sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

A QUESTÃO SOBRE ALIMENTOS NO DIREITO DE FAMÍLIA


Paralelo entre obrigação alimentar e o dever de sustento
Sumário: Introdução; 1.Alimentos: um novo olhar sobre o seu conceito; 2. Natureza e Finalidade; 3. Das pessoas obrigadas a prestar alimentos; 4. Da satisfação e extinção da obrigação; Conclusão; Referências.
RESUMO
O presente artigo se propõe a analisar os elementos presente no paralelo entre a obrigação alimentar e o dever do sustento no novo direito de família. Pretende ainda conceituar e demonstrar a finalidade e natureza jurídica do direito de alimentos, e ainda, esgotar as dúvidas sobre a hierarquia da obrigação de prestação alimentícia, sua satisfação e extinção.
PALAVRAS-CHAVE
Direito alimentar. Obrigação alimentar. Dever de sustento.
INTRODUÇÃO
Atualmente o direito de família é fundado nos anseios e interesses dos diversos integrantes da entidade familiar, considerados tanto de forma global quanto individualmente, passando a priorizar os interesses das crianças, dos adolescentes e das relações afetivas. Isso significa que nas relações jurídicas deve ser considerado o laço afetivo e não apenas o estrito laço genético, biológico ou "registral".
No primeiro Código Civil, fundado nas lições do Código Francês e nas relações familiares patriarcais, a entidade familiar era baseada na família centrada econômica, social e afetivamente na figura do pai ou de outro homem da casa e priorizava o interesse deste em detrimento dos demais integrantes da entidade. O presente estudo pretende esboçar a nova visão da prestação alimentícia no novo direito de família.
1.ALIMENTOS: UM NOVO OLHAR SOBRE O SEU CONCEITO
Vários autores formularam seus conceitos sobre o que vem a ser "alimentos" e todos eles (todos os pesquisados), sinalizaram quase que sempre, para a mesma definição, de certo modo que uns complementaram os outros.
Para Sílvio Rodrigues:
alimentos, em Direito, denomina-se a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender às necessidades da vida. A palavra tem conotação muito mais ampla do que na linguagem vulgar, em que significa o necessário para o sustento. Aqui se trata não só do sustento, como também do vestuário, habitação, assistência médica em caso de doença, enfim de todo o necessário para atender às necessidades da vida; e, em se tratando de criança, abrange o que for preciso para sua instrução. [01]
Textos relacionados
Já o doutrinador Yussef Said Cahali [02], leciona que, alimentos, em seu significado vulgar, é "tudo aquilo que é necessário à conservação do ser humano com vida", e em seu significado amplo, "é a contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção".
Segundo os ensinamentos de Orlando Gomes:
alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si", em razão de idade avançada, enfermidade ou incapacidade, podendo abranger não só o necessário à vida, como "a alimentação, a cura, o vestuário e a habitação", mas também "outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais, variando conforme a posição social da pessoa necessitada. [03]
Contudo, tal convergência de conceitos não impede a tentativa de se formular uma conceituação própria. Qual seja: alimentos são prestações que objetivam atender às necessidades vitais e sociais básicas (como por exemplo, saúde e educação, gêneros alimentícios, vestuário, habitação), sejam elas presentes ou futuras, independente de sexo ou idade, daqueles que não podem provê-las.
É nesse ambiente que o presente trabalho vêm a lume tratar da obrigação alimentar, sua natureza jurídica, e suas características fundamentais. Quando se fala em alimentos fala-se no direito de exigi-los e na obrigação de prestá-los, marcando desse modo, o caráter assistencial do instituto.
2.NATUREZA E FINALIDADE
O ser humano se sente realizado quando dispõe de meios materiais, sejam quais forem. A obrigação alimentar é uma característica desta família moderna. Na organização social vigente, a pessoa obtém seus bens materiais por meio do seu trabalho, da sua renda. Contudo, nem sempre dispõe de recursos, seja para prover o sustento de sua família, seja para o seu próprio. É nesse momento que tal atribuição é imputada ao Estado, ou seja, lhe é atribuída a "idéia" de socorro aos necessitados, contudo, este impõe por meio da Lei a quem deve ser o real responsável pelos alimentos, nesse caso aos parentes, pois como prenuncia Maria Helena Diniz: o laço que os une é além de Moral, Jurídico [04].
Ainda segundo a referida autora, a finalidade do direito de alimentos seria:
fornecer a um parente aquilo que é necessário a sua manutenção, assegurando-lhe meios de subsistência, se ele, em razão de idade avançada, enfermidade ou incapacidade, estiver impossibilitado de produzir recursos materiais com o próprio sustento. [05]
Ou seja, tem a finalidade de atender a necessidade de uma pessoa que não consegue auto sustentar-se, prover seu próprio sustento. É um direito voltado para o ser humano, com conteúdo patrimonial e de finalidade pessoal.
É nesse sentido que o autor Arnoldo Wald preceitua a finalidade do direito de alimentos:
A finalidade de prover alimentos é, portanto, assegurar o direito á vida, subsistindo a assistência da família à solidariedade social que une os membros da coletividade, uma vez que os indivíduos que não tenham a quem recorrer diretamente serão, em tese, sustentados pelo Estado. Nesse sentido, o primeiro círculo dessa solidariedade é o de família, e somente na sua falta dever-se-á recorrer ao Estado. [06]
3.DAS PESSOAS OBRIGADAS A PRESTAR ALIMENTOS
Interessa nesse momento relembrar o que significa o termo "parentes". Estes, que são ligadas entre si em razão da consangüinidade ou adoção. O parentesco consangüíneo é formado pelos vários indivíduos originados de um mesmo tronco comum, ao passo que o parentesco civil é criado em decorrência da lei, criação artificial, fruto de manifestação espontânea das pessoas, caracterizado pela adoção. A afinidade não se enquadra no conceito de parentes, esta se constitui em um vínculo entre o casal (marido ou mulher) e os parentes do outro, isto é, entre sogro e genro, sogra e nora, por exemplo.
Diz-se que há parentesco em linha reta quando os membros forem descendentes uns dos outros – filhos dos pais, netos dos avós, por exemplo. E, em linha colateral, quando existir em comum o mesmo ascendente – dois irmãos filhos da mesma mãe. O grau de parentesco deve ser entendido como o "numero de gerações que separam os parentes.
Seguindo os ensinamentos de Arnoldo Wald [07], e entendendo da mesma forma, "os alimentos devidos entre parentes (fundamentados no dever legal de sustento), cônjuges e companheiros (calcados no dever de mútua assistência), são definidos, caracterizados e regulamentados legalmente nos artigos 1694 a 1710 do Código Civil".
Nesse sentido, pode-se extrair da Lei que os parentes podem exigir alimentos uns dos outros, todavia, é sabido que nem todos são obrigados a prestá-los. No entanto, a Lei restringe tal obrigação aos parentes em linha reta (ascendentes e descendentes) e aos colaterais até o 2º grau (irmãos germanos ou unilaterais), não havendo previsão de alimentos entre os afins. Importante fixar que, sobre o fundamento da obrigação alimentar, ele repousa no princípio da solidariedade que une os membros do mesmo grupo familiar.
Nesse sentido, sábia é a lição de Orlando Gomes [08]:
"Conquanto a lei disponha que os ascendentes devem alimentos uns em falta dos outros, é possível que o alimentando só consiga dos parentes em grau mais próximo parte dos que necessita. Nesta hipótese, podem ser chamados a concorrer para a prestação alimentícia parentes de grau posterior. Dá-se, então, o concurso entre parentes que pertencem a categorias diversas. É possível, assim, que a dívida seja paga, em conjunto, por um avô e um bisavô".
Diante do esboço dos autores acima, fica fácil a concepção daqueles que devem ser chamados para prestar alimentos. Em síntese seria em ordem: pai e mãe, demais ascendentes, descendentes, colaterais de 2º grau e por fim cônjuge ou companheiro.
Há um desconhecimento da lei e da possibilidade que dela surge, de buscar a prestação alimentícia dentre todos os parentes, e não, somente perante o pai, como emerge o pensamento do senso comum.
4.DA SATISFAÇÃO E EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO
Nos casos de satisfação da obrigação de prestar alimentar, assim preceitua Maria Helena Diniz [09]:
O artigo 1.701 do Código Civil permite que o alimentante satisfaça sua obrigação por dois modos: dando uma pensão pecuniária ao alimentando, efetuando depósitos periódicos em conta bancária ou judicial, ou dando-lhe em sua própria casa (mesmo alugada), hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário à sua educação, quando menor, nem interná-lo em asilos, nem sustentá-lo em casa alheia.
Como se refere o texto acima, pode alimentante escolher entre uma das formas elencadas no presente artigo do código, e nesse entendimento segue também o doutrinador Orlando Gomes, contudo, o juiz, na forma do artigo 1.701, parágrafo único, poderá fixar a maneira da prestação devida, sendo assim, esse direito de escolha não é absoluto.
Quanto a extinção desta obrigação, ela cessa pela morte do alimentando (neste caso devido a natureza pessoal), sempre lembrando que essa obrigação será transmitida até o momento da herança; essa obrigação ainda se extingue quando figura o "desaparecimento de um dos pressupostos do artigo 1.695 do Código Civil" (capacidade econômico-financeira do alimentante ou necessidade do alimentário); e por fim, pelo casamento, união estável ou procedimento indigno por parte do credor (casos do artigo 1.708 do Código Civil).
Nesse sentido, pesa o posicionamento do doutrinador Arnoldo Wald [10]:
o que se depreende, portanto, é que a obrigação alimentar, depois do advento da nova Lei Civil, também exige, assim como se dá em relação à adoção, a salvaguarda de um sólido vínculo de natureza moral entre alimentando e alimentante.
CONCLUSÃO
O tema alimentos, pela sua amplitude e importância, tem provocado inúmeros debates ao longo do tempo, mas sem dúvida, os maiores questionamentos eram no sentido de não se saber onde começa esse direito, quem tinha obrigação de prestá-lo e quando se extinguia. O presente trabalho foi fundamental no sentido de clarear as idéias do senso comum, cessando as antigas dúvidas e mostrando como o legislador pátrio foi feliz em suas atribuições legais, delegando poderes aos "parentes", e na ausência destes, como se dá a prestação oferecida pelo Estado em socorro aos necessitados.
Dessa forma, entende-se que a obrigação alimentar se difere do dever de sustento. Este resulta de imposição legal, é ato unilateral e o seu cumprimento deve ser efetuado incondicionalmente. É o caso do dever de sustento do pai em relação aos seus filhos menores, por exemplo. Decorre do pátrio-poder, havendo posição doutrinária no sentido de que o referido dever é sempre exigível, não importando a situação econômica do devedor. Já a obrigação alimentar é fundada no "princípio da solidariedade" que une os componentes do mesmo grupo familiar, onde o dever de ajuda é recíproco. Contudo, deve estar pautada, como se referiu o doutrinador Silvio Rodrigues, no binômio necessidade/possibilidade [11].
Ficou esclarecido que os parentes estão ligados pelo vínculo da solidariedade, e que o dever de socorrer os seus membros necessitados deve ser assumido por todos os entes do núcleo. A natureza jurídica do direito à prestação, como foi melhor caracteriza como sendo um direito de conteúdo patrimonial e finalidade pessoal, e a satisfação se mostra no dever de dar pensão ao alimentando (dar-lhe em casa hospedagem e sustento) e se extingue com a morte do alimentando, desaparecimento dos casos do artigo 1.695 do Código Civil e nos casos do artigo 1.708 do CC. [12]

REFERÊNCIAS
RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: Direito de Família. Vol.6. 28 Ed. São Paulo: Saraiva.
CAHALI, Yussef Said. Questão dos Alimentos. Revista dos Tribunais. 4ª Ed. São Paulo.
GOMES, Orlando. Direito de Família, 11ª ed.,Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.
GOMES, Orlando. Questões sobre Alimentos. São Paulo. Revista dos Tribunais.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 5, 22ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007.
WALD, Arnoldo.O Novo Direito de Família. 16 Ed.

Notas
Silvio Rodrigues. Direito Civil: Direito de Família. Vol.6. 28 Ed. P.374
Yussef Said Cahali. Questão dos Alimentos. Revista dos Tribunais. 4ª Ed. São Paulo. P. 533
Orlando Gomes. Questões sobre Alimentos. São Paulo. Revista dos Tribunais. P.455
Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol.5. 22Ed. P.538
Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol.5. 22Ed. P.572
Arnoldo Wald. O Novo Direito de Família. 16 Ed. P. 43 e 44.
Arnoldo Wald. O Novo Direito de Família. 16 Ed. P.46.
Orlando Gomes. Direito de Família, 11ª ed., Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999
Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol.5. 22Ed. P.564
Arnoldo Wald. O Novo Direito de Família. 16 Ed. P.74.
Silvio Rodrigues. Direito Civil: Direito de Família. Vol.6. 28 Ed.
Maria Helena Diniz. Curso de Direito Civil Brasileiro. Vol.5. 22Ed. P.573

Elaborado em 12/2010.

DIREITO DE FAMÍLIA - ALIMENTOS – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO AVÔ

Incapacidade financeira dos pais para suprir as necessidades dos menores. Obrigação subsidiária do avô, que tem condições de auxílio. Obrigação alimentar reconhecida. 1 - O avô possui legitimidade para a ação de alimentos cuja causa de pedir está assentada na insuficiência dos alimentos prestados pelos pais. 2 - De acordo com os arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil, o avô pode ser convocado a suplementar os alimentos devidos aos netos quando o encargo não é integralmente satisfeito pelos parentes diretamente obrigados. 3 - O fato de o pai dos menores pagar alimentos não inibe nem exclui a responsabilidade subsidiária do avô, desde que vislumbrada a presença dos requisitos emoldurados nos arts. 1.694, § 2º, 1.696 e 1.698 da Lei Civil. 4 - Comprovado o exaurimento da capacidade financeira dos pais e a persistência da necessidade alimentar dos menores, ao avô que ostenta condições econômicas pode ser imposta obrigação complementar. 5 - Recurso conhecido e desprovido (TJDF - 6ª T. Cível; AI nº 2007.00.2.005397-9-DF; Rel. Des. James Eduardo Oliveira; j. 11/7/2007; v.u.).

  ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores da Sexta Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, James Eduardo Oliveira - Relator, Otávio Augusto e José Divino de Oliveira - Vogais, sob a presidência do Desembargador Otávio Augusto, em negar provimento. Decisão unânime de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília, 11 de julho de 2007
James Eduardo Oliveira
Relator
  RELATÓRIO
Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto por ... contra a decisão que fixou pensão alimentícia equivalente a dois salários mínimos em benefício dos netos (agravados) que o acionaram em Ação de Alimentos.
Sustenta o agravante que, na condição de avô, é parte ilegítima para responder à Ação de Alimentos porque seu filho, pai dos agravados, vem pagando os alimentos acordados judicialmente.
Sustenta, também, que mantém três outras famílias e que assim não dispõe de recursos para arcar com os alimentos provisórios fixados, ao contrário do que, ardilosamente, afirmado pelos agravados.
Requereu a concessão de eficácia suspensiva ao Recurso e seu provimento ao final.
A decisão de fls. 51/54 indeferiu o efeito suspensivo pleiteado.
Informações às fls. 57-58. Sem contra-razões (fls. 62).
Parecer do Ministério Público pelo conhecimento e improvimento do Recurso (fls. 64/67).
  VOTOS
O Sr. Desembargador James Eduardo Oliveira - Relator: presentes os requisitos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do Recurso.
O agravante, na condição de avô dos agravados, possui legitimidade para a Ação de Alimentos cuja causa de pedir está assentada na insuficiência dos alimentos prestados pelo pai.
De acordo com os arts. 1.696 e 1.698 do Código Civil, o avô pode ser convocado a suplementar os alimentos devidos aos netos quando o encargo não é integralmente satisfeito pelo parente diretamente obrigado. Consoante explana ..., "os avós são, assim, chamados a complementar a pensão, que o pai, sozinho, não pode oferecer aos filhos (CC, art. 1.698). A doutrina é tranqüila no sentido da admissibilidade do pedido de complementação" (Direito Civil Brasileiro, v. VI, Saraiva, 2005, p. 483). Em decisão que ilustra o consenso jurisprudencial sobre a matéria, deliberou o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios que "os arts. 1696 a 1698 do novo Código Civil dispõem claramente sobre a obrigação sucessiva de prestação alimentar do avô, na impossibilidade de ser cumprida pelo pai" (AI nº 2003.00.2.004894-8, Rel. Des. Cruz Macedo, DJU de 29/10/2003, p. 57).
O fato de o pai dos menores pagar alimentos não inibe nem exclui a responsabilidade supletiva do avô, como na espécie, desde que vislumbrada a presença dos requisitos emoldurados nos referidos preceitos legais e no art. 1.694, § 2º, da Lei Civil. A propósito, assentou o Superior Tribunal de Justiça que "a responsabilidade dos avós de prestar alimentos aos netos não é apenas sucessiva, mas também complementar, quando demonstrada a insuficiência de recursos do genitor" (REsp nº 579.385-SP, 3ª T., Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU de 4/10/2004, p. 291).
Tem o agravante, portanto, legitimidade para a causa.
No que diz respeito à capacidade contributiva do agravante (avô) e às necessidades dos agravados (netos), deve-se observar, em primeiro plano, que os alimentos pagos pelo pai foram reduzidos, em ação revisional, para um salário mínimo, circunstância indicativa, dentro do cenário probatório ainda inconclusivo, de que o complemento alimentar não se revela, sob o ângulo da necessidade, desprovido de substrato fático e jurídico.
Quanto à capacidade de contribuição, o agravante nem ao menos informou seus ganhos mensais, assim como não trouxe aos Autos nenhum elemento de convencimento acerca da alegada precariedade financeira que poderia desvestir de legitimidade a suplementação alimentícia.
A deficiência instrutória é absoluta e obsta por completo qualquer ponderação sobre a juridicidade ou razoabilidade da decisão impugnada. Como muito bem salientado pelo eminente representante do Ministério Público, "é possível que todas as alegações do agravante sejam, de fato, verdadeiras. Contudo, por não terem restado comprovadas nos presentes autos, não podem ser acolhidas".
(fls. 66).
Isto posto, conheço e nego provimento ao Recurso.
O Sr. Desembargador Otávio Augusto - Presidente e Vogal: com o Relator.
O Sr. Desembargador José Divino de Oliveira - Vogal: com o Relator.
  decisão
Negou-se provimento. Decisão Unânime.

EX-MARIDOS PODEM REQUERER PARTE DO ALUGUEL DE IMÓVEL COMUM

É perfeitamente possível a ex-marido requerer aluguel, proporcional à parte recebida em partilha de bens, de imóvel que está sendo usado exclusivamente pela ex-esposa. A conclusão é da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que conheceu do recurso especial de N.A., do Rio Grande do Sul, reconhecendo seu direito, a partir da citação da ex-esposa na ação de arbitramento de aluguel.

N.A. entrou na Justiça, pretendendo receber da ex-esposa sua parte referente ao aluguel do imóvel comum. Segundo alegou, desde o seu afastamento do lar, a ex permaneceu na posse exclusiva do imóvel, tendo que arcar sozinho com as despesas de moradia pra ele.

Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente procedente. A ex-esposa foi, então, condenada a pagar ao ex-esposo aluguel proporcional à parte que coube a ele na partilha de bens na separação litigiosa. A partir de 14/11/1997, data da homologação da partilha, até 21/2/2000, o valor deveria ser de 50% do valor do aluguel, preço de mercado. Dessa data em diante, o quinhão passaria a ser de 20,61% do valor do aluguel, devendo ser apurados em liquidação de sentença, por arbitramento.

A ex-esposa apelou, sustentando que tal débito não existia, já que nada havia sido combinado nesse sentido durante a partilha. Afirmou, ainda, que mesmo se existisse, deveria ser contado, no máximo, a partir da citação. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria, deu provimento à apelação. "Ainda que tenha ocorrido a partilha de bens, havendo as partes convencionado que a mulher permaneceria residindo no imóvel na companhia da prole, descabida a imposição do pagamento de aluguel pelo uso do imóvel", considerou o TJRS.

Embargos infringentes foram opostos, mas não acolhidos. "Ainda que a definição e homologação da partilha sobre o apartamento tenha posto fim a mancomunhão do bem, estabelecendo a partir daí o condomínio sobre ele, já que atribuído meio a meio a cada uma das partes, descabe a cobrança de aluguel daquele que ocupa o imóvel, se inexiste relação obrigacional decorrente de um contrato de locação", ratificou o tribunal estadual.

No recurso para o STJ, o ex-marido alegou que a decisão ofendeu os artigos 627 e 960 do Código Civil. "O mero inadimplemento da obrigação de restituir o bem (quer seria vendido e o produto da alienação partilhado), por si, já constitui a recorrida em mora", argumentou. A defesa explicou que foi convencionado um empréstimo gratuito para a ex-esposa por determinado período, após o que restou configurada a mora da comodatária, tendo em vista que permaneceu utilizando o bem com exclusividade..

Após examinar o pedido, o ministro Jorge Scartezzini, relator do processo no STJ, reconheceu a possibilidade da cobrança de sua parte no aluguel. "Ocorrendo a separação do casal e permanecendo o imóvel comum na posse exclusiva de um dos consortes, é admissível o arbitramento de aluguéis em favor daquele que foi afastado do lar conjugal", afirmou. "Por tais fundamentos, conheço do recurso e lhe dou provimento para reconhecer o direito do recorrente à percepção de aluguel de sua ex-consorte, vez que na posse exclusiva do imóvel comum, a partir da data da citação, na proporção do seu quinhão estabelecido na sentença", concluiu Jorge Scartezzini.


Fonte: Superior Tribunal de Justiça

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

CONTRATO "DE GAVETA"

RESCISÃO CONTRATUAL - Compromisso de compra e venda de imóvel. Contrato "de gaveta". Cadeia de cessionários/cedentes. Última cessionária que descumpriu a obrigação de pagar as parcelas do financiamento. Prejuízo aos cedentes originários, que sofreram restrições ao seu crédito. Sentença. Ilegitimidade da ré, que não celebrou contrato com os autores. Extinção. Art. 267, VI, do CPC. Descabimento. Legitimidade. A sub-rogação da última cessionária nos direitos e obrigações relativos à cessão dos direitos de aquisição de bem imóvel autoriza a propositura de ação rescisória contra si pelos cedentes originários. Rescisão cabível. Descumprimento contratual. Perdas e danos, consistente na devolução dos valores pagos pelos autores. Dano moral indevido. Percalços que não são indenizáveis. Recurso provido em parte (TJSP - 4ª Câm. de Direito Privado; ACi nº 170.524-4/2-00-Araçatuba-SP; Rel. Des. Teixeira Leite; j. 29/3/2007; v.u.).


  ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes Autos de Apelação Cível nº 170.524-4/ 2-00, da Comarca de Araçatuba, em que figuram como apelantes A.R.S. e P.G.R.S. e apelada L.A.C.,
Acordam, em Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar provimento em parte ao Recurso.
O D. Magistrado de Primeira Instância, na r. sentença de fls. 162/165, e cujo Relatório se adota, extinguiu a Ação Rescisória cumulada com perdas e danos ajuizada pelos apelantes contra a apelada sem exame do mérito, ao argumento de que a apelada, cessionária dos direitos de aquisição de imóvel residencial, é parte ilegítima para o pedido de rescisão de contrato formulado pelos cedentes, uma vez que ela não faz parte da relação contratual.
Os apelantes (fls. 167/170) alegam que a apelada, na qualidade de cessionária do compromisso de compra e venda de bem imóvel, sub-rogou-se em todos os direitos e obrigações, sendo parte legítima para a pretensão rescisória e indenizatória, já que descumpriu as obrigações assumidas por meio da cessão, acarretando inúmeros transtornos aos apelantes, que eram constantemente instados pela mutuante a saldar o débito existente, tendo, inclusive, o apelante A. sido inscrito no rol de devedores do SCPC. Pedem, pois, a reforma da sentença, julgando-se procedente a Ação.
Resposta da apelada às fls. 173/177.
É o relatório.
  VOTO
Os apelantes, em 20/9/1982, por meio de contrato com financiamento bancário, a ser pago em 240 prestações (fls. 14/20), adquiriram bem imóvel. Em 15/12/1982, por meio de instrumento particular sem anuência da instituição financeira mutuante, cederam onerosamente seus direitos de aquisição a M.C.S. e L.P.S., que se sub-rogaram nas obrigações decorrentes do financiamento. Estes, por sua vez, em 19/1/1984, cederam novamente tais direitos e obrigações de aquisição a J.A.B. e I.R.N.B., que, por fim, em 3/2/1984, cederam a L.A.C., ora apelada, que deixou de pagar as prestações do financiamento daí acarretando danos e prejuízos aos mutuários, ora apelantes.
Com isso, ajuizaram ação contra a apelada, buscando a rescisão do contrato de cessão, por entender que ela está sub-rogada em todos os direitos e obrigações, bem como indenização por danos materiais, referentes às parcelas do financiamento e de IPTU pagas pelos apelantes após a cessão, e danos morais.
O MM. Juiz julgou extinta a Ação, sem julgamento do mérito, ao argumento de que não existe contrato celebrado entre apelantes e apelada, entendendo, portanto, ser ela parte ilegítima para figurar no pólo passivo da Ação. Todavia, desta feita, a nosso ver, não andou, com o acerto que lhe é peculiar, impondo-se a reforma da r. sentença, para julgar procedente a Ação (art. 515, § 3º, CPC).
Trata-se de sucessivos "contratos de gaveta", "designação atribuída aos negócios jurídicos de promessa de compra e venda de imóvel realizados sem o consentimento da instituição de crédito que financiou a aquisição" (Min. Ari Pargendler, STJ, REsp nº 119.466-MG, 3ª T., j. 4/5/2000).
E, conquanto que, de fato, apelantes e apelada não tenham diretamente celebrado contrato de cessão de direitos, o instrumento particular, assinado por todos da cadeia de cedentes e cessionários, transfere ao último todos os direitos e obrigações como se tivesse contratado diretamente com os cedentes originários, ora apelantes. Tal interpretação está respaldada na menção contratual expressa de que os cessionários sub-rogam-se no dever de adimplir o débito hipotecário e demais obrigações decorrentes do financiamento acima citado.
Assim, o inadimplemento da apelada quanto ao pagamento das parcelas do financiamento caracteriza infração contratual que autoriza a rescisão pleiteada pelos apelantes, prejudicados pelo inadimplemento, porque são eles que suportam a cobrança do débito pela instituição financeira mutuante e a inscrição no rol de devedores dos órgãos de proteção ao crédito.
A decisão proferida pelo D. Magistrado, com a devida vênia, não resolve de forma satisfatória o problema vivenciado pelos apelantes, porquanto a manutenção do contrato de cessão de direitos, ainda que inadimplente a apelada, impede que eles possam regularizar a situação do imóvel perante a instituição financeira mutuante, locupletando-se indevidamente a apelada que vive em imóvel, sem pagar as respectivas contraprestações do financiamento e sem suportar os inconvenientes da cobrança da dívida.
Anota-se que o inadimplemento da apelada quanto ao pagamento das parcelas do financiamento é incontroverso, porquanto, ao contrário do que sustenta, aos apelantes cabe alegar o inadimplemento e a ela demonstrar o pagamento (art. 333, II, do CPC), ou seja, que está honrado com as obrigações assumidas, mediante prova eminentemente documental, que dispensa dilação probatória.
No caso, junta apenas três comprovantes simples de depósito bancário (fls. 141-142), supostamente relativos às parcelas vencidas em dezembro/1996 e janeiro e fevereiro/1997, que são insuficientes a afastar o débito apontado pelos apelantes junto     à     mutuante.  

Alega     que    "não encontrou" os demais comprovantes, o que, processualmente, não se pode admitir. Conquanto seja crível a alegação de que se encontra em situação econômica difícil, tal argumento, além de corroborar a tese do inadimplemento, não é juridicamente apto a afastá-la das conseqüências do descumprimento das obrigações assumidas com o contrato de cessão de direitos perante os apelantes.
Decidida, pois, a possibilidade da rescisão, resta a pretensão indenizatória, que também é cabível, porquanto é regra geral de direito das obrigações, que o descumprimento da obrigação pactuada traz ao devedor a responsabilidade pelo pagamento de perdas e danos, acrescidos dos consectários legais.
Os danos materiais correspondem aos valores pagos pelos apelantes em lugar da apelada, relativos a algumas parcelas do financiamento, bem como de IPTU, não por mera liberalidade, mas na tentativa de se livrar das conseqüências do inadimplemento. Assim, apurar-se-á em fase de liquidação, mediante a devida comprovação, todos os valores desembolsados pelos apelantes para pagamento das despesas relativas ao imóvel objeto do contrato, cuja obrigação de pagar era da apelada.
Decisões semelhantes têm sido adotadas por nossos Tribunais:
"Anulatória. Financiamento imobiliário. 'Contrato de gaveta'. Transferência não concretizada. Pagamentos não realizados. Inteligência do art. 475 do Código Civil. Recurso improvido. O art. 475 do NCC é claro ao preconizar que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato ou exigir o seu cumprimento, cabendo-lhe indenização por perdas e danos. Assim, se o cessionário não cumpre as obrigações que lhe competem, deixando de transferir o financiamento e honrar o pagamento das prestações junto ao agente financeiro, a regra contida no dispositivo em evidência permite que o cedente opte pela resolução do contrato e pleiteie perdas e danos, que, na hipótese, mostram-se evidentes" (TJMG - 2.0000.00.495659-8/000(1), Rel. Tarcísio Martins Costa, j. 5/9/2006).
"Ação de Rescisão de Contrato e Reintegração de Posse. 'Contrato de gaveta'. Sistema Financeiro da Habitação. Inadimplência do promitente-comprador. Inserção do nome do promitente-vendedor nos cadastros negativos. Danos materiais e morais. Cabimento. Liquidação por arbitramento. O contrato particular de compra e venda de imóvel financiado com garantia hipotecária, mesmo sem a intervenção do agente financeiro, é válido, mas vincula e produz efeitos jurídicos tão-somente entre as partes contratantes. Rescindido o contrato pelo inadimplemento do promitente-comprador, surge a obrigação de indenizar as perdas sofridas pelo promitente-vendedor, em decorrência da privação da posse do imóvel e do acréscimo do débito financiado pela Caixa Econômica Federal, o que pode ser feito em liquidação por arbitramento" (TJMG - 2.0000.00.479791-1/000(1), Rel. Elias Camilo, j. 6/4/2006).
Indefere-se, todavia, o pedido indenizatório a título de danos morais.
Ainda que verossímil a alegação dos apelantes de que suportaram inúmeros transtornos, inclusive a inclusão de seus nomes nos cadastros de devedores, não há notícia de que tais restrições tenham repercutido de forma negativa em suas vidas. Como se sabe, a indenização se mede pela extensão do dano, e não comprovada a ocorrência de dano juridicamente relevante, não há que se falar em indenização por dano moral.
Entende esta Câmara que o dano moral indenizável não é o pequeno percalço, de menor proporção, fato do qual se possa extrair ofensa aos sentimentos ou ao espírito do homem. Considerando a organização da sociedade, a experiência de vida de cada um ou o ambiente a que estamos expostos, desenvolvemos com maior ou menor eficácia uma estrutura psicológica que permite lidar com os obstáculos e contrariedades a que certamente estamos sujeitos.
O dano moral cuja indenização a lei prevê é aquele que ultrapassa, pela sua intensidade, repercussão e duração, aquilo que o homem médio, de estrutura psicológica normal, estaria obrigado a suportar.
Ademais, não se cogita de dolo da apelada, a ponto de se lhe aplicar condenação com finalidade inibitória. Pelo que se depreende dos Autos, decorreu o inadimplemento de absoluta impossibilidade econômica de honrar as obrigações assumidas. Se assim não fosse, não teria se sujeitado a perder o imóvel que lhe servia de residência. Vê-se do edital acostado pelos apelantes à réplica, que o imóvel já foi levado à hasta pública pela instituição mutuante.
Ante o exposto, dá-se provimento em parte ao Recurso, para, declarando rescindido o contrato de cessão de direitos sobre promessa de compra e venda, do imóvel localizado na Rua ..., cidade de ..., condenar a apelada ao pagamento de indenização por danos materiais, consistente no reembolso aos apelantes de todos os valores por eles pagos após a cessão dos direitos, acrescidos de juros legais e correção monetária, desde os respectivos desembolsos, mais honorários advocatícios de 20% (vinte por cento) sobre o valor total da condenação, a ser apurado em fase de liquidação.
Participaram do julgamento os Desembargadores Maia da Cunha (Presidente, sem voto), Fábio Quadros e Natan Zelinschi.
São Paulo, 29 de março de 2007
Teixeira Leite
Relator

CRISE ECONÔMICA E REVISÃO DE CONTRATOS POR ONEROSIDADE EXCESSIVA

A recente crise econômica trouxe à tona institutos que podem alterar ou até mesmo extinguir relações contratuais, sendo que este texto se propõe, de forma breve, a discorrer sobre o instituto da onerosidade excessiva.
A onerosidade excessiva é capaz de causar o término dos contratos de execução diferida ou periódica, caso ocorra algum acontecimento extraordinário e imprevisível, que dificulte ou onere extremamente o cumprimento da obrigação de um dos contratantes
O término do contrato, neste caso, pode ter diversos fundamentos, como por exemplo: (i) a cláusula (implícita) rebus sic standibus; (ii) a teoria da imprevisão; ou (iii) a teoria das bases do negócio. Entretanto, seja qual for o fundamento teórico, a alteração extraordinária das condições econômicas pode permitir, conforme o caso, a resolução ou a revisão do pactuado, mediante a aplicação do princípio do equilíbrio econômico do contrato.
O novo Código Civil (“CC”) prevê, expressamente, a possibilidade de resolução e revisão do contrato por onerosidade excessiva, em seus artigos 478 a 480:
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”
O primeiro requisito, para a caracterização da onerosidade excessiva, é a diferença radical entre o valor do objeto da prestação no momento de seu aperfeiçoamento, e no de sua execução. Em segundo lugar, a onerosidade deve ser objetiva, isto é, a mesma deve ser aferível em relação a qualquer pessoa que se encontrasse na posição do devedor. A lei exige, ainda, uma extrema vantagem da outra parte, embora este terceiro requisito não deva ser utilizado de modo absoluto, sob pena de inviabilizar a aplicação do princípio em exame. Finalmente, a onerosidade deve ser causada por evento cumulativamente imprevisível e extraordinário.
Vale ressaltar, entretanto, que fatos genericamente previsíveis, como guerras, inflação, crises econômicas agudas, entre outros, podem provocar efeitos imprevisíveis, o que é suficiente para aplicar a regra trazida pelo CC. Contudo, essa determinação depende da análise do caso concreto, sendo indispensável a consulta a um profissional especializado.
Especificamente no caso da inflação, há jurisprudência, decorrente das crises da década de 1980, onde os tribunais entendiam que a mesma não ensejava o término dos contratos, por ser situação claramente previsível à época.
Em relação a contratos indexados ao dólar, por outro lado, a jurisprudência do STJ é variada. Há decisões em que o Tribunal reconheceu a configuração de onerosidade excessiva, com fulcro no Código de Defesa do Consumidor (Recurso Especial nº 268661/RJ, julgado em 16/08/2001, publicado em 24/09/2001 e relatado pela Ministra Nancy Andrighi). Também em sede de revisão de contratos indexados a moeda estrangeira se encontra o fundamento do enriquecimento sem causa (Recurso Especial nº 412579/RS, julgado em 11/06/2002, publicado em 23/09/2002 e relatado pelo Ministro Antônio de Pádua Ribeiro).
Em casos envolvendo operações de leasing, finalmente, se o bem objeto de leasing era adquirido no exterior, o entendimento prevalecente do STJ é o de que o ônus decorrente da oscilação cambial deve ser distribuído entre as partes contratantes (Recurso Especial nº 437660 / SP, julgado em 08/04/2003, publicado em 05/05/2003 e relatado pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira).
Já as recentes perdas de empresas Brasileiras com operações de swap e derivativos, é certo afirmar que não há precedente jurisprudencial, o que dificulta, sobremaneira, qualquer previsão sobre o eventual desfecho da questão nos tribunais. Os contratos firmados são de adesão, seguem os padrões das instituições financeiras e muitos, inclusive, alertam para os riscos das operações inerentes a contratos de derivativos cambiais.
 Entretanto, o argumento de que os referidos contratos são excessivamente onerosos, ou que há desequilíbrio contratual, é factível. Com efeito, existem casos em que, se o real se valorizar, a empresa teria ganhos, mas, se o inverso acontecer, a empresa pagaria duas vezes a perda, sem qualquer trava ou limite de prejuízo, o que necessariamente poderá levar a algum questionamento judicial pela parte prejudicada.
Importa destacar, ainda, que a resolução ou revisão de contratos, com base na onerosidade excessiva, depende de sentença judicial que a constitua. Com efeito, a insegurança jurídica imperaria se uma parte, ao seu exclusivo talante, tivesse o poder de resolver unilateralmente um contrato, alegando onerosidade. Seria o fim do princípio da força obrigatória dos contratos. Contudo, será inevitável certo arbítrio judicial, posto que não há critério objetivo para balizar ou definir os casos de onerosidade excessiva.
Ressalte-se, por fim, a observação feita pelo Professor Orlando Gomes, de que a parte deve utilizar o remédio legal na iminência de não conseguir cumprir o contrato, mas não durante a mora. Com efeito, o estado de mora possibilitaria o pedido de resolução e perdas e danos por parte do credor, inviabilizando o potencial direito do contratante excessivamente onerado.

Dinir Salvador Rios da Rocha  - Azevedo Sette Advogados, São Paulo -  30/06/2009

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Juros, comissão de permanência em contratos bancários e multa de mora em contratos de cartão de crédito.

Aspectos relevantes sobre a aplicação desses institutos quando da inadimplência
Resumo: Trata da diferença entre a natureza jurídica dos juros remuneratórios e moratórios estabelecidos no Código Civil e aplicados em contratos de mútuo bancário. Analisa a cumulação dos juros remuneratórios com outros encargos, a utilização da SELIC e da comissão de permanência na visão dos tribunais superiores. Estabelece uma crítica a um panorama benéfico ao devedor contumaz e, em seguida, apresenta um plausível equilíbrio para as partes quando há uma inadimplente. Noutro prisma, apresenta a possibilidade de enriquecimento sem causa quando da aplicação de multa moratória pelas administradoras de cartão de crédito e, por fim, prega pela manutenção do equilíbrio contratual, da boa-fé e dos bons costumes.
Palavras chaves: juros remuneratórios - juros de mora - comissão de permanência - multa de mora - anatocismo
Abstract: This present work deals with the juridical nature of the remuneratory and the Moratorium Interests established in the Civil Code and applied in Loan Contracts. It analyzes the accumulation of remuneratory interest together with other duties, the use of SELIC Interest Rate and the Commission of Permanence in the Superior Courts’ perspective. It establishes a critique of a beneficial panorama towards the obstinate debtor, and, subsequently, presents a plausible balance between the parties when there is a breach of contract. On another viewpoint, this paper presents the possibility of unjust enrichment due to the application of moratory fines by credit card companies, and ultimately, it preaches for the maintenance of contract balance, goodwill and morality.
Keywords: remuneratory interest – moratorium interest – commission of permanence – moratory fine - anatocism

1.Juros, comissão de permanência em contratos bancários
Os juros remuneratórios ou compensatórios são aqueles pagos pelo mutuante pelo aluguel do dinheiro, ou seja, pela utilização de recursos financeiros de terceiros. A natureza desses juros é diferente dos moratórios, porque esses têm a função de penalizar o mutuante pela mora ou inadimplência das obrigações oriundas do contrato de empréstimo.
O artigo 406 da Lei nº 10.406, de 10/01/2002 – Código Civil – disciplina a matéria, especificamente, quando da não convenção dos citados juros, in textual:
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.
Muito se tem discutido sobre a utilização ou não dos juros aplicados aos impostos devidos à Fazenda Nacional, a taxa SELIC – Sistema Especial de Liquidação e Custódia. Essa discussão desembocou no Enunciado nº 30, aprovado na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Jurídicos do Conselho da Justiça Federal, ocorrida em setembro de 2002. O citado enunciado clarifica a questão ao demonstrar o comprometimento da segurança nas relações obrigacionais quando da utilização da SELIC e estabelece como parâmetro a mesma taxa estabelecida no art. 161, § 2º do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês. Litteris:
Enunciado nº 20 - Art. 406: A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês. 
"A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano."
Antes de adentrar no mérito da questão, é salutar frisar que os tribunais superiores têm se posicionado pela manutenção das taxas de juros renumeratórios, desde que devidamente pactuadas por instituições financeiras e não superiores à taxa média dos juros praticados pelo mercado bancário.
O ápice da questão é o prejuízo causado quando há interpretação equivocada do dispositivo que pressupõe a mudança da taxa de juros remuneratória pela taxa de juros moratória, ou seja, na ausência de previsão dos encargos moratórios nos contratos de mútuo, será utilizada a taxa de 1% ao mês. Na verdade, deverá haver uma cumulação da taxa de juros dantes pactuada, a taxa de juros remuneratórios ou comumente chamada de encargos de normalidade, com a taxa de juros de mora, no evidente intuito de tornar mais severo o encargo suportado pelo devedor e, consequentemente, resultar em demandas que irão culminar em uma constante busca para liquidar o débito no menor espaço de tempo possível. (g.n)
Algumas instituições financeiras utilizam um mecanismo denominado de comissão de permanência no sentido de agravar ainda mais a situação do inadimplente. Nos contratos bancários examinados, há a hipótese da substituição dos encargos de normalidade pela comissão de permanência cumulada com juros de mora e multa.
Então surge a dúvida: por que substituir os encargos de normalidade pela comissão de permanência e por que cumular com juros de mora e multa?
A resposta é encontrada na Resolução nº 1.129, de 15 de maio de 1997, do Banco Central do Brasil, a qual situa a comissão de permanência no status de encargos de normalidade pactuados ou de encargos de normalidade de operações praticadas no momento da sua incidência. Litteris:
O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do artigo 9º da Lei n.º 4.595/64, de 31/12/64, torna público que o CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, em sessão realizada nesta data, tendo em vista o disposto no artigo 4º, inc. VI e XI, da referida Lei, RESOLVEU:
I – Facultar aos bancos comerciais, bancos de desenvolvimento, bancos de investimento, caixas econômicas, cooperativas de crédito, sociedade de crédito, financiamento e investimento e sociedades de arrendamento mercantil cobrar de seus devedores por dia de atraso no pagamento ou na liquidação de seus débitos, além de juros de mora na forma da legislação em vigor, "comissão de permanência", que será calculada às mesmas taxas pactuadas no contrato original ou à taxa de mercado do dia do pagamento. (g.n)
Em sentido diametralmente oposto, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no REsp 712.801/RS, relatado pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, e do AgRg no REsp 706.638/RS, relatora a Ministra Nancy Andrighi, decidiu pela vedação da cumulação da comissão de permanência com os demais encargos de inadimplência, por entender que a comissão de permanência contém, no seu bojo, encargos substitutivos aos da inadimplência, como os juros de mora e multa; portanto, não há o que se falar em cumulação da citada comissão com qualquer outro encargo, sob pena de ocorrer o bis in idem. Noutra óptica, esse Egrégio Tribunal pacificou, através da Súmula nº 294, que a comissão de permanência está limitada à taxa pactuada no contrato, desde que seja calculada a taxa de mercado. Litteris:
294. Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil, limitada à taxa do contrato.
Assim, não entrando em proposições técnicas sobre a composição da comissão de permanência e retornando à questão da mudança da taxa de juros de normalidade pela moratória, pressupõe-se que há azo para necessidade da manutenção dos encargos de normalidade cumulados com outros (juros de mora e multa) que razoavelmente compelirá o devedor a pagar a dívida num menor espaço de tempo. O argumento de que a comissão de permanência está limitada à taxa pactuada e que não poderá estar cumulada com outros encargos traduz uma situação de tranquilidade ao devedor contumaz, que não se sujeitará a uma situação mais gravosa, caso não cumpra as suas obrigações. E mais, caso equivocadamente a comissão de permanência ou, quiçá, os encargos de normalidade sejam substituídos por qualquer outra taxa inferior à pactuada, melhor situação não existirá para o inadimplente, porque sairá de encargos, p. ex., de 3% ao mês, para 1% ao mês, quando da inadimplência.
Importante ressaltar que este artigo não contempla ou defende as instituições financeiras que, ao arrepio da lei, cobram juros exorbitantes, encargos e tarifas sufocantes com um único objetivo, o enriquecimento sem causa, mas, sim, o direito do credor em ter uma razoável indenização pela inadimplência do devedor e, esse, por seu turno, ser compelido a pagar.

2.Multa de mora em faturas de cartões de crédito
Analisando a natureza jurídica da multa moratória, sobressai a imputação de penalidade imediata pelo descumprimento da obrigação. Assim, adentrando em mora, ou seja, não efetuado o pagamento tempestivo, a multa será aplicada uma única vez e imediatamente.
Nesta breve crítica, não haverá análise da legalidade dos percentuais aplicados, mas a sua cumulatividade com ela própria, quando do pagamento de faturas de cartões de crédito.
Antes de penetrar na questão, é importante entender a sistemática adotada pelas administradoras de cartões de crédito para depois, hipoteticamente, ensaiar uma situação.
Portanto, a sistemática consiste, quando da utilização do cartão de crédito, em disponibilizar ao titular ou usuário um período de carência, geralmente não superior a 30 ou 40 dias, para pagamento das compras realizadas no período. Assim, caso o usuário tenha adquirido objetos no dia 10 e sua fatura de cartão de crédito venha a vencer no dia 5 do mês subseqüente, este somente irá pagar as suas compras nessa data. Registre-se que o usuário não pagará nada além do valor da referida compra ocorrida no citado dia. Caso não efetue o pagamento na data aprazada, incorrerá em mora e ser-lhe-ão aplicados multa e juros de financiamento; caso cumpra sua obrigação e pague no vencimento, nenhuma penalidade existirá. Entretanto, é de bom alvitre informar que o lucro das administradoras de cartões de crédito sobrevém das taxas de administração cobradas dos estabelecimentos que efetuam as vendas.
Assim, para adentrar na situação da cumulatividade da multa de mora com ela própria, cria-se a seguinte situação:
Primeiro mês - Janeiro
1.O titular realiza compras no valor de R$ 500,00 para pagamento no dia 10 do mês Fevereiro;
2.Mas efetua o pagamento no dia 15 do mês de Fevereiro e no valor de R$ 200,00;
3.A multa, então, será aplicada sobre os R$ 500,00 que corresponde, geralmente, a 2% do valor devido, ou seja, R$ 10,00;
4.Serão aplicados encargos de financiamento do dia 10 ao dia 15 sobre o valor de R$ 500,00 e do dia 16 ao dia 10 do próximo mês, próximo vencimento, serão aplicados encargos de financiamento sobre R$ 300,00, o saldo remanescente, tudo totalizando R$ 55,00.
Segundo mês - Fevereiro
1.O titular efetua compras no valor de 100,00 para pagamento no dia 10 do mês de Março;
2.A fatura do cartão com vencimento em 10 de Março vem explicitando: o saldo de R$ 300,00 do mês anterior, as compras no mês no valor de R$ 100,00, a multa de mora no valor de R$ 10,00, e os juros de financiamento no valor de R$ 55,00, totalizando R$ 465,00;
3.Mais uma vez, o usuário efetua o pagamento no dia 15 e no valor de R$ 300,00;
4.A multa, então, será aplicada sobre os R$ 465,00 e será no valor de R$ 9,30.
A situação acima, hipotética e, infelizmente, cotidiana, traz um evidente exemplo de enriquecimento sem causa das administradoras de cartões de crédito, porque fazem incidir a multa moratória inúmeras vezes, sempre que o titular não liquida toda a fatura. Nota-se que a primeira multa incorreu sobre o valor total de R$ 500,00, sendo que R$ 300,00 foram financiados e, a segunda multa foi aplicada novamente sobre os R$ 300,00 e sobre ela mesma, ou seja, os R$ 10,00 da multa anterior.
Visível está a ilegalidade da cobrança "em cascata cumulativa" ou, talvez, o "anatocismo de multas de mora" nos cartões de crédito. O enriquecimento sem causa é defeso e está previsto no Código Civil, especificamente, no art. 884 o qual determina:
Art. 884 - Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários
Para Limongi França [01], o "enriquecimento sem causa, enriquecimento ilícito ou locupletamento ilícito é o acréscimo de bens que se verifica no patrimônio de um sujeito, em detrimento de outrem, sem que para isso tenha um fundamento jurídico". Por seu turno, Acquaviva [02] define enriquecimento ilícito como o "aumento de patrimônio de alguém, pelo empobrecimento injusto de outrem."
Ex positis, concreto é o prejuízo causado por esta sistemática exponencial da multa, criando uma verdadeira "bola de neve" ao arrepio dos órgãos de proteção da lei e em lastimável detrimento do consumidor.

3.Considerações Finais
Os temas abordados encontram-se no mesmo patamar jurídico, pois tratam do desequilíbrio contratual quando da inadimplência de umas das partes. As críticas abordam o assunto em polos distintos, pois o locupletamento ilícito ou vantagem excessiva poderá ocorrer tanto para o financiado (devedor) quanto para o financiador (credor). Ambos recorrem ou se aproveitam dos desconhecimentos das peculiaridades matemáticas e de equilíbrio contratual, no intento de multiplicarem seus lucros e demais vantagens, tudo em evidente afronta à função social do contrato, à boa-fé e aos bons costumes.

notas
  1. FRANÇA, R. Limongi. Enriquecimento sem Causa. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1987
  2. ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro. 9ª ed., ver., atual e ampl. – São Paulo : Editora Jurídica Brasileira, 1998
Novo Código Civil. Lei 10.406/2002, em vigor a partir de 11.01.2003


Elaborado em 05.2009.
Virgílio Figueiredo Tavares Júnior
Bacharel em Contabilidade, Bacharelando em Direito, perito judicial e extrajudicial nas esferas cível e criminal

DECISÕES DO STJ IMPEDEM A COBRANÇA DE JURO

A cobrança de taxas de juros abusivas pelos bancos está vetada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Duas decisões tomadas no início deste mês firmaram o entendimento de que as instituições financeiras não podem cobrar percentuais muito acima da média do mercado.
As decisões foram tomadas na 3ª e na 4ª Turma do tribunal e envolveram empréstimos de pequeno valor para pessoas de pouco poder aquisitivo. O que impressionou o STJ foi o fato de alguns bancos cobrarem mais do que o dobro ou até o triplo da taxa média de mercado a clientes de classe social baixa. "A decisão é importante, em especial para os consumidores mais humildes, por estarem sujeitos de modo geral às taxas mais altas cobradas pelos bancos e demais instituições de crédito", afirmou a ministra Fátima Nancy Andrighi, relatora de um dos processos.
No caso relatado pela ministra, o empréstimo de R$ 800 foi contratado em setembro de 2005 na financeira Losango e no banco HSBC. O pagamento deveria ser feito em seis prestações mensais de R$ 196,27. Nessas condições, o cliente pagaria R$ 1.177,62 no final do contrato. O Valor procurou ouvir as instituições financeiras, mas não obteve comentário.
O STJ verificou que a cobrança foi maior do que o triplo da taxa média de juros praticada no mercado na época (70,55% ao ano) e mais do que a Selic (19,75% ao ano). O salto de R$ 800 para R$ 1.177,62 significou 11% ao mês de juros capitalizados ou 249,85% ao ano. "A taxa não era exorbitante somente em comparação com índices oficiais", disse a ministra, referindo-se à Selic. "Mas também em confronto com os concorrentes diretos do banco que fez o empréstimo, ficando muito acima das taxas de mercado apuradas", completou.
O caso de Nancy foi julgado em 3 de junho. Na mesma semana, o ministro Sidnei Beneti foi relator de outro processo semelhante e também condenou o banco por cobrar muito acima da taxa média de mercado. Em ambos os casos, o STJ inovou porque os bancos têm se apoiado no entendimento tradicional dos tribunais de que podem cobrar mais do que 12% ao ano.
A Constituição de 1988 estabeleceu a limitação nesse percentual no artigo 192, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que esse dispositivo não foi regulamentado por lei complementar e, portanto, não pode ser aplicado. Em 11 de junho, o STF transformou esse entendimento em súmula vinculante e, com isso, condicionou a sua aplicação em todos os processos no Judiciário.
Agora, com decisões semelhantes na 3ª e na 4ª Turma, não há possibilidade de os bancos reverterem a situação na 2ª Seção do STJ. Se houvesse divergência entre as Turmas, o tema seria levado para posicionamento definitivo da Seção. Beneti explicou que essa orientação prevaleceu no STJ. Daqui em diante, o tribunal julgará as taxas abusivas dos bancos dessa forma.
Antes dessas duas decisões havia um precedente do ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Ele já deixou o tribunal, mas, ao julgar uma ação contra um banco no ano passado, indignou-se com juros anuais de 380,78%. Era um empréstimo de R$ 1 mil, com juros de 14% ao mês. A taxa média, na época da realização do empréstimo, era de 67,81%. O ministro notou que o cliente era de classe baixa e concluiu pela condenação do banco, que estava cobrando mais do que cinco vezes a taxa de mercado.
Para o advogado Arnoldo Wald, as recentes decisões do STJ mostram que o tribunal está compreendendo que o direito deve favorecer a Justiça e ter em conta o fato econômico. "No mercado, não adianta fixar um percentual, mas, algumas vezes se ultrapassa toda a lógica e a razoabilidade. Nesses casos, os limites são dados pelo abuso de poder econômico", afirmou. Para Wald, a dificuldade está em definir a taxa média ou razoável. "Costumo dizer que a média é de quem tem a cabeça no forno e os pés na geladeira", ironizou.
Advogados especializados na defesa de bancos criticam a opção tomada pelos ministros do STJ. Otto Steiner argumenta que essa jurisprudência apresenta aparente retrocesso. Ressalta que, no passado, o tribunal adotou firme posição contra os princípios do sistema financeiro , principalmente no que se refere a juros capitalizados, desconsideração dos contratos como título executivo, impossibilidade de cobrança de valor residual antecipado no leasing e aplicação do Código de Defesa do Consumidor no conteúdo econômico dos contratos bancários, entre outros polêmicos assuntos.
Steiner afirma que, passados alguns anos, o STJ passou a aceitar, "saudavelmente", as regras do mercado financeiro. Portanto, conclui que os recentes julgamentos contra juros abusivos são, aparentemente, contrários a esses entendimentos, o que preocupa o advogado. Outro argumento dele remete a discussão ao conceito de abusividade. "É absolutamente subjetivo e tem de ser apreciado em respeito aos fatos do processo", comenta. Em tese, Steiner afirma que isso impediria um julgamento no STJ porque essa corte não julga provas e matérias de fato.
No caso relatado pela ministra Nancy Andrighi, Steiner observa que o tribunal não conheceu do recurso, o que significa que não julgou o caso. Mas, por outro lado, manteve a decisão do tribunal local. "De qualquer forma, esse entendimento significa retrocesso na posição majoritária no STJ quando se trata de direito bancário", lamenta.
Waldyr de Campos Andrade Filho é outro especialista em direito bancário que também tem críticas ao caminho seguido pelas duas Turmas do STJ. Na sua visão, as taxas de juros praticadas pelos bancos consideram o risco dessas operações. Nos contratos de crédito pessoal ou de crédito direto ao consumidor (CDC) os riscos e as perdas são maiores, o que condiciona o nível das taxas.
Andrade insiste que juros mais altos não significam, necessariamente, abuso. O advogado reafirma que as perdas das instituições financeiras nesse tipo de operação são, normalmente, elevadas. Mas o ponto central dos julgamentos do STJ, na sua opinião, é o que se entende por média de mercado. O mais apropriado, na sua interpretação, seria comparar juros da mesma espécie de operação, nas quais o risco é similar. Confrontar juros cobrados dos consumidores com a taxa básica de juros, Selic, é totalmente inadequado.


Juliano Basile e Arnaldo Galvão, De Brasília