregador. Repita-se, o aludido dispositivo constitucional é expresso ao condicionar a aquisição do benefício a partir da confirmação da gravidez, a qual deverá ocorrer no curso do contrato (01308-2009-069-03-00-3 RO rel. juíza convocada Taísa Maria M. de Lima. Publ. 04/05/2010 DEJT).
Logo, inexistente a gravidez confirmada quando da regular dispensa, consubstanciada em ato jurídico perfeito, revogo os efeitos da antecipação de tutela que determinou a reintegração da obreira ao emprego, reconhecendo a saída na data de publicação desta decisão.
Conseguintemente, validada a dispensa, não há valores rescisórios a pagar além dos já quitados (fls. 26/27), remanescendo apenas os relativos ao período entre a reintegração de fl. 41-v e a data em que publicada esta sentença (saldo salarial, natalinas proporcionais, férias proporcionais + 1/3 e FGTS + 40%), conforme se apurar.” (sentença, f. 127/128, grifos originais).
Ouso divergir da decisão, data vênia.
No caso vertente, restou incontroverso que a reclamante já se encontrava grávida quando ocorreu a rescisão contratual (em 31/01/2012, TRCT, f. 26/27), tendo em vista que o exame “Obstétrica Inicial”, realizado em 07/03/2012 (f. 30) comprova que a obreira encontrava-se com 8/9 semanas de gestação, o que acarreta a conclusão de que a concepção se deu entre os dias 10 a 20 de janeiro, antes mesmo da dação do aviso prévio indenizado (em 31/01/2012).
Em sendo assim, a obreira tem direito à estabilidade provisória, prevista na alínea “b” do artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que veda a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.
No aspecto, importante destacar que o fato de a obreira não saber que estava grávida quando do término do contrato de trabalho com o réu não lhe tira seu direito à estabilidade, já que esta não é uma garantia exclusiva para a gestante, tratando-se, principalmente, de medida que visa assegurar o bem-estar do nascituro. Assim, basta a comprovação de que a gestação iniciou-se à época do contrato de trabalho para se ter direito a estabilidade.
Nesse sentido, inclusive, já se manifestou esta Relatora, in verbis:
EMENTA: GRAVIDEZ CONFIRMADA NO PERÍODO DE PROJEÇÃO DO AVISO PRÉVIO. DESCONHECIMENTO DO ESTADO GRAVÍDICO PELA EMPREGADA E PELO EMPREGADOR. IRRELEVÂNCIA. Na Súmula n. 244, item I, do Col. TST, está disposto, "in verbis": GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, b, do ADCT). Fácil concluir, portanto, que a gravidez, por si só, é suficiente para gerar o direito ao reatamento do liame laboral, uma vez que, mais do que regular a relação entre as partes diretamente obrigadas pelo contrato, o dispositivo constitucional, nesta hipótese, destina-se à proteção do nascituro, donde o desconhecimento, seja do empregador, seja da própria empregada, sobre o estado gravídico não tem o condão de afastar a aplicação da legislação em comento, sobretudo em se tratando de confirmação da gravidez no curso do aviso prévio, ainda que indenizado. Se, como bem salientou o Julgador primevo, o aviso prévio, mesmo indenizado, integra o tempo de serviço para todos os efeitos jurídicos e legais (art. 487, §1o, da CLT c/c OJ n. 82 da SDI-I do TST), imperioso é reconhecer que o direito de resilir o contrato de emprego por parte da empregadora cede diante da garantia constitucional em favor da gestante e do nascituro. Recurso patronal a que se nega provimento." (00407-2011-153-03-00-5 RO, Segunda Turma, Rel. Juíza convocada Maria Raquel Ferraz Zagari Valentim, DEJT: 03/04/2012, julgamento unânime).
Também no mesmo norte, os seguintes precedentes emanados por este Regional: 00849-2011-129-03-00-8 RO, Oitava Turma, Relator: Des. Márcio Ribeiro do Valle, DEJT: 03/04/2012 e 01913-2009-086-03-00-0 RO, Segunda Turma, Relator: Des. Sebastião Geraldo de Oliveira, DEJT: 16/06/2010.
Impende frisar ainda, que, como visto no acórdão transcrito, a estabilidade provisória da gestante prescinde da comunicação da gravidez ao empregador. Isto porque a lei objetiva, também, a proteção do emprego contra a despedida arbitrária, resguardando a futura mãe de possível discriminação, sendo, portanto, irrelevante o desconhecimento pelo empresário do estado gravídico no ato da dispensa, entendimento este pacificado pelo TST, por meio da Súmula 244, I. Vale ressaltar, ademais, que o atual entendimento da Superior Corte Trabalhista é no sentido de que a “confirmação da gravidez” corresponde ao momento da concepção. Tanto é assim que aludida Súmula 244, item I, do C. TST consagra a responsabilidade objetiva do empregador, considerando irrelevante, como dito, o seu desconhecimento a respeito da gravidez. Portanto, implicitamente, deixou-se assente que o fato gerador do direito à estabilidade não pode ser outro momento, senão o da concepção.
Sobre a matéria em análise, vejamos os seguintes julgados proferidos pela C. TST:
"A exigência, como pressuposto para a estabilidade provisória, da ciência prévia do empregador do estado de gravidez inexiste na lei. A atual Constituição não exige tal comunicação ao empregador para que a gestante esteja protegida da despedida arbitrária, assegurando-lhe tal proteção desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, protegendo objetivamente a gestante. Até porque a própria gestante pode ainda não ter como saber de seu estado quando despedida, e essa impossibilidade não poderia lhe acarretar a perda desse direito que visa a tutela principalmente do nascituro. 'A confirmação da gravidez' não se dá através do exame médico, pois este, na realidade, apenas atesta a gravidez. Na verdade a gravidez está confirmada no momento mesmo da concepção. Por isso, quando o empregador despede a empregada gestante sem justa causa, ainda que disso não saiba, assume o risco dos ônus respectivos. É, pois, uma questão de responsabilidade objetiva. Nesse sentido, basta a ocorrência do estado gravídico para nascer o direito ora discutido, pois se o legislador constituinte não exigiu a ciência prévia do empregador como requisito para garantia provisória do emprego, restringindo, assim, a aquisição do direito, não pode o intérprete restringir, negando à empregada a garantia que o legislador concedeu, mais precisamente, à gestação como fato social relevante e suas consequências. A interpretação teleológica da norma pertinente leva, inequivocamente, à conclusão de que se quer proteger a mulher grávida e o nascituro pela importância social que possui tal fato." (E-RR-207.124/95, Rel. Min. Vantuil Abdala). Grifei.
AGRAVO DE INSTRUMENTO OBREIRO. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. Em face da configuração de violação do artigo 10, II, b, das Disposições Constitucionais Transitórias, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. Esta Corte Superior adota posicionamento no sentido de que a norma do artigo 10, II, 'b', do ADCT exige, tão somente, a confirmação da gravidez no curso do contrato de trabalho. E a melhor exegese desse preceito é a de que a confirmação da gravidez que erige como termo a quo da estabilidade provisória diz com a ocorrência do fato gravidez, definido pela concepção, ainda na vigência do contrato de trabalho. Posiciona-se, ainda, o TST, no sentido de que é irrelevante o fato de a reclamante não postular, na petição inicial, a reintegração no emprego, pois a Constituição da República assegura à obreira a garantia provisória do emprego, sendo-lhe permitido, mesmo no curso do período da garantia constitucional, pleitear a indenização substitutiva decorrente da estabilidade provisória referida no artigo 10, II, 'b', das Disposições Constitucionais Transitórias, porquanto pedido alternativo. Precedentes do TST. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido." (TST-RR-26264/2002-900-09-00.8, 8ª Turma, Rel. Min. Dora Maria da Costa, DEJT de 15/05/2009). Grifei.
"ESTABILIDADE GESTANTE. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO. A garantia de emprego assegurada à gestante, contra despedida arbitrária ou sem justa causa, encontra respaldo no artigo 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Essa garantia busca dar condições mínimas de sobrevivência para a mãe, para que gere uma criança com possibilidade de nascer com vida e com saúde. Logo, irrelevante o fato de a Reclamante não ter postulado, na petição inicial, a reintegração ao emprego, pois a garantia de emprego converte-se em indenização, enquanto a estabilidade gera o direito da impossibilidade de, exceto por justa causa, haver ruptura do contrato de emprego. Recurso conhecido e não provido." (TSTRR-94965/2003-900-04-00, 2ª Turma, Rel. Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, DJ de 08/02/2008). Grifei.
Destarte, a estabilidade da gestante tem início com a confirmação da gravidez e se estende até cinco meses após o parto, recaindo sobre o empregador o ônus de, ao despedir a empregada grávida, arcar com a obrigação de reintegrá-la, respondendo pelos salários do período correspondente à dispensa, ou com o pagamento da indenização substitutiva, em decorrência da responsabilidade objetiva da empresa nessa matéria. Isto é, uma vez exercido o ato potestativo da dispensa sem justa causa de empregada gestante, a reintegração, quando possível, se impõe.
Cumpre destacar, finalmente, que in casu a concepção, como visto supra, ocorreu em data anterior à dação do aviso prévio indenizado, não havendo qualquer discussão sobre a incidência da Súmula 371/TST.
Além do mais, como a obreira encontra-se dentro do período de estabilidade, consoante informado às f. 137 das razões recursais, não há óbice a sua reintegração, não se vislumbrando, ainda, nenhuma ocorrência nos autos que a desautorize, como a impossibilidade de convivência urbana entre as partes.
Assim, por todos os ângulos que se analise a questão, a reclamante faz jus à estabilidade provisória prevista no artigo no art. 10, alínea “b”, do ADCT, da Constituição da República.
Ante o exposto, declaro nula a rescisão do contrato de trabalho e determino a imediata reintegração da obreira, independente do trânsito em julgado do presente acórdão, condenando o réu ao pagamento dos salários vencidos e vincendos desde a data da dispensa até a efetiva reintegração, garantindo-se à autora todas as vantagens legais e convencionais (f. 106/124) do período estabilitário, assim como a mesma função e unidade de trabalho.
Frise-se, quanto à duração do período estabilitário, que autora não carreou aos autos a norma coletiva aplicável à categoria que defere a aludido período pelo prazo de 07 (sete) meses após o parto (inicial, f. 07), devendo, portanto, prevalecer o lapso temporal previsto no ADCT.
Por mero corolário, deverá o reclamado, no prazo legal, comprovar os recolhimentos fundiários do período em que a reclamante esteve afastada, bem como restabelecer o plano de saúde da autora, nas mesmas condições que praticadas antes da sentença, consoante determinado na decisão de antecipação de tutela de f. 39.
Determino que o réu cancele a baixa na CTPS da reclamante, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$2.000,00. Esclareça-se que a reclamante será intimada a entregar em Secretaria a sua CTPS, após o que será a reclamada intimada a cumprir a determinação acima, no mesmo prazo, correndo a multa fixada a partir da intimação da ré.
Defere-se a dedução das parcelas comprovadamente quitadas a idêntico título daquelas ora deferidas à reclamante, bem como daquelas quitadas por ocasião da rescisão.
Expeça-se Mandado de Reintegração ao Emprego.
Recurso provido nestes termos.
RECURSO DO RECLAMADO
DIFERENÇAS SALARIAIS
Pugna o reclamado pela reforma da sentença de origem quanto ao deferimento do pleito de diferenças salariais. Argumenta que não restou comprovado nos autos que a autora se ativou efetivamente como “gerente de salão”, durante o pacto laboral, realizando apenas treinamento para esta função, ao final do qual foi reprovada.
Sem razão, contudo.
A alegação obreira de que laborou no cargo acima declinado, pelo período de 20/09/2011 até sua dispensa (em 31/01/2012), foi confirmada por meio da prova oral, especificamente pelo depoimento pessoal do preposto do réu, que confessou que “a reclamante atuou como fiscal de salão por quatro meses, três dele em treinamento.” (assentada, f. 42, grifei).
Demais, o documento de f. 28 (Atestado de Saúde Ocupacional), comprova que, de fato, a reclamante exercia a função de fiscal de salão.
Logo, a autora desvencilhou-se satisfatoriamente do encargo de comprovar fato constitutivo de seu direito, nos termos dos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC.
No aspecto, cumpre destacar que, como bem observado pelo juízo de origem, irrelevante o fato de a obreira “estar em treinamento por três meses, considerando que a realidade diz respeito à função mais qualificada Assim, se ela de fato esteve como fiscal de salão nos quatro meses em apreço, faz jus à retribuição específica à função.” (sentença, f. 129).
Impende consignar, ainda, que, ante o decidido no ponto, assim como no tópico precedente, a remuneração a ser observada pelo reclamando, quando do pagamento das parcelas devidas à autora, será aquela referente ao cargo de fiscal de salão, função ocupada pela obreira quando da época da rescisão contratual.
Nada a prover, portanto.
CONCLUSÃO
Pelo exposto, conheço do recurso ordinário interposto pela reclamante, bem como do recurso adesivo patronal. Rejeito a preliminar suscitada. No mérito, nego provimento ao apelo do réu e dou provimento ao recurso obreiro para declarar nula a rescisão do contrato de trabalho havida entre as partes e determinar a imediata reintegração da obreira, independente do trânsito em julgado do presente acórdão, condenando o réu ao pagamento dos salários vencidos e vincendos, desde a data da dispensa até a efetiva reintegração, garantindo-se à autora todas as vantagens legais e convencionais do período, assim como a mesma função e unidade de trabalho; deverá o reclamado, no prazo legal, comprovar os recolhimentos do FGTS do período em que a reclamante esteve afastada, restabelecer o plano de saúde e cancelar a baixa na CTPS da obreira, sob pena de multa diária de R$100,00 (cem reais), até o limite de R$2.000,00; determino que a reclamante seja intimada a entregar em Secretaria a sua CTPS, após o que será o reclamado intimado a cumprir a determinação acima, no mesmo prazo, correndo a multa fixada a partir da intimação do réu; defiro a dedução das parcelas comprovadamente quitadas a idêntico título daquelas ora concedidas à reclamante, bem como daquelas quitadas por ocasião da rescisão; a remuneração a ser observada pelo reclamado, quando do pagamento das parcelas devidas à autora, será aquela referente ao cargo de fiscal de salão, função ocupada pela obreira quando da época da rescisão contratual, tudo nos termos da fundamentação.
Expeça-se Mandado de Reintegração ao Emprego.
Fica majorado o valor da condenação para R$10.000,00, com custas, pela ré, no importe de R$200,00.
Fundamentos pelos quais, o Tribunal do Trabalho da Terceira Região, pela Turma Recursal de Juiz de Fora, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pela reclamante, bem como do recurso adesivo patronal; sem divergência, rejeitou a preliminar suscitada e, no mérito, negou provimento ao apelo do réu; por maioria de votos, deu provimento ao recurso obreiro para declarar nula a rescisão do contrato de trabalho havida entre as partes e determinar a imediata reintegração da obreira, independente do trânsito em julgado do Acórdão (com expedição do respectivo mandado pela Secretaria da Turma), condenando o réu ao pagamento dos salários vencidos e vincendos, desde a data da dispensa, até a efetiva reintegração, garantindo-se à autora todas as vantagens legais e convencionais do período, assim como a mesma função e unidade de trabalho; deverá o reclamado, no prazo legal, comprovar os recolhimentos do FGTS do período em que a reclamante esteve afastada, restabelecer o plano de saúde e cancelar a baixa na CTPS da obreira, sob pena de multa diária de R$100,00 (cem reais), até o limite de R$2.000,00; determinou que a reclamante seja intimada a entregar em Secretaria a sua CTPS, após o que será o reclamado intimado a cumprir a determinação supra, no mesmo prazo, correndo a multa fixada a partir da intimação do réu; deferiu a dedução das parcelas comprovadamente quitadas a idêntico título daquelas ora concedidas à reclamante, bem como daquelas quitadas por ocasião da rescisão; a remuneração a ser observada pelo reclamado, quando do pagamento das parcelas devidas à autora, será aquela referente ao cargo de fiscal de salão, função ocupada pela obreira quando da época da rescisão contratual, tudo nos termos da fundamentação do voto; majorou o valor da condenação para R$10.000,00, com custas, pela ré, no importe de R$200,00; vencido o Exmo. Juiz Convocado Revisor.
Juiz de Fora, 24 de julho de 2012.
MARIA RAQUEL FERRAZ ZAGARI VALENTIM
Juíza Convocada Relatora

