quarta-feira, 13 de junho de 2012

IMPENHORABILIDADE DE IMÓVEL HIPOTECADO EM CONFISSÃO DE DÍVIDA

O Superior Tribunal de Justiça manteve a impenhorabilidade de um imóvel utilizado para fins residenciais dado em hipoteca ao Banco do Brasil em instrumento de confissão de dívida. Por unanimidade, a Quarta Turma do STJ, acompanhando o voto do relator, ministro Aldir Passarinho Junior, negou o agravo regimental interposto pelo banco contra a decisão que invalidou a hipoteca e anulou a execução da penhora.
De acordo com os autos, diante da ameaça de ficarem desabrigados com a penhora do imóvel residencial por conseqüência da execução contra seus pais, os filhos, na condição de possuidores do bem por doação dos avós paternos, embargaram a execução do imóvel e garantiram o direito de habitação em embargos de terceiros. O banco recorreu da decisão para garantir a validade da penhora, sustentando que, uma vez oferecido como garantia hipotecária, não há que se falar em impenhorabilidade do bem de família.
 Seguindo orientação predominante no STJ, o relator reiterou que a impenhorabilidade prevista na Lei n. 8.009/90 se estende ao único imóvel do devedor, ainda que ele se ache locado a terceiros, por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em outro bem alugado ou utilizar o valor obtido pela locação desse bem como complemento da renda familiar. Ou seja, assegura ao proprietário, mesmo que não resida no imóvel ou que esteja parte dele locado, o direito à impenhorabilidade do seu bem.
“Com efeito, o imóvel que serve de residência à entidade familiar é impenhorável, salvo as exceções legais e estritamente em seu contexto, a teor do artigo 3º, V, da Lei n. 8.009/90, não se estendendo a outras, como no caso dos autos, em que remanesce o princípio geral da impossibilidade da penhora, visto que a garantia real foi constituída após o débito inicial, em instrumento de confissão de dívida”, concluiu Aldir Passarinho Junior.

STJ - Ag 960689

QUEM PODE SER BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA?

1. Introdução
A instituição da assistência judicial aos indivíduos economicamente desfavorecidos integra, hoje, a realidade dos estudos jurídicos. Vem se constituindo numa preocupação entre os estudiosos do direito, principalmente, no que concerne ao efetivo acesso à justiça. Mas, como se observa, a participação igualitária em litígios processuais é mínima. Isso ocorre em virtude da própria estrutura do Estado brasileiro, que vem sendo a gênese da exclusão social.
Esse é o principal problema que vem dificultando a aplicação da justiça, cujo objetivo é assegurar aos necessitados condições para que possam ter atendidas suas pretensões. Em razão dessa preocupação com os mais carentes e diante do alto custo dos trabalhos advocatícios, surgiu a idéia de se promover o patrocínio jurídico gratuito, de forma a proporcionar o acesso de todos ao Poder Judiciário.
Nesse sentido, estabelece o art. 5.º, caput, da Constituição Federal de 1988:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.
O citado dispositivo trata do instituto da assistência jurídica como direito fundamental do cidadão carente de recursos. Para Ruy Pereira Barbosa [01], ao estabelecer a obrigatoriedade de o Estado prestar essa assistência, o legislador constituinte teve a intenção de proporcionar o acesso efetivo à justiça da pessoa considerada carente. Segundo o autor, a inserção desse princípio no texto constitucional não teve a intenção de restringir um direito que a lei ordinária já concedia ao cidadão. Todavia, a Constituição Federal de 1988 inovou em matéria de direito fundamental, ao estabelecer a obrigatoriedade de o Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. Esse se constitui em garantia individual do cidadão e remédio à proteção judicial dos direitos fundamentais.
A inovação trazida pela Carta Magna de 1988 está na mudança do termo "assistência", que foi reforçada pelo acréscimo do adjetivo "integral". Retirou-se a expressão "judiciária", para compreender tudo que seja "jurídico". Com isso, houve uma ampliação do universo que se quer proteger, passando os necessitados a fazer jus à dispensa de pagamentos e à prestação de serviços em todo o campo dos atos jurídicos.
Portanto, não se trata apenas de uma assistência judiciária, que tenha como objetivo a isenção das despesas oriundas do processo. Mais do que isso, o instituto da assistência jurídica deve proporcionar um serviço jurídico consultivo ao hipossuficiente, assegurando-lhe a cidadania, a dignidade e o respeito à pessoa humana. Com isso, o Estado está promovendo a proteção social do necessitado, conforme enfatiza Silvana Cristina Bonifácio [02]:
As pessoas carentes, ao levarem suas pretensões ao Judiciário, terão seus conflitos resolvidos com maior eficiência e celeridade. Até mesmo aqueles que não necessitem da assistência gratuita, mas tragam seus problemas a serem resolvidos no Judiciário, sairão mais satisfeitos com a eficiente prestação jurisdicional. É nesse ponto que a assistência jurídica integral, abarcando a assistência extrajudicial de resolução dos conflitos, traz benefícios a todos.
Significa que não só as pessoas destinatárias da prestação da assistência jurídica serão beneficiadas, mas também o Estado, pois as vias judiciais estarão menos tumultuadas em relação ao número de processos. A palavra "assistência", entendida como a prestação de auxílio ou de amparo a quem dela necessitar, assumiu contornos precisos, ao tratar da assistência jurídica. Percebe-se, pois, que a assistência jurídica é aquela assistência prestada ao hipossuficiente, para atuar em juízo ou fora dele.
A assistência jurídica ao hipossuficiente sempre foi tema relevante. No Brasil, um dos mecanismos que garantiu essa efetivação foi a já referida Lei 1.060/50, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados. Esse diploma legal dispõe que os poderes públicos federal e estadual devem conceder essa assistência, independentemente da colaboração que possam receber dos Municípios e da Ordem dos Advogados do Brasil.
Mas quem pode ser beneficiário dessa assistência jurídica integral e gratuita?

