segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

AÇÃO JUDICIAL PARA LIBERAÇÃO DE HIPOTECA E OBTENÇÃO DE ESCRITURA DEFINITIVA

I
            Celebrado instrumento particular de compromisso de compra e venda de unidade autônoma em construção, passado algum tempo, mercê do adimplemento das parcelas, deixa de existir qualquer pendência obrigacional de parte do adquirente que impeça a outorga da escritura definitiva pela vendedora.
            É nesse momento que se aturdem os adquirentes, com a ciência da existência de hipoteca e a recusa da Instituição Financeira, beneficiária do Sistema Financeiro de Habitação (SFH), credora hipotecária em decorrência de pacto ajustado com a vendedora - empreendedora, em proceder ao necessário cancelamento desse gravame.
            Ato contínuo, a vendedora declara-se impossibilitada de outorgar a escritura, pois esta não teria nenhuma eficácia prática, em razão do gravame que incide sobre o imóvel, apontada a intransigência da Instituição Financeira em levantar a comentada hipoteca. Ou se muito, dispõe-se a empreendedora à outorga, mas não ao cancelamento da hipoteca, fora de seu alcance, exceto de liquidado o mútuo garantido.
            Em suma: o adquirente paga o preço ajustado, a vendedora entrega o imóvel, mas não se transmite a propriedade com a imaginada e esperável regularidade.
            É nessa situação que se indaga: cabe ação judicial para a liberação da hipoteca e a outorga da escritura definitiva de venda e compra?
II
            A pretensão ao recebimento da escritura livre de hipoteca, nas hipóteses em que se insira o empreendimento no SFH encontra fundamento jurídico no disposto no artigo 43 [01] do Decreto-Lei 70 de 21/06/66 [02], bem como nos artigos 22 [03] e 23 [04] da Lei 4.864/65.
            A leitura desses dispositivos afasta maiores e desnecessárias incursões no objetivo vislumbrado pelo legislador, sobretudo se considerado que os financiamentos para construção ou venda dos imóveis, cujos valores sejam oriundos do SFH, somente poderão ser garantidos pela caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos provenientes da alienação das unidades habitacionais. O regrário não contempla a hipoteca, portanto.
            Ademais, o agente financeiro não poderia gravar os imóveis a serem construídos com ônus hipotecário, uma vez que esses bens imóveis serão sabidamente vendidos a terceiros que, por certo, não poderão ser responsabilizados por duas dívidas: a própria, advinda da compra do bem; e a da Construtora, referente ao financiamento para construção do empreendimento.
            Aliás, o que restaria ao adquirente de imóvel hipotecado que não se obrigou a liquidar a dívida do credor hipotecário, senão abandonar o imóvel [05] ou pagar o débito e promover ação de regresso ante o vendedor [06]?
            Bem por isso, as normas em questão permitem que os agentes financeiros resguardem o seu crédito apenas por meio dos mecanismos contidos em seu bojo (caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes das alienações dos imóveis), sendo-lhes vedada qualquer outra forma de garantia que possa atingir terceiros.
            Solidária à angústia vivida pelos adquirentes de imóveis em tais situações, firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
            "Promessa De Compra E Venda - Embargos De Terceiros - Hipoteca - SFH - A garantia hipotecária do financiamento concedido pelo SFH para a construção de imóveis não atinge o terceiro adquirente da unidade. Recurso conhecido e provido". [07]
            "CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO. NULIDADE NÃO VERIFICADA. EMBARGOS DE TERCEIRO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. HIPOTECA INCIDENTE SOBRE UNIDADE AUTÔNOMA. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO PELA PROMITENTE COMPRADORA. CONSTRUTORA QUE NÃO HONROU SEUS COMPROMISSOS PERANTE O FINANCIADOR DO EMPREENDIMENTO. EXECUÇÃO. PENHORA. MULTA. CPC, ART. 585, // E 538, PARÁGRAFO ÚNICO. SÚMULA N. 98 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AFASTAMENTO.
            ...
            II. O promissário comprador de unidade habitacional pelo SFH somente é responsável pelo pagamento integral da dívida relativa ao imóvel que adquiriu, não podendo sofrer constrição patrimonial em razão do inadimplemento da empresa construtora perante o financiador do empreendimento, posto que, após celebrada a promessa de compra e venda, a garantia passa a incidir sobre os direitos decorrentes do respectivo contrato individualizado, nos termos do art. 22 da Lei n. 4.864 /65". [08]
            PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSOS ESPECIAIS. FUNDAMENTAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. COMPROVAÇÃO. CONTRATO DE FINANCIAMENTO PARA A CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL (PRÉDIO COM UNIDADES AUTÔNOMAS). RECURSOS ORIUNDOS DO SFH. OUTORGA, PELA CONSTRUTORA, DE HIPOTECA SOBRE O IMÓVEL AO AGENTE FINANCIADOR. POSTERIOR CELEBRAÇÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA COM TERCEIROS ADQUIRENTES. CANCELAMENTO DA HIPOTECA.
            - A hipoteca instituída pela Construtora ao agente financiador, em garantia de empréstimo regido pelo Sistema Financeiro da Habitação, que recai sobre unidade de apartamentos, é ineficaz perante os promissários -compradores, a partir de quando celebrada a promessa de compra e venda.
            - Nesse caso, deve ser cancelada a hipoteca existente sobre as unidades de apartamentos alienadas a terceiros adquirentes". [09]
            Hipóteses de cessão à Instituição Financeira dos direitos decorrentes da alienação dos imóveis a serem construídos no empreendimento, incluindo-se conseqüentemente cada unidade, já foram também apreciadas pelos tribunais, sempre anotado que a Instituição poderia notificar cada adquirente de unidade, para que este disponibilize eventual numerário em favor daquela. Assim,
            "Demais disso, abriu mão o banco exeqüente, também, mostrando sua desídia em relação a seu crédito, do direito que lhe advinha do art. 22 da Lei n. 4.864/65. Tal dispositivo permitia ao banco receber seu crédito diretamente dos mutuários. Mas não o fez, preferindo deixar que estes continuassem a pagar à incorporadora, com quem fez contrato de prorrogação do débito, à revelia dos adquirentes dos imóveis que até então garantiam a dívida.
            A mesma sistemática foi adotada pelo legislador quando tratou do pagamento indevido. O que recebe de boa-fé e inutiliza o título ou a garantia que asseguravam seu direito, não é obrigado a restituir. No caso dos autos, os embargantes fizeram pagamento por conta da inexistência de comando que lhes indicasse serem os mesmos inócuos à extinção da garantia que pesava sobre seus bens. Se tal situação foi provocada pelo banco exeqüente, não podem ser obrigados a refazer o pagamento que visava a extinção da hipoteca, pois perderam o direito de efetua-los diretamente ao mutuante". [10]
            Seja em razão de as verbas para a construção do imóvel, terem se originado do Sistema Financeiro da Habitação, seja em razão da injustificada leniência da Instituição Financeira quanto à eventual inadimplência da Construtora, corroborada pela sua omissão se não tiver notificado os adquirentes para que estes disponibilizassem os pagamentos para a satisfação do referido ônus, seja, finalmente, em razão da supremacia do direito de propriedade (art. 1.228 – NCC, art. 5º, incisos XXII e XXXV - CF), finda-se concluindo pela nulidade ou pelo forçoso levantamento da hipoteca existente sobre o imóvel.
III
            Os fins sociais que a lei pretende contemplar e a boa-fé que há de permear os contratos, consistem sob distinto ângulo, alicerces à pretensão liberatória de titular de compromisso, que se veja surpreendido por hipoteca celebrada nos moldes ora descritos.
            O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já teve oportunidade de proclamar [11] com veemência que "Indubitavelmente, é o caso sub oculis, porquanto os autores, na melhor da boa-fé, adquiriram o apartamento que retrata a exordial, com os respectivos estacionamentos, adimpliram o preço e, de modo imoral e ilícito, visando resguardar interesses econômicos de uma grande instituição bancária e as falcatruas de uma grande construtora, hoje falida, vêem-se na iminência de perderem verdadeiro bem de família, já que nele é que residem os autores e um filho".
            Diga-se, se a hipoteca se concretiza mediante uso de mandato outorgado pelo adquirente (esta é a situação corriqueira), ocorre flagrante violação [12] do inciso VIII do artigo 51 da Lei 8078 de 11/09/90.
            Não fosse o bastante, é fácil a verificação de que estipulação da ordem da que é tratada, irrita enorme rol de dispositivos protetivos presentes na legislação do consumo, colocando o consumidor em risco desmesurado, restringindo-lhe direitos, impondo-lhe excesso [13], o que, se de um lado erege o direito do adquirente à liberação da hipoteca, a patamar de indiscutibilidade (sob o prisma legal), evidentemente sugere futuras discussões acerca dos mecanismos legais que poderão emprestar viabilidade a empreendimentos imobiliários que dependam de financiamento [14].
            De resto, o novo código civil, mantendo a inteligência da antiga legislação, coibiu qualquer tipo de atentado ao constitucional direito de propriedade (art. 1.228 – NCC) [15], mantendo-se fiel ao comando constitucional (art. 5º, incisos XXII e XXXV - CF).
IV
            Pois bem, se o único impedimento para a lavratura da escritura definitiva é a existência de hipoteca inscrita na matrícula do imóvel em razão de obrigações mantidas com a Instituição Financeira, passa a justificar-se o ajuizamento de ação, em busca da liberação.
            É notória a condição de fragilidade que acoima tais adquirentes, a par de integralmente honradas as suas obrigações, cumprindo minimizar-lhes inúmeros constrangimentos e os não descartados prejuízos econômicos, lhes possibilitando o regular exercício do direito de propriedade.
            Somem-se, o efetivo conhecimento pela Instituição Financeira da destinação para venda do empreendimento e da integral quitação do preço do imóvel pelo adquirente (nessas hipóteses); a necessidade de outorga de escritura somente obstada em virtude da hipoteca estipulada ao alvedrio das regras específicas; a evidência de que o direito à escritura não pode ser abalado em razão de tratos formulados entre vendedora e instituição financeira.
            Mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 308 (A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel).
            Malgrado as críticas que vêm sendo dirigidas ao texto (deveria cuidar de incorporadoras e não de construtoras; embaralharia hipotecas dentro e fora do SFH; não especificaria as situações de anuência do adquirente com a hipoteca; e assim por diante), no que diz respeito à questão ora debatida, não há margem para dúvida: a Súmula 308 deitou ares morimbundos às recusas formuladas por Instituições; reforçou com nitidez a postulação judicial pelos adquirentes que perseguem a liberação de suas hipotecas.
            São esses alguns tópicos que evidenciam a possibilidade da intervenção judicial, através do deferimento de antecipação de tutela [16], para que seja determinada a liberação da hipoteca incidente sobre o imóvel de propriedade em condições tais.
            Sublinhe-se, essas condições, ora resumidas, permitem inferir a existência de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como a inexistência de temor de irreversibilidade da medida, tendo em vista a integral satisfação do preço do imóvel, consubstanciada na ausência de perigo de dano à Instituição, que sempre poderá valer-se de mecanismos processuais adequados para a satisfação de eventuais créditos em face da empresa vendedora. [17]
            São razões que tornam legal decreto de nulidade do ônus hipotecário incidente sobre o imóvel adquirido nas condições descritas, para a definitiva liberação da hipoteca e seguinte outorga da definitiva escritura, mostrando-se possível a antecipação de tutela, tendo em vista o preenchimento dos requisitos impostos pelo Código de Processo Civil.

Notas
            01 "Art. 43. Os empréstimos destinados ao financiamento da construção, ou da venda de unidades imobiliárias poderão ser garantidos pela caução, cessão parcial ou cessão fiduciária dos direitos decorrentes de alienação de imóveis, aplicando-se, no que couber, o disposto nos §§ 1º e 2° do artigo 22 da Lei n° 4.864 de 29 de dezembro de 1965".
            Parágrafo único: As garantias a que se refere este artigo constituem direitos reais sobre os respectivos imóveis".
            02 O Decreto Lei 70/66 autoriza o funcionamento das associações de poupança e empréstimo, institui a cédula hipotecária e dá outras providências.
            03 "Art. 22 Os créditos abertos nos termos do artigo anterior pelas Caixas Econômicas, bem como pelas sociedades de crédito imobiliário, poderão ser garantidos pela caução, a cessão parcial ou a cessão fiduciária dos direitos decorrentes dos contratos de alienação das unidades habitacionais integrantes do projeto financiado.
            § 1°. Nas aberturas de crédito garantidas pela caução referida neste artigo, vencido o contrato por inadimplemento da empresa financiada, o credor terá o direito de, independentemente de qualquer procedimento judicial e com preferência sobre todos os demais credores da empresa financiada, haver os créditos caucionados diretamente dos adquirentes das unidades habitacionais, até a final liquidação do crédito garantido.
            § 2°. Na cessão parcial referida neste artigo, o credor é titular dos direitos cedidos na percentagem prevista no contrato, podendo, mediante comunicações ao adquirente da unidade habitacional, exigir diretamente, o pagamento em cada prestação da sua percentagem nos direitos cedidos.
            04 Art. 23. Na cessão fiduciária em garantia referida no artigo 22, o credor é titular fiduciário dos direitos cedidos até a liquidação da dívida garantida, continuando o devedor a exercer os direitos em nome do credor, segundo as condições do contrato e com as responsabilidades de depositário.
            § 1°. No caso de inadimplemento da obrigação garantida, o credor fiduciário poderá, mediante comunicação aos adquirentes das unidades habitacionais, passar a exercer diretamente todos os direitos decorrentes dos créditos cedidos, aplicando as importâncias recebidas no pagamento do seu crédito e nas despesas decorrentes da cobrança, e entregando ao devedor o saldo porventura apurado
            § 2°. Se a importância recebida na realização dos direitos cedidos não bastar para pagar o crédito do credor fiduciário, bem como as despesas referidas no parágrafo anterior, o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar o saldo remanescente.
            § 3°. É nula a cláusula que autoriza o cessionário fiduciário a ficar com os direitos cedidos em garantia, se a dívida não for paga no seu vencimento.
            § 4°. A cessão fiduciária em garantia somente valerá contra terceiros depois que o seu instrumento, público ou particular, qualquer que seja o seu valor, for arquivado por cópia no registro de títulos e documentos."
            05artigo 1479 do Código Civil
            06 artigo 1481 parágrafo 4o do Código Civil.
            07 STJ - RESP 239557 -SC-4a T. - Rei. Min. Ruy Rosado de Aguiar - DJU 07.08.2000 - p. 00113.
            08 STJ - QUARTA TURMA - RESP 237538 / SP - Min. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR - DJ DATA:30/06/2003 PG-.00251.
            09 STJ - TERCEIRA TURMA - RESP 431440 l SP - Min. NANCY ANDRIGHI - DJ D ATA: 17/02/2003 PG-.00273.
            101°Tacivil - 9° Câmara; AP n. 910.677-2-Campinas-SP; Re/. Juiz José Luiz Gavião de Almeida; j. 25/06/2002 - Boletim AASP n. 2337, pg. 2827/2828.
            11 Apelação Cível n. 70003385168, 19a. Câmara, julgamento aos 02/04/02, relator Desembargador GUINTER SPODE, RDI 53/292. A falida mencionada no acórdão é a "ENCOL".
            12 A propósito, a Súmula 60 – STJ "É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste".
            13 Convém a lembrança do inciso V do artigo 39 e do inciso IV do artigo 51, ambos do Código de Proteção do Consumidor, aliados à Portaria 03 de 15/03/01 da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, a qual dá por nula (item n. 15) previsão contratual em que " o adquirente autorize ao incorporador alienante constituir hipoteca do terreno e de suas acessões para garantir dívida da empresa incorporadora...[SIC]"
            14 E para tal, forrando as necessidades de incorporadoras e dando atenção às exigências dos bancos, vêm sendo regulados institutos tais como o "patrimônio de afetação", a "alienação fiduciária de imóvel", tudo a robustecer a certeza de que hipotecas ajustadas ao arrepio dos dispositivos legais lembrados agora, sequer possuem justificativa de índole negocial ou econômica.
            15 "Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha".
            16 Ordem que estaria inserida nos parâmetros pretendidos, a teor de "A decisão que antecipa a tutela não pode ir além da sentença possível, que por sua vez, está limitada ao pedido inicial" (STJ, 3a. Turma, RESP 194156-RS, relator Ministro ARI PARGENDLER, DJU 23-06-2003)
            17 Em idêntica demanda, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu o seguinte V. Acórdão:
            "Está bem demonstrado que os cedentes de direitos e os autores cumpriram todas as suas obrigações para com a promitente vendedora. Não importa que tenham autorizado a contratação da hipoteca, porque o cumprimento integral de seus deveres contratuais os autoriza a obter a liberação do imóvel e a escritura definitiva". (10a. Câmara, Agravo de Instrumento nº 93.940-4/0 –Campinas [MV 4.152], julgamento 03/08/99, Relator Desembargador Maurício Vidigal).





sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

VENDA A DESCENDENTE POR MEIO DE INTERPOSTA PESSOA

Sentença que julga a nulidade de venda a descendente por meio de interposta pessoa, a fim de burlar a exigência legal de anuência dos demais herdeiros.

         Poc. n 306/96.

Transferência de bem motivada por ascendente em prol de descendentes, mediante interposta pessoa, sem atendimento ao disposto no artigo 1132, do Código Civil - prescrição vintenária - simulação de venda - supostos compradores, na época, filhos do anterior vendedor, incapazes e sem rendimentos - ato nulo - cancelamento dos respectivos registros, retornando o bem ao proprietário originário. Ação Procedente.
Vistos etc...
MARIA HELENA CASTELLAN, MILTZ CASTELLAN DO COUTO e WALDEMAR JOSÉ DO COUTO, qualificados, ingressaram com ação visando nulidade de escritura contra MARGARIDA MARIA DA SILVA CASTELLAN, HORTENCIO LOPES MATIAS, JERONIMA SILVA MATIAS, ARMANDO CASTELLAN JÚNIOR, JOÃO CASTELLAN, MARILDA CASTELLAN DA SILVA e PAULO CASTELLAN, também qualificados, aduzindo, em síntese, que requerentes e requeridos, exceto Hortêncio e Jeronima, são filhos de Armando Castellan; que este, após enviuvar-se, contraiu novas núpcias com Margarida Maria da Silva Castellan, tendo nascido os filhos Armando, João, Marilda e Paulo; que Armando veio a falecer em 18 de julho de 1995; entretanto, Armando e a esposa Margarida transmitiram os imóveis que possuíam - indicados na inicial - em 3 de julho de 1981 - a Hortêncio e esposa; contudo, logo depois - em 26 de novembro de 1981 - o mesmo comprador transferiu todos os imóveis, por mesmo valor, para os quatro filhos do casal anteriormente vendedor, sendo que estes, na época, incapazes, não tinham renda própria para motivar o pagamento, motivando fraude e em prejuízo aos filhos requerentes pois os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam conforme disposto no artigo 1132, do Código Civil; que diante tal acontecimento, juntando documentos de fls. 8/29, pediram a citação dos requeridos para responderem aos termos da ação até final procedência.
Citados - fls. 33/34 e 55-verso - trouxeram, em conjunto, contestação - fls. 37/43 e fls. 67/71, argüindo, como preliminar, vício de citação diante ausência dos cônjuges de Armando, João, Marilda e Paulo, havendo necessidade da providência diante limites da ação - direito real -; quanto ao mérito, sustentaram a ocorrência da prescrição aquisitiva - usucapião - diante decurso do prazo de dez anos na posse, sem qualquer oposição; prescrição extintiva diante decurso do prazo de quatro anos sem qualquer provocação; existência de testamento destinando a parte disponível para a esposa; diante tais motivos, juntando documentos de fls. 44/47 e 73/92, insistiram no afastamento da inicial.
Manifestação dos requerentes as fls. 96/119 e dos requeridos as fls. 121/125. Outra manifestação dos requerentes as fls. 127/148 e dos requeridos as fls. 150/153.
As fls. 154 facultada a produção de prova documental, resultando inertes as partes.
As fls. 157 designada audiência de instrução e julgamento e as fls. 177, redesignada. Nesta, infrutífera a composição, colhidos os depoimentos de fls. 179/181-verso, a pedido das partes, fixado prazo para oferta de memoriais, ofertados as fls. 185/188 e 190/192, ratificando pronunciamentos anteriores.
Diante r. despacho de fls. 193, manifestação da curadoria as fls. 194/197 sustentando posição dos requerentes.
Diante condição posta no final do r. despacho de fls. 200/201, evitando indicação futura de eventual prejuízo, fixado prazo para manifestação da parte reclamante o que se deu as fls. 203 com expressa declaração da regularidade da citação e participação dos cônjuges.
Relatado,
DECIDO.
A ação ataca transferência de bens imóveis, envolvendo parentes, com distinção entre eles, motivando prejuízo, tendo por base o disposto no artigo 1.132, do Código Civil, no qual vem expresso que "os ascendentes não podem vender aos descendentes, sem que os outros descendentes expressamente consintam".
No caso, utilizada interposta pessoa.
Consta que o falecido Armando Castellan, em época anterior, viúvo, casou-se com Margarida Maria da Silva Castellan, nascendo os filhos constantes no polo passivo, sendo os requerentes filhos da outra união. Que em 3 de julho de 1981, o falecido e esposa cuidaram de transferir todos os bens imóveis - declinados e identificados na inicial - para Hortencio Lopes Matias.
Entretanto, passados poucos meses - em 26 de novembro de 1981 - tal comprador, do relacionamento de amizade do casal vendedor, cuidou de vender aos quatro filhos do falecido, sem participação dos demais - os ora requerentes - os imóveis já referidos.
No caso, sustentam os requerentes que ocorreu, não venda do falecido para o vizinho e deste para os requeridos mas sim, simulação e no sentido de fraudar o direito destes, pois abrangeu a totalidade do patrimônio.
Além disso, demonstrando a inexistência de qualquer negócio regular, os últimos compradores - filhos do segundo casamento - eram, na época da noticiada aquisição, incapazes e não produtores de riqueza, confirmando, portanto, que inexistiu pagamento e, por conseqüência, o negócio já apontado.
Assim, esse amigo comprador, diante dimensão do negócio - compradores incapazes e sem renda - surgiu como interposta pessoa e apenas na tentativa de desqualificar a transferência de bens para alguns filhos, em prejuízo dos demais, condição vedada pelo artigo já transcrito - 1.132, do Código Civil.
Assim, na época dessa transferência indicada como venda e compra, Armando contava com 17 anos de idade, João com 16 anos de idade, Marilda com 14 anos de idade e o último, Paulo, com 12 anos de idade, resultando demonstrada a condição, além da incapacitação para adquirir, a falta de rendimentos próprios e para suportar o negócio, caracterizada, com segurança a efetiva participação dos genitores no negócio e, portanto, ferindo o dispositivo que veda, sem expressa autorização, a transferência de bens para alguns dos filhos e por reconhecer ocorrência de prejuízo para os demais.
A direta ligação das partes - pai, conhecido e filhos - bem como a brevidade dos negócios - primeira transferência e a segunda - sustentam a tentativa de violar o direito de igualdade na relação existente entre os irmãos.
Padece pois, de nulidade, o negócio e diante efetivo prejuízo causado aos demais irmãos, ora requerentes.
Inviável, por outro lado, a indicada ocorrência de prescrição apontada pelo requeridos pois a matéria encontra-se sumulada - Súmula 494, do S.T.F. - e reconhece o prazo de vinte anos.
Tendo as transferências acontecido em 1981, apura-se, diretamente, que o vencimento desse prazo ainda não ocorreu e, portanto, possível o questionamento, sendo inviável, diante todas as circunstâncias aqui apontadas, o reconhecimento da aquisição via usucapião.
E no caso da transferência não autorizada, cuida-se de caso de nulidade absoluta e não relativa, deixando, portanto, de produzir qualquer efeito mesmo porque, segundo Silvio Rodrigues, apontado na manifestação da douta curadoria, "o ordenamento jurídico não pode consentir que se consiga, por via indireta, aquilo que ele expressamente veda pela via direta" (in ob. ali apontada, p. 163).
Adahyl Lourenço Dias sustenta que "O ascendente pode vender a terceiro. É livre para fazê-lo. Se vende a terceiro e este posteriormente transfere ao filho de seu vendedor, esta segunda operação compromete a primeira, caindo ambas. A lei veda a transação direta e verticalmente. Pelos mesmos motivos não permite que seja burlada sua intenção, completando o arco ao levar a coisa recebida à custódia do descendente".
E prossegue: "...Quando o comprador do ascendente transmite a coisa ao filho de seu alienante, o vício retroage à procedência, alcançando a primeira escritura, que, por si mesma, sem a segunda, nada denunciaria que comprometesse a sua vitalidade. Realizado, porém, o segundo estágio, há o contágio imediato, estendendo à primeira transmissão. O segundo condena e sacrifica o primeiro, reunindo ambos pelo princípio de que não subsiste o ato que contrarie proibição legal, mesmo indiretamente, quando concretizado para desviar-se do efeito da coibição. A segunda escritura transforma o vendedor em intermediário, e os dois atos se vinculam em um só para efeito da declaração da nulidade."
Ademais "...A ilegitimidade do ascendente atinge sem qualquer modificação o intermediário que age, assim, na função de elemento representativo da ilegitimidade do ancestral para levar a coisa ao patrimônio do filho. Assim como ao ascendente é vedado alienar ao filho, essa ilegitimidade contagia a interposta pessoa, pouco importando se o ato tenha ou não fundo de realidade, de verdadeira compra e venda, visto que a lei deixou de admitir qualquer exceção ou condição à redenção do ato" (in Venda a Descendente, pag. 122-123, 3a. ed., Forense, 1985, Rio de Janeiro).
O conjunto probatório assegura a irregular transferência mediante fraude.
Aparecido Salvador Santana, ouvido as fls. 179/verso, relatou que "...soube também que o genitor, homem bastante simples, já tinha resolvido no tocante a bens anteriores, com os filhos do primeiro casamento e, portanto, pretendeu acertar a situação dos filhos do segundo casamento, motivo dessa mudança de bens; entretanto, não sabe dizer o por que (sic) de ter sido utilizada uma terceira pessoa..."
Confirmou, portanto, além de irregular transferência, a inexistência das vendas e compras apontadas nos autos, sendo o terceiro, também requerido, interposta pessoa.
João Luiz Ferro da Silva, funcionário do requerido João Castelan, em depoimento constante de fls. 180 sustentou mesma versão: bens transferidos aos filhos do segundo casamento no sentido de ampará-los, resultando excluídos, os do primeiro.
Em mesmo sentido, o depoimento de Luis Fernando Gouvea, as fls. 181, acrescentando que "...resolveu transferir o imóvel para os filhos do segundo casamento por vontade própria e no sentido de amparar esses filhos, posto que outros de outro relacionamento ou casamento anterior ´sentiu-se em determinada época um pouco desprezado".
E essa prova testemunhal partiu dos próprios requeridos, afastando qualquer dúvida quanto ao procedimento utilizado pelo genitor falecido.
Não importa, no caso, questionar se agiu bem ou mal no tocante ao pretendido amparo dos filhos da segunda união; o que importa é que, ao assim agir - transferindo os bens para alguns dos filhos - feriu expresso preceito legal que veda, terminantemente, a transferência sem expressa autorização dos excluídos na relação - tendo, de outra parte, tentado simular situação diversa com aparente venda e compra em seqüência, contando com a participação de amigo, também requerido.
POSTO ISSO e considerando o mais que dos autos consta, diante comprovação da irregular transferência do bem, ferindo a previsão do artigo 1.132, do Código Civil e mediante prática de fraude na transferência, JULGO PROCEDENTE a inicial e, em conseqüência, reconhecido o vício, declaro a nulidade das escrituras constantes em cópia as fls. 19/20 e 23/24 verso e, por conseqüência, a nulidade dos registros que motivaram, retornando, quanto a este - o registro de n. 21.262 - ao proprietário originário - Armando Castellan - e, diante sua morte, promovendo os interessados o inventário necessário visando a regularização da sucessão, nulo qualquer ato posterior, inclusive, gravame de usufruto. Com referência aos eventuais frutos percebidos, a questão deverá ser dirimida, por ocasião do inventário junto aos depositários do bem ao longo dos anos e mediante específica discussão. Condenados ainda, MARGARIDA MARIA DA SILVA CASTELLAN, HORTENCIO LOPES MATIAS, JERONIMA SILVA MATIAS, ARMANDO CASTELLAN JÚNIOR, JOÃO CASTELLAN, MARILDA CASTELLAN DA SILVA e PAULO CASTELLAN bem como respectivos cônjuges - todos citados conforme certidão nos autos e manifestação de fls. 203 - ao pagamento em prol de MARIA HELENA CASTELLAN, MILTZ CASTELLAN DO COUTO e WALDEMAR JOSÉ DO COUTO, das custas, emolumentos e honorária do patrono que arbitro em 15% sobre o valor da causa atualizado, pelos índices das Trs., a contar da distribuição.
Com o trânsito em julgado da decisão, expeça-se mandado ao respectivo Serviço de Registro Imobiliário.
P. R. e Intimem-se.
Franca, 11 de setembro de 1997.
ELCIO TRUJILLO
 Juiz de Direito

NOVA PROCURAÇÃO ANULA ANTERIORES


O ato de juntar nova procuração em processo na Justiça do Trabalho implica revogação tácita das procurações anteriores – a não ser que haja ressalva em relação aos poderes conferidos ao antigo patrono. Decisão neste sentido foi adotada pela Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, que rejeitou recurso da Tenenge - Técnica Nacional de Engenharia S/A, por considerar a ocorrência de irregularidade processual, com base na Orientação Jurisprudencial nº 349 da SDI-1.

Em ação movida por um ex-empregado que trabalhou dez anos como soldador, a empresa foi condenada, em sentença da 3ª Vara do Trabalho de Cubatão (SP), ao pagamento de diferenças relativas a horas extras, adicional de periculosidade, abono por aposentadoria, saldo salarial e multa de 40% sobre o FGTS. Por meio de escritório de advocacia de São Paulo, que detinha poderes de procuração substabelecidos por outro advogado, a Tenenge contestou a sentença – primeiro, mediante embargos de declaração e, depois, em recurso ordinário, ambos rejeitados, respectivamente, pela 3ª Vara de Cubatão e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). A empresa insistiu na tentativa de reverter a decisão mantida pelo TRT, interpondo recurso de revista, igualmente rejeitado pela Segunda Turma do TST, o que a levou a apelar à SDI-1.

A relatora, ministra Dora Maria da Costa, considerou não ser possível apreciar a matéria por haver irregularidade de representação, pois o recurso foi assinado por advogado sem poderes para fazê-lo. Ela chegou a essa conclusão ao verificar que a empresa, ao juntar nova procuração, sem ressalvas, revogou tacitamente as anteriores. Além disso, a relatora ressaltou que a procuração com o nome do advogado que assinou o recurso de embargos foi outorgada pela Construtora Norberto Odebrecht, que é sócia-gerente da Tenenge. Ou seja: mesmo com a comprovação da sociedade, trata-se de empresas distintas, cada uma delas com personalidade jurídica própria.

(E-RR-508032/1998.4)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO

 


Em ações de despejo por falta de pagamento não se abre oportunidade para a formulação reconvencional pleiteando indenização, pela estreiteza das balizas dessa especialíssima ação judicial.

I.A ação de despejo por falta de pagamento.

As ações locatícias são reguladas conforme a Lei n. 8245/91, cujo art. 58 disciplina as características gerais das demandas, tais como o curso durante as férias forenses, a competência, o valor a ser atribuído à causa, a possibilidade de citação através de meios mais elásticos, o efeito de recursos interpostos diante de sentenças.
Essa lei especial, aplicável às locações imobiliárias urbanas, regulou a par das ações de despejo, as ações de consignação de aluguel e de acessórios da locação, as ações renovatórias e as revisionais.
Novidade alguma existe na circunstância de ter, a lei de locações, cuidado de temas processuais, sendo mantidas residualmente as disposições do Código de Processo Civil. Já a legislação anterior o fazia e a vivência somente mostrou bons frutos no regramento das formas que permitem a exata concretização do direito positivo. Bem por isso a relativa tranqüilidade na operação das ações judiciais locatícias, mormente se comparada com as armadilhas encontradiças na legislação processual geral.
A Lei n. 8.245/91 fixou procedimento específico para a ação de despejo por falta de pagamento no seu artigo 62, incluída a possibilidade de cumulação de pedido de cobrança dos aluguéis e encargos locatícios inadimplidos, ao requerimento de rescisão da locação. Desde a vigência da Lei n. 12.112/09, em vigor 45 dias após a sua edição (10/12/2009) a pretensão à cobrança pode ser manejada também ante os fiadores.
O objeto (art. 62, da Lei n. 8.245/91) da "ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança" é claro e decorre da lei, que fixou procedimento especial: a rescisão da locação por falta de pagamento, a cobrança do valor devido a título de aluguel e encargos locatícios.
Somente este é o escopo da ação de despejo por falta de pagamento, sublinhe-se. Assim não fora e difícil seria imaginar o curso do processo com a velocidade e a simplicidade impostas pela lei.
A tal ponto especifico é o procedimento legal, que mereceu tratamento único no aludido art. 62, inconfundível com os demais procedimentos previstos na própria Lei Especial das Locações, que se preocupou no disciplinar, uma a uma, as ações pertinentes a cada uma das situações locatícias.
Em suma, nessa modalidade de ação judicial ou o locatário paga (purga a mora) ou prova que já pagara o valor ajuizado. Mais, não se debate em tal sede processual.
Minuciosamente a lei previu: (i) para evitar a rescisão da locação, os devedores precisarão pagar sem aguardar qualquer cálculo, que é incumbência deles (art. 62 – II); (ii) exige-se a liquidação de todos os importes vencidos até a efetivação do pagamento e não somente dos contados na inicial da ação (art, 62 – II – "a"); (iii) o pagamento abarca – sempre incumbido o devedor dos cálculos – até mesmo as custas despendidas e os honorários advocatícios, além dos juros e das multas; (iv) eventual purga incompleta renderá o despejo (art. 62 – IV); (v) mesmo a possibilidade da purgação da mora é limitada (art. 62 – parágrafo único [01]); (vi) por ilustração, sequer a multa contratual [02]compensatória poderia ser incluída no pleito, exatamente por escapar dos parâmetros dessa ação específica, sempre recordada a rigidez que caracteriza o procedimento civil brasileiro.
Como se nota, a "ação de despejo por falta de pagamento" mereceu do legislador regra peculiar e exata, sendo almejada no direito positivo a estrita observância do locatário ao dever de adimplir, a ponto de - maior rigor é impossível - quando não estiver a locação provida por qualquer das garantias locatícias (art. 37), ser previsto o despejo liminar, pelo artigo 59 – IX, conforme acréscimo feito pela Lei 12.112/09.

II.Contornos da reconvenção.

Com brevidade devem ser resgatadas certas peculiaridades relativas à reconvenção, prevista no art. 315, do Código de Processo Civil, restrita às situações em que estampar pedido conexo com o da ação principal ou com o fundamento da defesa. É primordial a consonância perfeita dos temas da ação e da reconvenção.
Este aspecto é essencial: a base direta da reconvenção há de ser simétrica, harmônica, à da ação, sob pena de findarem formuladas reconvenções a torto e a direito, pois afinal nos processos judiciais sempre se buscará - ou se dirá buscar- um direito, o que admitiria reconvenções em quaisquer situações, objetivo jamais traçado pela lei processual.
Necessário averiguar a admissibilidade da pretensão reconvencional diante do procedimento que lastreia a ação, respeitando-se assim as características que a lei imponha à modalidade. E a razão é simples e prática: se a lei confere determinado procedimento e devendo a reconvenção alcançar deslinde simultâneo ao da ação, tal jamais ocorreria se para a ação se emprestar um procedimento e para a reconvenção, outro.
O sistema processual brasileiro é severo, construído para que de determinada maneira seja alcançado o Direito de forma eficaz e econômica (ao menos em tese, o sabem os operadores). Por isso a especialidade prevista para a formulação de algumas pretensões, tais como a de prestação de contas, a possessória, a pertinente ao elenco do art. 275 do CPC (malgrado componham o procedimento comum, a respectiva natureza ou o valor norteiam a observação do procedimento sumário, do qual o procedimento ordinário é supletivo), a de despejo devido à falta de pagamento, exemplificativamente. Em coerência, cumprirá averiguar a adequação da pretensão reconvencional ao procedimento imposto à ação.
Há de ser assinalado que a reconvenção deve atender as condições da ação, que devem ser cumpridas por qualquer petição inicial e, por isso, deve ser destacada a situação em que a contestação já cumpra ou possa cumprir o objetivo posto na reconvenção, a tornar esta desnecessária.

III.Reconvenção pleiteando indenização em ação de despejo por falta de pagamento.

Pois bem. A solidez do procedimento conferido às ações de despejo por falta de pagamento não abre espaço à formulação de reconvenção que almeje indenização por danos.
Tampouco seria admissível a cobrança de indenização pelo Locador nesta sede. A se pensar inversamente, isto é, a se querer que diante de danos no imóvel, fossem o locatário e o fiador impelidos ao pagamento imediato (malgrado ilíquido e incerto o importe a tal título perseguido, mesmo se provados os danos e a responsabilidade), como se enfrentaria a obviamente difícil mensuração da indenização? Seria impossível e findaria obstado o objeto único focado na especial ação de despejo por inadimplemento dos aluguéis e dos encargos.
A propósito da dificuldade de apurar-se o valor da indenização em questão locatícia, "Considerando que, por razões contratuais, a integridade física do imóvel sempre foi responsabilidade da ré, deve a mesma responder pelos danos materiais causados em virtude de incêndio desencadeado por irregularidades na sua rede elétrica. O valor da indenização, conforme bem salientado pela r. sentença hostilizada, deve ser aferido em sede de liquidação de sentença, porquanto os valores apresentados na exordial foram amplamente impugnados pela parte contrária, não se sabendo ao certo, pelos elementos dos autos, se todos os equipamentos foram de fato avariados por ocasião do sinistro. Serão ressarcidos por inteiro pela ré", em ilustrativa decisão relatada pelo Desembargador Norival Oliva [03], remetendo a aferição do valor da indenização à fase de liquidação de sentença, cujo termo final efetivo (livre das pendências inerentes à eventualmente cabível execução provisória) se dá em oportunidade muito longínqua, somente após a sentença transitar em julgado.
A razão de não ser possível que o locador veicule pedido de indenização por danos em ação de despejo por falta de pagamento é clara: a questão jamais seria solvida através do procedimento específico a tais ações, tampouco sendo viável a solução rápida outorgada à situação de singelo inadimplemento de alugueis e encargos locatícios. Impossível para o locador, igualmente impossível para o locatário, pela mesma motivação.
É suficiente comparar a cronologia dos passos previstos pela lei para o desenvolvimento da ação de despejo por falta de pagamento (por exemplo, note-se a rapidez impressa à purga da mora, independente da espera de cálculo) com o procedimento de liquidação de decisão condenatória por danos, para robustecer esta conclusão.
Mostra-se pacífica a jurisprudência, rechaçando reconvenções nas quais se tenha agitado pretensão à indenização por "danos sofridos pelas más condições de uso do imóvel", porquanto "inadmissível em ação de despejo por falta de pagamento, uma vez que, mesmo que aceita e julgada procedente, jamais poderia retroagir para alcançar e elidir a mora" no dizer da Desembargadora Cristina Zucchi [04], erigindo a desarmonia das pretensões e o resultado do manejo, inábil à elisão da mora, como vedação à reconvenção.
Proclamando o respeito à rigidez sistematizada no nosso direito processual, se julgou que "a ação de despejo é de rito especial, somente admitindo reconvenção quando o pedido do reconvinte guarde alguma relação com a causa de pedir e o pedido principal, não vislumbrada no caso concreto. Com efeito, o pedido de indenização por danos morais não guarda qualquer identidade com a causa de pedir fundada no inadimplemento da locatária...", nas palavras do Desembargador Emanuel Oliveira [05], que não descurou da essencialidade da consonância das causas de pedir.
Realmente: não se mescla o objeto da ação de despejo por falta de pagamento (exatamente o que o nome comunica - cobrar valor certo, vencido e avençado ou despejar o imóvel) com o objeto de perceber indenização, seja por danos materiais, seja por danos morais, em favor de qualquer dos contratantes.
Portanto, em ações de despejo por falta de pagamento não se abre oportunidade para a formulação reconvencional pleiteando indenização, pela estreiteza das balizas dessa especialíssima ação judicial, o que de modo algum impede, é evidente, contestação ou a postulação que o locatário entender conveniente, através de demanda autônoma.
E esta assertiva se baseia na atenção à rigidez do sistema processual; na verificação do escopo singelo da ação de despejo por falta de pagamento, fixado com parâmetros tão restritos precisamente para permitir a agilidade judicial exigida pela sociedade, objetivo que findaria afastado se admitidas discussões e análises árduas que cercam as pretensões de indenização por danos; na necessidade de harmonia do esteio da reconvenção e da ação.

Notas

1.                       Na redação trazida pela Lei 12.112, de 09/12/2009.
2.                       "(...) Em ação decorrente de falta de pagamento de alugueres, quando há previsão contratual da cobrança de multa moratória e multa compensatória, apenas a primeira pode ser cobrada, sendo vedada a cumulação - Apelação parcialmente provida. (g.n.) (Apelação 992090770543, 36º Câmara, julgamento: 26/11/2009, relator Desembargador Romeu Ricupero).
3.                       TJSP, APELAÇÃO COM REVISÃO 992.07.031568-9(1.129.124/9-00), 26ª Câmara, julgamento: 09 03 2010, relator Desembargador Norival Oliva.
4.                       TJSP, apelação 739.880-0/7, 34ª Câmara, relatora Desembargadora Cristina Zucchi.
5.                       TJSP, apelação 1065260.003, 34ª Câmara, julgamento: 14/05/2008, relator Desembargador Emanuel Oliveira.

Autor

·                                

Jaques Bushatsky

advogado, diretor da Mesa de Debates de Direito Imobiliário (MDDI), sócio correspondente para São Paulo da Associação Brasileira dos Advogados do Mercado Imobiliário (ABAMI)

Informações sobre o texto

Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

BUSHATSKY, Jaques. Ação de despejo por falta de pagamento. Nota sobre a formulação de reconvenção pugnando indenização por danos. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3092, 19 dez. 2011. Disponível em:<http://jus.com.br/revista/texto/20679>. Acesso em: 19 dez. 2011.

RESPONSABILIDADE TRABALHISTA DO EMPREITEIRO NO CONTRATO DE SUBEMPREITADA

               Ao assegurar ao empregado o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento das obrigações do subempreiteiro, utilizando a expressão inadimplemento e não débito, o texto legal evidencia que aquele só poderá ser acionado se este não assumir as suas responsabilidades.

1 - INTRODUÇÃO


A empreitada, objeto do presente estudo, tem, antes de mais nada, uma importância histórica para o direito do trabalho. Com efeito, o direito do trabalho, como disciplina autônoma que tem por objeto as relações de emprego, surge apenas com a revolução industrial, a partir da constatação de que a massificação da produção causava uma superexploração dos trabalhadores pelos detentores do capital. Mas o trabalho humano, ou seja, as relações de trabalho em sentido amplo caracterizadas pelo emprego da energia de um homem em prol dos interesses de outro, existe desde os primórdios da humanidade. E uma das primeiras regulamentações que surgiu acerca deste fenômeno foi justamente a locatio rei operis, locação de obra do direito romano, que equivale à figura hoje denominada empreitada, que juntamente com a locação de serviços, locatio rei operarum, consistem no que muitos doutrinadores consideram o embrião do contrato de trabalho.

Feitas estas considerações iniciais cumpre passarmos à conceituação do objeto do nosso estudo. E não há como se estudar subempreitada sem antes se analisar o que vem a ser a empreitada. Pois bem. Segundo Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcanti "empreitada é o contrato em que um das partes se propõe a fazer ou a mandar fazer certa obra, mediante remuneração determinada ou proporcional ao serviço executado" [01]. É um contrato de natureza cível que objetiva a entrega de uma obra mediante o pagamento de um preço.

Diferencia-se do contrato de trabalho dos empregados da construção civil, por exemplo, na medida em que na empreitada não há subordinação e sim autonomia na prestação de serviços enquanto nas relações de emprego verifica-se como principal elemento a subordinação. Além disso, na empreitada o risco da atividade econômica é do prestador de serviços e não do empregador como sói acontecer nas relações de emprego. E mais, na empreitada, o sujeito pode ser pessoa física ou jurídica, enquanto no contrato de trabalho o empregado só pode ser pessoa física, por se tratar de um contrato personalíssimo. Ademais o objeto do contrato de trabalho, via de regra é um contrato de atividade, enquanto na empreitada tem-se um contrato em que se pretende uma obra, ou seja, o objeto o resultado do trabalho. Trocando em miúdos, as relações de emprego consistem em contratos de atividade, e a empreitada em contratos de resultado.

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De todo modo uma coisa tem que ficar clara. Entre o empreiteiro e o seu contratante há um contrato de empreitada, mas, entre aquele e seus auxiliares, temos vários contratos individuais de trabalho.

Um outro fato que merece destaque quanto ao contrato de empreitada é que, mesmo no período anterior à Emenda Constitucional n. 45/04, época em que a competência da Justiça do Trabalho estava adstrita às questões concernentes às relações de emprego e a algumas poucas questões relativas a outros contratos de trabalho desde houvesse expressa autorização legal para tanto, havia uma forma de empreitada que já se inseria no âmbito de análise da justiça especializada. Isto porque o artigo 652, "a", III da CLT expressamente inseria na competência das Varas do Trabalho (antes juntas de conciliação e julgamento) os dissídios resultantes dos contratos de empreitada em que o empreiteiro seja operário ou artífice. Veja que a lei não atraía para a competência da justiça laboral todos os contratos de empreitada, mas apenas aqueles em que o empreiteiro mostrasse uma fragilidade tamanha que merecesse, embora não tutelado pela legislação trabalhista, ser julgado pela justiça dos empregados.

Importa ressaltar ainda que a prática cotidiana fez com que se tornasse cada vez mais freqüente a conduta de se firmar entre o empreiteiro principal e outros novos contratos para que estes realizem parcelas menores da obra. E é justamente esse contrato firmado entre o empreiteiro contratado pelo dono da obra e outros que muitas vezes sequer chegam a ter contato direto com este tratando apenas com aquele que se convencionou chamar de subempreitada.

Em outras palavras, a subempreitada nada mais é do que o contrato também cível firmado pelo empreiteiro principal com outros para que estes o auxiliem no cumprimento de suas obrigações pactuadas entre aquele e o dono da obra. É uma forma de terceirização de parte de suas obrigações. Em outras palavras, trata-se de uma espécie do contrato de empreitada em que o contratante não é o dono da obra, mas a pessoa por ele contratada para realizá-la. Surge na medida em que o empreiteiro, podendo contratar empregados para o desempenho de suas obrigações, opta por celebrar com outros empreiteiros o contrato de subempreitada.

E essa prática, que consistiu na primeira forma de terceirização expressamente admitida na legislação brasileira, antes mesmo da promulgação da 6.019/74 que cuida do trabalho temporário, mereceu atenção especial do legislador. Já naquela época se percebeu que a fragmentação do poder diretivo da atividade entre várias pessoas poderia ser utilizada para fraudar os direitos dos empregados. Atentou-se para o fato de que empreiteiros saudáveis financeiramente poderiam contratar subempreiteiros com o fito de afastar de si qualquer responsabilidade trabalhista, transferindo-a para alguém que sabidamente não poderia pagá-la e poderia simplesmente sumir daquela praça sem fazê

E foi esta constatação que constituiu a gênese do art. 455 da CLT que enuncia que:

"Nos contratos de subempreitada responderá o subempreiteiro pelas obrigações derivadas do contrato de trabalho que celebrar, cabendo, todavia, aos empregados, o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento daquelas obrigações por parte do primeiro. Parágrafo único. Ao empreiteiro principal fica ressalvada, nos termos da lei civil, ação regressiva contra o subempreiteiro e a retenção de importâncias a este devidas, para a garantia das obrigações previstas neste artigo".

O que se buscou com esse dispositivo foi justamente criar expressamente a possibilidade de o empreiteiro principal ser responsabilizado pelos débitos trabalhistas contraídos pelos subempreiteiros por ele contratado. Deriva esta responsabilização da idéia de culpa in eligendo e culpa in vigilando, uma vez que cabe ao empreiteiro agir com cautela ao contratar aquele a quem terceirizará parte de suas obrigações. Se não o escolher bem, ou se não acompanhar a sua atividade, arcará com as conseqüências. Como isto se evitou, ou pelo menos se tentou evitar, a pactuação de subempreitadas como forma de elisão de direitos trabalhistas e se assegura aos empregados do subempreiteiro, que são aqueles que efetivamente colocam "a mão na massa", uma maior garantia de recebimento de seus créditos.

Veja-se que a partir de uma simples leitura do referido dispositivo legal percebe-se que o empreiteiro assume os riscos quanto à realização da obra. Ao efetuar a contratação de um subempreiteiro, também está assumindo, por imperativo legal, os riscos das obrigações trabalhistas dos seus empregados. Se as obrigações trabalhistas dos empregados do subempreiteiro não são adimplidas, terão estes o direito de ação contra o empreiteiro.

Como já ressaltado, trata-se de responsabilização por culpa in eligendo tal qual a das empresas tomadoras de serviço pelos débitos trabalhistas das empresas prestadoras de serviço. A fim de evitar futuras demandas, deve o empreiteiro fiscalizar o subempreiteiro, tanto no registro de seus empregados como no pagamento dos direitos trabalhistas. Se assim não o faz responde pela sua incúria a título de culpa in vigilando e in eligendo.

2 – A NATUREZA DA RESPONSABILIDADE DO EMPREITEIRO


A grande discussão que merece nossa análise neste estudo é acerca da forma de responsabilidade do empreiteiro pelos débitos trabalhistas contraídos pelo subempreiteiro. Seria esta responsabilidade solidária ou subsidiária? Não há uma única resposta para este questionamento haja vista que a doutrina trabalhista e os tribunais especializados divergem quanto a este ponto. Antes de opinar quanto a este ponto, cumpre relembrar em que consiste cada uma destas figuras.

A solidariedade foi definida pelo legislador pátrio no artigo 264 do Código Civil como a responsabilidade existente "quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda". Ou como definiu com mais clareza a civilista Maria Helena Diniz [02] "A obrigação solidária é aquela em que, havendo multiplicidade de credores e de devedores, ou de uns e outros, cada credor terá direito à totalidade da prestação, como se fosse o único credor, ou cada devedor estará obrigado pelo débito todo, como se fosse o único devedor". Esclarecendo ainda haver nestes casos uma unidade de prestação e pluralidade de sujeitos.

Por sua vez a subsidiariedade, como salientam Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante [03], expressa a reserva ou reforço; o que surge em segundo plano, como forma de auxílio ou suplemento à obrigação principal. A responsabilidade subsidiária denota uma ampliação da garantia dada ao credor. Se o devedor principal não tiver condições de efetuar o adimplemento de suas obrigações, poderá o credor solicitá-las do devedor subsidiário. Trata-se de uma obrigação residual, devendo o credor acionar o devedor principal e, somente se o mesmo for inadimplente, poderá exigir a dívida do devedor subsidiário.

O fato é que o legislador não especificou textualmente qual das formas de responsabilidade teria o empreiteiro o que fez com que surgissem opiniões divergentes na doutrina. José Luiz Ferreira Prunes [04], v. g.defende serem empreiteiros e subempreiteiros solidariamente responsáveis pelos débitos contraídos por estes. Entendimento este também esposado por Mozart Victor Russomano [05], para quem o artigo 455 deriva do caráter protetivo do Direito do Trabalho o que justificaria a conclusão de que a garantia econômica dos direitos do empregado não poderia ficar entregue à eventual inidoneidade econômica dos subempreiteiros, devendo o empreiteiro principal, que geralmente possui maiores recursos, ser solidariamente responsabilizado.

Entre os que defendem a tese de que a responsabilidade em casos de subempreitada é subsidiária estão autores do quilate de Maurício Godinho Delgado [06], Délio Maranhão [07] e Alice Monteiro de Barros [08]. O primeiro inclusive defendendo que a partir da uniformização jurisprudencial sedimentada pela Súmula 331, IV do TST, engloba-se também a situação da subempreitada no cenário jurídico da terceirização, passando-se a considerar como subsidiária a responsabilidade do empreiteiro principal em caso de subempreitada.

Esta divergência alcançou os Tribunais pátrios havendo uma infinidade de julgados em cada um dos sentidos. O mais curioso é que a divergência não se mostra apenas entre os Tribunais como também entre as turmas e as composições internas de cada um deles. Exemplificando o que fora afirmado, cumpre destacar que o mesmo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, por sua 4ª e 5ª Turmas, mostra-se vacilante, entendendo, em decisões cujo intervalo temporal entre elas não chega a um ano, no primeiro caso que a responsabilidade nestas hipóteses seria solidária e no segundo que ela seria subsidiária:

EMENTA: Responsabilidade solidária. Empreiteira principal. Caracterizado o contrato de subempreitada. Condenação solidária que encontra sustentáculo no disposto no art. 455 da CLT. (TRT da 4ª Região, 4ª Turma. RO nº 00003.305/99-6. Relator JUIZ CARLOS CESAR CAIROLI PAPALEO. Publicado no DOE/RS em 07-05-2001).

EMENTA: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Não afasta a responsabilidade subsidiária da parte o fato de ter ela celebrado contrato de empreitada com uma empresa, que por sua vez celebrou contrato de subempreitada com outra, para a qual trabalhou o empregado, uma vez que a primeira foi a real beneficiária do serviço por este último prestado, mormente quando trata-se de serviço essencial à atividade desta. TRT 4ª Região, 5ª Turma, RO 01238.701/97-3. Relatora JUÍZA MARIA LUIZA FERREIRA DRUMMOND Publicado no DOE/RS em 19-06-2000).

O mesmo pode ser dito em relação ao TRT da 2ª Região que em decisões publicadas em intervalo pouco superior a um mês adotou entendimentos diametralmente opostos. Observe-se:

EMENTA Responsabilidade solidária. Art. 455 da CLT. Não dispõe o artigo 455 da CLT que o empregado pode exigir a obrigação dos dois ao mesmo tempo, mas apenas de um dos dois, e só poderá exigi-lo do empreiteiro, se o subempreiteiro deixar de pagar as verbas trabalhistas ou não tiver idoneidade financeira para suportá-las. O empreiteiro principal não tem obrigação, mas responsabilidade, tanto que tem direito de regresso contra o subempreiteiro e pode reter verbas. O artigo 455 da CLT não trata de responsabilidade solidária. TRT 2ª Região, 2ª Turma. RO01 - 02696-2003-041-02-00 Relator SÉRGIO PINTO MARTINS. Publicado no DOE SP, PJ, TRT 2ª em 27/06/2006.

Recurso ordinário. 1. Verbas rescisórias. TRCT com assinatura impugnada pelo obreiro. Fato notório: A negativa do obreiro em seu depoimento pessoal de que tenha assinado o TRCT juntado com a defesa não é suficiente para afastar o valor probante do documento, quando a simples confrontação da assinatura no termo com aquelas constantes da CTPS do empregado, procuração e declaração de pobreza, mostra terem sido firmadas pela mesma pessoa, mormente quando não impugnado o conteúdo do documento, aplicando-se à espécie a disposição contida no artigo 334, I, do CPC, segundo o qual não dependem de prova os fatos notórios. 2. Responsabilidade solidária: Comprovada a subempreitada, a responsabilidade solidária decorre da disposição contida no artigo 455, da CLT. 3. Diferenças de horas extras e de depósitos do FGTS. Ônus de provar o pagamento: A prova do pagamento das diferenças de horas extras e do FGTS deveria ter sido produzida pela empregadora, até porque não se mostra juridicamente aceitável atribuir ao obreiro a produção de prova negativa do pagamento das verbas que pleiteia. O ônus é do empregador. 4. Gratuidade de justiça: A declaração de pobreza assegura o benefício ao obreiro, faltando legitimação à empresa para atacar a concessão, vez que se trata de relação entre o Estado e o requerente da gratuidade. (TRT 2ª Região, 11ª Turma, RS01 - 01875-2004-057-02-00, Relatora Juíza WILMA NOGUEIRA DE ARAUJO VAZ DA SILVA, Publicado no DOE SP, PJ, TRT 2ª em 23/05/2006).

Ainda a título ilustrativo há que se ponderar ser perceptível o mesmo fenômeno no TRT da 12ª Região:

CONTRATO DE SUBEMPREITADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Evidenciada a existência do contrato de subempreitada e o inadimplemento das obrigações trabalhistas pelos empreiteiros, assiste aos subempreiteiros o direito de reclamação contra os empreiteiros, nos termos apregoados pelo art. 455 da CLT. (TRT 12ª Região, 1ª Turma, RO nº 07152/ 2001. Relatora Juíza SANDRA MÁRCIA WAMBIER Publicado no DJ/SC DATA: 25.01.2002 PG: 127).
DONO DA OBRA. PARÂMETROS PARA A DECRETAÇÃO DA SUA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. O art. 455 da CLT não faz nenhuma ressalva ao dono da obra. A construção jurisprudencial que visa a abrandar o rigor da norma, em prol de quem se beneficia do serviço alheio mediante subempreitada, é aplicável em circunstância muito específica. Se é justo, em alguns casos, não responsabilizar o dono da obra que constrói mediante empreitada com propósito não comercial, cumpre não exagerar o precedente jurisprudencial, sob pena do desvirtuamento completo da lei, até porque a sabedoria da previsão contida em tal dispositivo legal autoriza o Juiz a condenar o dono da obra que se utiliza da subempreitada com o desiderato principal de locupletar-se da mão-de-obra alheia, escolhendo subempreiteiro que sabida ou presumivelmente vai inadimplir as obrigações trabalhistas. Há um dever de escolha e de fiscalização nessa relação do qual nem o dono da obra pode descurar, o que atrai a aplicação do art. 159 do Código Civil. (TRT 12ª Região. RO Nº 05639/2000. Relator Juiz IDEMAR ANTÔNIO MARTINI Publicado no DJ/SC em 05.02.2001, PG: 86)

3 – conclusão

Não obstante a respeitabilidade daqueles que defendem que a responsabilidade seria solidária, razão assiste aos defensores da segunda corrente, qual seja a de que a responsabilidade seria subsidiária. Analisando o artigo 455 em sua literalidade, parece evidente que a responsabilidade nas hipóteses por ele tratada é subsidiária e não solidária. Isto porque, ao assegurar ao empregado o direito de reclamação contra o empreiteiro principal pelo inadimplemento das obrigações do subempreiteiro, utilizando a expressão inadimplemento e não débito, o texto legal evidencia que aquele só poderá ser acionado se este não assumir as suas responsabilidades. Quisesse o legislador responsabilizá-los solidariamente seguramente teria preferido a expressão débito ao invés de inadimplemento. Esta preferência terminológica conduz à conclusão de que não há quanto a este ponto ambigüidade capaz de justificar a aplicação do pincípio in dubio pro operario.

Há outros fundamentos que também sustentam a conclusão apresentada. Um deles baseia-se no fato do artigo 265 do Código Civil estatuir com clareza solar que "a solidariedade não se presume". E não se presumindo, não pode ela ser deduzida a partir de uma interpretação extensiva, só se mostrado cabível quando a lei for expressa neste sentido, o que não é o caso.

Além do que, há um princípio geral de direito que fala que o ordinário deve ser presumido e o extraordinário ser sempre provado. E o extraordinário no caso é inquestionavelmente a solidariedade, conseqüência muito mais gravosa para a parte.

E mais o artigo 114 do Código Civil é claro e cristalino ao estatuir e os negócios jurídicos benéfico e a renúncia interpretam-se restritamente. E a solidariedade é, indubitavelmente, um negócio jurídico benéfico na medida em que assegura maior proteção ao empregado.

Por todo o exposto, é imperioso concluir que a responsabilidade do empreiteito pelos débitos trabalhistas contraídos pelo subempreiteiro é subsidiária e não solidária.

Notas

1.                    JORGE NETO, Francisco Ferreira e CAVALCANTI, Jouberto de Quadros Pessoa. Manual de direito do trabalho. Tomo I. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 214.
2.                    DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 240.
3.                    Op cit. P. 218.
4.                    PRUNES, José Luiz Ferreira. Terceirização do Trabalho, 1ª ed., 3ª tiragem, p. 319.
5.                    RUSSOMANO, Mozart Victor. Ob cit p. 434.
6.                    DELGADO, Maurcício Godinho. Introdução ao direito do trabalho. 2ª ed. P. 367.
7.                    MARANHÃO, Délio et ali. Instituições de Direito do Trabalho, v. I, 19ª ed. P. 275.
8.                    BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 357.



AUTOR DO TRABALHO:

CONVÊNIO TEM PRAZO PARA MARCAR CONSULTA

Convênios agora têm prazo máximo para garantir a marcação de consultas médicas, exames e outros procedimentos sob pena de multa pesada, sofrer intervenção e até mesmo a suspensão das operações e proibição de venda de apólices. Essa é a novidade que passa a vigorar a partir de hoje no segmento de saúde suplementar – que engloba convênios médicos, odontológicos e planos de saúde. 

A Resolução 259 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) obriga os planos de saúde a obedecerem prazos máximos de atendimento aos clientes. Se a operadora demorar mais do que o previsto para agendar a consulta, o paciente deve fazer uma denúncia na ANS (0800 701 965) ou no Procon-SP, que vai receber queixas sobre o assunto. “Além de atender e orientar o consumidor, vamos informar a ANS sobre as queixas e monitorar o comportamento das empresas em relação ao cumprimento das novas normas”, explica o diretor executivo do Procon-SP, Paulo Arthur Góes. 

Os prazos para todos os tipos de atendimentos e procedimentos variam de três (exames em laboratórios) a 21 dias úteis e podem ser consultados no site da ANS. 

            Consultas básicas – como clínica médica, pediatria, ginecologia e obstetrícia – deverão ser realizadas no prazo máximo de sete dias. Outras especialidades médicas devem ser marcadas em, no máximo, 14 dias úteis. Procedimentos da alta complexidade têm prazo máximo de 21 dias. Se o caso for de urgência ou emergência, o atendimento deve ser sempre imediato. 
           
            Segundo a resolução (que vale para contratos novos ou adaptados à Lei 9.656/98), o consumidor deve primeiro tentar marcar a consulta com o prestador de serviço – hospital, médico e laboratório – ou diretamente com a operadora, por telefone ou mesmo internet. “O prazo vai contar a partir da data desse primeiro contato com a operadora”, diz Joana Cruz, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). 

            A norma não garante que o paciente seja atendido por seu médico de preferência. Caso o paciente deseje profissional específico, o tempo de espera poderá ser superior ao estipulado pela ANS. Se a escolha for da operadora, o atendimento deverá ser no mesmo município – ou ela deverá providenciar o transporte do cliente (ida e volta) até o local. Caso não ofereça nenhuma das alternativas, o convênio terá de reembolsar o valor da consulta particular em 30 dias. 

            A resolução da ANS deveria estar valendo desde o dia 19 de setembro, mas teve a sua vigência adiada por pressão das operadoras. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) informa que suas afiliadas estão preparadas para atender aos prazos. 

            Já a Associação Brasileira de Medicina de Grupo (Abramge) divulga que o segmento “conta com médicos contratados em seus serviços próprios, o que facilita o cumprimento da nova regra”. Além disso, a entidade de classe reafirma que as empresas do setor estão preparadas para obedecer a norma, até porque grande parte do conteúdo já é aplicado pelo mercado. 
            Mas na prática nem sempre é assim. Caso do engenheiro André Luiz de Campos Pinheiro, de 41 anos, que tem plano da Unimed Paulistana. Em 21 de novembro, ele esperou 12 horas por atendimento e internação, em vão, em um hospital, com dores provocadas por pedras nos rins. Ele só conseguiu fazer o procedimento após reclamar ao JT. Espera há duas semanas autorização para o tratamento. “Deveriam ter autorizado, mas não tenho resposta.” 

SAULO LUZ