terça-feira, 20 de março de 2012

Estudo de impacto ambiental


  
            O estudo de impacto ambiental pressupõe o controle preventivo de danos ambientais. Uma vez constatado o perigo ao meio ambiente, deve-se ponderar sobre os meios de evitar ou minimizar o prejuízo. A Lei n. 6.938/81 estabeleceu a "avaliação dos impactos ambientais" (art. 9º, III) como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.
            A Constituição Federal de 1988 determinou em seu art. 225, § 1º, IV, que incumbe ao Poder Público "exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade". Nesse estudo, avaliam-se todas as obras e todas as atividades que possam causar séria deterioração ao meio ambiente.
            O Decreto n. 88.351/83 (art. 18, § 1º) determinou ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) que fixasse os critérios básicos e as diretrizes gerais para estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento de obras e atividades. A Resolução n. 1/1986 do CONAMA tratou dessa matéria.
            Compreende-se como impacto ambiental qualquer deterioração do meio ambiente que decorre de atividade humana. A Resolução n. 1/86 do CONAMA, em seu art. 1º, considera impacto ambiental "qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que direta ou indiretamente afetam:
            I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
            II – as atividades sociais e econômicas;
            III – a biota;
            IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;
            V – a qualidade dos recursos ambientais".
            O art 2º da Resolução n. 1/86 do CONAMA estabelece um rol exemplificativo de atividades modificadoras do meio ambiente que dependem obrigatoriamente da elaboração do estudo de impacto ambiental para seu licenciamento como estradas de rodagem com duas ou mais faixas de rolamento, ferrovias, oleodutos, gasodutos, minerodutos, troncos coletores e emissários de esgotos sanitários e linhas de transmissão de energia elétrica, acima de 230KV.
            O estudo de impacto ambiental tem origem no Direito Norte-americano em virtude de exigência de elaboração de um relatório de impacto do meio ambiente, a partir de 1969, a ser apresentado juntamente aos projetos de obras do governo federal que causassem sensível alteração na qualidade do meio ambiente. Como ensina José Afonso da Silva, o estudo prévio de impacto ambiental deve ter como objetivo compatibilizar o desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, tendo em vista constituir um dos principais objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81, art. 4º, I) [01].
            O objeto desse estudo prévio consiste em avaliar todas as obras e atividades que possam acarretar alguma deterioração significativa ao meio ambiente, seja um dano certo ou incerto.
            Além de atender aos princípios e objetivos da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, o estudo de impacto ambiental (EIA) deverá ter como diretrizes gerais:
            I - Contemplar todas as alternativas tecnológicas e de localização de projeto, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto;
            II - Identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais gerados nas fases de implantação e operação da atividade;
            III - Definir os limites da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada área de influência do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrográfica na qual se localiza;
            IV - Considerar os planos e programas governamentais, propostos e em implantação na área de influência do projeto, e sua compatibilidade. (Resolução n.1/86, art. 5º).
            A avaliação do risco, a grandeza do impacto e a análise do grau de reversibilidade do impacto ou a sua irreversibilidade estarão contidos nesse estudo. Diagnosticados esses dados, o próprio EIA indicará providências para evitar ou atenuar os impactos negativos inicialmente previstos, juntamente com a elaboração de um programa de acompanhamento e monitoramento destes.
            Esse estudo preventivo está intimamente ligado ao denominado licenciamento ambiental. Entende-se por licenciamento ambiental o processo administrativo pelo qual o órgão ambiental competente analisa a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades que utilizem recursos ambientais e que possam efetiva ou potencialmente poluir ou degradar o meio ambiente. Esse processo está disciplinado pela Resolução CONAMA n. 237/97.
            Em qualquer das fases do licenciamento ambiental poderá ser elaborado o estudo prévio de impacto ambiental e o seu respectivo relatório (EIA/RIMA).