2. Os beneficiários da assistência jurídica
A assistência jurídica abrange um determinado universo de pessoas, embora não possa ser estendida a todos os indivíduos. Até porque tal instituto foi criado para garantir a igualdade material entre os que possuem recursos financeiros e os hipossuficientes. Mas é preciso entender quem são as pessoas consideradas carentes, ou seja, aquelas que podem, efetivamente, receber o benefício da assistência gratuita. O art. 2.º da Lei 1.06/50 (Lei de Assistência Judiciária) define necessitado como todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem que lhe cause prejuízo ao sustento próprio ou de sua família.
Analisando-se o citado artigo, observa-se que o termo "necessitado" não abrange apenas o pobre ou o indigente, mas qualquer pessoa que não tenha condições econômicas ou financeiras para arcar com as despesas processuais. A referida lei considera necessitado qualquer indivíduo que não tenha condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família, conforme prevê o art. 4.º.
Mas, nos termos do art. 5.º, LXXIV, da Constituição Federal, para a prestação da assistência jurídica, é exigida a comprovação do estado de pobreza. Portanto, pode-se inferir que beneficiário da assistência jurídica integral e gratuita é aquele que não possui, comprovadamente, recursos suficientes. Significa que, para ter direito aos benefícios da assistência judiciária, o interessado deve apresentar a declaração de insuficiência de recursos.
O critério estabelecido para identificar os cidadãos que serão beneficiários da assistência judiciária gratuita é pautado no princípio da boa-fé. Assim, exige-se apenas que o interessado faça uma simples declaração de que não está em condições econômicas de arcar com os valores necessários ao pagamento de custas e de honorários advocatícios. É importante frisar que a parte adversa poderá impugnar essa declaração.
De acordo com José Mário Gomes [03], inexiste qualquer critério objetivo enquadrando os beneficiários, a partir do estabelecimento de faixas de rendimento ou da fixação de um valor para esse enquadramento. Essa seleção toma por base critérios subjetivos, relacionando os rendimentos mensais com as condições de dignidade no que diz respeito ao próprio sustento do indivíduo ou de sua família.
Para se obter a assistência judiciária gratuita, basta o interessado declarar que não tem condições de arcar com as custas processuais e honorários de advogado sem prejuízo próprio ou de sua família. Essa declaração deve ser feita pelo próprio interessado, presumindo-se ser pobre quem afirmar esta condição, nos termos do art. 4.º, §1.º, da Lei 1.060/50. Não é necessário que a parte apresente a declaração de "próprio punho", bastando ser assinada em peça datilografada. Admite-se, também, a afirmação do requerente, na petição inicial, desde que feita por advogado com poderes específicos. A jurisprudência dos tribunais pátrios é pacífica em relação à declaração ou à prova da pobreza, conforme se observa nos julgados abaixo:
Processo civil. Assistência judiciária. Lei n.º 1.060/50. Prova de pobreza.
I – O art. 17 da Lei n.º 1.060/50 está em vigor. Cabe apelação para enfrentar decisão relacionada com pedido de assistência judiciária. O agravo de instrumento apenas é oportuno quando a decisão decide de plano, nos assuntos do processo principal, o pedido de assistência (Lei n.º 1.060/50, art. 5.º). Precedentes do egrégio STJ (RSTJ 40/563).
II – A garantia do art. 5.º, LXXIV, da CF/88, da assistência judiciária integral gratuita mediante comprovação da insuficiência de recursos, não revogou a de assistência judiciária gratuita da Lei n.º 1.060 aos necessitados por simples afirmação [04].
A simples declaração firmada pela parte que requer o benefício da assistência judiciária, dizendo-se ‘pobre nos termos da lei’, desprovida de recursos para arcar com as despesas do processo e com o pagamento de honorários de advogado, é, na medida da presunção iuris tantum de veracidade, suficiente à concessão do benefício legal [05].
A condição de pobreza, enquanto requisito da concessão do benefício da justiça gratuita, adscrevendo-se à impossibilidade de custeio do processo, sem prejuízo próprio ou da família (art. 4°, caput, da Lei federal n.º 1.060, de 5.2.50), não sofre com a circunstância eventual de a parte ter bens, móveis ou imóveis, se esses nada lhe rendem, ou se rendem não lhe evitaria aquele prejuízo. A mesma condição é, por outro lado, objeto de presunção legal relativa, que, oriunda do mero asserto da parte cede apenas a prova em contrário (art. 4°, § 1°), produzida pelo impugnante (art.7°) ou vinda aos autos doutro modo (art. 8°). Ora, à luz desses critérios, que são os da lei, não podia o Juízo, em interpretação inconciliável com o caráter generoso das garantias constitucionais do acesso à Jurisdição e da assistência judiciária (art. 5°, XXXV e LXXIV) desconsiderar a presunção júris tantum, sem prova, que teria de ser cabal, da suficiência de recursos [06].
Analisando o art. 2.º, caput, da Lei n.º 1.060/50, percebe-se que apenas se mencionam os nacionais e os estrangeiros residentes no país como beneficiários, não se fazendo alusão ao estrangeiro não-residente no Brasil, tampouco ao apátrida. Entretanto, a estes também se estende o benefício, conforme dispõe o art. 5.º, caput, da Constituição Federal de 1988.
Por força do art. 5.º, LXXIV, da Carta Federal, o acesso ao Poder Judiciário deve ser facilitado para todas as pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, mesmo porque o legislador constituinte não fez qualquer distinção. Mas, quando se trata de pessoa jurídica, não se admite a mera informação aceita no caso de pessoa física, que basta declarar a sua pobreza para obter os benefícios da justiça gratuita. Em se tratando de pessoa jurídica, ela deve demonstrar, expressamente, a impossibilidade de arcar com as despesas do processo sem prejudicar a vida da empresa.
José Carlos Barbosa Moreira [07] entende que, embora o texto da lei da assistência judiciária seja rígido, não exclui a possibilidade de a pessoa jurídica ser beneficiária do instituto. Entretanto, adverte: "É natural que se adote aí maior cautela, incumbindo ao órgão judicial, se houver indícios de abuso, determinar, mesmo de ofício, as diligências necessárias ao conhecimento da realidade. O que não se afigura razoável é negar a priori o cabimento da medida". Convém ressaltar que as pessoas jurídicas que têm como objetivo o auferimento de lucro não podem ser beneficiárias da assistência judiciária gratuita, pois essa prerrogativa não se coaduna com a atividade lucrativa perseguida pelas sociedades civis e comerciais.
A jurisprudência pátria tem se inclinado pelo deferimento do benefício às pessoas jurídicas, caso elas provem que seus recursos financeiros são insuficientes para o pagamento das custas processuais, conforme demonstram os julgados a seguir:
Cautelar inominada. Improcedência da ação. Irresignação. Apelação. Justiça gratuita. Falta de comprovação do estado de pobreza. Deserção do recurso. Não conhecimento. O benefício da justiça gratuita só deve ser deferido ao verdadeiro carente, e, mesmo se tratando de pessoa jurídica que se diga de pequeno porte, e que a situação econômica não permite a disponibilização de recursos financeiros para pagamento das custas processuais, mister se faz a comprovação do estado alegado. As custas processuais têm como fato guardar a prestação de serviço público de natureza forense e não devem os contribuintes deixar de arcar com tais despesas em detrimento da própria sociedade, que a todo momento exige melhores condições de atendimento do Poder Judiciário Paraibano. O preparo deve ser comprovado no ato de interposição do recurso, sob pena de deserção [08].
Agravo de Instrumento. Gratuidade judiciária denegada a pessoa jurídica. Inconformismo. Ausência de comprovação de hipossuficiência econômica. Improvimento. Tratando-se de pessoa jurídica, a concessão de justiça gratuita exige comprovação cabal de insuficiência financeira. Sem esta, impõe-se a sua denegação [09].
Justiça gratuita. Concessão. Pessoa jurídica. Art. 5.º, LXXIV, da Constituição da República. Benefício que se aplica às entidades pias e beneficentes, sendo somente excluídas as associações civis e comerciais de fins lucrativos. Recurso não provido [10].
Mesmo que a pessoa jurídica possua fins lucrativos, não há impedimento legal para que o benefício seja concedido, desde que ela comprove a insuficiência de recursos para arcar com o custo do processo. Esse entendimento fica claro, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 não restringiu o direito da assistência jurídica apenas à pessoa física. Portanto, não há proibição constitucional, mas, sim, o respeito ao princípio da igualdade.
A assistência judiciária e a justiça gratuita podem ser deferidas a qualquer das partes litigantes. Porém, esse direito somente pode ser exercido pelo beneficiário em nome próprio, não se transferindo a terceiros. Portanto, extingue-se com a sua morte (art. 10 da Lei n.º 1.060/50), por se tratar de um direito personalíssimo.
Como se verifica, a assistência jurídica pode ser concedida mediante a simples afirmação de pobreza do interessado, alegando que não possui meios suficientes para arcar com os custos do processo, a não ser que se prove o contrário. Mesmo que a pessoa possua bens móveis ou imóveis, a condição de pobreza como requisito para a concessão do benefício não fica afastada, se esses bens não lhe renderem frutos.
Os tribunais pátrios têm entendido que até o espólio pode pedir o benefício da justiça gratuita e obter o seu deferimento, desde que o inventariante prove que não pode intentar a lide, sem que haja perda grave de patrimônio [11]. O funcionário público também não pode ser afastado da condição de beneficiário do instituto apenas, por exemplo, porque possui automóvel [12]. Esse também é o entendimento de José Carlos Barbosa Moreira [13], quando afirma:
A existência de patrimônio imobiliário, por si só, não afasta necessariamente, sob quaisquer circunstâncias, a possibilidade da concessão. No inventário menos que alhures: seria pouco razoável compelir os herdeiros desprovidos de numerário a alienar bens do espólio para custear o processo. A jurisprudência vem adotando a tese correta.
Evidentemente, nem todas as pessoas que pleiteiam o benefício da assistência jurídica terão o seu pedido atendido, devendo-se verificar as condições indicadas na declaração. No entendimento de Ernesto Lippmann [14], o benefício da gratuidade pode também ser revogado se ficar provada a inexistência dos requisitos econômicos inerentes à sua concessão. A jurisprudência pátria, quando trata da assistência judiciária, tem entendido que somente pode ser considerada pobre a pessoa que não tem condições de pagar as custas do processo e os honorários advocatícios. Portanto, nem toda pessoa que se declara pobre pode ser considerada "pobre na forma da lei":
Não é ilegal condicionar a gratuidade à comprovação da miserabilidade jurídica, se a atividade, ou cargo exercido pelo interessado, faz em princípio presumir não se tratar de pessoa pobre, justificando-se mais ainda tal atitude em processo em que não haja parte interessada na impugnação da miserabilidade [15].
Para Silvana Cristina Bonifácio [16], não é apenas a insuficiência de recursos que autoriza o benefício da assistência jurídica. Essencialmente, no processo criminal, o benefício é assegurado ao acusado que não constitua advogado, sem levar em consideração a sua condição econômica. "Seria o necessitado jurídico, nas palavras de Ada Pellegrini Grinover", enfatiza a autora. De qualquer forma, percebe-se que houve uma ampliação no campo de abrangência dos beneficiários do direito à assistência jurídica integral e gratuita. Atualmente, esse direito se estende também àquelas pessoas vulneráveis em face das relações sócio-jurídicas da sociedade moderna, que são os consumidores.
Portanto, pode-se afirmar que o poder público está caminhando para o cumprimento efetivo e completo do preceito constitucional insculpido no art. 5.º, LXXIV, da Carta Magna. Mas é preciso que, principalmente, os operadores do direito tenham consciência de que um preceito fundamental não pode ser descumprido. Nesse aspecto, deve-se preservar, especialmente, o princípio da dignidade da pessoa humana que, como será visto, está vinculado ao cumprimento do referido dispositivo constitucional.

Referências
BARBOSA, Ruy Pereira. Assistência jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. AC 95.04.34447/RS, rel. Juiz Volkmer de Castilho, 3.ª Turma, decisão: 31-10-1995, DJ 2, de 22-11-1995, p. 80953. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4a. Turma, STJ, Rec. Esp. 38124-0, 20/10/93, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, RJSTJ 6/412.
BRASIL. TJSP, AI 162.627-1/8, 2a. C., Rel. Des. Cézar Peluso. j. 04.02.92 in RT 678/88.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. In TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. AP n.º 2002.013003-6. 2.ª CC, Rel. Juiz Convocado Dr. Leandro dos Santos, DJ 26/08/2003. Disponível em: <http://www.tj.pb.gov.br>. Acesso em: 20 fev. 2006.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Agravo n.º 2002.003224-7. Rel. Des. Nestor Alves de Melo Filho. Segunda Câmara Cível, DJ 17/12/2002. Disponível em: <http://www.tj.pb.gov.br>. Acesso em: 20 fev. 2006.
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ag. 222610-2/Promissão, rel. Des. Bueno Magano, 16ª Câmara Civil, decisão:21-9-1993, JTJ/SP-LEX-148, p. 147-8. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
BRASIL. RF 170/139. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. RT 708/83. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
BRASIL. ADV JUR 1992/574. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como "movimento" de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005.
LIPPMANN, Ernesto. Assistência judiciária: obrigação do Estado na sua prestação. O acesso dos carentes à justiça visto pelos tribunais. Revista Síntese: Porto Alegre, 228, out. 1996.
SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo: Método, 2003.

NOTAS
  1. BARBOSA, Ruy Pereira. Assistência jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 55.
  2. SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Assistência jurídica integral e gratuita. São Paulo: Método, 2003. p. 57.
  3. GOMES NETO, José Mário Wanderley. O acesso à justiça em Mauro Cappelletti: análise teórica desta concepção como "movimento" de transformação das estruturas do processo civil brasileiro. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2005. p. 76.
  4. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. AC 95.04.34447/RS, rel. Juiz Volkmer de Castilho, 3.ª Turma, decisão: 31-10-1995, DJ 2, de 22-11-1995, p. 80953. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
  5. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4a. Turma, STJ, Rec. Esp. 38124-0, 20/10/93, rel. Min. Sálvio de Figueiredo, RJSTJ 6/412.
  6. BRASIL. TJSP, AI 162.627-1/8, 2a. C., Rel. Des. Cézar Peluso. j. 04.02.92 in RT 678/88.
  7. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O direito à assistência jurídica: evolução no ordenamento brasileiro de nosso tempo. In TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. As garantias do cidadão na justiça. São Paulo: Saraiva, 1993. p. 212.
  8. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. AP n.º 2002.013003-6. 2.ª CC, Rel. Juiz Convocado Dr. Leandro dos Santos, DJ 26/08/2003. Disponível em: <http://www.tj.pb.gov.br>. Acesso em: 20 fev. 2006.
  9. BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Agravo n.º 2002.003224-7. Rel. Des. Nestor Alves de Melo Filho. Segunda Câmara Cível, DJ 17/12/2002. Disponível em: <http://www.tj.pb.gov.br>. Acesso em: 20 fev. 2006.
  10. BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Ag. 222610-2/Promissão, rel. Des. Bueno Magano, 16ª Câmara Civil, decisão:21-9-1993, JTJ/SP-LEX-148, p. 147-8. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
  11. BRASIL. RF 170/139. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
  12. BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. RT 708/83. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
  13. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 213 (nota 43).
  14. LIPPMANN, Ernesto. Assistência judiciária: obrigação do Estado na sua prestação. O acesso dos carentes à justiça visto pelos tribunais. Revista Síntese: Porto Alegre, 228, out. 1996. p. 37.
  15. BRASIL. ADV JUR 1992/574. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acesso em: 13 mar. 2006.
  16. SOUZA, Silvana Cristina Bonifácio. Op. cit., p. 68 (nota 31).

Elaborado em 07.2009.
Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão
Professora do UNIPÊ e da UFPB. Mestre em Direito Econômico pela UFPB

terça-feira, 12 de junho de 2012

FUNDAMENTOS OBJETIVOS DA APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO NA REVISÃO CONTRATUAL

 Não se deve nunca esgotar de tal modo um assunto que não se deixe ao leitor nada a fazer. Não se trata de fazer ler, mas de fazer pensar. (Montesquieu, Do Espírito das Leis, livro XI, Capítulo XX).