APOSENTADO POR INVALIDEZ TEM DIREITO A ACRÉSCIMO DE 25% NO BENEFÍCIO


O segurado do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), aposentado por invalidez, que necessite de assistência permanente de outra pessoa para o exercício de suas atividades cotidianas tem direito a receber um acréscimo de 25% sobre o valor do benefício. O direito ao adicional está previsto no artigo 45 da Lei 8.213/91 e o valor deve ser pago desde o início do benefício, mesmo que não tenha havido o prévio requerimento administrativo para aquisição do acréscimo. Isso porque, como se trata de uma previsão legal, é dever do INSS acrescentar os 25% de ofício, já no ato da concessão, quando a necessidade do auxílio permanente for detectada pela perícia. 

Foi com base nesse entendimento que a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), durante sessão realizada nesta quinta-feira (16/8), julgou procedente o pedido de um segurado, aposentado por invalidez, que solicitava receber o acréscimo a partir do início do benefício, dia 5 de abril de 2005, tendo em vista que, nessa data, já dependia do auxílio permanente de terceiros. 

Nesse sentido, o relator do caso, juiz federal Gláucio Maciel, propôs em seu voto uma modificação do entendimento anterior da própria TNU. “O referido acréscimo, em geral desconhecido pela maioria dos segurados, incidente sobre o valor da aposentadoria por invalidez, decorre de lei, sendo dever da autarquia previdenciária acrescentá-lo de ofício, já no ato da concessão do referido benefício, quando detectada pela sua própria perícia a necessidade de auxílio permanente”, escreveu em seu voto, que foi acompanhado por unanimidade pelo colegiado da Turma. 

Na decisão, o magistrado determinou ainda que o acórdão da turma de origem seja anulado a fim de que a prova técnica, já produzida, seja reexaminada, levando em conta a premissa jurídica firmada neste julgamento. Sendo assim, se provado que o segurado já dependia de auxílio permanente de terceiros desde o início do pagamento do benefício (5 de abril de 2005), ele poderá fazer jus ao recebimento dos valores atrasados desde então. 

Processo 2008.71.69.002408-6

RECLUSÃO NÃO ATINGE IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA ALEGADA SÓ NA APELAÇÃO


A arguição de impenhorabilidade do bem de família é válida mesmo que só ocorra no momento da apelação, pois, sendo matéria de ordem pública, passível de ser conhecida pelo julgador a qualquer momento até a arrematação, e se ainda não foi objeto de decisão no processo, não está sujeita à preclusão. 

Com base nesse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento unânime, rejeitou recurso especial interposto por um espólio contra decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), que havia reconhecido um imóvel como bem de família e declarado sua impenhorabilidade. 

O espólio moveu execução contra o avalista de uma nota promissória, afirmando tratar-se de dívida decorrente da fiança de aluguel, e requereu a penhora de imóvel. O executado ajuizou embargos à execução, com a alegação de que a penhora configuraria excesso de garantia, uma vez que o valor do patrimônio seria superior ao da dívida. Apontou ainda que já teria havido penhora da renda de outro devedor solidário. 

NOVO ARGUMENTO 

 Os embargos foram rejeitados em primeira instância. Na apelação contra essa decisão, o devedor acrescentou o argumento de que o imóvel seria impenhorável, por constituir bem de família, invocando a proteção da Lei 8.009/90. O recurso foi provido pelo TJRJ, que reconheceu tratar-se de imóvel residencial utilizado como moradia familiar, e afastou a penhora. O TJRJ entendeu também que não havia sido comprovado pelo espólio que a dívida cobrada era decorrente de fiança concedida em contrato de locação. 

Não satisfeito com a decisão do tribunal fluminense, o espólio entrou no STJ com recurso especial, alegando que a questão da impenhorabilidade com base na Lei 8.009 estaria preclusa, por não ter sido levantada no momento oportuno, ainda nos embargos apresentados em primeira instância, mas apenas na apelação. 

Sustentou também que a proteção dada pela Lei 8.009 ao bem de família deveria ser afastada no caso, pois o artigo 3º da lei admite a penhora quando se tratar de dívida oriunda de fiança prestada em contrato de locação. O espólio afirmou ainda que o ônus da prova acerca da impenhorabilidade recai sobre o devedor/executado e não sobre o credor/exequente. 


ORDEM PÚBLICA 

 Ao analisar o recurso, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, observou não haver violação de lei por parte do TJRJ. O ministro disse que a inexistência de provas sobre a alegada origem da dívida em fiança de locação foi afirmada pelo tribunal estadual e não poderia ser revista pelo STJ, ao qual não compete reexaminar provas e cláusulas contratuais em recurso especial (Súmulas 5 e 7). 

Quanto à preclusão, o ministro Salomão observou que há distinção entre as hipóteses em que a questão já foi alegada e decidida no processo, e aquelas em que a alegação advém tardiamente, depois de apresentada a defesa de mérito do devedor. 

Na primeira hipótese, segundo ele, a jurisprudência entende que o magistrado não pode reformar decisão em que já foi definida a questão da impenhorabilidade do bem de família à luz da Lei 8.009, porque a matéria estaria preclusa. A propósito, o relator mencionou o artigo 473 do Código de Processo Civil: "É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão." 

Na segunda hipótese, quando não existe alegação, tampouco decisão, não se pode falar em preclusão. Nesse caso, “a impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública, dela podendo conhecer o juízo a qualquer momento, antes da arrematação do imóvel”. 

O relator observou que eventual má-fé do réu que não alega, no momento oportuno, fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, com intenção protelatória, pode ser punida com condenação em custas e perda de honorários advocatícios. Isso, porém, não se verificou no caso em julgamento. 

QUESTÃO IRRELEVANTE 

Sobre o ônus da prova, Luis Felipe Salomão afirmou que, como regra, ele cabe a quem alega a impenhorabilidade do bem de família. Afinal, o devedor responde por suas dívidas com todos os seus bens, e por isso “consubstancia exceção a oposição da impenhorabilidade do bem de família, devendo ser considerada fato impeditivo do direito do autor, recaindo sobre o réu o ônus de prová-lo”. 

No caso em julgamento, porém, o ministro entendeu que o ônus da prova não deveria ser usado para solução da controvérsia. “Somente há necessidade de a solução do litígio se apoiar no ônus da prova quando não houver provas dos fatos ou quando essas se mostrarem insuficientes a que o julgador externe com segurança a solução que se lhe afigure a mais acertada”, explicou. 

Para Salomão, essa questão é irrelevante no caso, pois o TJRJ concluiu pela caracterização do bem de família com base em elementos probatórios existentes no processo, não no uso da técnica do ônus da prova. Um desses elementos foi a indicação do imóvel como endereço do devedor, feita pelo próprio autor da execução. 

Diante dessas observações, o colegiado negou provimento ao recurso do credor. 

REsp 981532

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

ACIDENTE DE TRABALHO: O DANO MORAL VISTO PELO TST



Tese Regional: De acordo com  teoria do risco, o fato de a Reclamada ter assumido os riscos da  atividade econômica a torna responsável pela indenização por  danos morais, decorrente de acidente de trabalho, não se exigindo a comprovação de  culpa ou dolo, nos termos dos  princípios fundamentais da  valorização social do trabalho e da  dignidade humana, previstos no  art. 1º, III e IV, da CF, não se vislumbrando a  violação do art. 7º, XXVIII, da Carta Magna.

Assim,   a questão não se resolve pela averiguação da existência de culpado empregador no acidente de trabalho sofrido pelo empregado, mas sim pela verificação da existência de nexo de causalidade entre os serviços realizados e o acidente e a inexistência de causas excludentes do nexo causal, como é o caso da culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior e fato de terceiro  (fl. 338).

O Reclamante desempenhava a função de ajudante de caminhão de entregas de botijões de GLP, integrante da   equipe de entrega emergencial e teve lesão no menisco,   o qual teve que ser retirado em cirurgia  (fl. 340), ocorrida   depois de fazer entrega de emergência em uma residência e quando saía com o botijão vazio, escorregou em madeiras úmidas e torceu o joelho  (fl. 339).

Configurado o nexo de causalidade e afastada a imprevisibilidade do acidente ocorrido com o Reclamante, constata-se a responsabilidade da Empregadora   nas situações de indenização por acidente de trabalho  (fl.342).
Antítese Recursal: Segundo a teoria da  responsabilidade subjetiva, derivada de culpa do agente da lesão (CF, art. 7º, XXVIII),  não tendo sido  comprovada a culpa da Empregadora pelo acidente de trabalho, não se verifica o  nexo de causalidade entre o dano e a ação, requisito indispensável à  caracterização da responsabilidade civil. O recurso vem calcado em violação do  art.  7º, XXVIII, da CF e em  divergência jurisprudencial (fls. 358-369).

Síntese Decisória: O aresto transcrito à fl. 367 conduz ao fim colimado, já que externa tese oposta à do Regional, assentando que  não se afigura razoável a reparação dos prejuízos advindos do acidente de trabalho,  independentemente da comprovação de culpa ou dolo do empregador e não evidenciada a atuação culposa do empregador na ocorrência do acidente de trabalho, impõe-se indeferir a pretensão do Autor.

Logo,  CONHEÇO da revista, por  dissenso específico de teses.

II) MÉRITO

DANO MORAL DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO
O  dano moral constitui  lesão de caráter não material, ao denominado patrimônio moral do indivíduo, integrado por  direitos da personalidade.

Tanto em sede constitucional (CF, art. 5º,  caput  e incisos V, VI, IX, X, XI e XII) quanto em sede infraconstitucional (CC, arts. 11-21), os direitos da personalidade albergam basicamente os direitos à  vida,integridade física, liberdade, igualdade, intimidade, vida privada,imagem, honra, segurança e propriedade, que, pelo grau de importância de que se revestem, são tidos como  invioláveis.

Do rol positivado dos direitos da personalidade, alguns têm  caráter preponderantemente material (vida, integridade física, liberdade, igualdade, segurança e propriedade), ainda que não necessariamente mensurável economicamente, e outros de  caráter preponderantemente não material (intimidade, vida privada, imagem e honra).

Estes últimos se encontram elencados expressamente no  art. 5º, X, da CF.

Assim, o  patrimônio moral, ou seja, não material do indivíduo, diz respeito aos  bens de natureza espiritual da pessoa. Interpretação mais ampla do que seja dano moral, para albergar, por um lado, todo e qualquer sofrimento psicológico, careceria de base jurídico-positiva (CF, art. 5º, X), e, por outro, para incluir bens de natureza material, como a  vida e a integridade física careceria de base lógica (conceito de patrimônio moral).

No entanto, a  doutrina e a  jurisprudência tem vislumbrado campo para reconhecimento do dano moral em relação à doença profissional e acidente de trabalho, com base na lesão à integridade física do trabalhador: Existem atividades que, por sua natureza ou métodos de trabalho, colocam o obreiro em condição de risco acentuado à saúde, à integridade física ou, o que é pior, à própria vida, competindo ao empregador   em tais casos e nos locais de labor com características de perigo (ou nocividade) intenso – adotar todos os procedimentos de proteção àqueles atributos da pessoa humana, prevenindo os acidentes de trabalho e as chamadas doenças ocupacionais  ( Marcus Vinícius Lobregat,  Dano Moral nas

Relações Individuais de Trabalho , LTr   2001   São Paulo, p. 25).

EMBARGOS – INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL – NEXO CAUSAL - LESÃO POR ESFORÇOS REPETITIVOS   DIGITADOR – INTERVALO INTRAJORNADA - NÃO-CONCESSÃO.

1. A lesão por esforços repetitivos (LER) contraída em atividade preponderante de digitação, sem o intervalo intra jornada previsto em lei e de gravidade tal que provocou a aposentadoria da
e material.
2. Delineado o nexo causal entre a moléstia ocupacional desenvolvida pela empregada e a conduta culposa do empregador, que não observou as cautelas mínimas necessárias à prevenção da doença, o acolhimento de pleito de indenização desse jaez não afronta os arts. 159, do Código Civil de 1916, e 5º, inciso X, da Constituição Federal.
3. Embargos não conhecidos  (TST-E-RR-1.509/1999-002-23-00.0, Rel. Min.  João Ores te Dalazen, SBDI-1, DJ de 22/09/06).

Parece-nos, no entanto, que falar em  dano moral ocasionado por  acidente
do trabalho ou  doença profissional não teria sentido como lesão à vida ou
à integridade física do indivíduo, uma vez que não integram o patrimônio
moral e espiritual da pessoa, mas seu patrimônio material. Daí o
reconhecimento planar do direito à  indenização por dano material. Para o
dano moral, necessário seria verificar a  repercussão da lesão na imagem,
honra intimidade e vida privada do indivíduo.

Com efeito, as  seqüelas de um acidente ocorrido ou de uma doença adquirida no trabalho podem comprometer a  imagem da pessoa, dificultar-lhe o desenvolvimento em sua  vida privada, infligindo-lhe um sofrimento psicológico ligado a bens constitucionalmente protegidos. Nesse caso, e por esse fundamento, a lesão merecerá uma reparação além daquela referente ao dano material sofrido. Do contrário, as indenizações se confundiriam.

Por outro lado, além do  enquadramento no conceito de dano moral, a lesão deve ser passível de imputação ao empregador. Trata-se do estabelecimento do  nexo causal entre lesão e conduta omissiva ou comissiva do empregador, sabendo-se que o direito positivo brasileiro alberga tão-somente a teoria da  responsabilidade subjetiva, derivada de  culpa ou  dolo do agente da lesão (CF, art. 7º, XXVIII).

In casu, o Regional assentou que a  responsabilização do empregador por acidente de trabalho depende apenas de que as atividades da empresa sejam passíveis de produção de danos,  independente de  culpa do empregador, bastando haver  nexo de causalidade entre o acidente e as atividades laborais desenvolvidas pelo Autor. Portanto, o Regional condenou a Reclamada  adotando a  teoria objetiva do risco, segundo a qual a responsabilização do empregador por acidente de trabalho  não exige a comprovação de  culpa ou dolo.

O que se verifica no presente feito é nítida inversão do ônus da prova, ao arrepio da lei. Ora, o magistrado deve aplicar imparcialmente uma legislação que já é protetiva do empregado. Se o  art. 818 da CLT determina que a  parte deve provar as alegações que fizer, cabia ao Reclamante provar a  culpa da 

Reclamada para obter dela a indenização pelos  danos sofridos.
Ademais, na   responsabilidade subjetiva pelo  dano causado, albergada pelo  art. 7º, XXVIII,  in fine, da CF, que fala em indenização pelo empregador quando incorrer em dolo ou  culpa, tem-se que a  culpa aparece como fato constitutivo do direito do empregado a receber a indenização, conforme se extrai do art. 333, I, do CPC.

Eis alguns precedentes desta Corte Superior nesse mesmo sentido: TST-AIRR-718/2003-021-12-40.7, Rel. Min.  Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DJ de 17/02/06; TST-RR-744.097/2001.1, Rel. Juiz Convocado  Josenildo Carvalho, 2ª Turma, DJ de 30/09/05; TST-AIRR-720/2002-411-04-40.4, Rel. Juiz Convocado Luiz Ronan Koury, 3ª Turma, DJ de 28/10/05; TST-RR-2.661/2001-014-12-00.6, Rel. Min.  Barros Levenhagen, 4ª Turma, DJ de 31/03/06; TST-RR-713.426/2000.2, Rel. Min.  Brito Pereira, 5ª Turma, DJ de 31/03/06; TST-E-RR-719.661/2000.1, Rel. Min.  Brito Pereira, SBDI-1, DJ de 02/09/05.
Nesse contexto, não pode a   Reclamada ser compelida a arcar com indenização por  dano a que não deu causa, vez que não restaram
comprovados nos autos os elementos caracterizadores da  responsabilidade civil, ou seja, a existência de  culpa da Reclamada  (responsabilidade subjetiva) e a ocorrência efetiva do dano moral, capaz de ensejar violação à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem do Reclamante, nos termos dos  arts. 186 do CC e 5º, X, da CF.

Assim sendo,  DOU PROVIMENTO  ao recurso para, r e formando o acórdão regional, afastar da condenação a reparação por danos morais, que não restaram comprovados, à luz dos dispositivos pertinentes à matéria. Custas
processuais, em reversão, pelo Reclamante, das quais fica isento de pagar.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Egrégia 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para, reformando o acórdão regional,  afastar da condenação a reparação por danos morais, que não restaram comprovados, à luz dos dispositivos pertinentes à matéria. Custas processuais, em reversão, pelo Reclamante, das quais fica isento de pagar.
Brasília, 20 de fevereiro de 2008.

sábado, 11 de agosto de 2012

O NOVO CÓDIGO FLORESTAL E O REGISTRO DE IMÓVEIS

Finalmente após anos de discussão no Congresso Nacional de um novo texto para o Código Florestal de 1965, no dia 28 de maio de 2012 foi publicada a Lei 12.651, que fugiu inutilmente do termo “código florestal”, preferindo se intitular uma legislação que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa.
E parece que os anos de debate não foram suficientes para gerar o consenso esperado por vários segmentos da sociedade interessados em questões agrárias e ambientais, uma vez que houve veto presidencial de diversos artigos do texto aprovado no Congresso Nacional. Além disso, na mesma data da publicação da lei foi editada a Medida Provisória n. 571, conferindo nova redação aos artigos vetados, obviamente trazendo a possibilidade de nova e substancial mudança na redação deles.
Interessam-nos, num primeiro momento, as questões mais relevantes que têm influência direta ou reflexa no Registro de Imóveis e que tentarei destacar neste texto cujo título poderia ser primeiras considerações registrais do novo Código Florestal.
Embora as questões ambientais em si não sejam objeto do nosso rascunho, é preciso constatar que o texto do novo Código Florestal reflete – em um Estado Democrático de Direito – na vontade da população em geral, representada através de mandato dos membros do Congresso Nacional. Entristece-nos o fato de que o Brasil já não possui um Código Florestal tão protetivo quanto o anterior. Infelizmente os espaços territoriais que possuem proteção constitucional (art. 225, § 1°, III, da CF) foram sensivelmente reduzidos.
Direito de propriedade
O Código Florestal reforçou a ideia constante do Código Civil (art. 1.228, § 1o), de que o direito de propriedade deve ser exercício com observação de sua finalidade social, devendo ser preservados “a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”. Em seu artigo 2º está definido  que a propriedade deve ser exercida com as limitações que a legislação estabelecer. Embora do ponto de vista jurídico a técnica legislativa não tenha sido das melhores, uma vez que a função ambiental da propriedade é um conceito mais amplo que o de mera limitação, o simples fato de atribuir à propriedade imobiliária uma afetação ambiental deve ser considerado uma evolução para o direito de propriedade.
O § 2º do art. 2º dispõe que “as obrigações previstas nesta Lei têm natureza real e são transmitidas ao sucessor, de qualquer natureza, no caso de transferência de domínio ou posse do imóvel rural.” Indubitavelmente, trata-se de dispositivo dos mais relevantes do Código Florestal e deve ser alvo de intenso debate jurídico, já que sempre existiu certa indefinição na natureza jurídica das obrigações ambientais. A regra é repetida na seção II, que trata do regime de proteção das áreas preservação permanente (art. 7º, § 2º), obrigando o sucessor da área rural a recompor a vegetação.
Ao estipular que as obrigações ambientais têm natureza real quis dizer o legislador tratar-se de obrigações propter rem, acessórias do direito real ou de propriedade. Fernando Noronha leciona que “elas impõem a quem seja proprietário de uma coisa, ou titular de outro direito real de gozo sobre ela (ou às vezes até de uma mera situação possessória) o dever de realizar uma prestação, necessária para a harmonização do exercício do seu direito real com o de outro direito real, de pessoa diversa, incidente sobre a mesma coisa, ou sobre uma coisa vizinha”[2].
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de sua Câmara Especial do Meio Ambiente, consagrou o entendimento daquele órgão especializado de que a reserva legal florestal tem a natureza jurídica de obrigação propter rem e adere ao domínio, possuindo, inclusive, proteção da CF. Assim, a obrigação da delimitação, demarcação e averbação da RLF é do atual proprietário do imóvel e não do Estado[3]. O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, recentemente, interpretando o artigo 1.345 do Código Civil, reconheceu que as obrigações condominiais possuem a natureza de obrigações propter rem[4].
As obrigações ambientais são decorrentes dos princípios da restauração, recuperação e reparação do meio ambiente previstos no art. 225 da Constituição Federal. A reparação, em especial, está no § 3º do artigo 225 e a regra do § 2º, do art. 2º, do Código Florestal tornou clara a transmissibilidade do dever ambiental para adquirentes do imóvel, que não poderão alegar desconhecimento da responsabilidade ambiental. A Lei n. 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, disciplina expressamente que o poluidor e o predador têm a obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados (art. 4º, VII). No entanto, não havia regra específica atribuindo às obrigações ambientais o caráter real, aliás, não mais natural do ponto de vista lógico-jurídico já que a responsabilidade civil ambiental é objetiva (art. 14, § 1º, da referida Lei 6.938/81).
 Cadastro ambiental rural – CAR e Reserva Legal Florestal.
O Cadastro Ambiental Rural – CAR indubitavelmente configura uma das principais novidades no Código Florestal ao criar no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre Meio Ambiente – SINIMA, e é “registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento”.
A inscrição do imóvel rural no CAR deverá ser feita, preferencialmente, no órgão ambiental municipal ou estadual, que, nos termos do regulamento, exigirá do possuidor ou proprietário (§ 1º do art. 29, com a redação dada pela Medida Provisória n. 571, de 2012).
O cadastro exclui, expressamente, eventual reconhecimento do direito de propriedade (§ 2º, art. 29), o que não poderia ser diferente em razão da atribuição constitucional prevista no art. 236 da Constituição Federal, mas, numa primeira impressão, rompe a vinculação entre cadastro e registro constante do Código Florestal anterior (§ 8º do art. 16 do Código Florestal, redação dada pela MedProv 2.166-67/2001).
O artigo 18 do novo Código Florestal determina que a área de Reserva Legal deverá ser registrada no órgão ambiental competente por meio de inscrição no CAR. Já o § 4o do referido art. 18 disciplina que “o registro da Reserva Legal no CAR desobriga a averbação no Cartório de Registro de Imóveis”.
Ao disciplinar o imóvel rural, o cadastro ambiental deixou também de expressamente definir qual conceito de imóvel atribuir para fins de cálculo e cômputo dos espaços territoriais especialmente protegidos. Esperamos que o regulamento trate do assunto, ou seja, se o imóvel é o definido na matrícula do Registro de Imóveis ou o utilizado no cadastro rural do INCRA, respeitando o critério de aproveitamento rural da área. Para nós, ao exigir a vinculação entre matrícula do imóvel e cadastro rural, como veremos melhor adiante, bem como ainda existir a previsão de averbação no Registro de Imóveis, a autoridade ambiental deverá necessariamente utilizar o conceito de imóvel-matrícula, que difere do conceito econômico (aproveitamento) e não admite seccionamentos e descontinuidade.
Cadastro e registro. Compreensão da problemática.
Para a compreensão da problemática criada pelo novo Código Florestal é imprescindível – ainda mais quando estivermos tratando de meio ambiente e Registro de Imóveis – ter em mente a diferenciação entre cadastro e registro para não haver confusão, prejudicando a verdadeira função de cada um e, por conseguinte, prejudicando as respectivas funcionalidades. Com efeito, quando falamos em cadastro referimo-nos ao controle administrativo necessário e criado pela Administração com finalidade precípua de gerenciamento de algum poder estatal de tutela ou poder de polícia, bem como à arrecadação de impostos. Nesse controle, apenas se utilizam informações constantes de obrigações outras, mas com o objetivo de controle fiscal.
No Registro, porém, malgrado exista também um controle, a finalidade é totalmente distinta da cadastral. O Registro é o guardião do direito de propriedade, dos detentores de referido direito, sua extensão e efeitos. No Brasil, é constitutivo de direitos, que nascem no Registro de Imóveis, que por sua vez exerce a função de controle do tráfico imobiliário.
No entanto, cadastro e registro possuem forte conexão no momento em que a Administração precisa utilizar as informações constantes dos livros do Registro de Imóveis, para criar ou alimentar sua base cadastral, o que é facilmente observado no cadastro fiscal dos municípios que necessitam da informação registral para promover o lançamento do imposto predial e territorial urbano. O Registro de Imóveis também necessita de informações cadastrais para conferir à publicidade registral maior credibilidade para manter uma simetria com os dados dos cadastros tributário e ambiental. Quem analisou perfeitamente a relação entre cadastro e registro foi Sérgio Jacomino. Para o conceituado registrador, os institutos são considerados “irmãos siameses” em razão da dependência que um tem do outro[5].
No direito ambiental, a ligação entre cadastro e registro costuma ser mais íntima ainda. Primeiro, porque a grande maioria das informações ambientais consta do cadastro dos mais diversos órgãos da Administração das três esferas políticas (União, Estados-membros e Municípios). Segundo, porque as informações cadastrais transcendem muitas vezes o cadastro para o registro na medida em que alteram, significativamente, o direito de propriedade, restringindo-o de forma drástica em alguns casos.
A diferenciação entre os institutos é importante para que não haja confusão conceitual e funcional entre cadastro e registro, possibilitando-nos desenvolver a tese da utilização do Registro de Imóveis também para reforçar a publicidade ambiental.
Reserva Legal Florestal no Código Florestal de 1965 (Lei n. 4.771)
Antes da promulgação do Novo Código Florestal, o legislador expressamente conferia duas formas de publicidade para a reserva legal florestal: a legal, que é a presunção de que a reserva existe na porcentagem estabelecida; e a registral, que configura a sua exata localização e permite um reforço da publicidade e potencialidade exploratória da área rural. A área de RLF era averbada na matrícula do imóvel, no registro de imóveis respectivo, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código (§ 8º do art. 16 do Código Florestal, redação dada pela MedProv 2.166-67/2001).
A existência da RLF precedia à averbação e especialização no Registro de Imóveis. Uma vez aprovado o projeto no órgão ambiental estadual, o proprietário já fica vinculado na conservação, preservação ou regeneração do espaço florestal[6].
O Registro de Imóveis operava (e opera) como reforço de uma publicidade já criada ou definida em outros meios. Importante lembrar que muitas restrições administrativas, agora definidas como espaços territoriais especialmente protegidos, já possuem publicidade decorrente da própria lei que as constituiu. Porém, para segurança jurídica e cumprimento de obrigações decorrentes da limitação, seria aconselhável não se confiar somente na publicidade legal, mas também na publicidade imobiliária, para dar conhecimento e vincular definitivamente futuros adquirentes.
A vinculação entre cadastro ambiental e registro, operada no Brasil, recebeu inúmeros elogios em congressos internacionais e passou a ser modelo copiado na Espanha e Portugal, países que, embora não tenham uma previsão legal específica de publicidade registral, entendem ser imprescindível que a informação ambientalmente relevante em face do direito de propriedade, receba publicidade registral[7].
A publicidade da reserva legal florestal permanece na Lei n. 6.015/73
Questão interessante é a permanência, na Lei n. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), da direta possibilidade de averbação da reserva legal florestal (art. 167, II, 22). A Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012, não revogou expressamente o dispositivo da Lei de Registros Públicos nem promoveu qualquer alteração, diferentemente de outros diplomas legais, como as leis ns. 4.771/1965, 6.938/1981, 7.754/1989 e 11.428/2006.
O dispositivo legislativo é revogado – a teor do dispõe o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil –, quando é incompatível com a nova lei ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. Ora, o novo Código Florestal não tratou totalmente da matéria, principalmente de publicidade dos espaços territoriais especialmente protegidos, o que é disciplinado por competência constitucional através de legislação própria, no caso, a Lei n. 6.015/73. No que diz respeito à  incompatibilidade, também não verificamos sua incidência porque, como vimos, cadastro e registro possuem funções distintas e o que houve foi o rompimento obrigatório da publicidade até então operada e a criação de uma nova sistemática, qual seja, da publicidade registral facultativa da reserva legal florestal. A incompatibilidade deverá ser formal, de tal maneira que a execução da nova lei seja “impossível sem destruir a antiga”[8].
Com muita clareza, Maria Helena Diniz averba que as leis não se revogam por presunção. É preciso que exista uma antinomia gritante; “havendo dúvida, dever-se-á entender que as leis conflitantes são incompatíveis, uma vez que a revogação tácita não se presume”[9]. É o que pregava Carlos Maximiliano ao afirmar que a “incompatibilidade implícita entre duas expressões de direito não se presume; na dúvida, se considerará uma norma conciliável com a outra”.[10]
Aliás, mesmo se não existisse expressa previsão de averbação da reserva legal florestal no Registro de Imóveis, é assunto pacífico no direito registral brasileiro a não taxatividade dos atos de averbação previstos no art. 167, inciso II, da Lei n. 6.015/73, o que é considerado decorrência do efeito ou princípio da concentração[11].  Como já nos pronunciamos anteriormente, “os atos registráveis (lato sensu) não são taxativos, malgrado os direitos sejam numerus clausus, aplicando-se o efeito da concentração para interpretar o art. 246 da Lei 6.015/73, permitindo a averbação de qualquer ato que altere o registro, outorgando publicidade para casos não expressamente autorizados pela Lei 6.015/73; mas que, de qualquer forma, mesmo reflexamente, possam limitar o direito de propriedade ou ainda de grande relevância para o direito inscrito, justificando o ingresso por meio de averbação de institutos decorrentes do direito ambiental, estabelecendo-se uma fusão entre as publicidades ambiental e registral.[12] Nesse sentido, já se pronunciou a CG do Estado de São Paulo consagrando a não taxatividade do rol do art. 167, II, da Lei 6.015/73, quando analisou a averbação da reserva legal (Processo CG 53873 – decisão proferida em 30 de janeiro de 1980) e áreas contaminadas (Processo CG 167/2005)”[13].
Superada a possibilidade de averbação da reserva legal florestal nas matrículas dos imóveis rurais no Registro de Imóveis surge outra indagação, qual seja, a de saber se a publicidade registral é obrigatória ou facultativa.
É preciso considerar e não esquecer da regra constante do art. 169 da Lei de Registros Públicos que determina que “todos os atos enumerados no art. 167 são obrigatórios e efetuar-se-ão no Cartório da situação do imóvel”. Ora, se os atos de registro são obrigatórios, como interpretar a regra constante do § 4o do art. 18 do novo Código Florestal, que expressamente desobriga da averbação no Registro de Imóveis? Obviamente, desobrigar não é sinônimo de impedir, de sorte que, para nós, a averbação da reserva legal florestal prevalece no Brasil. Os atos de registro continuam obrigatórios e o novo Código Florestal, a teor do que dispõe o art. 18, desobriga o proprietário de averbar a reserva florestal no Registro de Imóveis e não a autoridade ambiental ou qualquer interessado. Referido dispositivo representa uma obrigação do proprietário ou possuidor e a desobrigação da averbação da reserva é justificada em razão da centralização em um cadastro ambiental.
Na sistemática do Código Florestal revogado existia previsão expressa de dupla diligência do proprietário, a primeira no órgão ambiental que certificava e delimitava a reserva florestal e, posteriormente, no Registro de Imóveis, o que não podemos deixar de reconhecer como rigorosa e excessivamente desgastante, principalmente quando a retificação do registro da área era necessária[14].
Quem deve promover a averbação da reserva legal florestal após o novo Código Florestal?
Entendemos que a averbação deva ser feita pela autoridade ambiental responsável pelo Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o regulamento deve esclarecer como a comunicação deve ocorrer (§ 1º do art. 29). O Ministério Público – a nosso ver – poderá continuar a exigir que exista a vinculação entre registro e cadastro. Aliás, o meio ambiente configura bem de uso comum de todos, de acordo com o art. 225 da CF. Os arts. 13, II, e 246, § 1º, da Lei 6.015/73 permitem que o requerimento para averbações seja subscrito por qualquer interessado. A única observação é a dificuldade para se obter, diretamente no CAR, a prova documental para  averbação.
Paulo Affonso Leme Machado perfilha da mesma opinião:
“Independentemente de ser ou não proprietário da propriedade rural, qualquer pessoa e, portanto, principalmente o Ministério Público e as associações poderão promover o registro e a averbação, incumbindo-lhes as despesas respectivas, e desde que ofereçam elementos fáticos e documentais”.[15]
 O novo Código Florestal traz um dispositivo que deixa tudo isso muito claro e justificado. De acordo com o artigo 2º, “as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação nativa, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem” (grifo nosso). Embora em razão de princípio constitucional todos aceitassem que o meio ambiente é bem de uso comum do povo (art. 225), não existia uma vinculação direta de que florestas e espaços territorialmente protegidos eram de interesse de todos, inclusive e principalmente da população urbana.
O Cadastro Ambiental Rural – CAR será objeto de necessário regulamento e deve tratar da comunicação entre cadastro e registro, que necessariamente será eletrônica, a teor do que dispõe o art. 29 do novo Código Florestal e especialmente o art. 37 da Lei n. 11.977, de 7 de julho de 2009, que criou o sistema de registro público eletrônico. Uma vez encerrado o cadastro, a autoridade ambiental responsável eletronicamente comunicaria o Registro de Imóveis que promoveria a averbação da reserva legal florestal na matrícula indicada. É preciso reconhecer também que a descrição da parcela necessariamente conterá um ponto de amarração, a teor do que dispõe o § 1o do art. 18, que reitera a necessidade de regulamentação através de ato do Chefe do Poder Executivo.
Ao contrário da sistemática do Código Florestal Anterior (Lei 4.771, de 1964), a comunicação entre cadastro ambiental e registro será realizada por ato do poder público através da autoridade ambiental estadual e, por conseguinte, não será objeto de cobrança de emolumentos, a teor do que dispõe a Lei n. 10.169, de 29 de dezembro 2000, que regulamentou o § 2º, do art. 236, da Constituição Federal. Nesse sentido, a decisão da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, de 17 de abril de 2007, analisou e entendeu gratuita a cobrança de emolumentos das áreas contaminadas feitas diretamente pela Cetesb (Parecer 117/2007-E – Protocolado CG 167/2005).
Por que a reserva legal florestal necessariamente deve ter a publicidade registral?
O Registro de Imóveis é o guardião do direito de propriedade e a publicidade registral da reserva legal florestal tem outra finalidade que não a cadastral. É mediante o registro que os poderes e deveres inerentes da propriedade podem ser exercidos em sua plenitude. Se, no perímetro do imóvel, existe qualquer parcela submetida a qualquer regime especial de proteção, no caso, a reserva legal florestal e área de preservação permanente, é necessário que ela integre o rol de informações registrais até para facilitar sua preservação já que, em tese, seria possível a instituição de direitos sobre o imóvel incompatíveis como servidões de passagem e mesmo parcelamentos do solo.
A Declaração do Rio de Janeiro – de 1992 – em uma das frases do Princípio 10, afirma que “no nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades”.
A averbação da reserva legal florestal, que é declaratória, nasce no cadastro ambiental. A publicidade mediante averbação no Registro de Imóveis ocorre para REFORÇAR o conhecimento da reserva e para que TODOS possam fiscalizar seu cumprimento, principalmente o Ministério Público. Publicidade é sinônimo de transparência; o sistema de clandestinidade que se projeta sobre a reserva legal florestal só interessa a quem não pretenda nem ao menos cumprir a reserva legal florestal ora mitigada no Código Florestal.
Em alguns artigos é possível encontrar ambiguidades jurídicas que expõem totalmente a confusão operada pelo legislador entre cadastro e registro e justificam a manutenção da publicidade registral.
O artigo 30 reconhece as averbações de reserva florestal constantes do Registro de Imóveis até o momento, permitindo a utilização de referidas informações diretamente no cadastro ambiental; não determina ao menos o cancelamento delas, que seguem produzindo seus regulares efeitos nos termos do art. 252 da Lei 6.015/73. Caso o legislador desejasse realmente romper com a comunicação entre cadastro e registro teria não somente revogado a possibilidade de averbação constante do art. 167, II, da Lei de Registros Públicos, mas também teria previsto o necessário cancelamento da averbação de reserva florestal, uma vez migrada a informação ao cadastro. O que ocorreu foi a manutenção dos dois sistemas.
Outro ponto interessante é o que ocorre com o excedente florestal previsto no § 2o, art. 15, ou seja, as áreas preservadas que ultrapassem o mínimo exigido no Código Florestal poderão ser transformadas em servidão ambiental ou cota de reserva ambiental, e ambos os institutos recebem publicidade ambiental. Para se utilizar a cota de reserva ambiental é imprescindível a averbação de sua emissão na matrícula do imóvel.
Finalmente, Leonardo Papp, comentando o novo Código Florestal, traz uma indagação que merece reflexão em face da nova sistemática criada com o reconhecimento do caráter real das obrigações ambientais, instituído pelo § 2º, do art. 2º. “Na legislação florestal revogada não existia qualquer dispositivo específico nesse sentido” (…) e é característica do direito civil brasileiro que as obrigações reais recebam publicidade no Registro de Imóveis[16]. Assim, a utilização do sistema de publicidade constante da Lei 6.015/73 cumpriria com a necessidade inerente às obrigações reais de consequente publicidade registral.
 Até a criação e regulamentação do Cadastro Ambiental Rural – CAR como fica a delimitação da reserva legal florestal?
Até a completa criação e regulamentação do CAR, a única solução possível para que não exista um vácuo operativo das reservas legais florestais dos imóveis rurais, no Brasil, é que o procedimento continue a ser realizado diretamente na autoridade ambiental estadual e, posteriormente, seja encaminhado ao Registro de Imóveis. Como afirmamos, a averbação continua possível e obrigatória pela Lei de Registros Públicos.
Principais modificações estruturais da Reserva Legal Florestal que possam refletir em interesse registral

1) Dispensabilidade de reserva florestal legal em áreas rurais menores que três módulos fiscais (art. 67 do Código Florestal)
O módulo fiscal está previsto no art. 50, § 2º, da Lei 4.504, de 30/11/64 (utilizado para a composição do Imposto Territorial Rural), e calculado na forma do art. 4 do Decreto nº 84.685, de 06 de maio de 1980. Pela tabela constante da Instrução Especial Incra nº 20, de 1980, o módulo fiscal pode variar de cinco (5) a cem (100) hectares, ou seja, dependendo também da região do país, assim, imóveis entre quinze (15) e trezentos (300) hectares estariam dispensados de possuir reserva legal florestal caso tenha ocorrido desmatamento até 22 de julho de 2008 (data fixada pela lei). Considerando que a grande maioria das propriedades rurais, principalmente no sudeste e sul do país, possuem menos de três módulos é possível ter uma ideia da perda ambiental ocorrida.
Felizmente, na elaboração do texto do novo Código Florestal foi considerado um alerta que fizemos, em reportagem do jornal Folha de S. Paulo[17], referente ao crescimento da demanda de pedidos de desmembramento de imóveis rurais com o objetivo de enquadrá-los na medida mínima (quatro módulos) para configurar a dispensabilidade de manutenção ou regeneração de reserva florestal. O § 1º do art. 12 prevê: “Em caso de fracionamento do imóvel rural, a qualquer título, inclusive para assentamentos pelo Programa de Reforma Agrária, será considerada, para fins do disposto do caput, a área do imóvel antes do fracionamento”.
2) Possibilidade de inclusão da área de preservação permanente na reserva legal florestal
Pelo novo Código Florestal é admitido o cômputo das áreas de preservação permanente no cálculo do percentual da reserva legal do imóvel (art. 15), desde que o benefício previsto não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo; a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural – CAR, observando ainda que o regime de proteção da APP não se altera, ou seja, o regime jurídico aplicado às áreas de preservação permanente não será o da reserva legal florestal (§ 1º do art. 15).
3) Reserva legal florestal urbana
O Código Florestal passado não disciplinava o destino da reserva legal florestal, se o imóvel rural passasse a integrar a área urbana ou a área de expansão urbana, o que era muito debatido pela doutrina e por autoridades ambientais. Felizmente, o novo diploma, no artigo 19, determina que a “inserção do imóvel rural em perímetro urbano definido mediante lei municipal não desobriga o proprietário ou posseiro da manutenção da área de Reserva Legal, que só será extinta concomitantemente ao registro do parcelamento do solo para fins urbanos aprovado segundo a legislação específica e consoante as diretrizes do plano diretor”.
O artigo 25 ainda prevê, como instrumento do poder público municipal para o estabelecimento de áreas verdes urbanas, a possibilidade de transformação das reservas legais em áreas verdes, o que necessariamente deverá constar do plano diretor,  ferramenta legal adequada para tratar da função social das cidades.
4) Reserva legal florestal voluntária
O § 2o, art. 15, dispõe sobre a reserva florestal voluntária, ou seja, o excedente florestal existente na propriedade rural. Assim, toda área conservada que ultrapasse o mínimo exigido pela lei poderá ser utilizada para constituição de servidão ambiental ou Cota de Reserva Ambiental.
Questão interessante é saber o destino das reservas legais florestais especializadas e averbadas no Registro de Imóveis antes da promulgação do novo Código Florestal e que estejam abaixo dos quatro módulos passíveis de exigibilidade. Tecnicamente é possível conjecturar que as reservas legais florestais podem ser desmatadas porque não existe mais a exigibilidade, o mesmo ocorrendo com as áreas de preservação permanente não computadas em reservas legais, o que atualmente é permitido (art. 15). No entanto, não há previsão expressa no Código Florestal vigente a respeito da afetação definitiva ou não de referidas áreas, conforme art. 225, § 1°, inciso III, da Constituição Federal.
Área verde urbana
A área verde urbana, prevista de forma genérica na Lei 6.766/79, agora é disciplinada expressa e detalhadamente. Segundo o art. 3º, inciso XX, consiste em “espaços, públicos ou privados, com predomínio de vegetação, preferencialmente nativa, natural ou recuperada, previstos no Plano Diretor, nas Leis de Zoneamento Urbano e Uso do Solo do Município, indisponíveis para construção de moradias, destinados aos propósitos de recreação, lazer, melhoria da qualidade ambiental urbana, proteção dos recursos hídricos, manutenção ou melhoria paisagística, proteção de bens e manifestações culturais”.
Certidão Negativa de Débitos
O Código Florestal revogado previa, expressamente, no art. 37, a exigibilidade da certidão negativa ambiental para os atos de transmissão no Registro de Imóveis. Em razão da precariedade do texto, que mencionava até “trânsito em julgado de atos administrativos”, o dispositivo era muito criticado e de impossível aplicação, também em razão do extenso rol de autoridades ambientais potenciais.
O novo Código Florestal silencia a respeito, mas reforça a natureza jurídica das obrigações ambientais como propter rem, o que justificaria a exigibilidade, uma vez que o terceiro adquirente responderia, necessariamente, pelas obrigações do antecessor. Aliás, em razão do mesmo argumento, de natureza de obrigação real, o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo entendeu dispensável a apresentação de certidões negativas de débitos condominiais previstos na Lei n. 4.591/64.
Perdeu-se também a oportunidade do novo disciplinamento prever a possibilidade de averbação de autos de infração ambiental nas matrículas dos imóveis atingidos, facilitando a fiscalização e cumprimento da obrigação ambiental, como defendemos anteriormente[18].
Regularização fundiária
Uma das principais e mais polêmicas modificações do novo Código Florestal ocorreu com a área de preservação permanente, que foi definida como “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas” (art. 3º, II). O art. 4º repetiu a fórmula do texto revogado e fixou, objetivamente, alguns critérios para a definição da APP, utilizando também o critério de faixas. No entanto, para esclarecer, estabeleceu que a faixa do curso d’água deve observar a borda da calha do leito regular (inciso I, art. 4º). Anteriormente, de acordo com a Resolução Conama 303/2002, o nível mais alto seria aquele alcançado na cheia sazonal.
Com relação às áreas úmidas ou brejos, de acordo com a Lei n. 12.651/2012, a APP incidirá sobre ela, direta e isoladamente, independentemente do curso d’água. O art. 6º estabelece ainda: “consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando declaradas de interesse social por ato do Chefe do Poder Executivo, as áreas cobertas com florestas ou outras formas de vegetação destinadas a uma ou mais das seguintes finalidades: (…) III – proteger várzeas; IX – proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional”. (Incluído pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
O regime jurídico de proteção das áreas de preservação permanente sofreu sensível modificação com o novo texto. A Lei 4.771/65 era rígida com relação à natureza sensível desses espaços protegidos, não permitindo a utilização deles ou mudança de destino, o que gerava muitas críticas para que a regularização das áreas atingidas fosse possível em casos de irreversibilidade da degradação. O critério utilizado pelo novo Código Florestal foi o de conceito de área rural consolidada, definida como “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, admitida, neste último caso, a adoção do regime de pousio”.
O conceito de áreas rurais consolidadas, somado ao de área urbanas consolidadas, previsto no inciso II, do art. 47, da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, permite agora a regularização de muitos empreendimentos imobiliários. A legislação simplificou muito a regularização fundiária, prevendo mesmo, expressamente, a presidência do procedimento administrativo de regularização ao registrador imobiliário.
Permite-se também agora, em regime de exceção, a utilização da APP para atividades rurais para a pequena propriedade rural (§§ 5º e 6º do art. 4º), ou seja, áreas rurais com até quatro módulos fiscais que atendam os demais requisitos do art. 3º da Lei n. 11.326/2006. Em algumas hipóteses, também está prevista a utilização ou permissão de intervenção nas áreas de preservação, desde que definidas como baixo impacto ambiental, conforme o art. 3º, X.
Para as áreas de preservação permanente em áreas urbanas, o novo Código Florestal trouxe regra interessante que respeita a competência municipal para tratar da ordenação territorial. respeitar deve ser respeitada, também, a legislação municipal específica e em especial o plano diretor (§§ 9º e 10 do art. 4º).
O art. 65 traz um dispositivo importantíssimo, que certamente ajudará a regularização de empreendimentos imobiliários em todo o Brasil, possibilitando a “regularização fundiária de interesse específico dos assentamentos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009”, constando inclusive a documentação que deve ser instruir o procedimento.
Por fim, o art. 3º do novo Código Florestal ainda considera de interesse social (inciso IX, d) a “regularização fundiária de assentamentos humanos ocupados predominantemente por população de baixa renda em áreas urbanas consolidadas, observadas as condições estabelecidas na Lei no 11.977, de 7 de julho de 2009);
Lagos ou reservatórios artificiais.
Um dos maiores problemas que impediam a regularização dos lagos ou reservatórios artificiais de água destinados à geração de energia ou abastecimento público era a intervenção nas áreas de preservação permanente. Nas margens desses locais costumam ser instaladas chácaras de recreio, instituídas geralmente sob o regime de condomínio civil originário e, por consequência, irregulares. O art. 62 da Lei n. 12.651/2012 estabelece que se houver contratos de concessão ou autorização assinados, anteriormente à Medida Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima “maximorum”. Referida alteração permitirá num primeiro momento a regularização de inúmeros empreendimentos, uma vez que reduz significativamente a incidência da faixa da área de preservação permanente.
Para se ter uma ideia da alteração legislativa, utilizamos como exemplo o que ocorre com a Usina Três Irmãos na região de Araçatuba-São Paulo. A cota máxima normal de operação é de 328,00m e a cota maxima maximorum é de 328,40m[19]. Portanto, a faixa de área de preservação permanente seria muito pequena.
É preciso ainda observar que o inciso III do art. 4º do Código Florestal traz regra muito genérica ao informar que “as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento, observado o disposto nos §§ 1o e 2o”, bem como observar o art. 4º, § 2o que determina que “no entorno dos reservatórios artificiais situados em áreas rurais com até 20 (vinte) hectares de superfície, a área de preservação permanente terá, no mínimo, 15 (quinze) metros”.
Finalmente o art. 5º obriga a desapropriação das áreas de preservação permanente, na implantação de reservatório d’água artificial destinado a geração de energia ou abastecimento público, conforme estabelecido no licenciamento ambiental, “observando-se a faixa mínima de 30 (trinta) metros e máxima de 100 (cem) metros em área rural, e a faixa mínima de 15 (quinze) metros e máxima de 30 (trinta) metros em área urbana. (Redação dada pela Medida Provisória nº 571, de 2012).
Parece-nos que, ao fixar uma data limite (24 de agosto de 2001), o legislador criou uma regra excepcional, permitindo uma sensível mudança das áreas de preservação permanente nos represamentos até então realizados. O art. 65 permite a regularização de empreendimentos com ocupação em APP, em áreas urbanas consolidadas que não estejam em área de risco.
Servidão ambiental
A servidão ambiental estava prevista na legislação brasileira, no Código Florestal revogado, conforme art. 44-A, que teve a sua redação apresentada pela Medida Provisória n. 2.166/01-67, de 24 de agosto de 2001, bem como pela Lei n. 11.284, de 2 de março de 2006 (art. 85), que havia introduzido o art. 9º-A na Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.
O novo Código Florestal revogou expressamente a Lei 4.771/65 e pacificou a questão se o dispositivo havia ou não sido revogado pela Lei n. 11.284, de 2 de março de 2006, o que era defendido por parte da doutrina[20].
A servidão ambiental agora recebe o caráter de direito real, diferentemente dos diplomas anteriores, em que o tratamento conferido era de espaço territorial protegido, nos mesmos moldes da reserva legal florestal. Entendemos haver características de direito real porque o inciso II, do § 4o, do art. 9º, prevê, expressamente, a averbação do contrato de alienação, cessão ou transferência da servidão ambiental, bem como a possibilidade de que ela seja temporária, com período mínimo de quinze anos, ou perpétua, induzindo a possibilidade de que seja transferida também por mortis causa.
 A própria lei agora diz que a servidão ambiental nasce com um contrato (art.-9º-C da Lei no 6.938/81) e o proprietário ou possuidor de imóvel, pessoa natural ou jurídica, pode, por instrumento público ou particular, ou por termo administrativo firmado perante órgão integrante do Sisnama, limitar o uso de toda a sua propriedade ou de parte dela para preservar, conservar ou recuperar os recursos ambientais existentes, instituindo servidão ambiental (9-A). O contrato deverá ter as regras de preservação e regime jurídico aplicado e terão que ser, no mínimo, as mesmas conferidas à reserva legal florestal.      No entanto, o contrato é atípico e não é regido tão-somente por regras de direito privado, mas deve o ser submetido à autoridade ambiental responsável pelo cadastro ambiental.
A servidão ambiental é instituída para o excedente florestal existente na propriedade imobiliária e deve, necessariamente, ser averbada na matrícula do imóvel (art. 9º-C da Lei no 6.938/81).
Cota de Reserva Ambiental – CRA.
 O Art. 44 instituiu “a Cota de Reserva Ambiental – CRA, título nominativo representativo de área com vegetação nativa, existente ou em processo de recuperação”. A ideia central “consiste na tentativa de viabilizar a aproveitamento (jurídico e econômico) de áreas de vegetação nativa que excedam as obrigações impostas pela legislação ambiental, criando-se uma espécie de mercado de CRA”[21]. Assim, estão representadas pelas CRAs tão-somente áreas de preservação que excedem a obrigação legal que toda propriedade imobiliária rural deve ter como áreas de preservação permanente e reservas legais florestais.
Configura um aperfeiçoamento da Cota de Reserva Florestal – CRF, emitida nos termos do art. 44-B da Lei no 4.771, de 15 de setembro de 1965, que não foi implementada, mas, juridicamente, agora é convertida em Cota de Reserva Ambiental – CAR (art. 44, § 3o).
Interessante do ponto de vista registrário é que “o vínculo de área à CRA será averbado na matrícula do respectivo imóvel no registro de imóveis competente” (Art. 45, § 3o), bem como na “utilização de CRA para compensação da Reserva Legal será averbada na matrícula do imóvel no qual se situa a área vinculada ao título e na do imóvel beneficiário da compensação”, provando a forte vinculação entre o título e o direito real nele representado. E configura necessariamente um direito real porque, além da publicidade registrária, o art. 49, § 2o, dispõe que a “transmissão inter vivos ou causa mortis do imóvel não elimina nem altera o vínculo de área contida no imóvel à CRA”.
Considerações finais
Eis as primeiras considerações sobre o novo Código Florestal, sob o enfoque registral, que tenho a ousadia e honra de apresentar para enriquecer o debate sobre questões tão importantes para os direitos civil, ambiental e registral. Resta advertir o leitor de que, longe de pacificar os pontos enfrentados, nossa ideia foi apenas destacá-los e demonstrar o ponto de vista de quem está vivenciando o debate dessa matéria há alguns anos.
 Por Marcelo Augusto Santana de Melo  - 09 de agosto 2012 - 11h25m



[1] Marcelo Augusto Santana de Melo é Registrador Imobiliário em Araçatuba-São Paulo,
Mestrando em Direito Civil pela PUCSP. Especialista em Direito Registral pela Universidade de Córdoba, Espanha e pela PUCMG. Diretor de Meio Ambiente do IRIB e da ARISP.
[2] NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. 3a. Edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 317.
[3] ApCív 402 646 5/7-00-São Carlos, de 29 jun. 2006.
[4] APELAÇÃO CÍVEL N° 0019751-81.2011.8.26.0100 – São Paulo, de 14 de junho de 2012.
[5] JACOMINO, Sérgio. Registro e cadastro – uma interconexão necessária. REGISTRO DE IMÓVEIS – SÃO PAULO/1998 – RECIFE/1999. Autor: SÉRGIO JACOMINO (ORGANIZADOR). Fabris Editor, 2000, p. 256.
[6] O autor português Carlos Ferreira de Almeida qualifica “os registros públicos como os meios mais perfeitos e evoluídos da publicidade, igualando-os mesmo ao conceito técnico-jurídico de publicidade”. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Publicidade e teoria dos registros. Coimbra: Almedina, 1966. p. 163).
[7] Nesse sentido, importante relatar o Expert córner report publicado em 1º de outubro de 2002, denominado El Registro de la Propriedad y Mercantil como instrumento al servicio de la sostenibilidad, realizado pelo Colégio de Registradores da Espanha para a Agência Europeia de Meio Ambiente”; a obra Meio ambiente e o Registro de Imóveis elaborada em conjunto com  registradores brasileiros e espanhóis. Coord. Sérgio Jacomino, Marcelo Augusto Santana de Melo e Francisco de Asis Palácios Criado. São Paulo. Ed. Saraiva: 2010. p. 29; III Foro Internacional sobre ordenação do território e desenvolvimento sustentável da agricultura, ocorrido em Lisboa, em 2009, na Pontifícia Universidade Católica; e mais recentemente, a Revista Registral Del Território do Colégio de Registradores de Catalunya, Barcelona, 07 de julho de 2011, na série Cadernos Ambientales de La propiedad, editada em fevereiro de 2012.
[8] DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 66.
[9] DINIZ, Maria Helena. Ob. Cit, p. 66.
[10][10] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 292.
[11] LAMANA PAIVA, João Pedro. Revista de direito imobiliário n. 49. Julho a dezembro, 2000, p. 46.
[12] É com base no princípio da concentração que a Egrégia CG do Rio Grande do Sul autorizou a averbação de florestas no Registro de Imóveis.
[13] MELO, MARCELO. Registro de Imóveis e Meio Ambiente. 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 39.
[14] PAPP, Leonardo. Comentários ao novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/12). Campinas: Millennium, 2012, p 168.
[15] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.cit., p. 723.
[16] PAPP, Leonardo. Comentários ao novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/12). Campinas: Millennium, 2012, p. 40.
[17] Fazendeiros do interior paulista já tentam burlar a lei florestal. Folha de S. Paulo. Jornalista responsável: Claudio Angelo. Cadernos de ciência. Folha de S. Paulo, edição de 4 de julho de 2010, disponível em http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/761644-fazendeiros-do-interior-paulista-ja-tentam-burlar-lei-florestal.shtml, acesso em 28 de junho de 2012.
[18] MELO, Marcelo Augusto Santana. Ob. Cit, Meio ambiente e o Registro de Imóveis elaborada em conjunto com  registradores brasileiros e espanhóis. Coord. Sérgio Jacomino, Marcelo Augusto Santana de Melo e Francisco de Asis Palácios Criado. São Paulo. Ed. Saraiva: 2010.
[19] http://www.cesp.com.br/portalCesp/portal.nsf/V03.02/Empresa_Usina3Irmaos_Dados?OpenDocument, acesso em 01 de agosto de 2012.
[20] Sônia Letícia de Méllo Cardoso. MELO, MARCELO. Registro de Imóveis e Meio Ambiente. 1. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 128.
[21] PAPP, Leonardo. Comentários ao novo Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/12). Campinas: Millennium, 2012, p. 210.
Publicado por: Imprensa ARISP