            Saliente-se que o EIA não vincula obrigatoriamente a decisão a ser tomada pela Administração Pública nesse licenciamento ambiental, uma vez que esse estudo não fornece uma resposta absoluta e inquestionável sobre os danos que possam surgir. A necessidade de interpretação do conteúdo do estudo se apresenta imprescindível, tendo em vista a importância de analisar a conveniência e oportunidade em autorizar o projeto do proponente, assim como disponibilizar as soluções possíveis para afastar ou reduzir a magnitude dos diversos impactos ambientais negativos.
            Desta forma, o deferimento de licença ambiental, ato final do licenciamento, será possível mesmo que o estudo de impacto ambiental seja desfavorável [02]. O fundamento para essa discricionariedade nas mãos da Administração Pública para licenciar ou não determinada obra ou atividade apesar da produção de significativos efeitos negativos ao meio ambiente se encontra no equilíbrio que deve existir entre o desenvolvimento econômico sustentável e a proteção ao meio ambiente. Caberá ao Poder Público avaliar a concessão ou não da licença ambiental nessa conjuntura, ponderando o princípio do desenvolvimento sustentável, preceito de preservação do meio ambiente, frente ao desenvolvimento da ordem econômica. Como não poderia ser diferente, perante o princípio da motivação, cabe ao Poder Público apresentar os fundamentos dessa decisão para fins de controle.
            Por outro lado, a apresentação de um EIA/RIMA favorável vincula o órgão público a conceder a licença ambiental, uma vez que, sendo a defesa do meio ambiente condicionadora da livre iniciativa, nos termos do art. 170, VI, da CF, não existindo nenhuma forma de prejuízo ao bem ambiental, não haverá justificativa para impedir a realização da obra ou atividade.
            O relatório de impacto ambiental (RIMA) tem como finalidade esclarecer à população interessada qual o conteúdo do estudo de impacto ambiental, uma vez que este documento é elaborado em termos técnicos. Este relatório é praticamente um dever, tendo em vista o princípio da informação ambiental. Uma vez elaborado, o EIA/RIMA deverão ser dirigidos ao órgão ambiental para que se proceda ao deferimento da licença ambiental ou não.
            A elaboração do estudo de impacto ambiental deve ficar a cargo de uma equipe multidisciplinar formada por técnicos nos diversos setores necessários para uma completa análise dos impactos ambientais positivos e negativos do projeto, para confecção de um estudo detalhado sobre a obra ou atividade.
            A Resolução CONAMA 1/86 em seu art. 7º originalmente previa a elaboração do estudo prévio de impacto ambiental por uma equipe não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto, e ressalvava que este seria responsável tecnicamente pelos resultados apresentados. Constata-se uma tentativa de conferir independência ao trabalho desenvolvido.
            A Resolução CONAMA n. 237/97, entretanto, revogou o art. 7º da resolução mencionada e passou a dispor no seu art. 11 que: "os estudos necessários ao processo de licenciamento deverão ser realizados por profissionais legalmente habilitados, às expensas do empreendedor".
            O parágrafo único deste art. 11 determina ainda que o empreendedor e os profissionais que subscrevem os estudos previstos serão responsáveis pelas informações apresentadas, sujeitando-se às sanções administrativas, civis e penais.
            Entende-se que apenas a responsabilidade objetiva existente no sistema normativo federal em termos de dano ambiental, não será suficiente para garantir impessoalidade neste trabalho. Faz parte da cultura nacional a necessidade de controles formais e mecanismos preventivos para conferir a segurança e independência técnica adequada para a importante função que será desempenhada pela equipe em questão [03].
            Para concluir, sempre é interessante alertar que os instrumentos de realização dos princípios da prevenção e da precaução, como é o caso do Estudo de Impacto ambiental e seu relatório, não têm por finalidade impedir o desenvolvimento de atividades econômicas e sociais. O controle preventivo realizado por esse instrumento é de fundamental importância, pois requer uma atuação conjunta do Poder Público, da sociedade civil e da comunidade científica, que devem se harmonizar em um objetivo único: aliar o desenvolvimento social e econômico à preservação do meio ambiente e da própria espécie humana. Para isso, faz-se necessário o princípio da participação. Todo cidadão deve ter acesso a informações ambientais e participar do processo de tomada de decisões por parte do Estado. Como alerta Paulo Affonso Leme Machado, "a prática dos princípios da informação ampla e da participação ininterrupta das pessoas e organizações sociais no processo das decisões dos aparelhos burocráticos é que alicerça e torna possível viabilizar a implementação da prevenção e da precaução para a defesa do ser humano e do meio ambiente". [04] É o cidadão, em primeiro lugar, que deve se manifestar se aceita suportar eventual risco que se verifica em determinado empreendimento.

Notas
 01 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 1994, p. 197.
 02 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 82.
 03 Nas palavras de Paulo Affonso Leme Machado, " Os Estados brasileiros têm o direito de instituir normas legais que disciplinem a equipe multidisciplinar de forma mais exigente do que aquela contida na Resolução do CONAMA. O Estado do Rio Grande do Sul disciplinou a matéria da seguinte forma: Art. 74. O estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), serão realizados por equipe multidisciplinar habilitada, cadastrada no órgão ambiental competente, não dependente direta ou indiretamente do proponente do projeto e que será responsável tecnicamente pelos resultados apresentados, não podendo assumir o compromisso de obter o licenciamento do empreendimento. § 1º. A empresa executora do EIA/RIMA não poderá prestar serviços ao empreendedor, simultaneamente, quer diretamente, ou por meio de subsidiária ou consorciada, quer como projetista ou executora de obras ou serviços relacionados ao mesmo empreendimento objeto do estudo prévio de impacto ambiental. § 2º. Não poderão integrar a equipe multidisciplinar executora do EIA/RIMA técnicos que prestem serviços, simultaneamente, ao empreendedor (Código Estadual do Meio Ambiente) ". MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p.240.
 04 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p.80.
Trabalho elaborado por Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt, advogado da União em Curitiba (PR), mestre em Direito do Estado pela UFPR, professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito de Curitiba, da Escola da Magistratura Federal do Paraná, do Curso Aprovação e do Curso Jurídico.


MATA PARA ARRENDAR É RARIDADE

Lei permite, porém, que reserva de sobra seja averbada para terceiros
O advogado Luis Augusto Germani, especialista em questões agrárias e ambientais, considera o decreto inconstitucional por ter ido além do que estabelece o Código Florestal e outras leis federais. “Quando a legislação federal criou a figura de área destinada à recomposição de reserva legal?”, questiona. “O decreto não suplementou a norma federal, mas a modificou, de forma contraditória.”
“Além disso, a maioria do desmatamento no Estado deu-se por leis que exigiam dos agricultores o desmatamento de áreas para o extermínio de foco de barbeiros; de mosquitos causadores de malária e até para comprovar a produtividade”.
Sem entrar no mérito ambiental e da produção agrícola, o diretor de Meio Ambiente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil, Marcelo Melo, acha importante a criação de mecanismos para regularizar a reserva legal. O decreto permite a averbação de reserva em regeneração ou recomposição, o que considera uma inovação.
A criação do cadastro eletrônico de reservas legais e a servidão florestal também são novidades. “Permitem que o proprietário com excedente florestal arrende a área para outra propriedade sem reservas.”
Registro de Imóveis
Os produtores reais reagiram de forma negativa. “Quem vai pagar o custo da formação da reserva?”, pergunta um produtor de Sarapuí, região de Sorocaba, que pediu a omissão do seu nome. Ele tem uma fazenda de mil hectares, com soja, milho e gado.
A propriedade, banhada por um rio, possui áreas de matas superiores à exigida pela lei. “Mas são matas que eu formei e venho preservando há 20 anos. Não vou averbar, pois equivale a entregar para o governo. Conversei com vários produtores e eles também só vão averbar se for na marra”. Além disso, pergunta: “Sabe quanto custa fazer o georreferenciamento? R$ 30 mil.” O georreferenciamento é previsto no decreto para estabelecer as dimensões da reserva.
O presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Araraquara, Nicolau de Souza Freitas, também vê falhas no decreto. “Refazer as áreas é inviável; na nossa região o custo da terra é alto.” Ele acha importante a possibilidade de adquirir glebas em regime de servidão, mas o problema é que não há, na região, matas disponíveis. “Acho que o governo deveria se preocupar com as matas ciliares, pois os rios se interligam e, aí sim, haveria corredores ecológicos”.
Custo de formação e manutenção é muito alto
Os irmãos Nicolau e Ricardo Ghirghi, da Fazenda Água Clara, em Taquarivaí (SP), apontaram a não-inclusão das matas ciliares na composição dos 20% da reserva como a maior falha do decreto estadual. Os Ghirghi são donos de 2 mil hectares de terras altamente produtivas e cultivam anualmente soja, trigo, milho e feijão.
Para garantir o suprimento dos pivôs de irrigação, mantêm os açudes e os rios bem protegidos. Para eles, o governo deveria assumir pelo menos parte dos custos de instalação da reserva. “As mudas e a assistência técnica deveriam sair de graça para o produtor”, diz Ricardo. Os irmãos investiram recentemente no plantio de 20 mil mudas a título de compensação pela abertura de um açude e o custo foi alto. “Ficou muito bonito, a gente tem de defender isso, mas o governo precisa ajudar.”
Freitas, de Araraquara, mantém com o filho, João Henrique, uma propriedade de 200 hectares, e uma reserva de mais de 50 hectares, averbada. Nas terras que arrendam para cultivo de cana, de 120 hectares, os Freitas fizeram questão de manter a reserva com 28 hectares – acima do mínimo exigido. “É bom para a formação de nascentes.”
Freitas acrescenta que, além de formar a reserva, o dono da propriedade precisa investir na proteção da área. “Há o risco de a gente gastar para formar a mata e depois perder tudo em caso de incêndio”. Ele conta que uma área de reserva em processo de recuperação na fazenda da família, no Distrito do Taquaral, em São Carlos, foi queimada. “Alguém passou pela estrada e botou fogo. A única coisa que pudemos fazer foi o Boletim de Ocorrência”.
Saiba Mais: Sindicato Rural de Araraquara, tel. (016) 3335-9190; UDR, tel. (018) 3221-1802; IEA-SP, tel. (011) 5067-0511
(O Estado de São Paulo/SP, seção Suplemento Agrícola, 19/7/2006).

domingo, 18 de março de 2012

OS CRUCIFIXOS E O JUDICIÁRIO BRASILEIRO: RELIGIÃO, HISTÓRIA OU CULTURA?

A permissão ou a vedação da manutenção de crucifixos em locais públicos (especialmente no Judiciário) tem base constitucional ou legal?
Diante das recentes discussões sobre o tema no país, após a decisão do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de proibir o uso de crucifixo e outros símbolos no Judiciário Estadual sul-rio-grandense (e determinar sua retirada), retorna-se a algumas das questões levantadas no artigo O caso dos crucifixos: um "jeitinho" alemão.[1].
Recorda-se que o Tribunal Constitucional Federal alemão, após ter decidido em 1995 que a instalação de crucifixos nas salas de aula das escolas públicas da Baviera contrariava o art. 4º, § 1º, da Constituição nacional, mudou posteriormente seu entendimento. A principal razão para essa alteração foi a edição de lei bávara que obrigava as escolas estaduais a manter crucifixos nas salas de aula, considerando a maioria católica, os valores cristãos na educação e por constituírem uma expressão das tradições culturais da região. Em outras palavras, a mesma situação gerou interpretações distintas pelo Tribunal Constitucional Federal, diante de valores constitucionais diferentes (Religião e Cultura) utilizados para resolver o conflito.
Discussão similar acerca dos limites entre Religião e Estado ocorreu na Itália, também envolvendo a obrigatoriedade dos crucifixos nos colégios (em casos decididos inclusive pela Corte Europeia de Direitos Humanos); na Suíça, em virtude da construção dos minaretes nas mesquitas; e na França, por causa do uso de burcas nos colégios.
No Brasil, o debate é focado principalmente no uso de crucifixos em repartições públicas, diante do que se faz a inevitável pergunta: a permissão ou a vedação da manutenção de crucifixos em locais públicos (especialmente no Judiciário) tem base constitucional ou legal?
Textos relacionados
Lembra-se em primeiro lugar que o preâmbulo da Constituição brasileira de 1988 é encerrado com a seguinte expressão: “(...) promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”.
No capítulo dos direitos e deveres individuais, o art. 5º, VI, lista como sendo “(...) inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. Logo, são garantidos o direito de liberdade de crença, de consciência (ambas de cunho íntimo) e de culto religioso (exteriorização do credo ou da consciência).
Ainda no art. 5º, os incisos VII e VIII asseguram a assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (hospitais, presídios, quartéis, etc.), e o direito de escusa da consciência: ninguém pode ser privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.
O art. 19, I, determina a separação entre Estado e Igreja, ao proibir que União, Estados, Distrito Federal e Municípios criem ou subvencionem cultos religiosos ou igrejas, tampouco criem obstáculos ao seu funcionamento ou mantenham com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança. Permite-se apenas a colaboração de interesse público, desde que prevista em lei.
O art. 143, §§ 1º e 2º, autoriza a prestação de serviço militar alternativo àqueles que alegarem imperativo de consciência (como o derivado de crença religiosa), e desobriga os eclesiásticos do serviço militar obrigatório, em tempo de paz.
Por fim, o § 1º do art. 210 define o ensino religioso como uma disciplina facultativa nas escolas públicas de ensino fundamental, e o art. 226, § 2º, determina que o casamento religioso produz efeitos civis.
A decisão referida inicialmente, do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, baseou-se principalmente na possibilidade de uso exclusivamente de símbolos oficiais do Estado. Consequentemente, a utilização de símbolo religioso (o crucifixo) em espaços físicos do Judiciário desequilibra a necessária imparcialidade do Estado-Juiz na avaliação dos bens jurídicos discutidos nos processos.
Não se trata da primeira e nem será a última decisão sobre a questão no Brasil: a controvérsia sobre a existência de crucifixos em órgãos públicos é remota e passa por fases variáveis de intensidade nos debates e nas decisões.
Por exemplo, em 2009, decisão similar de retirada dos crucifixos foi tomada  pelo então presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Em 2005 e 2011, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já havia decidido pela manutenção dos símbolos religiosos.
O Conselho Nacional de Justiça decidiu, em quatro pedidos de providência (de nº 1.344, 1.345, 1.346 e 1.362), que a presença de símbolos religiosos em órgãos judiciários não viola a laicidade do Estado.
A menção à laicidade do Estado não basta para a resolução do problema, tendo em vista que o art. 19, I, da Constituição impede que os órgãos públicos criem, auxiliem ou impeçam o funcionamento de cultos religiosos ou igrejas, mas não veda a existência de símbolos ou o uso de vestimentas religiosas.
Em outras palavras, o Poder Público não pode manter igrejas ou embaraçar a existência de religiões, mas não existe obstáculo na Constituição para que símbolos sejam expostos e manifestações religiosas sejam externadas nas entidades públicas. Ao inverso, isso é garantido pelo citado art. 5º, VI, da Constituição, nas liberdades de crença, de consciência e de culto religioso.
Por outro lado, deve-se ter cuidado para não se analisar o tema de forma similar ao tratamento conferido pela Baviera alemã, para qualificar a manutenção de crucifixos e outros símbolos religiosos em órgãos públicos como uma questão histórico-cultural, e não apenas religiosa.
Essa defesa da permanência de crucifixos em órgãos públicos como um aspecto cultural e histórico do Brasil não resolve o problema, mas, ao contrário, cria outro.
É preciso levar em consideração que o uso desse argumento no Brasil poderá gerar uma situação discriminatória: crucifixos podem ser usados porque fazem parte da cultura nacional, mas símbolos de qualquer outra religião não podem ser expostos em órgãos públicos porque isso importaria em discriminação às demais.
Trata-se de raciocínio simplista, que está implícito no tratamento do assunto como um tema (exclusivamente ou não) cultural e histórico, e busca afastar o exame de seu real conteúdo.
Temas religiosos que causarem conflitos de interesses jurídicos devem ser analisados pelo Judiciário como temas religiosos. A existência conjunta de aspectos sociais, culturais, históricos, geográficos, políticos (entre outros) não afasta a questão principal de fundo e a necessidade de se delimitar o âmbito de aplicabilidade do art. 5º, VI, VII e VIII, e do art. 19, da Constituição.
Ainda, caso seja permitida a livre e irrestrita exposição de símbolos religiosos em órgãos públicos, outro problema surgirá: como conciliar essa liberdade com as religiões que não utilizam símbolos, ou com quem não segue nenhuma crença? Deve ser deixado um espaço vazio para respeitar suas liberdades religiosas?
Esse mesmo raciocínio pode ser desenvolvido no sentido inverso: a proibição total de símbolos (como os crucifixos) em órgãos públicos também é discriminatória, porque privilegia determinados grupos (sem credo religioso ou em representações) em relação aos demais (que reverenciam os símbolos).
A complexidade do assunto, as intransigências e as paixões que o envolvem dificultam o desenvolvimento de um debate continuado e aprofundado sobre a extensão e os limites dos direitos à religião (e à não-religião), além da pretendida pacificação social por meio da prestação jurisdicional.

Elaborado em 03/2012.

quinta-feira, 15 de março de 2012

REAFIRMADO DIREITO DE TRABALHADOR A MANTER COBERTURA DE SAÚDE APÓS DESLIGAMENTO

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dispensou a Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (Cassi) de continuar mantendo um ex-empregado no mesmo plano de saúde ao qual estava vinculado quando em serviço. No entanto, a Turma reconheceu que os trabalhadores demitidos sem justa causa ou exonerados têm direito a manter a cobertura assistencial de que gozavam durante o contrato de trabalho, desde que assumam o pagamento integral da contribuição. 
Os ministros deram provimento ao recurso da Cassi por considerar que, nos termos da Lei 9.656/98 (que disciplina os planos de saúde privados), o período de manutenção do ex-empregado e seus dependentes no mesmo plano é de no máximo 24 meses, mas, no caso em julgamento, o trabalhador já vinha se beneficiando da garantia legal desde 2003, por força de liminar judicial. 
Em 2003, o ex-empregado do Banco do Brasil ajuizou ação afirmando que, entre setembro de 1977 e junho de 2002, manteve-se vinculado à Cassi, inscrito no chamado plano associado. Sustentou que, com o rompimento de seu vínculo empregatício com o banco, a Cassi, com base no artigo 6º de seu estatuto, promoveu de modo unilateral sua desfiliação do plano, obrigando-o a aderir ao plano saúde familiar, mais oneroso e menos benéfico, inclusive com limitação quanto ao atendimento de dependentes. 
Estatuto 

O juízo da 17ª Vara Cível de Brasília julgou o pedido procedente. A Cassi apelou, mas o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) manteve a sentença. Inconformada, a Cassi recorreu ao STJ sustentando que o plano associado é um benefício contratual do BB destinado aos empregados ativos e aposentados e que, havendo desligamento do banco, o titular se desvincula desse plano, conforme prevê seu estatuto. 
Segundo a Cassi, o ex-empregado deveria ter feito uso de seu direito de optar pela manutenção do plano no prazo de 30 dias após o desligamento do banco, mas não o fez, pois aderiu a outra modalidade de plano de saúde. 
A Cassi disse ainda que compete à Agência Nacional de Saúde (ANS) propor políticas e diretrizes gerais ao Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu), cujas resoluções têm força regulamentar, não havendo que se cogitar em aplicação de normas do Código de Defesa do Consumidor. 
Em seu voto, o relator, ministro Luis Felipe Salomão, concluiu que o artigo 30, parágrafo 1º, da Lei 9.656 assegura a manutenção do ex-empregado como beneficiário do plano de saúde, desde que assuma o pagamento integral, arcando também com a parte patronal, pelo período máximo de 24 meses. Como, por força de liminar, o autor da ação permanece no plano associado desde 2003, sua manutenção nesse plano não pode ser mais imposta à Cassi. Salomão disse que o artigo 30, inclusive com a determinação de prazo máximo
de 24 meses, é dispositivo autoaplicável, cuja eficácia não depende de regulamentação, ao contrário do que sustentava a Cassi. 
Malícia 

O ministro, porém, contestou a afirmação da Cassi de que o ex-empregado teria deixado de exercer seu direito de opção, escolhendo voluntariamente outro plano. Segundo o processo, o autor da ação pagava R$ 110,75 pela assistência médico-hospitalar do plano, quando empregado, e passaria a pagar R$ 276,88 caso assumisse a contribuição patronal para ficar no mesmo plano, como era seu direito por lei. “Com a mudança para outro plano, com pior cobertura, passou a pagar R$ 592,92, não se podendo admitir que o fez espontaneamente”, afirmou o relator. 
“A tese de que não teve interesse em permanecer no plano associado, que lhe era amplamente favorável, e, de modo voluntário e consciente, aderiu ao plano saúde família, deve ser repelida”, acrescentou o ministro Salomão, para quem a Cassi faltou com os deveres de lealdade e boa-fé ao agravar “sem razoabilidade” a situação do parceiro contratual. 
Para o relator, os próprios argumentos apresentados pela Cassi são reveladores de sua “nítida malícia”, quando sustenta, “ao arrepio da lei”, que seu estatuto só admite a manutenção do consumidor no plano associado enquanto durar seu vínculo empregatício. Luis Felipe Salomão ressaltou que não só a Lei 9.656 como também o Código de Defesa do Consumidor impõem que seja reconhecido o direito do trabalhador exonerado ou demitido sem justa causa a permanecer com a cobertura nas mesmas condições, apenas assumindo o valor integral da contribuição e por prazo limitado pela lei. 
REsp 925313

quarta-feira, 14 de março de 2012

TNU GARANTE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE A PORTADOR DE HIV

A Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) garantiu a um segurado do INSS, portador do vírus HIV, o direito de receber o benefício de amparo assistencial ao deficiente (LOAS), apesar de o laudo pericial ter concluído por sua capacidade laborativa. Ao decidir nesse sentido na sessão do dia 29 de fevereiro, a TNU negou o pedido do INSS, que pretendia suspender o pagamento do benefício, já concedido na justiça de 1º grau e confirmado pela Turma Recursal. 
A decisão da turma nacional, tomada por unanimidade, segue o posicionamento já consolidado pelo Colegiado no sentido de reconhecer o direito ao benefício por incapacidade, independente de esta se encontrar identificada no laudo pericial, desde que o julgador constate a presença de condições pessoais ou sociais que provoquem a sua caracterização. 
“Não obstante a conclusão médica apontar a possibilidade de exercício de atividade remunerada, outros elementos podem levar o magistrado sentenciante à conclusão de sua impossibilidade, em face da extrema dificuldade de inserção ou reinserção no mercado de trabalho, situação em que a negativa de concessão do benefício implica ofensa à dignidade humana”, escreveu em seu voto a juíza federal Simone Lemos Fernandes, relatora do processo na Turma. 
No caso em análise, a sentença considerou a presença de incapacidade laborativa social por força de o autor não conseguir desempenhar suas tarefas de moto-taxista e de não conseguir outro emprego para sua subsistência. Segundo o magistrado de 1º grau, vários fatores contribuem para o quadro: a baixa qualificação do autor, suas limitações físicas, o retraído mercado de trabalho de Tabatinga (AM) e, principalmente, o preconceito e a rejeição que decorrem da AIDS, uma vez que o autor é usuário do programa de DST/AIDS do Sistema Único de Saúde, o que em uma cidade pequena, garante que todos saibam de sua doença. 
Processo nº 5872-82.2010.4.01.3200

TRABALHO EM ATIVIDADE LUCRATIVA DESCARACTERIZA VÍNCULO DOMÉSTICO

Empregado que presta serviços em propriedade rural, atuando diretamente na produção agroeconômica, é trabalhador rural e não doméstico. Assim entendeu a 4ª Turma do TRT-MG, ao julgar desfavoravelmente o recurso do empregador que insistia na tese de que o reclamante era trabalhador doméstico. 
A desembargadora Maria Lúcia Cardoso de Magalhães, relatora do recurso, explicou que o tipo de empregado conhecido como caseiro só será caracterizado como doméstico se não trabalhar em atividade agroeconômica, com finalidade lucrativa. "O empregado doméstico desenvolve atividade de consumo, ao passo que o rural, de produção, sendo esse o traço distintivo de uma e outra espécie", ressaltou. 
No caso do processo, o próprio empregador, por meio de suas declarações, deixou claro que o reclamante era empregado rural, nos moldes da Lei nº 5.889/73, e não empregado doméstico. Isso porque, segundo relatou, há no sítio dez vacas leiteiras, que produzem, em média, 25 litros de leite, além de 45 cabeças de gado. O sitiante vende, em média, três queijos por dia e, de vez em quando, realiza trocas de bezerros e venda de gado. O reclamante era encarregado de contratar outros trabalhadores a dia e também de fazer o almoço. 
A relatora acompanhou os fundamentos da sentença, enfatizando que, ainda que a atividade produtiva do sítio fosse de pequena monta, ela era colocada no mercado, o que descaracteriza o trabalho doméstico. "Para que o empregado seja considerado doméstico não pode laborar em atividade que gera lucro ao empregador", frisou, mantendo a sentença que reconheceu o vínculo de emprego rural e condenou o empregador ao pagamento das parcelas típicas desse tipo de contrato. 
Processo: 0203500-23.2008.5.03.0060 RO

NOVO REGISTRO CIVIL DEVE SAIR NESTE ANO

O governo vai implementar ainda neste ano o Sistema de Informações de Registro Civil (Sirc), unificando as informações de nascimento, casamento e óbito de cada cidadão. Preparado desde 2010, o Sirc atrasou por dificuldades técnicas, mas deve estar disponível para todos os cartórios do país, além das agências do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) e outros órgãos públicos. 

"O Sirc possibilitará o combate à fraude previdenciária, pois o INSS saberá rapidamente da morte do beneficiário, podendo cessar instantaneamente os pagamentos", explicou Tales Monte Raso, procurador da Advocacia-Geral da União (AGU) no INSS. 
Outro grande ganho é o aumento da agilidade nas tomadas de decisão que envolvem políticas públicas. "O gestor público saberá sobre os óbitos que ocorreram em determinada região em 30 dias, e não mais em um ano", afirmou José Emygdio, representante da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreng). 
O INSS montou um grupo de trabalho para "aperfeiçoar e implementar totalmente" o sistema no país, que é coordenado por Monte Raso, da AGU. O grupo conta ainda com representantes da Anoreg, da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Ampen) e do próprio INSS. 
O sistema, que ligará todos os cartórios brasileiros ao INSS, já está na fase de testes operacionais em 21 cartórios. A experiência servirá para evitar que problemas apareçam na generalização do sistema. "O objetivo é poder lançá-lo com segurança, visto que são dados que interessam a vários setores, sendo que alguns são sigilosos", explicou Monte Raso. 
Além dos cartórios, o Sirc tem como fonte de alimentação o Ministério das Relações Exteriores, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), além de todos os componentes do Comitê Gestor Nacional, criado para planejar, executar e monitorar ações para erradicação do sub-registro civil de nascimento. 
Com todos os provedores de dados para o sistema, será possível comparar os dados fornecidos. Assim, se o Ministério da Saúde, por exemplo, informar que alguém morreu, mas o cartório da região não tiver dado essa informação, será possível averiguar de imediato o problema e, caso necessário, multar o cartório, já que é de sua obrigação a prestação de informação sobre mortes. 
Por enquanto, apenas cartórios e INSS têm acesso ao Sirc. "Vários órgãos do governo já nos procuraram para poder acessar o Sirc", revelou Monte Raso. Ele afirmou que as diversas demandas estão sendo analisadas pela área técnica do INSS. 
A iniciativa de acelerar a implementação do Sirc ocorre no mesmo momento em que também se aceleram os trabalhos envolvendo o sistema nacional de acompanhamento salarial e previdenciário dos servidores (Siprev), preparado pelos ministérios do Planejamento e da Previdência Social. Como antecipou ontem o Valor, o Siprev será criado por decreto da presidente Dilma Rousseff. Ele será de adesão compulsória e contará, de partida, com as informações dos servidores ativos e inativos (aposentados e pensionistas) da União, dos 27 Estados e dos 50 maiores municípios do país - um universo de quase 11 milhões de pessoas. 
Com ele, o governo espera conseguir uma forte economia de recursos à União, Estados e municípios, por meio do cruzamento de informações das folhas de pagamento e de benefícios previdenciários. De acordo com estimativas oficiais, a economia pode chegar à casa dos R$ 7 bilhões por ano. 
João Villaverde e Lucas Marchesini - De Brasília