Introdução
            Tema de grande relevância e que tem suscitado inúmeros debates, tanto na moderna doutrina contratual brasileira, quanto junto aos seus aplicadores, é o da Teoria da Imprevisão, cuja origem nos remete à Itália do Século XIII, quando os canonistas, inspirados por forte moralidade cristã, passaram a dar ao direito um caráter social.
            Nesta exposição, buscar-se-á explicar os novos preceitos que regem as atuais figuras contratuais, dentre eles o da Teoria da Imprevisão, que permitiu a relativização do pacta sunt servanda e a revisão dos contratos.
            Para o exame desses preceitos, necessário ter em mente que o direito é uma ciência histórica e, como tal, deve acompanhar a evolução da sociedade e das novas formas de contratar. Indispensável o conhecimento acerca das transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas com a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, a qual, através do Código Civil Francês, consagrou os princípios do Estado Liberal, isto é, a não intervenção do Estado na economia e na sociedade; o enfraquecimento do Estado Liberal, que começa a sofrer críticas pelos movimentos sociais daquele período e muda sua postura em relação à sociedade, passando a assegurar alguns direitos (Revolução Russa de 1917) e, por fim, o surgimento do Estado do Bem Estar Social, ou Estado Social (final do século XIX e no século XX), que determinou uma modificação nas Constituições (Brasil, CR/1934), vindo a interferir em questões de direito civil (relações entre os particulares).
            De se destacar, ainda, fenômenos que ocorreram a partir da transição do regime feudalista para o capitalista, tais como a urbanização crescente, a concentração de riquezas e, principalmente, a massificação dos contratos. O contrato paritário, realizado como acordo de vontades livres, em que as partes discutiam as cláusulas, praticamente não existe mais na sociedade contemporânea. As relações comerciais cada vez mais intensas e rápidas levaram à massificação dos contratos; a regra hoje são os contratos padronizados e de adesão, em que apenas a vontade de uma das partes é livre, restando ao aderente a simples iniciativa de contratar, sem a opção de discutir as cláusulas estabelecidas.
            Em outras palavras, as pessoas já não contratam como antes. Não há mais lugar para negociações e discussões acerca de cláusulas contratuais. Os contratos são celebrados em massa, já vindo escritos em formulários impressos.
            Toda essa revolução mexe com a principiologia do Direito Contratual. Os fundamentos da vinculatividade dos contratos não podem mais se centrar exclusivamente na vontade segundo o paradigma liberal individualista. Os contratos passam a ser concebidos em termos econômicos e sociais. Nasce a Teoria Preceptiva. Como já dissemos, segundo esta teoria, as obrigações oriundas do contrato valem não apenas porque as partes as assumiram, mas porque interessa à sociedade a tutela da situação objetivamente gerada, por conseqüências econômicas e sociais. É como se a situação se desvinculasse dos sujeitos, nos dizeres de Gino Gorla. (Fiuza, p. 310).
            Assim, com a mudança das formas contratuais, mudaram também os princípios que regem o instituto. Se antes a autonomia da vontade era o preceito norteador do direito contratual, hoje princípios como a boa-fé, função social e o equilíbrio contratual prevalecem.
            Feitas estas considerações, passo à exposição do tema.

1- O advento do Novo Código Civil diante da principiologia do direito contratual
            O Código Civil de 2002, sob a coordenação de Miguel Reale, superou a feição individualista de seu antecessor, o Código de 1916, trazendo como pilar ideológico o paradigma Estado Social de Direito. Neste contexto, de grande relevância as normas de caráter aberto, as denominadas cláusulas gerais, trazidas pelo novo diploma civil, que permitem a sua constante atualização, bem como o emprego de critérios éticos, tais como a boa-fé e a eqüidade. Os novos tipos de normas oferecem conceitos intencionalmente vagos e abertos, buscando a grande vantagem da mobilidade.
            O Código Civil de 2002 conferiu ao juiz não só o poder de suprimir lacunas, mas também de resolver o caso concreto em conformidade com valores éticos. Entretanto, não se pode deixar de ressaltar que esta discricionariedade conferida ao juiz, com a utilização das cláusulas gerais, estará sempre limitada pelos princípios fundamentais estabelecidos pela Constituição de 1988.
            1.1- Eticidade, Socialidade e Operacionalidade
            Três princípios fundamentais nortearam o Código Civil de 2002, segundo nos informa o jurista Miguel Reale:
            a) A eticidade: que busca sobrepujar o formalismo e o tecnicismo jurídico, valorizando normas de conduta ética. Daí a opção, muitas vezes por norma genéricas ou cláusulas gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo conceitual, a fim de possibilitar a criação de modelos jurídicos hermenêuticos, quer pelos advogados, quer pelos juízes, para contínua atualização dos preceitos legais. (REALE, Miguel. Novo Código Civil Brasileiro. Prefácio. 2 e., e. RT: 2002, p. XIII). A freqüente menção aos princípios da boa-fé e eqüidade, bem como aos bons costumes, demonstra essa tendência, bem peculiar ao paradigma do Estado Social de Direito, figurando as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados como instrumentos de mobilidade e abertura do sistema jurídico para as modificações da realidade.
            b) A socialidade: que representa o predomínio do social sobre o individual, também paradigma do Estado Social. Neste sentido, o Novo Código Civil traz a função social dos contratos (arts. 421 e 422) como limitadora do princípio da autonomia da vontade ou da liberdade de contratar, além do interesse social da posse e da propriedade (artigos 1.228, 1.238, 1.239, 1.240 e 1.242), conferindo ao juiz poder expropriatório, o que não é consagrado em nenhuma legislação. (obra citada, p. VX).
            Este princípio representa a ruptura com o patrimonialismo que permeava as relações jurídicas previstas no Código de 1916, e a reestruturação dos conceitos de figuras típicas do direito civil, tais como o proprietário, o contratante e o empresário.
            c) A operabilidade: que nas palavras o Prof. Miguel Reale possui três funções, quais sejam, de eliminar as dúvidas existentes quando da aplicação do Código de 1916; possibilitar a utilização das cláusulas gerais como forma de atualização constante do Código e para a solução dos casos que se exige a aplicação de valores éticos, tais como a probidade e boa-fé e, por fim, tornar a linguagem do Código mais acessível, precisa e atual, superando a linguagem machadiana do Código de 1916. Conclui o professor em relação aos princípios que:
            Somente assim se realiza o direito em sua concretude, sendo oportuno lembrar que a teoria do Direito concreto, e não puramente abstrato, encontra apoio de jurisconsultos do porte de Engisch, Betti, Larenz, Esser e muitos outros, implicando maior participação decisória conferida aos magistrados.
            Como se vê, o que se objetiva alcançar é o Direito em sua concreção, ou sejam em razão dos elementos de fato e de valor que devem ser sempre levados em conta na enunciação e na aplicação da norma. (obra citada, p. XVI - grifei).
            1.2 – Boa-Fé Objetiva
 Segundo Ruy Rosado de Aguiar, podemos definir a boa-fé como um princípio geral de Direito, segundo o qual todos devem comportar-se de acordo com um padrão ético de confiança e lealdade. Gera deveres secundários de conduta, que impõem às partes comportamentos necessários, ainda que não previstos expressamente nos contratos, que devem ser obedecidos a fim de permitir a realização das justas expectativas surgidas em razão da celebração e da execução da avença.
            (...).
 Na questão da boa-fé analisa-se as condições em que o contrato foi firmado, o nível sóciocultural dos contratantes, seu momento histórico e econômico. Com isso, interpreta-se a vontade contratual. [01]
            Nos dizeres de Caio Mario, a boa-fé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como elemento de criação de deveres jurídicos (dever de correção, de cuidado, de segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de prestar contas) e até como elemento de limitação e ruptura de direitos (proibição do venire contra factum proprium, que veda que a conduta da parte entre em contradição com conduta anterior, do inciviliter agere, que proíbe comportamentos que violem o princípio da dignidade humana, e da tu quoque, que é a invocação de uma cláusula ou regra que a própria parte já tenha violado). (Caio Mário, 2004:p. 21).
            A boa-fé objetiva, portanto, baseia-se na conduta das partes, que devem agir com correção e honestidade, correspondendo à confiança reciprocamente depositada. É dever imposto de agir de acordo com certos padrões de correção, lealdade e probidade. No Código Civil de 2002 está prevista nos artigos 421, 113 e 187 e trata-se de espécie das denominadas cláusulas gerais.
            Em alguns casos o contrato pode ser resolvido por violar o princípio da boa-fé objetiva. Exemplo seria a frustração da finalidade contratual, ou seja, o objetivo que levara uma das partes a contratar deixa de existir. A outra parte não estaria agindo de boa-fé se exigisse a execução do contrato ou a indenização por perdas e danos.
            Fala-se em três funções da boa-fé objetiva: função interpretativa da vontade das partes; função de controle dos limites do exercício de um direito (art. 187); e função de integração do negócio jurídico (art. 421). Difere da boa-fé subjetiva, pois nesta o contratante crê que sua conduta é correta, haja vista o grau de conhecimento que possui de um negócio (denota uma intenção, um estado de convicção). Na boa-fé objetiva, deve-se ter em mente o comportamento do homem médio no caso concreto (padrão objetivo de conduta), levando-se em consideração os aspectos sociais, econômicos e históricos envolvidos.
            Conforme preleciona Judith Martins Costa em sua obra, A Boa-Fé no Direito Privado, São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 1999, p. 411-413 e p. 509:
 "Já por ‘boa-fé objetiva’ se quer significar – segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao §242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países do commow law – modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar sua própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subjuntivo."
(...).
 A boa-fé objetiva qualifica, pois uma norma de comportamento leal.
            (...).
Não é possível, efetivamente, tabular ou arrolar, a priori, o significado da valoração a ser procedida mediante a boa-fé objetiva, porque se trata de uma norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente fixado, dependendo sempre das concretas circunstâncias do caso. Mas é, incontroversamente, regra de caráter marcadamente técnico-jurídico, porque enseja a solução dos casos particulares no quadro dos demais modelos jurídicos postos em cada ordenamento às vista das suas particulares circunstâncias. Solução jurídica, repito, e não de cunho moral, advindo a sua juridicidade do fato de remeter e submeter a solução do caso concreto à estrutura, às normas e aos modelos do sistema, considerado este de modo aberto.
 (...).
 "A boa-fé objetiva constitui, no campo contratual – sempre tomando-se o contrato como processo ou procedimento -, norma que deve ser seguida nas várias fases das relações entre as partes. O pensamento, infelizmente ainda muito difundido, de que somente a vontade das partes conduz o processo contratual deve ser definitivamente afastado. É preciso que, na fase pré-contratual, os candidatos a contratantes ajam, nas negociações preliminares e na declaração da oferta, com lealdade recíproca, dando as informações necessárias, evitando criar expectativas que sabem destinadas ao fracasso, impedindo a revelação de dados obtidos em confiança, não realizando rupturas abruptas e inesperadas das conversações etc."
            Sílvio de Salvo Venosa acrescenta que (...) esse princípio se estampa pelo dever das partes de agir de forma correta antes, durante e depois do contrato, isso porque, mesmo após o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais. (...) Na análise do princípio da boa-fé dos contratantes, deve ser examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sociocultural dos contratantes, o momento histórico e econômico. É ponto da interpretação da vontade contratual (Venosa, p. 408).
            1.3- Função Social do Contrato
            Para se entender o que representa a função social dos contratos é necessário destacar que a expressão "função social", à semelhança da boa-fé objetiva, é uma cláusula geral. Baseada na doutrina de Immanuel Kant, a função social do contrato está basicamente ligada ao princípio já examinado da boa-fé objetiva, ao da autonomia da vontade e, principalmente, do equilíbrio contratual. Tem como escopo primordial proibir que o direito de contratar seja exercido de forma abusiva, garantindo-se o equilíbrio dos pactos. Não pode ocorrer qualquer vício de consentimento ou as prestações não podem se tornar excessivamente onerosas para apenas uma das partes, devendo ser, em termos objetivos, equivalentes.
            Além do equilíbrio contratual, a função social traz a idéia de que o contrato seja socialmente benéfico e justo, isto é, que não traga prejuízos à coletividade, atendendo ao bem comum. No pensamento de Eduardo Sens dos Santos (O Novo Código Civil e as Cláusulas Gerais: exame da função social do contrato. Revista de Direito Privado n. 10) a função social é um mandado de otimização, ou seja, determina que algo se realize da melhor forma possível, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas. O contrato deve, sempre que possível, e dentro dessas condições, atender de forma ótima à função social a que se destina.
            E conclui o insigne jurista:
(...). Dessa forma, a função social do contrato deve ser entendida a partir de dois elementos. Em primeiro lugar, nos contratos deve ser observado o princípio do equilíbrio contratual. Esse princípio, verificável objetivamente, determina uma harmonia entre prestação e contraprestação. O segundo elemento é o atendimento ao bem comum, aos interesses sociais. A função social será atendida quando se reúnam num contrato a justiça contratual e o bem comum. Vale dizer, o contrato deve ser objetivamente equilibrado em relação às partes e atender às exigências do bem comum.
            No mesmo sentido ensina Caio Mário da Silva Pereira:
(...) A função social do contrato serve para limitar a autonomia da vontade quando tal autonomia esteja em confronto com o interesse social e este deva prevalecer, ainda que essa limitação possa atingir a própria liberdade de não contratar, como ocorre nas hipóteses de contrato obrigatório.
(...).
Dentro desta concepção, o Código consagra a rescisão do contrato lesivo, anula o celebrado em estado de perigo, combate o enriquecimento sem causa, admite a resolução por onerosidade excessiva, disciplina a redução de cláusula penal excessiva.
O legislador atentou aqui para a acepção mais moderna da função social do contrato, que não é a de exclusivamente atender aos interesses das partes contratantes, como se ele tivesse existência autônoma, fora do mundo que o cerca. Hoje o contrato é visto como parte de uma realidade maior e como um dos fatores de alteração da realidade social. Essa constatação tem como conseqüência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos.
A função social do contrato, portanto, na acepção mais moderna, desafia a concepção clássica de que os contratantes tudo podem fazer, porque estão no exercício da autonomia da vontade. O reconhecimento da inserção do contrato no meio social e da sua função como instrumento de enorme influência na vida das pessoas, possibilita um maior controle da atividade das partes. Em nome do princípio da função social do contrato se pode, v. g., evitar a inserção de cláusulas que venham injustificadamente a prejudicar terceiros ou mesmo proibir a contratação tendo por objeto determinado bem, em razão do interesse maior da coletividade.
 A função social do contrato é um princípio moderno que vem a se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do seu conteúdo e da relatividade dos seus efeitos. Como princípio novo ele não se limita a se justapor aos demais, antes pelo contrário, vem desafia-los e em certas situações impedir que prevaleçam, diante do interesse social maior. (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. vol. 3, 11.ª e., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 13-14).
            1.4- Pacta Sunt Servanda e a Cláusula Rebus Sic Stantibus.
            A autonomia da vontade é importante princípio, que faculta às partes total liberdade para concluir seus contratos. Funda-se na livre vontade do agente, na liberdade de contratar. Desdobra-se no princípio da obrigatoriedade contratual, comumente traduzido em latim por pacta sunt servanda (a força obrigatória dos contratos), ou seja, uma vez celebrados entre as partes, de forma livre e autônoma, os contratos não podem mais ser modificados, a não ser por mútuo acordo. Revela o respeito absoluto aos contratos regularmente firmados e procura resguardar a segurança jurídica.
            Contudo, tais princípios vêm sendo mitigados ou abrandados, comportando uma exceção, que é a utilização do antigo princípio rebus sic stantibus, o qual permite a revisão dos contratos ante a modificação das circunstâncias existentes no momento da celebração. O princípio da força obrigatória deixa de ser absoluto, para que seja protegido o equilíbrio contratual, através do rebus sic stantibus.
            Informa-nos Sílvio de Salvo Venosa:
Um contrato válido e eficaz deve ser cumprido pelas partes: pacta sunt servada. O acordo de vontades faz lei entre as partes, dicção que não pode ser tomada de forma peremptória, aliás, como tudo em Direito.
Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o contrato força obrigatória estaria estabelecido o caos. Ainda que se busque o interesse social, tal não deve contrariar tanto quanto possível a vontade contratual, a intenção das partes.
 Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz, como princípio, intervir nesse conteúdo. Essa é a regra geral. (In Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos, v. 2. 5.ª e., São Paulo: Atlas, 2005, p. 406-407.
            E, noutro giro:
  Se considerássemos absoluta a vinculatividade contratual, uma série de injustiças se perpetuariam em desfavor do contratante prejudicado pelo desequilíbrio posterior à data de conclusão do ajuste. E o pacta sunt servanda verdadeiramente não seria cumprido, senão formalmente, já que materialmente haveria uma desproporção entre as prestações não esperada, nem assumida ou pretendida pelos contratantes.
(...).
 Por isso, a relativização da vinculação contratual foi a solução adotada a fim de se permitir a restituição das partes ao estado jurídico anterior ao fato que provocou o desequilíbrio do ajuste originalmente pactuado.
 A relativização do contrato encontra fundamento no princípio da conservação do negócio jurídico, o que se torna possível mediante a sua revisão, cujo desiderato é a promoção do reequilíbrio do ajuste originalmente estabelecido, restituindo-se as partes à comutatividade originária, quando da conclusão do contrato. (LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil. v. 3. 3.ª e. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 147-148.)
            O princípio do rebus sic stantibus deu origem à moderna Teoria da Imprevisão que, para alguns doutrinadores, nasceu na Babilônia, com a Lei das XII Tábuas, tábua 48.
            Doutrinadores existem, no entanto, apontando que a teoria da imprevisão surgiu na Itália do Século XIII, com os canonistas, que imbuídos de forte sentimento religioso, aplicaram ao Direito uma finalidade ética e social. Atribui-se a André Alciato, pós-glosador, a redação da célebre cláusula rebus sic standibus:
            contractus qui habent tractum sucessivum et dependentiam de futuro, rebus sic standibus intelliguntur.
            Ou seja: os pactos de execução continuada e dependente do futuro entendem-se permanecendo como estão. De outro modo, só poderá ser mantido o contrato se as circunstâncias ou acontecimentos posteriores não mudarem.
            Vale ressaltar ainda que o Código bávaro, de 1756, o prussiano, de 1774 e o Código austríaco, de 1811, continham disposições acerca da cláusula rebus sic standibus.
            Com o advento do Liberalismo e das Revoluções Burguesas, a aplicação do princípio rebus sic standibus sofreu forte queda, máxime em decorrência do Código de Napoleão (que consagrou o princípio da pacta sunt servanda) e em razão da exaltação dos burgueses à autonomia da vontade e liberdade contratual.
            Veja-se:
            A exacerbação do liberalismo ocorrida no século XVIII e que presidia a implantação dos primeiros Códigos Civis modernos no século XIX acabara por conduzir a cláusula rebus sic standibus ao esquecimento, porque a excessiva valorização da autonomia da vontade nas convenções e o absolutismo outorgado ao pacta sunt servanda pretendiam que, sendo o contrato a lei das partes, jamais a vontade unilateral de uma delas poderia resolvê-lo, quaisquer que fossem as variações circunstanciais de fato.
            Qual fênix imortal, porém, a cláusula rebus sic standibus, quando já era tida como totalmente superada, veio a ressurgir, com novo e multiplicado vigor, em nosso século, ao tempo em que a economia européia teve de enfrentar os horríveis desequilíbrios subseqüentes à Primeira Grande Guerra Mundial. Já então se lhe dava nova roupagem sob o nome de "teoria da imprevisão". (Humberto Theodoro Júnior, p. 153).
            Foi no início do século XX, em decorrência das transformações sociais e econômicas ocorridas, que ressurge o rebus sic standibus, expressão da busca pela intervenção na liberdade de contratar, afim de que fossem garantidos o bem comum, a eqüidade, a boa-fé e o equilíbrio contratual.
            César Fiuza discorre sobre as várias concepções teóricas elaboradas sobre a Teoria da Imprevisão, sendo a primeira a doutrina da cláusula rebus sic standibus, de origem medieval.
            Fala em Teoria da Condição Implícita, obra do direito inglês, através da qual a sobrevivência do contrato pressupõe uma condição implícita de que as circunstâncias externas permanecem do mesmo modo no momento da execução.
            Discorre, ainda, sobre a Teoria da Base Negocial Objetiva; quando há desequilíbrio das prestações ou quando estas se tornem grosseiramente desproporcionais, isto é, quando nem de longe ocorre a proporcionalidade aproximada das prestações, suposta pelas partes. Assim:
            Mais uma prova de que a teoria da base negocial é teoria da imprevisão, são estas palavras de Larenz, segundo o qual "é requisito que deve ser levado em conta na base objetiva do negócio, que o desaparecimento da circunstância em questão não fosse previsível ou não tivesse sido prevista." (Fiuza: p. 328).
            Finalmente, preleciona que de acordo com a Teoria da Impossibilidade Econômica, a prestação contratual há de ser considerada impossível se a ela se opõem obstáculos extraordinários, que só se pode vencer com exagerado sacrifício, ou sob graves riscos, ou com violação de deveres mais importantes. Nestes casos, o contrato deve ser revisto ou resolvido.
            Desse modo, quanto à sua natureza jurídica, vê-se que a Teoria da Imprevisão não pode ser definida por uma única teoria e, por óbvio, jamais poderá ser interpretada apenas dentro do paradigma positivista ou do sistema fechado. Trata-se de construção teórica, nascida da necessidade de se adequar a obrigação a uma certa realidade; do anseio social por um mecanismo operacional que garantisse o equilíbrio contratual. É, pois, pressuposto da revisão judicial e está alicerçada no equilíbrio dos contratos, no restabelecimento da comutatividade das prestações contratuais afetadas por eventos que as tornem excessivamente onerosas, enfim, na manutenção da base negocial sobre a qual se firmou o contrato, na equidade, boa-fé, moralidade e confiança.

2- Revisão Contratual no Direito Pátrio
            O Código Civil de 1916, tendo sofrido forte influência européia, incorporou o liberalismo do Código Napoleônico e não fez qualquer referência à Teoria da Imprevisão. A partir de 1930 é que esta teoria passou a ser estudada no Brasil e mencionada em algumas legislações esparsas (Decreto n. 19.573/31 e Decreto n. 24.150/34, art. 31), ainda que de forma tímida. No entanto, somente foi acolhida em nosso ordenamento jurídico com a Lei n. 8.078/1990, que instituiu o Código de Defesa do Consumidor, dispondo acerca da onerosidade excessiva, em seu artigo 6º, inciso V.
            Através da Lei n. 10.406/2002 a Teoria da Imprevisão definitivamente restou expressa na legislação brasileira, conquanto já viesse sendo admitida pela doutrina e jurisprudência. O Código Civil de 2002 traz três artigos específicos sobre a matéria (artigos 478, 479 e 480), também podendo ser encontrada espalhada em outros dispositivos.
            2.1- Código Civil Brasileiro
            Conforme mencionado, a Teoria da Imprevisão está prevista nos artigos 478 a 480 do Código Civil. O Código Civil de 2002 regulou a chamada "resolução por onerosidade excessiva" nos arts. 478 a 480. Contudo, não o fez com a amplitude elogiada no texto, pois estabeleceu várias condições dispensadas pelo CDC: a resolução será possível se os fatos supervenientes causadores da onerosidade excessiva forem de caráter extraordinário e imprevisível; e se à onerosidade excessiva corresponder "extrema vantagem" para o outro contratante. Por outro lado, a revisão (em lugar da resolução) por onerosidade excessiva superveniente está condicionada, a teor do art. 479, a ato de vontade do réu no sentido de oferecer a modificação eqüitativa da equação contratual. Da mesma forma, ao disciplinar a lesão, a opção expressa do Código Civil de 2002 foi a de não permitir a revisão judicial salvo quando assim for oferecido pelo beneficiário. Conduto, já se percebem os esforços doutrinários no sentido de criar mecanismos hermenêuticos capazes de justificar uma interpretação diversa, de modo a ampliar a possibilidade de revisão judicial, com apoio, por exemplo, no disposto no art. 317 do Código Civil. (TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3ª e. São Paulo: Renovar, 2004, p. 222.).
            Portanto, de acordo com o artigo 478, pode-se pedir a resolução do contrato, mas não a sua modificação ou adequação. Somente ao réu é facultado optar por modificar eqüitativamente o contrato. No entanto, na grande maioria dos casos, a resolução não é a melhor solução. A regra e o fim buscado pela Teoria da Imprevisão deverá ser a possibilidade de revisão e adequação do contrato, garantindo sua conservação (os contratos não foram feitos para serem descumpridos – artigo 421, CC/2002).
            Conforme o Enunciado n. 176 do Conselho da Justiça Federal:
Art. 478: Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.
            Vale destacar que alguns doutrinadores têm proposto a utilização do artigo 317 como forma de suprir a redação do artigo 478, a fim de possibilitar a revisão dos contratos.
            O artigo 478 do Código Civil traz ainda, como requisitos de aplicação da Teoria da Imprevisão para resolução dos contratos, a onerosidade excessiva e superveniente das prestações, a extrema vantagem para uma das partes e a imprevisibilidade. Quanto a este último requisito, necessário ressaltar que o fato imprevisível é aquele ocorrido após a celebração do contrato, sem a vontade ou interferência da parte.
            Já o artigo 480 do Código Civil estabelece como requisito para a revisão judicial a onerosidade excessiva, decorrente de fato superveniente, suportada unilateralmente pelo devedor.
            Acredita-se que a manutenção dos contratos deve ser buscada em primeiro lugar, com aplicação da Teoria da Imprevisão no sentido de permitir sua revisão e adequação, ainda que esta não esteja amparada pelo artigo 478 do Código Civil de 2002. Acerca do tema vale colacionar o ensinamento do jurista Humberto Theodoro Júnior:
(...) Daí a conclusão inevitável no sentido de que incumbe ao Poder Público (e o instrumento para tanto está na "ação de revisão" do contrato) o dever de tornar a comutatividade "plenamente eficaz" em todas as fases da execução do negócio contratual, pois é garantia fundamental a de que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito deixará de ser conhecida e reparada pelo Poder Judiciário (Constituição Federal, art. 5º, n. XXXV). (p. 157).
            2.2 - Código de Defesa do Consumidor
            A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu art. 5º, inciso XXXII, a defesa do consumidor, tornando-a princípio geral da ordem econômica (art. 170, V). Já no art. 48 das Disposições Transitórias, determinou que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias de sua promulgação, elaborasse o Código de Defesa do Consumidor. Assim, em 11.09.1990 foi promulgada a Lei n. 8.078 que, no tocante aos contratos, traz o princípio geral da boa-fé (art. 51, IV), da obrigatoriedade da proposta (art. 51, VIII), da intangibilidade das convenções (art. 51, X, XI e XIII), além dos princípios da lesão dos contratos e da excessiva onerosidade (art. 51, §1º).
            O CDC, sem qualquer sombra de dúvida, consagrou expressamente a Teoria da Imprevisão ou Teoria da Base Negocial, esta, para alguns, considerada mais ampla que a primeira, pois não apenas resolve o contrato, mas possibilita sua adequação (art. 6º, V). Se o contrato se tornar inexeqüível também poderá ser aplicada.
            O artigo 6º, inciso V, do CDC, estabelece como requisitos para a revisão a ocorrência de fato superveniente e a excessiva onerosidade. Em outras palavras, analisa-se a situação existente quando da celebração do contrato e se ela for rompida posteriormente (quebra da base negocial), o contrato poderá ser revisado. Veja-se que o legislador não incluiu o requisito da imprevisibilidade, daí porque alguns doutrinadores entendem que o CDC não adotou a Teoria da Imprevisão, prevista no artigo 478 do CC/02, com a possibilidade de resolução do contrato, mas a Teoria da Onerosidade Excessiva e/ou da Lesão Enorme (laesio enormis), que possibilita a revisão judicial do contrato e dispensa o fato imprevisível.
            Todavia, não obstante as inúmeras posições em contrário, entende-se que tanto o Código Civil de 2002, quanto o Código de Defesa do Consumidor, consagraram a Teoria da Imprevisão que, como visto, tem natureza jurídica indeterminável, é definida por várias teorias e confunde-se ainda com outros institutos do Direito bastante semelhantes ou correspondentes. A existência de acontecimento imprevisível não é indispensável à aplicação da Teoria da Imprevisão, cujo fundamento está, de fato, no equilíbrio contratual (função social do contrato), em razão da ocorrência de onerosidade excessiva que proporciona o desequilíbrio das prestações, causando desvantagem a uma das partes.
            Forçoso admitir, no entanto, que o CDC traz manifestação mais benéfica e favorável ao consumidor – talvez em razão de sua vulnerabilidade, uma vez que além de permitir não apenas a resolução, mas também a revisão dos contratos (manutenção dos contratos), não exige como requisito da revisão a existência de fato imprevisível.
            O artigo 478 do Código Civil não preconizou a manutenção dos pactos, mas, ao revés, estabeleceu como regra geral e faculdade exclusiva do devedor, a resolução do contrato. Além disso, determinou como requisito da resolução a ocorrência de fato imprevisível, o qual configura conceito vago e subjetivo, que pode sofrer variações, dependendo da pessoa e do seu grau de instrução e informação. Enfim, o Código Civil de 2002, acolhendo a Teoria da Imprevisão trasladada do Código Civil Italiano (artigos 1.467 a 1.469), sem qualquer estudo mais aprofundado dos fundamentos essenciais deste Instituto, perdeu a ocasião favorável de inserir em seu bojo mecanismo eficaz e que atendesse a nova realidade contratual.

3- Posicionamento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça acerca da imprevisibilidade enquanto fundamento para a revisão contratual
            A jurisprudência brasileira vem acatando a Teoria da Imprevisão desde 1938, com o julgamento do RE n. 2675, o qual concluiu que a regra rebus sic stantibus não é contrária a texto expresso de lei nacional. Os seguintes julgados do c. Superior Tribunal de Justiça tratam da matéria:
 CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO DE PAGAMENTO DE COMPRA E VENDA DE DIREITOS MINERÁRIOS. PARTE VARIÁVEL. PERCENTUAL SOBRE FATURAMENTO BRUTO PAGO TRIMESTRALMENTE ATÉ O ESGOTAMENTO DA JAZIDA. QUITAÇÃO TRIMESTRAL. INFLAÇÃO EXACERBADA. DEFAZAGEM DO VALOR DA MOEDA ATÉ A DATA DO PAGAMENTO TRIMESTRAL. TEORIA DA IMPREVISÃO. CLÁUSULA REBUS SIC STANDIBUS. RECONHECIMENTO DA PERDA EXCESSIVA PELA INSTÂNCIA ORDINÁRIA RECURSAL. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. SÚMULAS N. 5 E 7 – STJ.
            I. (...)
            II. Firmado no aresto a quo que a explosão inflacionária, aliada à cláusula da avenca que permitia uma defasagem de até três meses entre a data da apuração do montante a ser pago e a sua efetiva quitação junto às vendedoras dos direitos minerários, constituía fato ulterior, imprevisto e extremamente oneroso às alienantes, causando desequilíbrio em relação ao pacto e ulteriores ratificações convencionadas sobre parte variável do preço, a controvérsia recai no reexame fático e contratual, obstado em sede especial, ao teor das Súmulas n. 5 e 7 do STJ.
            III. Dissídio jurisprudencial indemonstrado, dada à dessemelhança entre as espécies confrontadas.
            IV. Recurso especial não conhecido. (grifei).
            STJ – Resp. n. 46.532/MG. 4ª T. Relator Min. Aldir Passarinho Junior. DJ. 05.05.2005.
            (...) De referência aos dispositivos da teoria da imprevisão, capitulados no Código Civil e na Lei de Introdução ao Código Civil, entendo que o acórdão impugnado não merece reparo. A inflação brasileira era algo inteiramente previsível, sendo IPC o índice oficial que media a inflação real dos meses de março e abril/90. (grifei). STJ – Resp. n. 476.634/DF. 2ª T. Relª. Minª. Eliana Calmon. DJ. 03.08.2004.
            (...). A nulidade não se proclama senão em atenção a um fim. Na espécie, sub judice, desde que a vontade seja viciada, ou quando, posteriormente, fatos não previsíveis alterarem de modo significativo a relação jurídica, de maneira a que se perceptíveis teriam levado a parte a comportamento diverso.
            O contrato de locação foi celebrado no dia 1º de agosto de 1987 (fls. 23/29).
            A ação proposta em 1991 (fls. 02).
            Notório e conhecido entre 1987 e 1991, e nisso a responsabilidade da inflação é significativa, ao lado do desenvolvimento da cidade de São Paulo, o valor locatício passou por profundas variações. Os mais experientes especialistas, certamente, não tinham possibilidade de prever a sucessão de fatos no mencionado lustro.
            Assim, a renúncia, em si mesma é irrelevante.
            O Direito não ser reduz à norma. Trabalha também com o fato.
            Cumpre, assim, repor o equilíbrio contratual.
            Data venia, a teoria da imprevisão não encontra obstáculo apesar da convenção das partes.
            Conheço do Recurso Especial por ambos os fundamentos a fim de lhe dar provimento. (grifei). STJ – Resp. n. 61.342-6/SP. 6ª T. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro. DJ. 04.07.1995.
            (...) O preceito insculpido no inciso V do art. 6º do CDC dispensa a prova do caráter imprevisível do fato superveniente, bastando a demonstração objetiva da excessiva onerosidade advinda para o consumidor. STJ – Resp. 417.927. 3ª T. Relª. Min. Nancy Andrighi. DJ 01.07.2002.
            CIVIL. ARRENDAMENTO MERCANTIL. CONTRATO COM CLÁUSULA DE REAJUSTE PELA VARIAÇÃO CAMBIAL. VALIDADE. ELEVAÇÃO ACENTUADA DA COTAÇÃO DA MOEDA NORTE-AMERICANA. FATO NOVO. ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR. REPARTIÇÃO DOS ÔNUS. LEI N. 8.880/94, ART. 6º. CDC, ART. 6º, V.
            I. (...).
            II. Admissível, contudo, a incidência da Lei n. 8.078/90, nos termos do art. 6º, V, quando verificada, em razão de fato superveniente ao pacto celebrado, consubstanciado, no caso, por aumento repentino e substancialmente elevado do dólar, situação de onerosidade excessiva para o consumidor que tomou o financiamento.
            III. (...).
            IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (grifei). STJ – Resp. n. 473.140/SP. ª Seção. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ. 12.02.2003.
            (...) Entendimento referendado pela Súmula 297 do STJ, de 12 de maio de 2004. DIREITO DO CONSUMIDOR À REVISÃO CONTRATUAL. O art. 6º, inciso v, da Lei nº 8.078/90 consagrou de forma pioneira o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do Pacta Sunt Servanda e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente (Teoria da Imprevisão).
            Hipótese dos autos em que o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação uma vez que o fornecedor inseriu unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, a serem suportadas exclusivamente pelo consumidor.(grifei). STJ – Resp. n. 797.918. Relª. Minª. Nancy Andrighi. DJ. 06.12.2005.
            Da análise dos julgados transcritos, vê-se que caminha o e. Superior Tribunal de Justiça, ora no sentido de não exigir a imprevisibilidade do acontecimento como fundamento para a revisão do contrato, notadamente quando examina relações de consumo, ora decide no sentido de que o direito à revisão nas relações civis, tem como fundamento essencial a existência de fato superveniente imprevisível.
            No entanto, parece-me mais sensata, com já mencionado, posição evolutiva no sentido de desconsiderar a imprevisibilidade como fundamento de aplicação da Teoria da Imprevisão, inclusive nas relações civis. O direito à revisão que busca o equilíbrio contratual pode ser exercido ainda que o fato seja previsível e restando configurada a onerosidade excessiva superveniente (requisito).

4- Conclusão
            Ante todo o exposto, forçoso concluir que a Teoria da Imprevisão tem como fundamentos objetivos de sua aplicação o equilíbrio contratual, em consonância com a função social do contrato, a boa-fé objetiva, a eqüidade e o bem comum. Assim, a existência de fato superveniente à formação do contrato, capaz de tornar as prestações excessivamente onerosas para uma das partes, causando-lhe prejuízos, autoriza a sua revisão, com o fundamento objetivo de restabelecer o equilíbrio contratual.
            Finalmente, enfatizo na presente exposição minha crença e fé no Poder Judiciário, como órgão ao qual foi conferido amplo poder de aplicação da Teoria da Imprevisão, e capaz de transformá-la em instrumento eficaz e concreto, utilizado na busca de uma sociedade mais justa.

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Trabalho desenvolvido por Gláucia Alvarenga Soares, pós-graduanda em Direito Civil pela PUC Minas, assessora de juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais