quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS AOS FILHOS SOB A ÓTICA DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ

O dever dos pais de pagar pensão alimentícia aos filhos não é novidade na legislação brasileira. Mas a aplicação do Direito é dinâmica e constantemente chegam os tribunais questões sobre a obrigação da prestação de alimentos. Em 2011, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrentou controvérsias ligadas ao tema – se avós devem pensão aos netos; se filho cursando pós-graduação tem direito à pensão; se a exoneração é automática com a maioridade; se alimentos in natura podem ser convertidos em pecúnia. 
O Código Civil de 2002 estabeleceu, em seu artigo 1.694, a possibilidade de os parentes pedirem “uns aos outros” os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender as necessidades de educação. A norma abriu a possibilidade de que pais, sem condições de proverem sua própria subsistência, peçam aos filhos o pagamento de alimentos. 
Não há um percentual fixo para os alimentos devidos pelos pais, mas a regra do CC/02 que tem sido aplicada pelos magistrados para determinar o valor estabelece que se respeite a proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. Em diversos julgamentos, o STJ tem admitido que a mudança de qualquer dessas situações (do alimentante ou do alimentado) é motivo para uma revaloração da pensão alimentícia. E, caso cesse a necessidade econômica do alimentado (quem recebe a pensão), o alimentante pode deixar de pagar a pensão por não ser mais devida. 
SÚMULAS 

            A primeira súmula editada pelo STJ, em 1990, já dizia respeito ao pagamento de pensão alimentícia. Foi nessa época que o Tribunal passou a julgar casos de investigação de paternidade definidos pelo exame de DNA. Gradativamente, a popularização do teste e a redução do custo do exame de DNA levaram filhos sem paternidade reconhecida a buscarem o seu direito à identidade. A Súmula 1 estabeleceu que “o foro do domicílio ou da residência do alimentando é o competente para a ação de investigação de paternidade, quando cumulada com a de alimentos”. 
            Anos mais tarde, em 2003, a Segunda Seção, órgão responsável por uniformizar a aplicação do Dirieto Privado, editou a Súmula 277: “Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação”. A dúvida sobre a possibilidade ou não de cobrança retroativa dos alimentos à data do nascimento da criança era resolvida. 
Em 2008, novamente a Seguna Seção lançou mão de uma súmula para firmar a jurisprudência da Corte. Neste caso, os ministros estabeleceram que “o cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos” (Súmula 358). 
PROVA DE NECESSIDADE 
O CC/02 reduziu para 18 anos a maioriadade civil. A partir daí, extingue-se o poder familiar, mas não necessariamente a obrigação dos pais em pagar a pensão alimentícia. A legislação não determina o termo final, cabendo à doutrina e à jurisprudência solucionar a questão. Em novembro de 2011, a Terceira Turma definiu que a necessidade de sustento da prole por meio da pensão alimentícia se encerra com a maioridade, exigindo a partir daí que o próprio alimentando comprove sua necessidade de continuar recebendo alimentos. 
No STJ, o recurso era do pai. Os ministros decidiram exonerá-lo do pagamento de pensão por concluírem que a filha não havia comprovado a necessidade de continuar recebendo pensão após ter completado 18 anos. Ela alegava que queria prestar concurso vestibular. 
A relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que há entendimento na Corte de que, “prosseguindo o filho nos estudos após a maioridade, é de se presumir a continuidade de sua necessidade em receber alimentos” e que essa situação “desonera o alimentando de produzir provas, ante a presunção da necessidade do estudante de curso universitário ou técnico”. No entanto, a ministra destacou que “a continuidade dos alimentos após a maioridade, ausente a continuidade dos estudos, somente subsistirá caso haja prova, por parte do filho, da necessidade de continuar a receber alimentos” (REsp 1.198.105). 
PÓS-GRADUAÇÃO 

            Em geral, os tribunais tem determinado o pagamento de aliementos para o filho estudante até os 24 anos completos. Mas a necessidade se limitaria à graduação. Em setembro de 2011, a Terceira Turma desonerou um pai da obrigação de prestar alimentos à sua filha maior de idade, que estava cursando mestrado. Os ministros da Turma entenderam que a missão de criar os filhos se prorroga mesmo após o término do poder familiar, porém finda com a conclusão, pelo alimentando, de curso de graduação. 
A filha havia ajuizado ação de alimentos contra o pai, sob a alegação de que, embora fosse maior e tivesse concluído o curso superior, encontrava-se cursando mestrado, fato que a impede de exercer atividade remunerada e arcar com suas despesas. 
No STJ, o recurso era do pai. Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco – que tem por objetivo apenas preservar as condições mínimas de sobrevivência do alimentado – para torná-la eterno dever de sustento (REsp 1.218.510). 

PARENTES 

            Não existem dúvidas sobre a possibilidade de pedido de alimentos complementares a parente na ordem de sua proximidade com o credor que não possua meios para satisfazer integralmente a obrigação. 
Também em 2011, o STJ consolidou a jurisprudência no sentido de que é possível ao neto pedir alimentos aos avós, porém, somente quando provada a incapacidade do pai. Em julgamento realizado em outubro, a Terceira Turma decidiu que os avós não poderiam ser chamados a pagar pensão alimentícia enquanto não esgotados todos os meios processuais disponíveis para forçar o pai, alimentante primário, a cumprir a obrigação. A incapacidade paterna e a capacidade financeira dos avós devem ser comprovadas de modo efetivo. 
No STJ, o recurso era dos netos. Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, os parentes mais remotos somente serão demandados na incapacidade daqueles mais próximos de prestarem os alimentos devidos. A obrigação dos avós é subsidiária e complementar, e não se pode ignorar o devedor primário por mero comodismo ou vontade daquele que busca os alimentos (REsp 1.211.314). 
Em março, a Quarta Turma já havia definido que, além de ser subsidiária, a obrigação dos avós deve ser diluída entre avós paternos e maternos. No STJ, o recurso era do casal de avós paternos de três netos, obrigados ao pagamento de pensão alimentícia complementar. Eles queriam o chamamento ao processo dos demais responsáveis para complementar o pagamento de 15 salário mínimos devidos pelo pai. 
Em seu voto, o relator, ministro Aldir Passarinho Junior, afirmou que, com o advento do novo Código Civil, demandada uma das pessoas obrigadas a prestar alimento, poderão as demais ser chamadas a integrar o feito(REsp 958.513). 
PAI E MÃE: OBRIGAÇÃO CONJUNTA 
            Também em março de 2011, a Quarta Turma atendeu recurso de um pai para que a mãe do seu filho também fosse chamada a responder a ação de alimentos (integrar pólo passivo da demanda). O filho, já maior de idade, pedia a prestação de alimentos. O relator, ministro João Otávio de Noronha, entendeu que, ainda que o filho possa ajuizar a ação apenas contra um dos coobrigados, a obrigação é conjunta: proposta a demanda apenas em desfavor de uma pessoa, as demais que forem legalmente obrigadas ao cumprimento da dívida alimentícia poderão ser chamadas para integrar a lide. 
            “A obrigação alimentar é de responsabilidade dos pais, e, no caso de a genitora dos autores da ação de alimentos também exercer atividade remunerada, é juridicamente razoável que seja chamada a compor o polo passivo do processo, a fim de ser avaliada sua condição econômico-financeira para assumir, em conjunto com o genitor, a responsabilidade pela manutenção dos filhos maiores e capazes”, afirmou. De acordo com Noronha, cada um dos supostos responsáveis assume condição autônoma em relação ao encargo alimentar (REsp 964.866). 
ALIMENTOS IN NATURA 

            Por vezes, os alimentos arbitrados judicialmente podem ser in natura, não apenas em pecúnia. É o caso da obrigação dos pais de arcar com plano de saúde, mensalidade escolar ou outras despesas domésticas. O tema foi debatido no STJ em setembro de 2011, quando a Terceira Turma desobrigou um homem de pagar despesas de IPTU, água, luz e telefone de imóvel habitado pelos seus filhos e pela ex-mulher, que vive com novo companheiro. 
            Seguindo o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, a Turma entendeu que a beneficiária principal desses pagamentos é a proprietária do imóvel, sendo o benefício dos filhos apenas reflexo. “Os benefícios reflexos que os filhos têm pelo pagamento dos referidos débitos da ex-cônjuge são absorvidos pela obrigação materna em relação à sua prole, que continua a existir, embora haja pagamento de alimentos pelo pai”, afirmou a ministra, destacando que a obrigação de criar os filhos é conjunta. 
            Andrighi afirmou que não se pode perenizar o pagamento de parte da pensão à ex-esposa nem impor ao alimentante a obrigação de contribuir com o sustento do novo companheiro dela. (REsp 1.087.164) 
            Noutro caso, julgado em outubro também pela Terceira Turma, foi definido que é possível a conversão de alimentos prestados in natura, na forma de plano de saúde, para o equivalente em pecúnia no âmbito de ação de revisão de alimentos. 
            No caso julgado, a filha afirmou que, além das dificuldades anteriormente impostas pelo alimentante à utilização do plano de saúde, foi recentemente desligado do referido plano. A relatora, ministra Nancy Andrighi, esclareceu que a variabilidade - característica dos alimentos -, além de possibilitar a majoração, redução, ou mesmo exoneração da obrigação, “também pode ser aplicada à fórmula para o cumprimento da obrigação que inclui a prestação de alimentos in natura, notadamente quando a alimentada aponta dificuldades para usufruir dessa fração dos alimentos” (REsp 1.284.177). 
EXONERAÇÃO 

            O dever de pagar pensão alimentícia decorre da lei e não pode ser descumprido enquanto o filho for menor. A maioridade, o casamento do alimentado ou o término dos seus estudos podem significar o fim da obrigação, desde que também o fim da dependência econômica seja reconhecido judicialmente. Mas, para tanto, é necessário ingressar com uma ação de exoneração de alimentos. 
            Em agosto de 2011, a Terceira Turma decidiu que a obrigação alimentar reconhecida em acordo homologado judicialmente só pode ser alterada ou extinta por meio de ação judicial própria para tal aspiração (seja a revisional, seja a de exoneração da obrigação alimentar, respectivamente). A questão foi enfrentada no julgamento de um habeas corpus que pretendia desconstituir o decreto de prisão civil de um pai que ficou dois anos sem pagar pensão alimentícia. 
            O relator, ministro Massami Uyeda, destacou que o entendimento do STJ é no sentido de que a superveniência da maioridade não constitui critério para a exoneração do alimentante, devendo ser aferida a necessidade da pensão nas instâncias ordinárias. “A alegação de que os alimentandos não mais necessitam dos alimentos devidos, sem o respectivo e imprescindível reconhecimento judicial na via própria [ação de exoneração de alimentos], revela-se insubsistente”, afirmou o relator (HC 208.988). 
REsp 1198105 - REsp 1218510 - REsp 1211314 - REsp 958513 
REsp 964866 - REsp 1087164 - REsp 1284177 - HC 208988

PLANOS DE SAÚDE TERÃO DE CUMPRIR 69 NOVAS COBERTURAS A PARTIR DESTE DOMINGO (1º/1/2012)

A partir deste domingo (1º1, os planos de saúde terão de garantir a cobertura de 69 novos procedimentos que foram determinados em resolução pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). 
O novo rol é a base mínima de procedimentos que as operadoras terão de oferecer a todos os usuários de plano. Entre as principais novidades está a cobertura de 41 tipos de cirurgias por videolaparoscopia - técnica mais moderna, menos invasiva, que permite uma recuperação mais rápida do paciente - , substituindo de vez as cirurgias tradicionais feitas por via aberta. 
A mais demandada foi a cirurgia de redução de estômago: a ANS recebeu um documento com 2 mil assinaturas pedindo a inclusão desse procedimento na lista das coberturas obrigatórias. Dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) apontam que em 2009 foram feitas 45 mil cirurgias - 25% delas por meio do vídeo. Em 2010, das 60 mil operações, 35% foram por vídeo. 
Outras técnicas. E não é apenas a cirurgia bariátrica que será beneficiada no novo rol de coberturas por vídeo. Cirurgias de intestino e do aparelho digestivo também foram incluídas. 
Além disso, a ANS aumentou a cobertura de exames como o PET-Scan, um dos mais modernos de diagnóstico por imagem. A partir deste sábado, os planos terão de cobrir o PET-Scan para câncer de intestino, além de linfoma e câncer de pulmão. 
A ANS também alterou o número de consultas com nutricionistas, tornando ilimitado, por exemplo, o número de consultas para diabéticos que usam insulina. O novo rol também contempla sessões de oxigenoterapia para tratar pé diabético. E incluiu o implante bicoclear para pessoas com deficiências auditivas. 

Outra novidade é a obrigatoriedade dos planos de pagar terapias imunológicas para pacientes com doenças reumatológicas. São terapias mais modernas, seguras, que causam menos efeitos colaterais e estancam o avanço da doença. Trata-se de um tratamento de alto custo que não é coberto pelo SUS. 
Segundo Karla Coelho, gerente de atenção à saúde da ANS, a inclusão dos novos procedimentos ocorreu depois de uma série de reuniões com especialistas das áreas, operadoras de planos, prestadores de serviço e órgãos de defesa do consumidor. 
A agência lançou uma consulta pública no site e recebeu cerca de 8 mil demandas e sugestões que foram analisadas pelo grupo técnico. "Cerca de 70% das sugestões vinham de usuários que solicitavam a inclusão de novos procedimentos", diz Karla. 
Impacto. Karla diz que antes de incluir novas coberturas obrigatórias, a ANS fez uma análise de disponibilidade de rede, como hospitais, clínicas e laboratórios, para avaliar se os planos teriam condições de arcar com os novos atendimentos e qual o impacto disso nas mensalidades. 
"A gente fez uma avaliação de todo o custo e vamos acompanhar o impacto da medida nas mensalidades. Na última revisão, publicada em 2010, o impacto foi perto de zero. A cirurgia por vídeo pode ser um pouco mais cara, mas ela reduz tempo de internação", diz. 
Para entidades de pacientes com câncer, um dos pontos negativos foi a não inclusão das quimioterapias orais, que possibilitam o tratamento contra o câncer em casa e com menos efeitos colaterais. Para as entidades, essa quimioterapia é mais eficaz e reduz a ocupação de leitos. 
Os transplantes também ficaram de fora da nova cobertura e devem ser analisados para a próxima atualização, que deve ser publicada dentro de dois anos. 
"Muitas demandas ainda ficaram de fora, mas automaticamente elas já estão na lista das novas propostas para a próxima atualização", diz Karla. 
Problemas. Para Joana Cruz, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), um dos riscos da nova cobertura é as operadoras alegarem não terem profissionais ou a tecnologia disponível em determinado município. Outro será fazer um reajuste abusivo. 
"A regra exige que a operadora providencie o atendimento e o transporte para a cidade mais próxima. Mas, num primeiro momento, eles podem negar e isso caracteriza descumprimento de obrigação. O cliente precisa denunciar",
ORIENTA. 

Em caso de negativa de cobertura, o beneficiário do plano de saúde deve entrar em contato com a ANS pelo telefone 0800-7019656 e registrar a queixa. Também pode procurar um núcleo da agência para fazer a reclamação pessoalmente. 
A FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que representa 15dentre os maiores grupos de operadoras de saúde, informou por meio de nota que, "uma vez aprovada a inclusão de novos procedimentos no rol da ANS, a legislação será rigorosamente cumprida". 
Para a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge), as novas obrigatoriedades poderão causar a falência das operadoras de pequeno porte. 

ESTADO DE S. PAULO - VIDA - 31.12.2011 - Fernanda Bassette

CERTIDÃO TRABALHISTA ENTRA EM VIGOR A PARTIR 04-01-2012

Entra oficialmente em vigor hoje a lei que exige a apresentação da Certidão Negativa de Débito Trabalhista (CNDT) pelas empresas que querem participar de licitações públicas. O Tribunal Superior do Trabalho (TST), entretanto, concedeu 30 dias para as companhias com dívidas trabalhistas regularizarem a situação sem que sejam imediatamente afetadas pela medida. Pelo Ato do TST nº 01, publicado ontem, os devedores terão um mês para quitar ou justificar a falta de pagamento antes de serem "negativadas". "É prudente a concessão de prazo razoável para que o devedor interessado, após inscrito no banco de dados, adote as providências necessárias para a correção de eventuais inconsistências ou a satisfação do crédito em execução", afirma o presidente do TST, ministro João Oreste Dalazen. 
A certidão será emitida a partir das informações contidas no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas (BNDT), que, até ontem, tinha cerca de um milhão de empresas inscritas. A lista de inadimplentes passa a ser divulgado hoje pelo tribunal. Foram cadastrados no banco mais de 1,5 milhão de processos que aguardam execução. O documento poderá ser impresso gratuitamente pelo site do TST. 
A inclusão de nomes de empresas na lista de devedores será automática. De acordo com as regras que foram aprovadas pelos ministros do TST, em agosto, basta que a dívida seja confirmada pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) para que conste o nome da empresa como devedora. 
Pela norma do TST, a empresa será negativada a partir do 31º dia se não honrar a dívida ou esclarecer o motivo do não pagamento. O tempo concedido é considerado importante porque muitos advogados já verificaram erros no banco durante a consulta pública aberta às empresas no fim do ano passado. "Há clientes que já quitaram o débito e continuam inscritos e outros que eram responsáveis solidários e ainda estão como inadimplentes mesmo tendo o devedor principal já feito o pagamento", afirma Otávio Silva, sócio da área trabalhista do Siqueira Castro Advogados. 
Silva afirma que entrou com despachos nos plantões judiciais de vários tribunais para conseguir a exclusão de grandes empresas da área de mineração e construção civil. "Juntos eles possuem mais de 300 processos em execução pelo país. Muitos deles consegui retirar do banco", diz. 

No Maranhão, advogados ainda não conseguiram confirmar se há processos incluídos indevidamente. De acordo com Pollyana Letícia Nunes Rocha, do Ulisses Sousa Advogados Associados, a listagem dos devedores no Estado começou apenas em dezembro por causa da greve dos servidores, que suspendeu o atendimento ao público. "Por isso, ainda não confirmamos dados concretos sobre a inclusão de processos já quitados, pois nos andamentos do site do TRT da 16º Região constam apenas inclusão, exclusão, alteração, não sendo específico qual das três foi realizada", diz. 

De acordo com advogados, é possível entrar com mandado de segurança na Justiça caso a empresa adimplente não consiga a exclusão. Segundo Eliane Ribeiro Gago, do escritório Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, esta seria a última alternativa. "O procedimento mais adequado e rápido seria a elaboração de uma petição endereçada ao juízo da execução juntando o comprovante de quitação do débito", diz. 
O sistema de identificação de devedores foi criado para resolver uma situação constrangedora na Justiça do Trabalho. Atualmente, de cada cem pessoas que ganham uma ação trabalhista, apenas 31 recebem. São cerca de 2,5 milhões de processos em fase de execução. Para Dalazen, isso significa que a taxa de congestionamento da execução trabalhista brasileira atinge "o preocupante patamar de 69%". 
Para resolver esse problema, o presidente do TST defendeu a aprovação da norma no Congresso com a criação do Banco de Devedores e de três certidões. A primeira é a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas. Ela indica as empresas que não têm dívidas com a Justiça do Trabalho. A segunda é a Certidão Positiva de Débitos. Essa última mostra quem são os devedores. Há ainda a Certidão Positiva com efeitos de negativa para a empresa que foi citada a executar a dívida, mas que ainda questiona algum aspecto do pagamento. 
O projeto enfrentou a oposição de entidades empresariais no Congresso, mas foi aprovado e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, em 7 de julho de 2011, quando se transformou na Lei nº 12.440. 
Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a lei aumenta a burocracia e os custos para as empresas. Na opinião do presidente do conselho de assistência sindical da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP),
Ivo Dall'Acqua, a medida pode ter um efeito inverso do esperado. Isso porque as empresas dependentes de licitações públicas poderiam ter problemas em resolver pendências trabalhistas por falta de dinheiro. "Elas deveriam continuar fornecendo e ter parte do valor faturado amortizado pelos débitos", diz. 
Para o desembargador Nelson Nazar, presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo (2ª região), o maior do país, a certidão será uma forma eficaz de pressionar as empresas a quitarem seus débitos. "O documento vai atuar na parte mais sensível das empresas que é a conquista de mercado", diz. 
A Certidão será um mecanismo importante que servirá à efetividade da prestação jurisdicional, afirma Renato Henry Sant'Anna, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da justiça do Trabalho (Anamatra), entidade que defendeu a aprovação da lei. "As obrigações trabalhistas devem ser prioritárias, assim como as questões tributárias e previdenciárias, já que o crédito trabalhista é privilegiado", enfatizou Sant'Anna. 


Bárbara Pombo e Juliano Basile - De São Paulo e Brasília

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

PALMADA OU CASSETETE?

Diálogo na educação não exclui a proibição. E proibição eficaz exige possibilidade de castigo. E castigo pode ser muitas coisas, inclusive palmada. Urge não seja exercício gratuito de ódio ou descarrego emocional, mas algo usado com senso de justiça e equilíbrio.
Vai à pauta do Congresso a Lei da Palmada. O Projeto de Lei nº 2654/03 pretende acréscimo em leis importantes. No ECA, a proibição "a qualquer forma de punição corporal" em "castigos moderados ou imoderados". Aos pais infratores, sanções administrativas. O artigo 1.634 do Código Civil, que dita a sadia (e desconhecida!) obrigação dos pais dbe "dirigir a educação dos filhos", deles podendo "exigir obediência, respeito e os serviços inerentes à sua condição", seria modificado, para que o façam "sem uso de força física, moderada ou imoderada".
Assina o desastre a hoje Ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. A que deu ouvidos à aleivosia promovida no Governo Jorge Mário, anunciando a suposta "doação" de crianças órfãs na tragédia de janeiro. A Ministra despencou-se ruidosamente de Brasília para, com sua "fiscalização", desfeitear a Dra Inês Joaquina, Juíza séria e operosa. Apenas constatou a mentira.
O Projeto foi incubado na USP, sob plêiade onde reluz o nome de Flávia Piovesan, e justifica origem em petição pública com 200 mil assinaturas. Soma-se aos ilustres nomes da Ministra e da jurista, a Xuxa, garota propaganda da novidade. Diz-se que a idéia acompanharia leis da Suécia, Áustria, Dinamarca, Noruega, Letônia, Alemanha, Chipre, Islândia, Itália, Canadá, Reino Unido, México e Nova Zelândia.
E daí? Quanto à questão legal, o projeto é desnecessário. A Constituição já proíbe submeter quem quer que seja à "tortura, tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" (Art. 5º). O ECA impede "qualquer forma" de "violência, crueldade e opressão" contra a criança ou adolescente (art. 5º). Basta a coragem de cumprir o que já está escrito! Mas somos um povo que gosta de escrever leis.
Quanto à Xuxa, lembro que ela surgiu na vaga neoliberal, que levou o ECA a ser irresponsavelmente "vendido" como carta só de direitos e não de cidadania. O mercado queria crianças pidonas, consumistas, sexualizadas. As teve. A apresentadora cumpriu papel de "paquitização" das meninas, véspera da sexualização precoce.
Flávia Piovesan, Xuxa e Maria do Rosário se unem justo na má hora em que se paga o preço daquela leviandade: falência familiar, descontrole disciplinar, crianças em abismos de drogadição, sexo precoce, falta de civilidade, violência, bulying e pânico no ambiente escolar.
Pedagogos, psicólogos, advogados e famílias hoje defendem limites aos jovens. Mas os progressistas ingênuos e irresponsáveis combatem a palavra "não", a proibição e os castigos. Ora, haja santa paciência! É como querer lavar roupa sem esfregar! Diálogo na educação não exclui a proibição. E proibição eficaz exige possibilidade de castigo. E castigo pode ser muitas coisas, inclusive palmada. Urge não seja exercício gratuito de ódio ou descarrego emocional, mas algo usado com senso de justiça e equilíbrio. Logo, que eduquemos os pais para o exercício da autoridade, e punamos os abusadores, mas não destruamos um instrumento pedagógico.
A ampla expressão que proíbe "qualquer forma de punição corporal" "moderada ou imoderada" estimulará a já grave inércia disciplinar das famílias, propagando sinais errados em plena batalha. A autoridade familiar deve avançar, mas a Lei indicará recuo. Para extirpar trecho de bosque doente (abuso parental), derrubará toda a floresta (disciplina familiar).
Se o moleque pula cerca de terreno, arrisca-se à mordida do cachorro. Cerca é limite, um "não" físico. A coerção estatal ao delinqüente é física. Policiais a exercem porque criminosos não se prendem com "por favores". Não é dado espancar e torturar, mas há que deter, algemar e obrigar. "Violência legítima", dizem os manuais de Direito.
Aos pais é dado fazer o filho conhecer tanto o diálogo, direitos, deveres, como também, se necessário, a coerção. Não espancamentos, surras, socos na cara, chutes, ferro quente, correntes de bicicleta, canos de PVC, tábuas de carne, água fervida nas mãos, e todo o rol de torturas cruéis, odiosos castigos a que são submetidas crianças por pais alcoólatras e abusadores. Falo da palmada, que evitará cassetete e algemas. Educação familiar não há sem atitude física. Conter criança surtada que se debate em pirraça perigosa, exige energia e alerta sobre o erro, como palmada em mão de criança que do colo da mãe estapeia a cara da avó.
A maioria de nós tomou ao menos uma palmada na vida. Aos pais coerentes que a exerceram com lucidez pedagógica, agradecemos. Proibi-la pode desestimular pais conseqüentes, sem impedir a tragédia dos pais odiosos cujos maus tratos dão em crânios afundados, braços destruídos, queimaduras graves. Para estes, cumpra-se a lei já existente.
Citam-se outros países. Pois digo, saindo a Lei da Palmada, se agravará a situação de filhos malcriados que se tornam alunos indisciplinados que passam a violentos, e enlouquecem escolas. Da Áustria, que instituiu antes lei similar, vem o alerta. O psiquiatra alemão Michael Winterhoff visitou o exasperado Sindicato dos Professores de Viena. Concluiu, a um jornal austríaco que crianças não respeitam professores, não tem noção nas conseqüências de seus atos, por isso brigam pelos corredores, sendo necessário regras de educação mais severas, a partir do lar. Interessante, né?
Da indisciplina e violência escolar para a o ato infracional é um pulo. Se abolida a necessária palmada parental, nos restará aguardar, então, a dura educação dos cassetetes policiais. Mais produtivo seria fazer uma Lei do Almoço Dominical, que ressuscitasse a finada cerimônia familiar tão educativa e saudável..

Autor:Denilson Cardoso de Araújo, serventuário de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

ARAÚJO, Denilson Cardoso de. Palmada ou cassetete. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3085, 12 dez. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20640/palmada-ou-cassetete>. Acesso em: 3 jan. 2012.

sábado, 31 de dezembro de 2011

OS DIREITOS DO NASCITURO

Quando o Código Civil de 2002 estabelece, logo no artigo primeiro, que toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil, ele mantém a norma contida no artigo segundo do Código Civil de 1916. Substitui, porém, os termos “homem” por “pessoa” e “obrigações” por “deveres”, antes adotados, o que faz acertadamente, especialmente quanto ao primeiro vocábulo, cujo sentido é extensivo às pessoas jurídicas e outras entidades.

Até aí nenhuma novidade. Emerge, entretanto, questão interessante, que transcende o campo do direito, ao afirmar, em seguida, o legislador, no artigo segundo, que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. E não é difícil perceber que a razão principal do interesse na questão em apreço reside na distinção estabelecida entre o ser incapaz, que ainda se encontra no ventre da mãe, chamado de nascituro, e o ser capaz que vem ao mundo exterior com vida, ou, em outras palavras, que sobrevive ao parto e é agraciado com a personalidade civil.

É certo que nascer vivo tem vários significados alinhados com o sentido dado pelo Código Civil. Entre eles, destacamos: vir ao mundo; vir à luz; começar a ter vida exterior. Para efeito de lavratura do respectivo assento no Registro Civil das Pessoas Naturais, a lei 6.015, de 1973, no parágrafo segundo do artigo 53, considera o nascimento com vida a partir do momento em que, realizado o parto, o ser gerado passa a respirar por conta própria.

Pondere-se, contudo, que princípio ou origem também é definição lógica de nascer, afinada, perfeitamente, com a tese, aceita em todos os campos do conhecimento, de que a vida começa da concepção e o feto já é um ser humano, ou, em outras palavras, uma pessoa, ainda que em fase de gestação. Aliás, a própria lei aceita como verdadeira, embora relutantemente, a apontada tese, quando admite, implicitamente, no citado artigo segundo, que a existência da pessoa precede a concessão da personalidade civil.

É aceitável, sem dúvida, a justificativa de que a distinção em apreço é estabelecida pelo direito civil com a finalidade precípua de definir direitos relacionados com bens materiais, exteriores ao mundo no qual está encerrado o nascituro. 

Assim acontece, por exemplo, quando o Código Civil prescreve, no artigo 542, que a doação feita a nascituro valerá, sendo aceita por seu representante legal, mas, sob condição suspensiva, de acordo com a doutrina, como informa Jones Figueiredo Alves, integrante da equipe que organizou a obra Novo Código Civil Comentado, publicada pela Editora Saraiva, em 2002, sob coordenação de Ricardo Fiúza, que foi o relator do projeto da lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Isso significa que a validade da liberalidade está condicionada ao nascimento com vida do donatário. Se nascer morto, caducará.

O mesmo ocorre quando o legislador cuida da vocação hereditária, dispondo, no artigo 1.798, que se legitimam a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Curiosamente, também aqui o legislador não faz nenhuma distinção entre pessoa nascida e pessoa já concebida, mas, drasticamente, anula o direito do nascituro se não adquirir a personalidade civil, ou seja, se não sobreviver ao parto e não estiver vivo no momento da abertura da sucessão, como consta do artigo 1.799, inciso I.

Seguindo a mesma linha e confirmando o enunciado, acrescenta o parágrafo terceiro do artigo 1.800 que, nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador. Claro está, no teor desse dispositivo legal, que o direito do nascituro foi preservado desde a morte do testador, mas somente lhe será deferida a sucessão e atribuídos, conseqüentemente, os frutos e rendimentos dela decorrentes, se nascer com vida.

A propósito, Zeno Veloso, Professor de Direito Civil na Universidade Federal do Pará e de Direito Civil e Direito Constitucional Aplicado na Universidade da Amazônia, ao comentar o artigo 1.798 (p. 1612), na mesma obra, o Novo Código Civil Comentado,  afirma que:

“O herdeiro, até por imperativo lógico, precisa existir quando morre o hereditando, tem de sobreviver ao falecido”.

E acrescenta tratar-se de princípio adotado na generalidade das legislações, citando, como exemplos, os códigos civis francês, italiano, português, suíço, chileno, argentino e mexicano.

Como se observa, os direitos do nascituro à doação e à herança, assim como a aquisição de sua personalidade civil, estão subordinados a uma condição de natureza suspensiva, o que nos leva a outras considerações.

Para a personalidade, atributo natural de cada pessoa, existem vários sentidos: caráter ou qualidade do que é pessoal; pessoalidade; o que determina a individualidade de uma pessoa moral; o elemento estável da conduta de uma pessoa; sua maneira habitual de ser; aquilo que a distingue de outra; traços típicos, originalidade. Mas, é a psicologia que nos apresenta conceito mais científico. Para ela, personalidade é a organização constituída por todas as características cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo.

Ao discorrer sobre os direitos subjetivos, de que o homem é titular, Sílvio Rodrigues, no capítulo III, primeiro volume de sua obra “Direito Civil” (parte geral), 34.ª edição, publicada pela Editora Saraiva, realça aqueles que são inerentes à pessoa humana e, portanto, a ela ligados de maneira perpétua e permanente. E acrescenta “não se podendo conceber um indivíduo que não tenha direito à vida, à liberdade física ou intelectual, ao seu nome, ao seu corpo, à sua imagem e àquilo que ele crê ser sua honra”. Tais são, no entender do autor, os chamados direitos da personalidade, que saem da órbita patrimonial e são intransmissíveis, imprescritíveis e irrenunciáveis.

É, compreensível, pois, haver o atual Código Civil dedicado o capítulo II, composto de 11 artigos sem precedentes no Código anterior, exclusivamente aos direitos da personalidade. Entre eles, citaremos o de número 11, confirmando a lição de Sílvio Rodrigues, segundo o qual: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

Considerando os argumentos insertos na exposição até aqui feita, podemos dizer que o nascituro possui personalidade? Há quem negue peremptoriamente com apoio no entendimento de que somos produto do meio, ou seja, do lugar onde vivemos, de nosso lar, de nossa educação, formação religiosa, convivência com familiares e amigos, papel exercido na sociedade, etc. Esquecem, porém, os que assim pensam, que o meio não é o único fator importante no condicionamento do indivíduo. Existe outro, fundamental na formação física e mental, que é a herança genética de cada um. É admissível, assim, que o nascituro já tenha personalidade, embora em gestação, como ele próprio. Incorre, aliás, em sério equívoco quem imaginar que a personalidade já se encontra formada no momento do nascimento da pessoa. Por muitos anos, ela ainda vai se desenvolver, seguindo as tendências determinadas pela combinação de genes legados por seus ancestrais e sob influência do meio.    

Personalidade civil é outra coisa. Não se confunde, portanto, com atributo natural inerente ao ser humano ou com caráter, qualidade pessoal.  Ela, a civil, é sem dúvida, um direito de toda pessoa, quando nasce com vida, mas não deixa de ser uma atribuição conferida por lei, porque assim determina a lógica da ordem jurídica. Podemos conceituá-la como aptidão ou capacidade para exercer direitos e contrair obrigações. Isso significa que, mal nascida, a pessoa natural já é considerada capaz de direitos e deveres, como consta do artigo primeiro do Código Civil, apesar de não ter a mínima noção deles e, muito menos, condição de administrá-los. Tentando atenuar a contradição observada, esclarece o legislador, no artigo terceiro, que são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 anos e os deficientes mentais que não puderem exprimir a sua vontade.

A análise, despida da lógica jurídica, desse ponto, nos leva à convicção de que a personalidade civil, da qual decorre a capacidade para gerir direitos e deveres, a rigor, também evolui, uma vez que a pessoa natural vai adquirir consciência deles gradativamente até completar a maioridade, quando, então, torna-se realmente capaz, libertando-se da representação ou assistência dos pais.

E agora? É justo negar ao nascituro direito à personalidade civil? Por quê?  Porque não tem nome? Qual a razão de lhe atribuirmos direitos objetivos a bens materiais, impondo, como condição, que nasça com vida, sob pena de os retirarmos? Há diferença significativa entre os direitos do feto e os concedidos a uma criança que nasceu, viveu algumas horas e veio a falecer? Como seria se não fosse retirado o direito à sucessão do ser no ventre da mãe, que sobreviveu ao autor da herança, mas não chegou a ver a luz do dia? 

Vejamos até onde nos leva essa especulação: imaginemos uma senhora, com três filhos, grávida de nove meses, que começa a sentir os primeiros sinais do parto. Seu marido, ansioso, nervoso, apressado, coloca-a no carro e sai em disparada. Chove muito e sua visão está prejudicada. Ao fazer uma curva, o carro derrapa e choca-se violentamente com um muro. Um motorista vê o acidente, pára e chama o resgate. O marido está morto e a mulher falece ao dar entrada no hospital. A hora de sua morte é registrada. Por um milagre, a criança ainda vive. Seu coração, enfraquecido, ainda bate. Os médicos fazem uma cesariana, mas, em virtude da demora, não conseguem retirá-la com vida.

A situação é triste. O casal morto deixou três filhos menores, que, provavelmente, irão viver com os avós maternos, ainda vivos. De acordo com o nosso direito, eles, os filhos vivos, herdarão todos os bens de seus pais, na proporção de um terço para cada um, negando-se acesso à herança do nascituro, porque veio morto ao mundo e não adquiriu personalidade civil.

Embora seja fruto da imaginação, o caso relatado foi aqui colocado apenas com a finalidade de ilustrar a matéria focalizada, não sendo, todavia, impossível a ocorrência de situações reais semelhantes.

Suponhamos, agora, apenas para exercitar a imaginação, que os fatos narrados aconteceram em um país no qual os nascituros são considerados capazes de herdar, como aqui, mas lá a lei não lhes impõe a condição suspensiva que condiciona a atribuição dos bens herdados ao nascimento com vida. Também lá, como aqui (ver art. 1.788 e 1.784 do atual Código Civil), a sucessão é aberta no exato momento do falecimento do autor da herança, a qual é, desde logo, transmitida aos herdeiros. Assim supondo, os bens do casal seriam atribuídos aos quatro filhos, três vivos e um morto, na proporção de um quarto para cada um, a este último porque sobreviveu ao óbito da mãe. Mas, o caso não se encerraria aí, em face da abertura de outra sucessão, ou seja, da criança nascida morta. Para quem iria a sua quarta parte nos bens do casal falecido? Seus três irmãos?  Não, porque seriam considerados colaterais. Para os seus avós, se ainda vivos? Sim, como herdeiros ascendentes.

Como se vê, as suposições feitas servem para demonstrar que ainda é grande a distância entre as normas que regem os valores naturais e as leis que disciplinam a atividade humana no campo dos bens materiais.


Trabalho elaborado por Ulysses da Silva é membro do Conselho Jurídico Permanente do IRIB.

 

FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO


            Formação do Processo: O art. 262 do CPC enuncia dois princípios fundamentais do processo civil, quais sejam, princípio da inércia ou demanda e princípio do impulso oficial. Afirma o preceito citado “O processo civil começa por iniciativa da parte, mas se desenvolve por impulso oficial”.

O princípio da inércia determina que o processo somente pode ser iniciado por provocação da parte, o que implica afirmar que não deve ser deflagrado de ofício pelo juiz. O princípio do impulso oficial, por sua vez, determina que o processo, uma vez ajuizado, será impulsionado por atos do juiz, de ofício ou a pedido da parte. Se, por exemplo, a parte não realizar o ato processual determinado no prazo assinalado, o processo não poderá ficar paralisado, devendo o juiz determinar o prosseguimento do mesmo.
           
O ato por meio do qual a parte dá início ao processo é a entrega da petição inicial ao Poder Judiciário, efetivando-se com o despacho da petição inicial ou pela simples distribuição da mesma, onde houver mais de uma vara.

            LEMBRE-SE: A relação jurídica processual apenas estará completa com a citação válida.

            ATENÇÃO: Apesar da regra do princípio da inércia, a lei prevê alguns processos que podem ser iniciados de ofício pelo juiz, como é o caso, por exemplo, do processo de inventário e do processo de arrecadação de bens que integram a herança jacente.

            Suspensão do Processo: Implica na afirmação de que o processo ficará paralisado temporariamente. O CPC, em seu art. 265, elenca, exemplificativamente, fatos que levam a essa suspensão temporária do processo.

Dessa forma, suspende-se o processo, por exemplo:
            1º) pela morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador, durante o prazo determinado pelo juiz para que seja sanado o defeito. Em caso de morte de alguma das partes deve ocorrer a sucessão pelo espólio ou herdeiros. Já em caso de falecimento de advogado, ou da perda da capacidade processual, não sendo o vício sanado no prazo determinado, se o defeito ocorrer no pólo ativo, o juiz decretará a nulidade do processo; se a deficiência estiver no pólo passivo, o réu será considerado revel;
            2º) pela convenção das partes, por prazo nunca excedente a seis meses;
            3º) quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento, até que seja proferida decisão nesses autos; e
            4º) quando a sentença de mérito não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo. O período de suspensão em casos como este nunca poderá exceder a um ano.

            ATENÇÃO: Durante a suspensão do processo fica proibida a prática de qualquer ato processual, salvo aqueles determinados pelo juiz para realização de atos urgentes, com o fim de evitar dano irreparável.

            Extinção do Processo: Estudamos que sempre que alguém pretenda ter um direito seu declarado, constituído, extinguido, modificado ou almeje a prática de atos satisfativos de preservação de seus bens e direitos, poderá socorrer-se ao Poder Judiciário.
           
Os processos de conhecimento somente terminam com a prolação de uma sentença. As sentenças podem ser “definitivas” ou “de mérito” e “meramente terminativas” sem julgamento de mérito.
           
No primeiro caso, ou seja, o das sentenças de mérito, o processo termina com a apreciação da pretensão formulada, seja confirmando aquilo que foi pedido, seja negando.
           
No segundo caso, o das sentenças que extinguem o processo sem julgamento de mérito, o Poder Judiciário, por várias razões, deixa de apreciar a pretensão do autor em face do réu. Aquele processo extinto sem que o mérito tenha sido apreciado não tem o poder de pacificar a questão posta em juízo, é um processo mal sucedido.


            Extinção do processo sem julgamento do mérito: De acordo com o art. 267 do Código de Processo Civil, o processo se extingue sem resolução de mérito:
            1º) quando o juiz indeferir a petição inicial. O juiz pode indeferir a petição inicial que estiver em desacordo com os requisitos previstos no art. 295 do CPC;
            2º) quando o processo ficar parado durante mais de um ano por negligência das partes. Antes que o juiz determine a extinção do processo por esse motivo, deverá mandar intimar pessoalmente o autor para dar feito ao andamento em 48h, sob pena de extinção;
            3º) quando, por não promover os atos e diligências que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30 dias. Da mesma forma que no item antecedente, o autor deve ser intimado pessoalmente, neste caso, para realização do ato que deveria ter realizado. No entanto, o processo não será extinto sem que tenha havido prévio requerimento do réu nesse sentido;
            4º) quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo;
            5º) quando o juiz acolher a alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada. A perempção é a perda do direito de ação por aquele que, por três vezes, deu causa à extinção do processo por abandono. Litispendência é a indicação de que já existe um processo idêntico pendente, envolvendo as mesmas partes, expondo a mesma causa de pedir e deduzindo o mesmo pedido. Coisa julgada é a indicação que uma ação idêntica já foi julgada e não pode ser mais modificada, ou seja, transitou em julgado;
            6º) quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual;
            7º) pela convenção de arbitragem. A lei prevê que a causa que for sujeita, por convenção das partes, à decisão de árbitro, exclui o conhecimento da mesma pelo Estado-juiz;
            8º) quando o autor desistir da ação. A desistência da ação tem cunho processual, não atinge o direito material do autor. Dessa forma, a extinção do processo com base na desistência não impede que o autor ajuíze nova ação. Se a desistência for requerida após a resposta do réu, somente será extinto o processo com o consentimento do réu;
            9º) quando a ação for considerada intransmissível por disposição legal. São intransmissíveis as ações personalíssimas, como, por exemplo, ação de divórcio, separação judicial e anulação de casamento. Falecido um dos cônjuges não pode haver a substituição no pólo correspondente pelos herdeiros;
            10º) quando ocorrer confusão entre autor e réu. A confusão é o fenômeno por meio do qual a mesma pessoa passa a ocupar ambos os pólos da demanda. Por exemplo, se pai e filho demandam em uma ação de cobrança, na qual o pai cobra dívida do filho, ocorrerá confusão se, falecendo o pai, o filho for o seu único herdeiro; e
            11º) nos demais casos previstos no Código de Processo Civil. É o caso, por exemplo, do parágrafo único do art. 47, o qual determina a extinção do processo caso o autor não promova a citação de todos os litisconsortes.

            ATENÇÃO: O processo extinto sem julgamento do mérito não faz coisa julgada material, ou seja, o autor não fica impedido de repropor a causa nos termos corretos. Fazem, no entanto, coisa julgada material, a extinção com base na perempção, litispendência e coisa julgada.

            Extinção do processo com julgamento do mérito: De acordo com o art. 269 do CPC, haverá resolução de mérito:
            1º) quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor. A doutrina informa que esta é a única forma de extinção do processo que efetivamente aprecia e julga o mérito da causa. Quando o juiz acolher a pretensão do autor, profere sentença de procedência; se não acolher, proferirá sentença de improcedência. As demais hipóteses que passaremos a estudar são de sentenças de mérito impróprias, pois efetivamente não possibilitam o julgamento do mérito da causa;
            2º) quando o réu reconhecer a procedência do pedido. O réu passa a confirmar o direito material do autor, restando ao juiz considerar a procedência do pedido;
            3º) quando as partes transigirem. Neste caso o juiz não irá proferir julgamento, sua sentença apenas homologará o negócio jurídico civil acordado pelas partes. O juiz deve verificar, no entanto, se o acordo foi celebrado conforme os ditames legais e se versa sobre direito disponível;
            4º) quando o juiz pronunciar a decadência ou prescrição. Ambas as situações podem ser reconhecidas de ofício pelo juiz. A decadência e a prescrição são fenômenos que atingem o exercício do direito de ação sobre determinado direito material. De acordo com Carlos Alberto Gonçalves o prazo será prescricional quando previsto na Parte Geral do Código Civil, nos arts. 205 e 206. Já os prazos decadenciais são aqueles estabelecidos como complemento de cada artigo que rege a matéria, tanto na Parte Geral, como na especial; e
            5º) quando o autor renunciar ao direito sobre o que se funda a ação. Esta hipótese é diversa da desistência, pois a desistência tem cunho processual. A renúncia é ato unilateral do autor que atinge o direito material objeto da ação. Somente poderá haver renúncia sobre direito disponível.

TERMO INICIAL DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR NA AÇÃO DE ALIMENTOS E INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE

            Uma verdade que se tem por absoluta é que os alimentos são devidos desde a data da citação, até porque isso é o que está escrito na Lei de Alimentos (LA, 5.578-68, art. 13, § 2º): Em qualquer caso os alimentos fixados retroagem à data da citação. Como há a determinação de incidência dessa lei às ações de separação, de anulação de casamento e às revisionais, em todas as demandas em que há a fixação de verba alimentar, o encargo tem como termo inicial o ato citatório.
            Parece que este é um ponto que ninguém questiona: alimentos são devidos desde o momento em que o réu foi citado para a ação. Seja em demanda autônoma, seja o encargo alimentar estabelecido em ação outra, a eficácia da sentença tem efeito retroativo.

Na ação de alimentos
            Para assegurar a tutela diferenciada que determinados direitos merecem, leis especiais prevêem ritos abreviados. Assim, os alimentos, que dizem com a subsistência, com a sobrevivência, necessitam de adimplemento imediato. Por isso, mediante a prova do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar (LA, art. 2º), o juiz estipula, desde logo, alimentos provisórios. Aliás, mesmo se não requeridos, os alimentos devem ser fixados, a não ser que o credor expressamente declare que deles não necessita (LA, art. 4º).
            Os alimentos são devidos a partir do momento em que o juiz os fixa. Equivocado o entendimento que, invocando o § 2º do art. 13 da Lei de Alimentos, sustenta que os alimentos provisórios se tornam exigíveis somente a partir da citação do devedor. Não há como sujeitar o pagamento ao ato citatório. Desempenhando o devedor atividade assalariada, ao fixar os alimentos, o juiz oficia ao empregador para que ele, desde logo, dê início ao desconto da pensão na folha de pagamento do alimentante. Os descontos passam a acontecer mesmo antes da citação do réu. Porém, não dispondo o alimentante de vínculo laboral, não há como lhe conceder prazo distinto para iniciar o pagamento dos alimentos, qual seja, só após ser citado. Descabido tratamento diferenciado. Além de deixar o credor desassistido, estar-se-ia incentivando o devedor a esquivar-se da citação, a esconder-se do Oficial de Justiça.
            Deferidos alimentos provisórios são devidos até o momento em que eventualmente venham a ser modificados: no curso da demanda, pela sentença ou quando do julgamento do recurso. Alterado seu valor, passa a vigorar o novo montante, quer tenha sido majorado, quer tenha sido reduzido. A eficácia retroativa dos alimentos definitivos vai depender se houve aumento ou diminuição de valores. Este tratamento diferenciado decorre do princípio da irrepetibilidade do encargo alimentar. Assim, fixados os alimentos provisórios, devem eles ser pagos. Havendo redução, o novo valor terá eficácia ex nunc, ou seja, só valerá com relação às parcelas futuras. As prestações vencidas, ainda que impagas, continuam devidas pelo valor estipulado a título provisório, pois não há como emprestar efeito retroativo à decisão, sob pena de incentivar-se a inadimplência. Somente quando são estabelecidos alimentos definitivos em valor maior que a verba provisória é que cabe falar em retroatividade. O devedor terá que proceder ao pagamento da diferença desde a data da citação. Há que atentar a um detalhe: como os alimentos provisórios vigem desde a data da fixação, e os definitivos retroagem à data da citação, havendo majoração do valor dos alimentos, a diferença alcança somente as parcelas vencidas depois da data da citação. As prestações vencidas entre a data da fixação liminar e a citação permanecem pelo valor provisório.
            Esta sempre foi a posição pacífica da jurisprudência com o respaldo da doutrina amplamente majoritária. Porém, nada justifica limitar a obrigação alimentar ao ato citatório. Os encargos do poder familiar surgem quando da concepção do filho, eis que a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro (CC, art. 4º). Ora, com o nascimento, mesmo antes de o pai proceder ao registro do filho, está por demais consciente de todos os deveres inerentes ao dever familiar, entre os quais o de assegurar-lhe o sustento e a educação. Enquanto os pais mantêm vida em comum, o genitor tem o filho sob sua guarda, e os deveres decorrentes do poder familiar constituem obrigação de fazer. Cessada a convivência dos genitores, não se modificam os direitos e deveres com relação à prole (CC, arts. 1.579 e 1.632). Restando a guarda do filho com somente um dos pais, a obrigação decorrente do poder familiar resolve-se em obrigação de dar, consubstanciada no pagamento de pensão alimentícia.
            Assim, o genitor que deixa de conviver com o filho deve alcançar-lhe alimentos de imediato: ou mediante pagamento direto e espontâneo, ou por meio da ação de oferta de alimentos. Como a verba se destina a garantir a subsistência, precisam ser satisfeitas antecipadamente. Assim, no dia em que o genitor sai de casa, deve pagar alimentos em favor do filho. O que não pode é, comodamente, ficar aguardando a propositura da ação alimentar e, enquanto isso, quedar-se omisso e só adimplir a obrigação após citado.
            Cabe lembrar que, na ação de alimentos, há inversão dos encargos probatórios. Ao autor cabe comprovar o vínculo de parentesco ou a obrigação alimentar do réu, bem como indicar as circunstâncias em que ocorreu a mora, ou seja, a data em que houve a cessação do convívio e o não-pagamento dos alimentos. Não há como lhe impor que comprove os ganhos do demandado, pois são informações sigilosas que integram o direito à privacidade. É do réu o ônus de provar seus ganhos para que o juiz possa fixar os alimentos atendendo ao critério da proporcionalidade. Também a ele compete demonstrar que continuou assegurando a subsistência do filho a partir do momento que deixou o filho de estar sob sua guarda.
            Em se tratando de obrigação decorrente do poder familiar, é inequívoca a ciência do réu do direito reclamado pelo autor. Portanto, não há por que constituir o devedor em mora pelo ato citatório para lhe impor o adimplemento da obrigação alimentar (CPC, art. 219). A mora constituiu-se quando deixa o pai de prover o sustento do filho. Assim, na ação mister que reste provado o parentesco, os ganhos do genitor bem como o momento em que ele deixou de adimplir a obrigação de prover o sustento do filho. Por ocasião da sentença, o juiz fixará os alimentos indicando o termo inicial de sua vigência: aquém da data da citação e aquém da data da propositura da ação. O dies a quo será o momento em que houve a cessação do adimplemento do dever de sustento que decorre do poder familiar. Este é o marco inicial da obrigação alimentar.

Na ação investigatória de paternidade
            Nas ações de alimentos, separação, anulatória de casamento, entre outras, existe a prova pré-constituída do vínculo obrigacional alimentar. Daí a possibilidade de uso de lei especial (Lei 5.478-68), que dispõe de rito diferenciado e admite a concessão de tutela antecipada por meio da fixação de alimentos provisórios.
            Na ação de investigação de paternidade, inexiste o vínculo constituído da relação de parentesco. Aliás, este é o próprio objeto da ação. Ainda assim, por salutar construção jurisprudencial, passou-se admitir a concessão de alimentos provisórios nessa demanda. Havendo indícios da parentalidade, são fixados alimentos initio litis. Também cabe deferir alimentos provisórios, de modo incidental, com o resultado positivo do exame de DNA ou quando se recusa o réu a submeter-se à perícia.
            Sendo os alimentos fixados por ocasião da sentença, o eventual recurso, no que diz com o encargo alimentar, dispõe do só efeito devolutivo. Em qualquer dessas hipóteses cabe promover a execução dos alimentos, ainda antes do trânsito em julgado da ação investigatória.
            Depois de algumas vacilações, a jurisprudência, ao atentar à natureza declaratória da demanda investigatória de paternidade, deu mais um significativo passo, e o Superior Tribunal de Justiça veio a editar a Súmula 227: Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.
            Acabou por invocar-se o art. 13, § 2º da Lei de Alimentos. A solução foi providencial. Uma bela forma de dar um basta à postura procrastinatória do réu, que fazia uso de expedientes protelatórios e um sem-número de recursos manifestamente improcedentes para retardar o desfecho da ação. Como a condenação ao pagamento dos alimentos ocorria somente na sentença, livrava-se o réu durante anos, ou décadas, do encargo alimentar.
            Mas pai é pai desde a concepção do filho. A partir daí, nascem os ônus, encargos e deveres decorrentes do poder familiar. O simples fato de o genitor não assumir a responsabilidade parental não o desonera. No entanto, é isso o que se vê acontecer todos os dias. Ao saber que a namorada ou companheira está grávida, o homem tenta induzi-la ao aborto, nega ser o pai, a abandona. Ameaça denegrir sua imagem argüindo a malsinada exceptio plurium concubentium e que levará vários amigos como testemunhas para afirmarem que tiveram contato sexual com ela. A mulher, fragilizada, muitas vezes abandonada pela família, acaba criando o filho sozinha. Tem enorme dificuldade de procurar um advogado, de amealhar provas de um relacionamento íntimo que lhe causou tanto sofrimento e que, muitas vezes, por imposição do varão, se manteve na clandestinidade.
            Mas o filho tem direito à identidade, à proteção integral, merece viver com dignidade, precisa de alimentos, quer ter alguém para chamar de pai. Quando, depois de vários anos, consegue obter o reconhecimento da paternidade, os alimentos injustificadamente são fixados a partir da citação do réu, como se o filho tivesse nascido naquele dia. Essa orientação consolidada da jurisprudência esquece o que se chama de responsabilidade parental. Nenhum pai mais irá acompanhar a mãe, registrar o filho e pagar alimentos sabendo que, se ficar inerte e lograr safar-se da citação, poderá ficar anos sem arcar com nada.
            O filho necessita de cuidados especiais mesmo durante a vida intra-uterina. A mãe tem que se submeter a exames pré-natais, e o parto sempre gera despesas, ainda que feito pelo SUS. Durante a gravidez, a mãe precisa de roupas apropriadas e adequada alimentação, sem olvidar que tem sua capacidade laboral reduzida durante a gestação e depois do nascimento do filho. Também seus ganhos são limitados no período da licença-maternidade.
            É necessário dar efetividade ao princípio da paternidade responsável que a Constituição (art. 227) procurou realçar quando elegeu, como prioridade absoluta, a proteção integral a crianças e adolescentes, delegando não só à família, mas à sociedade e ao próprio Estado, o compromisso pela formação do cidadão de amanhã. Esse compromisso é também do Poder Judiciário, que não pode simplesmente desonerar o genitor de todos os encargos decorrentes do poder familiar e, na ação investigatória de paternidade, responsabilizá-lo exclusivamente a partir da citação.
            Mas há outro princípio constitucional que necessita ser invocado: o que impõe tratamento isonômico aos filhos, vedando discriminações (CF, art. 227, § 6º). O pai responsável acompanha o filho desde sua concepção, participa do parto, registra o filho, embala-o no colo. Com relação ao filho que não recebeu estes cuidados, deve a Justiça procurar suavizar essas desigualdades e não as acentuar ainda mais limitando a obrigação alimentar do genitor, relapso.
            Claro que a alegação do demandado sempre será de que desconhecia a gravidez, não soube do nascimento do filho e sequer tomara conhecimento da sua existência, só vindo a saber de tais fatos quando da citação. Nessas ações, como a prova é de fato que acontece a descoberto de testemunha, não há divisão tarifada dos encargos probatórios segundo os ditames processuais (CPC, art. 333). Aliás, a atribuição dos ônus probatórios até perdeu relevo, em face do alto grau de certeza dos exames de DNA e da presunção que decorre da negativa em submeter-se à perícia (CC, arts. 230 e 231). Súmula do STJ [01] atribui presunção juris tantum à omissão do investigado. Com referência à prova da ciência da paternidade, cabe ao autor demonstrar as circunstâncias em que réu tomou conhecimento de sua concepção, do seu nascimento ou da sua existência. Não logrando o demandado comprovar que desconhecia ser o pai do autor antes da citação, deverá ser-lhe imposto o pagamento dos alimentos desde o momento em que tomou ciência da paternidade.
            Outro fundamento a ser utilizado pelo réu para livrar-se dos alimentos com efeito retroativo é o de que não tinha certeza da paternidade, não podendo assumir o encargo sem saber se o filho era seu. No entanto, desde o advento do exame do DNA, que dispõe de índice de certeza quase absoluto, não há mais como alegar dúvida sobre a verdade biológica. Nem o custo do teste e nem a negativa da genitora em deixar o filho submeter-se ao exame servem de justificativa para não ser buscada a verdade. Basta ingressar com ação declaratória ou negatória de paternidade. Também pode ajuizar cautelar de produção antecipada de prova. Em todas as hipóteses, a quem não tiver condições de pagar, o acesso ao exame genético é gratuito.
            Nada justifica livrar o genitor das obrigações decorrentes do poder familiar, que surgem desde a concepção do filho. Como a ação investigatória de paternidade tem carga eficacial declaratória, todos os efeitos retroagem à data da concepção, até mesmo a obrigação alimentar. A filiação, que existia antes, embora sem caráter legal, passa a ser assente perante a lei. O reconhecimento, portanto, não cria: revela-a. Daí resulta que os seus efeitos, quaisquer que sejam, remontam ao dia do nascimento, e, se for preciso, da concepção do reconhecido. [02]
            Esta é a orientação que já vem se insinuando na doutrina [03] e desponta na jurisprudência. [04]
            É muito bonito falar-se em dignidade humana, em paternidade responsável, em proteção integral a crianças e adolescentes. Mas é preciso dar efetividade a todos esses princípios. Certamente a responsabilidade é da Justiça. Para isso, não é necessário aguardar o legislador. Basta o Poder Judiciário continuar desempenhando o seu papel com coragem e responsabilidade, para garantir a cidadania a todos, principalmente aos cidadãos de amanhã.

Notas
            01 Súmula 301: Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.
            02 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, 3ª. ed., Tomo IX, Borsoi: 1971, p. 99.
            03 FERNANDES, Thycho Barhe. Do Termo Inicial dos Alimentos na Ação de Investigação de Paternidade, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 694, p. 268-70, 1993; COLTRO, Antônio Carlos Mathias. O Termo Inicial dos Alimentos e a Ação de Investigação de Paternidade, Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 50-60, 2000; BORGHEZAN, Miguel. O Termo Inicial dos Alimentos e A Concreta Defesa da Vida na Ação de Investigação de Paternidade, Repertório IOB de Jurisprudência, São Paulo, 3/18048, 2001.
            04 INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. RECUSA EM SUBMETER AO EXAME DE DNA. ALIMENTOS. FIXAÇÃO E TERMO INICIAL À DATA DA CONCEPÇÃO. A recusa em se submeter ao exame de paternidade gera presunção da paternidade. O fato de inexistir pedido expresso de alimentos não impede o magistrado de fixá-los, não sendo extra petita a sentença.
            O termo inicial da obrigação alimentar deve ser o da data da concepção quando o genitor tinha ciência da gravidez e recusou-se a reconhecer o filho. REJEITADA A PRELIMINAR. APELO DESPROVIDO, POR MAIORIA. (TJRGS – AC 70012915062 – 7ª C.Cív. – Rel. Desa. Maria Berenice Dias – j. 9/11/2005).

Trabalho desenvolvido por MARIA BERENICE DIAS, desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul