quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

NOÇÕES BÁSICAS SOBRE JUROS E O COMBATE HISTÓRICO À USURA

RESUMO
            Este artigo esboça e examina conceitos, classificações e noções fundamentais relativas aos juros. A noção de principal, o conceito de juros, taxa de juros e critérios para seu cálculo, juros simples, juros compostos, juros remuneratórios e moratórios, juros legais e convencionais, usura, capitalização e anatocismo. Postas essas noções, aponta referências históricas da luta da humanidade contra a exploração por juros exorbitantes, identificando disposições contrarias à usura nas mais remotas codificações, a exemplo do Código de Manu, Código de Hamurabi, Lei das XII Tábuas, Bíblia e Alcorão. Por fim, colige demais referências históricas relacionadas às juros, sintetizando sua regulamentação no Brasil, e concluindo serem os juros exorbitantes historicamente combatidos, desde as mais remotas civilizações.

I. O conceito de juros
            A princípio, podemos perquirir o conteúdo dos juros sob variados prismas, econômicos, políticos e jurídicos, aliás, como anota o professor Miguel Reale (1965, p. 68), o objeto material do estudo se assemelha, aparecendo distinção científica justamente no objeto formal e na especial maneira com que a matéria é apreciada.
            Nesse contexto, a economia conceitua juros como sendo a remuneração paga pelo tomador de um empréstimo junto ao detentor do capital emprestado. Segundo escreve Frederico Caldas (1996, p. 76), o conceito econômico do juro se completa com critérios objetivos e subjetivos que, respectivamente, consistiam na escassez de capital e renúncia à liquidez monetária, aliada à oferta e procura da moeda em investimentos. A partir dessa concepção keynesiana, os juros passaram a ser instrumento de políticas de desenvolvimento econômico com manipulação da oferta monetária disponível.
            A ciência jurídica, apoiando-se nas conceituações econômicas, qualifica os juros como sendo o preço do uso do capital. Fruto produzido pelo dinheiro, daí a expressão fruto civil, corriqueira na doutrina. "Ele a um tempo remunera o credor por ficar privado de seu capital e paga-lhe o risco em que incorre de o não receber de volta" (RODRIGUES, 2002, p. 315).
            Assim, os juros são ditos frutos civis do capital, remuneração pela disponibilidade de uma importância em dinheiro por determinado tempo. Pontes de Miranda (1971, p. 15) destaca o caráter remuneratório dos juros, de frutos, pelo uso que o devedor faz do capital em razão de cobertura dos sacrifícios de abstinência e riscos sofridos pelo credor. E destaca, ainda, dois elementos de composição dos juros: valor da prestação e tempo, ambos se imbricando na composição do quantum a ser instituído como juros da prestação.
            De Plácido e Silva (199, p. 469) assim se refere aos juros:
            Aplicado notadamente no plural, juros quer exprimir propriamente os interesses ou lucros, que a pessoa tira da inversão de seus capitais ou dinheiros, ou que recebe do devedor, como paga ou compensação, pela demora no pagamento que lhe é devido.
            Neste sentido, pois, possui significado equivalente a ganhos, usuras, interesses, lucros.
            Tecnicamente, dizem-se os frutos do capital, representado pelos proventos ou resultados, que ele rende ou produz.
            Ensina Caio Mário (1981, p. 110), com a habitual proficiência:
            Chamam-se juros as coisas fungíveis que o devedor paga ao credor, pela utilização de coisas da mesma espécie a este devidas. Pode, portanto, consistir em qualquer coisa fungível, embora freqüentemente a palavra juro venha mais ligada ao débito de dinheiro, como acessório de uma obrigação principal pecuniária. Pressupõe uma obrigação de capital, de que o juro representa o respectivo rendimento, distinguindo-se com toda nitidez das cotas de amortização. Na idéia do juro integram-se dois elementos: um que implica a remuneração pelo uso da coisa ou quantia pelo devedor, e outro que é a de cobertura do risco que sofre o credor.
            Temos, portanto, os juros como remuneração pela disponibilidade de um capital por determinado tempo, "frutos" a serem colhidos pelo credor, pelo uso que o devedor faz do capital, e em razão de cobertura dos sacrifícios de abstinência e riscos sofridos pelo credor. Depreende-se, ainda, do conceito acima, que não apenas a dinheiro, mas também a outras coisas fungíveis podem se referir os juros, embora mais usuais naquele caso.

II. Taxa de juros e critérios para o cálculo dos juros
            Para exame da definição de elementos básicos relacionados aos juros, ao modo como se procede a sua medição e ao método determinante dos cálculos da remuneração por eles gerada, interessante a contribuição do engenheiro Antônio de Pádua Collet e Silva (2000, p. 1-2), donde sistematizamos as seguintes definições básicas:
            1) Principal - valor nominal do crédito efetivamente utilizado pelo mutuário, o também dito valor primitivo, ou valor original, qual seja o montante inicialmente objeto do mútuo, antes de incorporadas as alterações produzidas pelos juros.
            2) Taxa de Juros - percentual obtido pela relação entre a remuneração e o valor disponibilizado, em um determinado tempo;
            3) Critérios para o Cálculo dos Juros - os rendimentos são obtidos pela disponibilidade do principal por determinado prazo, em cujos períodos de apuração serão aplicadas taxas percentuais de juros, segundo dois critérios de cálculo:
            a) os juros simples (a remuneração é calculada sobre um valor do principal que não varia, por não capitalizar os juros calculados ao final de cada período de apuração),
            b) os juros compostos (a remuneração é calculada sobre um valor do principal que varia, incluindo os juros contados ao final de cada período de apuração). Identifica-se, neste caso, a capitalização, prática de incorporar os juros de um empréstimo ou de um financiamento à dívida principal com o anatocismo ou a cobrança de juros sobre juros.
            4) Usura - cobrança de remuneração abusiva pelo uso do capital, repudiada e até considerada crime por diversas legislações.
            5) Capitalização - dá-se quando são incorporados os juros à dívida principal, em certo período (capitalização, mensal, anual, etc), incidindo novos juros sobre o total.
            6) Anatocismo – verifica-se ao se cobrar juros sobre os juros já incorporados uma dívida (capitalizada). Ou seja, somar juros ao montante original da dívida, e continuar cobrando juros sobre o novo montante, que já inclui juros anteriores, sucessivamente.

III. Classificação dos juros
            Os juros podem ser classificados segundo vários critérios, por exemplo, em convencionais ou legais (segundo sua origem); compensatórios ou moratórios (dando proeminência à finalidade); em simples ou compostos (examinando a forma de cálculo).
            De Plácido e Silva (1999, p.469 - 470) fornece oportuna classificação:
            JUROS CONVENCIONAIS - É a denominação dada aos juros que se estabelecem ou se estipulam em contratos, para que sejam cumpridos pelo devedor, enquanto vigente a obrigação.
            No entanto, é tido em sentido mais amplo, significando toda a espécie de juros instituídos ou estabelecidos em um contrato, não somente enquanto vigente a obrigação, como pelo não cumprimento dela, isto é, pelo seu retardamento. Dessa forma, os juros moratórios, em regras legais, podem ser também convencionados.
            Assim, o caráter dos juros convencionais está em virem estipulados em contrato.
            Nesse particular é que se usa das expressões compensatórias e moratórias para distingui-los: os primeiros, os que se originam naturalmente como frutos do capital, pela decorrência do contrato; os segundos, devidos pelo retardamento no cumprimento da obrigação principal.
            JUROS LEGAIS - Exprime a expressão: os juros que podem ser exigidos em virtude da imposição ou determinação legal, embora não convencionados ou contratados.
            Restritamente, no entanto, é a denominação aplicada para designar a taxa de juros autorizada por lei.
            Assim sendo, em sentido amplo, juros legais entendem-se os que possam ser exigidos legalmente, seja a respeito do direito que assiste ao credor para exigi-los, seja relativamente à taxa, que os deve determinar.
            JUROS ORDINÁRIOS - É a expressão que designa os juros simples, ou seja, aqueles que não se acumulam ou não se capitalizam. São devidos pelo transcurso do prazo, em que vigora a obrigação ou a prestação pecuniária, mas não se computam no capital, para que passem, também, a render juros.
            JUROS MORATÓRIOS - São juros decorrentes da mora, isto é, os que se devem, por convenções ou legalmente, em virtude do retardamento no cumprimento da obrigação. São os juros ditos de propter moram, fundados numa demora imputável ao devedor de dívida exigível. Nesta razão, os juros moratórios se fundam em dois elementos dominantes:
            a) a existência de uma dívida exigível;
            b) a demora do não-pagamento dela, imputável ao devedor.
            Os juros moratórios podem ser convencionados ou não. Quando não estipulados e devidos, dizem-se legais e se cobram pela taxa legal.
            JUROS COMPENSATÓRIOS - Assim se entendem os frutos naturais do capital empregado.
            Representam, pois, a justa compensação, que se deve tirar dos dinheiros aplicados nos negócios, notadamente de empréstimos.
            Nesta circunstância, deve ser a denominação tida em sentido genérico, aplicável a toda a espécie de juros, visto que compensar quer exprimir equilibrar, indenizar, ressarcir.
            Assim, serão legais os juros se decorrentes da própria lei, ou convencionais, se ajustados por manifestação de vontade entre as partes. Serão compensatórios ou juros-frutos, para Pontes de Miranda (1971, p. 26), os que, não supondo mora do devedor, compensam a utilização do capital, e moratórios, os que consubstanciam indenização pelo atraso no cumprimento.
            Temos, portanto, os juros compensatórios ou remuneratórios como aqueles que representam uma compensação pelo uso que o devedor faz do capital, em razão de cobertura dos sacrifícios de abstinência e riscos sofridos pelo credor; enquanto os juros moratórios constituem uma indenização pelo atraso culposo no pagamento.
            Tal distinção se faz particularmente importante em virtude de haver, inclusive, tratamento jurisprudencial diverso quanto a cada uma dessas modalidades de juros, sendo os mesmos diferenciados e tratados com regras próprias pela jurisprudência pátria; o que, deve ser observado, decorre da evidente dessemelhança quanto à sua natureza e fundamento de exigência.
            Coser (2000, p. 20-21) refere-se, ainda, a juros "nominais" (tem embutida a variação da inflação do período) e juros "reais" (revelam o ganho efetivo, excluída a inflação) e lembra que os juros "compensatórios" podem ser convencionados entre as partes ou advir da lei ou de decisão judicial – Súmula nº 164, do STF.

            O Direito, no decorrer dos tempos, variou, desde a proibição dos pactos nesse sentido, passando por tentativas de controle com estabelecimento de taxas máximas, conhecendo ainda, sob a batuta dos fisiocratas e liberais do século XVIII, período de liberação, ausentes quaisquer limitações às taxas, na conhecida máxima do "Laissez-faire, laissez passer, ne pas trop gouverner", e retornando historicamente para uma "liberdade vigiada", típica do modelo preconizado na constituição Weimariana, batizado de "welfare State", em que se permite a estipulação dos juros, porém, atraindo atuação do Estado que intervém e disponibiliza mecanismos jurídicos para coibir eventuais abusos.
            Arnoldo Wald (1994, p. 120-121) faz oportuna síntese histórica, que parte da antiguidade, passa pela Igreja da Idade Média, pelo liberalismo clássico, até apontar, mais recentemente, a necessidade de limitação percebida já no que se convencionar nominar Welfare State, ou estado de bem estar, com retorno da interferência estatal para assegurar uma observância, ainda que mínima dos direitos sociais:
            Os juros surgiram, entre os povos da antigüidade, como uma compensação pelo uso do capital alheio. A cobrança dos juros, condenada pelos Concílios de acordo com a doutrina da Igreja, não foi admitida na maioria das legislações européias anteriores à Revolução Francesa. Em reação, inspirando-se na lição de Calvino, os autores protestantes, de um lado, e os economistas e filósofos franceses do século XVIII, liderados por Montesquieu, por outro lado, consideraram cabível a compensação pela utilização do capital alheio, desde que estabelecida em bases moderadas e não configurando a usura. Os fisiocratas entendiam que o Estado não devia interferir nas relações comerciais entre os indivíduos, fixando o princípio do `Laissez-faire, laissez passer, ne pas trop gouverner`, e assim, numerosas legislações do século XIX e algumas do início do século XX não fixaram limites máximos para os juros.O Estado moderno, na sua feição social, inspirada na Constituição de Weimar, afirmou todavia sua intervenção ampla tanto no plano econômico como no campo social, só admitindo a cobrança de juros até determinado teto e combatendo todas as formas de agiotagem e de usura, considerando-as até como figuras típicas de direito penal.
            Aprofundando nossa verificação histórica, interessante notarmos que os fragmentos das mais antigas legislações trazem referências ao histórico repúdio à usura, a exemplo dos Códigos de Hamurabi, de Manu, da Lei das XII tábuas, do Alcorão e da Bíblia Sagrada (desde o Antigo Testamento). Vejamos:
            IV.1 O Código de Hamurabi
            Vejamos esse trecho que trata, especificamente, da usura, já estabelecendo sanção para a ganância que se possa evidenciar, quando do empréstimo a juros (VIEIRA, 1994, p. 22-23):
            Capítulo VII, Empréstimos e Juros
            Art. O. Se um mercador emprestou a juros grãos ou prata e não recebeu o capital, mas, recebeu os juros do grão ou da prata, e, ou não descontou o grão ou prata que recebeu e não redigiu um novo contrato ou adicionou os juros ao capital, esse mercador restituirá em dobro todo grão ou prata que tomou.
            Art. P. Se um mercador emprestou a juros grão ou prata e quando emprestou a juros ele deu a prata em peso pequeno ou grão em medida pequena e quando o recebeu ele quis receber a prata em peso grande ou grão em medida grande, esse mercador perderá tudo quanto houver emprestado.
            Aqui se estabelece interessante pena para quem faz cobrança indevida, não abatendo os valores já recebidos, qual seja, a restituição em dobro. Tal idosa disposição guarda clara correlação com a atual dicção dos arts. 940 do Código Civil, e 42 do Código de Defesa do Consumidor:
            Código Civil
            Art. 940 - Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas, ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.
            CDC
            Art. 42, […]
            Parágrafo único - O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
            E mais, quanto aos juros abusivos, ao referir-se àquele que emprestou em peso ou medida pequena e quis receber em peso ou medida grande, aqui presumida a idéia de tentar locupletar-se, por vantagem desproporcional, do alheio; o Código de Hamurabi impõe a perda de todo o capital emprestado.
            IV.2 O Código de Manu
            Essa antiga codificação também já se referia a empréstimo com juros, vejamos (VIEIRA, 1994, p. 66-67):
            Art. 138. Um mutuante de dinheiro, se ele tem um penhor, deve receber, além de seu capital, o juro fixado por Vasistha, isto é, a octogésima parte de cem por mês ou em um quarto.
            Art. 139. Ou então, se ele não tem penhor, que ele tome dois por cento ao mês, se lembrando do dever dos homens de bem; porque, tomando dois por cento, ele não é culpado de ganhos ilícitos.
            Art. 150. Um juro que ultrapassa a taxa legal e que se afasta da regra precedente, não é válido; os sábios o chamam processo usuário; o mutuante não deve receber no máximo senão cinco por cento.
            Art. 151. Que um mutuante por um mês ou por dois ou por três, a um certo juro, não receba o mesmo juro além do ano, nem nenhum juro desaprovado, nem juro de juro, por convenção anterior, nem um juro mensal que acabe por exceder o capital, nem um juro extorquido de um devedor em um momento de aflição, nem os lucros exorbitantes de um penhor, cujo gozo está no lugar do juro.
            Muito clara a idéia de nulidade das estipulações de juros usurários, bem como a intenção de traçar limites aos juros, estabelecendo parâmetros para legalidade das taxas cobradas, e afastando os abusos. O código inclusive diferenciava a dívida garantida por penhor da que não gozasse de tal garantia, sendo justos juros maiores para esta em detrimento daquela; aqui vemos a idéia de juros para cobertura dos riscos, sendo variáveis proporcionalmente vinculadas.
            Os parâmetros para afastar abuso, como que o mutuante não receba juros desaprovado, ou juro de juro (anatocismo), nem um juro que acabe por exceder o capital, nem um juro extorquido de um devedor em momento de aflição, permanecem perfeitamente autuais, sendo tais as mesmas idéias que informam nossa legislação de combate à usura.
            E sobre a possibilidade de revisão contratual, para muitos uma inovação das codificações atuais, esse secular código já proclamava (VIEIRA, 1994, p. 68,69):
            Art. 161. Todo contrato feito por uma pessoa ébria ou louca ou doente, ou inteiramente dependente, por um menor, por um velho ou por uma pessoa que não tem autorização, é de nenhum efeito.
            Art. 162. O compromisso tomado por uma pessoa de fazer uma coisa, ainda que seja confirmada por provas, não é válido, se é incompatível com as leis estabelecidas e os costumes imemoriais.
            Ressalte-se que a idéia de anulação de negócio jurídico defeituoso, seja no elemento subjetivo, quanto aos contraentes, seja quanto ao objeto, ou ainda quanto à forma da avença, tem, portanto, raízes históricas bastante remotas. E os juros ilegalmente fixados são clara contaminação do objeto do contrato de financiamento.
            IV.3 A Lei das XII Tábuas
            Aqui também encontramos remissão expressa aos juros e tentativa de regular sua cobrança (VIEIRA, 1994, p. 155-157):
            Tábua VIII - dos Delitos
            Os juros de dinheiro não podem exceder de uma onça, isto é, 1/12 do capital por ano (unciariu foenus), o que dá 8 1/3 por cento por ano; se se calcula sobre o ano solar de 12 meses, segundo o calendário já introduzido por Numa (a pena contra o usuário que ultrapassa o limite é do quádruplo) .
            Ou seja, a Lei das XII Tábuas não só estabeleceu limites expressos aos juros, como ainda, deles tratou em tábua dedicada aos delitos. Isso é mais que suficiente para percebemos a valoração dada à usura e ao traço de indesejabilidade que já maculava tal prática.
            Ainda na Lei das XII Tábuas, oportuno o apontado por Jayme Altavila (2001, p. 106), que ilustra ainda mais a repulsa da referida codificação à usura:
            E o código não tinha a menor consideração com a agiotagem, ou com o agiota, que abominava explicitamente, quando afirmava: ‘Improbum foenus exercentibus et usurarum illicite exigentibus, infamiae macula irroganda est’ (Cod. L. 2, t. 12, fr. 20). Aos que exercem a agiotagem desonesta e que exigem ilicitamente juros de juros, deve ser lançada a mácula de infâmia.
            Aqui está clara, desde aqueles remotos tempos, a percepção do malefício das pratica usurária, bem ainda a repulsa ao anatocismo, uma das modalidades de cobrança mais maléfica, que potencializa os efeitos das taxas de juros, qual seja a cobrança destes pelo sistema composto, ou simplesmente juros sobre juros, que conduziria o ususrário, segundo o texto citado, à macula da infâmia.
            IV.4 A Bíblia
            No Livro Sagrado mais seguido do planeta, não foi outro o trato conferido aos juros, que não a limitação e repulsa à usura, tal como já o observamos em relação às codificações anteriormente citadas. Vejamos alguns versículos:
            - A teu irmão não emprestarás à usura, nem à usura de dinheiro, nem à usura de comida, nem à usura de qualquer coisa que se empresta à usura. (Deuteronômio, 23, v. 19)
            - Ao estranho emprestarás à usura, porém a teu irmão não emprestarás à usura. (Deuteronômio, 23, v. 20)
            Examinado com cautela essas passagens, percebemos que a Bíblia está se referindo à usura como sinônimo de juros, e vedando, portanto, a cobrança destes aos irmãos (não apenas irmãos na acepção estrita de família que adotamos hoje, mas irmãos no sentido de co-cidadãos, membros de um mesmo povo).
            E a passagem traduzida, como se permitindo usura ao estranho, não deve receber literal interpretação, pois na expressão usura aqui referida (fruto de sucessivas traduções) está implícita a idéia de juros, remuneração pelo uso do capital, mas não de usura como cobrança de juros abusivos (compreensão técnica do termo); estes, mesmo aos estranhos, pelo interpretação sistemática do texto Sagrado em comento, eram também proibidos.
            IV.5 O Alcorão:
            Como consignou Vieira (1994, p. 155), o árabe distingue a usura daquilo que chama riba, que quer dizer aumento ou vantagem, isto é, uma compensação justa de um empréstimo. A usura, porém, não é somente uma infração penal, como um grave pecado perante o Alcorão, que registra estes
            preceitos (VIEIRA, 1994, p. 156-157):
            Capítulo II, v. 276 – ‘Deus permitiu a venda, proibiu a usura. Aqueles que voltarem para a usura serão entregues ao fogo, onde ficarão eternamente’.
            Capítulo III, v. 125 – ‘Ó crentes! Não vos deis à usura, elevando a quantia ao dobro e sempre ao dobro’.
            Capítulo XXX, v. 38 – ‘O dinheiro que dais a juros para o aumentardes com o bem dos outros, não aumentará perante Deus’.
            Nesse contexto, interessante anotar uma das "máximas de sabedoria do Islam", no clássico Kitab al halal wa al-haram, de Algazali (HANANIA, 1994, p. 10): "Disse o Profeta: ‘Um dirham proveniente da usura é mais grave aos olhos de Deus que trinta adultérios cometidos entre os muçulmanos’".Aqui se ilustra, muito bem, a repulsa do Islã à usura.
            IV.6 Demais referencias históricas:
            Vejamos referências coligidas no parecer do então Consultor-Geral da República, o advogado Saulo Ramos, reproduzido na ADIn 4-7/DF [01]:
            A angústia brasileira contra os juros altos é idêntica à de todos os povos, em todos os tempos. Aristóteles afirmava que pecunia nom parit pecuniam e Jesus Cristo, segundo Lucas, pregava: ‘mutum date, nihil sperantes’:
            ‘Em Atenas a taxa de juros era de 12% ao ano; na China habitualmente cobrava-se 12%, elevando-se a taxa se o empréstimo era a longo prazo, podendo atingir até 30%; em Roma a taxa era de 12%, mas efetuavam-se empréstimos até 48%; na Idade Média os lombardos e judeus cobravam a taxa de 20%. Henrique VIII, na Inglaterra, em 1546, proibiu taxa superior a 10%; mas nas colônias inglesas, notadamente na Índia, cobrava-se até de 60%. A Doutrina da Igreja Católica opôs-se à cobrança de juros. Pensadores e filósofos esposaram a teoria de que não era lícito cobrar-se um preço pela utilização de moeda, valendo-se notar a tese de Aristóteles que a moeda, ao contrário dos seres vivos, não se reproduz’ (‘in’ ‘Repertório da Enciclopédia do Direito Brasileiro’,p.296, vol.30)
            Vale lembrar-nos, ainda, de que:
            1. Aristóteles (1981, p. 288) já a combatia, em 350 a.C., como se vê nesse trecho, perfeitamente adequado aos dias atuais:
            O objeto original do dinheiro foi facilitar a permuta, mas os juros aumentavam a quantidade do próprio dinheiro (esta é a verdadeira origem da palavra: a prole se assemelha aos progenitores, e os juros são dinheiro nascido do próprio dinheiro); logo, esta forma de ganhar dinheiro é de todas a mais contrária à natureza.
            2. na Idade Média a Igreja Católica se posicionava contrária à usura, apesar de vender indulgências a quem cometesse esse pecado.
            3. no Brasil, há registros de condenação da usura ainda no período Colonial, por meio das Ordenações, mas, a Lei de nº 24.10.1832 permitiu a livre estipulação de juros pelas partes;
            4. o Código Civil (1916) fixou os juros moratórios em máximo de 6% a/a, art.1.062, e os juros legais, no art.1.063, também nesse patamar. Entretanto, mitigou a limitação, no caso das partes convencionarem expressamente as taxas de juros compensatórios, art.1.262, prevalecendo o limite legal, na ausência da convenção sobre o valor destas.
            5. o Decreto nº 22.626/33 retomou o limite imposto, vejamos seu preâmbulo:
            Considerando que todas legislações modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura;
            Considerando que é de interesse superior da economia do País não tenha o capital remuneração exagerada impedindo o desenvolvimento das classes produtoras.
            6. a lei 1521/51 define a usura como crime contra a economia popular, tipificando-o (inclusive em duas modalidades) e prevendo sua pena respectiva.
            7. nossa CF/88 estabeleceu limitação aos juros reais, no § 3.º do art. 192, que este no texto constitucional por 15 anos, tendo sido retirado apenas recentemente, pela EC n.º 40/2003. Porém, nela permanecem diversos dispositivos que consubstanciam vedações implícitas aos juros abusivos, incompatíveis com os princípios e valores por ela adotados.
            8. o Código de Defesa do Consumidor, lei 8.078/1990, ao estabelecer os ditos princípios sociais do contrato (especialmente no art. 4.º, III e art. 51), como o princípio da boa-fé objetiva, o princípio da equivalência material do contrato (eqüidade ou equilíbrio contratual), vedando práticas e cláusulas contratuais abusivas, e prevendo expressamente a possibilidade de sua anulação ou mesmo revisão em busca do aludido equilíbrio, pode ser entendido como forte instrumento de limitação aos juros.
            9. o Novo Código Civil (CC/2002) trouxe toda uma sistemática, conquanto mais moderada que a anterior (CC/1916 combinado com o decreto 22.626/33 – lei da usura), de limitação expressa aos juros. Isso sem se falar na sua adoção dos princípios sociais do contrato, como já o fizera o CDC, com destaque para a expressa menção ao princípio da função social do contrato (art. 421) e ao da boa-fé objetiva, exigível tanto na conclusão quanto na execução do contrato (art. 422).

V. Conclusão
            Os juros, definidos pela ciência jurídica, apoiando-se nas conceituações econômicas, são o preço do uso do capital. Por isso, são ditos frutos civis do capital, remuneração pela disponibilidade de uma importância em dinheiro por determinado tempo.
            Quanto à classificação, vimos que os juros podem ser classificados segundo vários critérios, por exemplo, em convencionais ou legais (segundo sua origem); compensatórios ou moratórios (dando proeminência à finalidade); em simples ou compostos (examinando a forma de cálculo).
            Seu valor é gerado pela disponibilidade do principal por determinado prazo, em cujos períodos de apuração serão aplicadas taxas percentuais de juros, segundo dois critérios de cálculo: os juros simples (a remuneração é calculada sobre um valor do principal que não varia, por não capitalizar os juros calculados ao final de cada período de apuração) e os juros compostos (a remuneração é calculada sobre um valor do principal que varia, incluindo os juros contados ao final de cada período de apuração), sendo a pratica de cobrar juros sobre os juros já incorporados a uma divida, sucessivamente, chamada anatocismo é pratica extremamente onerosa ao devedor.
            De nossa verificação histórica, notamos que os fragmentos das mais antigas legislações trazem referências ao histórico repúdio à usura, a exemplo dos Códigos de Hamurabi, de Manu, da Lei das XII tábuas, do Alcorão e da Bíblia Sagrada (desde o Antigo Testamento). Ou seja, o mundo civilizado combatia e combate a usura, por reconhecer que o lucro exagerado do capital impedia o desenvolvimento dos demais setores.

Referências
            ALTAVILA, Jayme de. Origem do Direito dos Povos. 9. ed. São Paulo: ícone, 2001.
            ARISTÓTELES. Política. traduzido por Mário Kury. Brasília: UNB, 1981.
            CALDAS, Pedro Frederico. As instituições financeiras e a taxa de juros. Revista de Direito Mercantil, n. 101, jan./mar.1996.
            COSER, José Reinaldo. Juros. Leme – SP : LED - Editora de Direito, 2000.
            HANANIA, Aida Rámeza (Org). Religião e Filosofia em Algazali, 1994. Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2004.
            MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. 3. ed. Rio : Borsoi, 1971.
            ————. Tratado de Direito Privado . 2. ed. Rio : Borsoi, 1959.
            PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 6. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1981. vol 2.
            REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1965.
            RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: parte geral das obrigações. 30 ed. São Paulo : Saraiva, 2002. v. 2.
            SILVA, Antônio de Pádua Collet e. Entendendo os aspectos legais dos juros. Disponível em: . Acesso em 06 jan. 2006.
            SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1999.
            VIEIRA, Jair Lot (supervisão editorial). Código de Hamurabi: Código de excertos (livros oitavo e nono); Lei das XII Tábuas (Série Clássicos). Bauru: Edipro, 1994..
            WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

Nota
            01 Esta Ação Direta de Inconstitucionalidade foi a em que se firmou orientação do STF pela não auto-aplicabilidade da limitação constitucional aos juros reais, trazida no § 3.º do artigo 192 da CF/88. O acórdão, foi assim ementado:
            "6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do Sistema Financeiro Nacional (artigo 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no caput, nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo terceiro, sobre taxa de juros reais (12% ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do Sistema Financeiro Nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do caput, dos incisos e parágrafos do artigo 192, é que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma.
            7. Em conseqüência, não são inconstitucionais os atos normativos em questão (parecer da Consultoria Geral da República, aprovado pela Presidência da República e circular do Banco Central), o primeiro considerando não auto-aplicável a norma do parágrafo terceiro sobre juros reais de 12% ao ano, e a segunda determinando a observância da legislação anterior à Constituição de 1988, até o advento da lei complementar reguladora do Sistema Financeiro Nacional." (julgada em 07.03.91, Relator Ministro SIDNEY SANCHES, Diário da Justiça da União de 25.06.93, ementário 1709-01, RTJ 147/816-817)."

Trabalho elaborado por Martsung F.C.R. Alencar, advogado em João Pessoa (PB), mestre em Direito Constitucional Econômico, professor da graduação e pós-graduação da Universidade Federal de Campina Grande e da Escola Superior do Ministério Público da Paraíba.

LIMITE DA MULTA EM CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE IMÓVEIS

RESUMO: O presente artigo esclarece se um contrato de locação de imóvel urbano, regido pela Lei Federal nº 8.245/1991, pode estabelecer multas superiores a 10% do valor do aluguel por atraso no pagamento.
PALAVRAS-CHAVE: LOCAÇÃO – IMÓVEL – LIMITE DA MULTA MORATÓRIA – LEI DO INQUILINATO – LEI DE USURA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Verifica-se que é muito comum haver dúvida por parte dos proprietários, inquilinos, imobiliárias, advogados e juízes sobre a possibilidade ou não de se estipular livremente o percentual de multa em cláusula penal moratória de um contrato de locação. Qual seria o limite para a multa: 2%, 10% ou não há limite legal? Nestas poucas linhas, será exposta a interpretação jurídica que se considera como a mais adequada para o limite da cláusula penal em contratos de locação.
Primeiramente, o limite de 2% previsto no art. 52, § 1°, da Lei Federal nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) não pode ser imposto às relações entre locador e locatário. Isso se deve pelo fato da relação locatícia não ser considerada como de consumo, pois é totalmente regida pela Lei Federal n° 8.245/1991 (A Lei do inquilinato). Esse é o entendimento que prevalece na doutrina e jurisprudência, de forma que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, inclusive, editou a súmula n° 61 sobre o assunto, que expressa: "É válida, e não abusiva, a cláusula inserida em contrato de locação de imóvel urbano, que comina multa até o limite máximo de 10% sobre o débito locativo, não se aplicando a redução para 2%, prevista na Lei nº 8.078/90".
Deve-se ressaltar que, à época da edição da súmula n° 61, ainda não vigorava o Código Civil Brasileiro (CCB) de 2002, o que obriga os profissionais de direito a interpretarem qualquer limite de multa por inadimplemento, agora, sob a luz da nova sistemática trazida pelo CCB. Por esse motivo, em que pese a súmula mencionada: pergunta-se, pode a multa ser superior a 10%? Acredita-se que sim, pelas razões expostas a seguir.
O limite da multa contratual em 10% está previsto no art. 9º do Decreto Federal n° 22.626 de 1933 (a Lei de usura), que havia sido especialmente elaborado para regulamentar situações do Código Civil de 1916 e não do atual. Tanto é que o CCB de 2002 não faz nenhuma menção ao decreto, diferente da Lei do Inquilinato, a qual o CCB teve o cuidado de mantê-la em vigor de acordo com a remissão expressa do art. 2.036.
Em uma interpretação sistemática do Código Civil, parece claro que o legislador, quando há necessidade, protege a vigência de leis que considera compatíveis com o Código. Outro exemplo seria a Lei Federal n° 6.404, que trata das Sociedades Anônimas, cuja vigência foi mantida pelo art. 1.089: "a sociedade anônima rege-se por lei especial, aplicando-se-lhe, nos casos omissos, as disposições deste Código."
Caso análogo é o do Decreto Federal n° 2.681 de 1912, que regulava a responsabilidade civil nas estradas de ferro e que foi revogado tacitamente pelo Código Civil, uma vez que o Código disciplina tanto o Transporte de bens e pessoas quanto a Responsabilidade Civil. Da mesma forma que o Decreto Federal (decreto do Poder Legislativo) n° 3.708 de 1919, que regulava a constituição de sociedades por quotas de responsabilidade limitada, e que também foi revogado tacitamente pelo Livro II da Parte Especial do Código Civil (Direito da Empresa). Tudo isso nos leva à conclusão lógica da revogação tácita do art. 9° da "Lei de usura" que determinava: "não é válida a cláusula penal superior a importância de 10% do valor da dívida".
Alternativamente, mesmo que se entenda que o Código Civil não derrogou qualquer dispositivo da Lei de usura, assim como o Código de Defesa do Consumidor, a norma não seria aplicável aos contratos de locação, uma vez que o art. 9º do Decreto 22.626 é aplicável somente para os contratos de mútuo (art. 1.262 do Código Civil de 1916) e os contratos de locação são regidos por lei específica. Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (vide Recurso Especial 324.015/SP) e de vários Tribunais estaduais têm admitido a fixação de multa moratória em patamar superior a 10% do valor do aluguel (vide Apelações Cíveis nº 2008.001.09749, nº 2006.001.10270, nº 2003.001.29498, nº 2003.001.36084 e nº 2002.001.22529 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; Apelações nº 1054993-0/2, nº 1061978-0/0, nº 1101732-0/3 e nº 851997-0/4 do Tribunal de Justiça de São Paulo).
Por fim, desde que a multa não ultrapasse o valor da obrigação principal (art. 412 do CCB), índices superiores a 10% do débito são válidos, pois nenhum percentual específico é ilegal, mas poderá ser reduzido pelo juiz "se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio" (art. 413 do CCB). A atitude do legislador em evitar impor limites para multas é a mais correta, pois, por um lado, permite que as partes tenham a liberdade de convencionar as penalidades e, por outro, permite que qualquer multa possa vir a ser questionada judicialmente sob a luz da proporcionalidade das obrigações, o que serve perfeitamente ao princípio judicialista que o atual Código Civil adotou.
Elaborado em 06.2008 André Luiz Junqueira, advogado, formado pela Universidade Veiga de Almeida (RJ). Consultor Jurídico de empresas do mercado imobiliário. Especializado em Direito Civil e Empresarial, pela Universidade Veiga de Almeida. Associado ao escritório Schneider Advogados Associados. Membro da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário - ABAMI

JUROS DE MORA SOBRE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INCIDEM A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO

Os juros moratórios incidem no cálculo dos honorários advocatícios a partir do trânsito em julgado do aresto ou da sentença em que foram fixados. O entendimento é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O tema foi discutido no julgamento de um recurso especial do Estado de Minas Gerais contra decisão do tribunal de justiça estadual. O principal argumento foi o de que a mora somente existiria após o vencimento da obrigação não cumprida. O marco temporal seria o trânsito em julgado da sentença que condenou o estado ao pagamento dos honorários advocatícios oriundos da sucumbência.

O relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, ressaltou que, sendo legitima a inclusão de juros de mora na condenação em honorários, ainda que não solicitado na inicial ou não previsto na sentença, deve-se fixar o termo inicial de sua incidência. Dessa forma, para que sejam cobrados juros moratórios é preciso que exista a mora, que ocorre a partir do transito em julgado da sentença.

Todos os demais ministros da Segunda Turma acompanharam o voto do relator.

REsp 771029

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

AINDA HÁ JUÍZES EM BERLIM, OU MELHOR, NO BRASIL. E A MINISTRA ELIANA CALMON NÃO ESTÁ MAIS SOZINHA.


Demorou, mas aconteceu. Nem tudo é corporativismo e corrupção na Justiça brasileira. Ainda há magistrados que se envergonham com a situação a que se chegou e estão apoiando a ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça, em sua cruzada para moralizar o Judiciário, um dos poderes mais apodrecidos da República.

É salutar saber que um grupo de juízes federais está coletando assinaturas para um manifesto público condenando as críticas feitas pela Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) à atuação da corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon. "Entendemos que a agressividade das notas públicas da Ajufe não retrata o sentimento da magistatura federal. Em princípio, os juízes federais não são contrários a investigações, promovidas pela corregedora. Se eventual abuso investigatório ocorrer é questão a ser analisada concretamente", afirma o manifesto, para realçar que "não soa razoável, de plano, impedir a atuação de controle da corregedoria".

Como agora é moda, a ideia do manifesto surgiu na internet, em meio a uma discussão entre magistrados federais. Foi proposta pelo juiz Rogério Polezze, de São Paulo e ganhou força após a manifestação do juiz Sergio Moro, do Paraná, especializado em casos de lavagem de dinheiro, não convencido de que houve quebra de sigilo de 200 mil juízes.

"Não estou de acordo com as ações propostas no STF nem com as desastradas declarações e notas na imprensa", disse Moro. "É duro como associado fazer parte dos ataques contra a ministra."

"Não me sinto representado pela Ajufe, apesar de filiado", afirmou o juiz federal Jeferson Schneider, do Paraná, em mensagem na lista de discussão dos juízes. Marcello Enes Figueira disse que "assinava em baixo do que afirmou o colega Sergio Moro".

O juiz federal Odilon de Oliveira, de Campo Grande (MS), também aderiu, afirmando que "entregar" a ministra era um "absurdo" que a Ajufe cometia. "A atitude da Ajufe, em represália à ministra é inaceitável", diz o juiz Eduardo Cubas, de Goiás

E a lista de adesões é igual ao cordão dos puxa-sacos -cada vez aumenta mais. Parece um milagre de Natal, no melhor estilo de Charles Dickens, e é verdade.

Carlos Newton

SANCIONADO DECRETO QUE ELEVA SALÁRIO MÍNIMO PARA R$ 622,00

Publicado hoje no DOU, o decreto 7.655 define o valor de R$ 622 para o salário mínimo a partir de 1º de janeiro de 2012. O novo valor representa um aumento de 14,13% em relação ao atual, de R$ 545. Com o reajuste, o valor diário do salário mínimo corresponderá a R$ 20,73 e o valor pago pela hora de trabalho será de R$ 2,83.
O método de reajuste do salário mínimo foi definido por meio de uma medida provisória aprovada pelo Congresso. A lei que fixa a política de reajuste do salário mínimo estabelece que o valor será reajustado, até 2015, com base no INPC - Índice Nacional de Preços ao Consumidor do ano anterior mais a variação do PIB de dois anos antes.
O novo salário mínimo de R$ 622 terá impacto de R$ 23,9 bilhões nos gastos públicos em 2012. A maior parte desse montante corresponde aos benefícios da Previdência Social no valor de um salário mínimo, que serão responsáveis pelo aumento de R$ 15,3 bilhões nas despesas do INSS.


Veja abaixo a íntegra do decreto.
_________
DECRETO Nº 7.655, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2011.
Regulamenta a Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011, que dispõe sobre o valor do salário mínimo e a sua política de valorização de longo prazo.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 3º da Lei nº 12.382, de 25 de fevereiro de 2011,
DECRETA:
Art. 1º A partir de 1º de janeiro de 2012, o salário mínimo será de R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais).
Parágrafo único. Em virtude do disposto no caput, o valor diário do salário mínimo corresponderá a R$ 20,73 (vinte reais e setenta e três centavos) e o valor horário, a R$ 2,83 (dois reais e oitenta e três centavos).
Art. 2º Este Decreto entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2012.
Brasília, 23 de dezembro de 2011; 190º da Independência e 123º da República.
DILMA ROUSSEFF
Guido Mantega
Paulo Roberto dos Santos Pinto
Miriam Belchior
Garibaldi Alves Filho
Este texto não substitui o publicado no DOU de 26.12.2011

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

TIPOS DE SERVIDÃO QUE PRECISAM INGRESSAR NO REGISTRO IMOBILIÁRIO

Introdução
Para sabermos quais os tipos de servidão têm repercussão no Registro Imobiliário, primeiro precisamos conhecer os tipos de servidão no direito brasileiro.
Natureza das servidões
As servidões são obrigações propter rem, que acompanham a coisa, vinculando quem quer se encontre na posição de vizinho, no caso da legal, ou quem quer que seja o dono do prédio serviente, no caso da voluntária.
Tipos de servidões
Quanto aos critérios que adotaremos para separar os tipos de servidões:
I Quanto ao modo de constituição
1. Servidões voluntárias ou privadas
2. Servidões legais
2.1 Direitos de vizinhança – artigos 1277 a 1313 do CC
2.2 Servidões do direito administrativo
II Quanto ao exercício:
3. Aparentes não aparentes
4. Contínuas e descontínuas
III Outros critérios
5. Prediais, pessoais ou mistas
6. Rústicas ou urbanas
7. Servidão instituída por pai de família
8. Passagens de uso supérfluo art. 562 CC/1916, sem correspondência no CC/2002
9. positivas e negativas
I – Quanto ao modo de constituição
1. Servidões voluntárias ou privadas
Decorrem em geral de contrato (e não da lei) e constituem-se direito real sobre coisa alheia instituído por razões de comodidade e conveniência do dono de prédio não encravado.
É a do direito civil, art. 1378CC, em que a voluntariedade é de sua essência. Em regra, adquire-se pelo registro no RGI, salvo quando for por usucapião (art. 1379 CC – somente as aparentes são usucapíveis). Assim, a servidão não aparente só se adquire pelo registro.
“Art. 1.378. A servidão proporciona utilidade para o prédio dominante, e grava o prédio serviente, que pertence a diverso dono, e constitui-se mediante declaração expressa dos proprietários, ou por testamento, e subseqüente registro no Cartório de Registro de Imóveis.”
Exemplo é a de passagem ou de trânsito.
2. Servidões legais
2.1 Direitos de vizinhança – artigo 1277 a 1313 do CC
As servidões legais visam a trazer privacidade, comodidade, segurança e sossego às relações entre os vizinhos. Estão atreladas, portanto, à função social da propriedade e seu uso segundo os limites da vedação do abuso.
Prescinde de registro no RGI.
a) Do uso anormal da propriedade – artigo 1277 a 1281 CC
b) Das árvores limítrofes – artigo 1282 a 1284 CC
Árvores limítrofes. Presunção relativa de condomínio da árvore cujo tronco estiver na linha divisória. Frutos caídos naturalmente pertencem ao dono do solo onde caíram.
c) Da passagem forçada – artigo 1.285 CC
Compete ao dono de prédio rústico ou urbano que estiver encravado naturalmente (não provocado pelo dono) em outro, sem qualquer saída (se tiver saída, ainda que difícil e penosa, não cabe o direito à passagem forçada, o qual não existe por razões de comodidade) para via pública, fonte ou porto. O dono do prédio onerado tem direito a indenização. Não se confunde com a servidão de passagem ou de trânsito, a qual decorre em geral de contrato (e não da lei) e constitui direito real sobre coisa alheia instituído por razões de comodidade e conveniência do dono de prédio não encravado.
Note-se que se não adviesse da lei, o dono do prédio encravado ficaria à mercê do outro, sem que sua propriedade tivesse utilidade sem a aquiescência do outro.
d) Da passagem de cabos e tubulações – artigo 1286 a 1287 CC
e) Das águas – artigo 1288 a 1296 CC
Servidão de águas supérfluas, artigo 1290 CC.
f) Dos limites entre prédios e do direito de tapagem – artigo 1297 a 1298 CC
Direito de demarcar limites entre prédios. A ação demarcatória só cabe quando há controvérsia sobre os limites entre prédios na linha divisória e visa fixar ou restabelecer os marcos da linha de separação, repartindo-se proporcionalmente as despesas. Se existem limites há longo tempo respeitados (mesmo irregulares) ou muro divisório construído fora da linha, cabe ação reivindicatória ou possessória.
Outro exemplo interessante de obrigação real atine à questão dos tapumes divisórios, como vemos no artigo 1297, parágrafo primeiro do Código Civil Brasileiro, que assim diz: “Os intervalos, muros, cercas e os tapumes divisórios, tais como sebes vivas, cercas de arame ou de madeira, valas ou banquetas, presumem-se, até prova em contrário, pertencer a ambos os proprietários confinantes, sendo estes obrigados, de conformidade com os costumes da localidade, a concorrer, em partes iguais, para as despesas de sua construção e conservação.”
Pelo fato das cercas divisórias pertencerem a ambos os proprietários, quando há propriedades contíguas, presume-se serem as divisórias, sejam elas qualquer espécie, relatadas no texto legal, pertencer aos dois proprietários, devendo os mesmos responder para a conservação e construção destes.
Em outra jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, temos o seguinte:
“Direito Civil. Direito de Tapagem. Arts. 588, § 1 e 571, ambos do CC. Obrigação propter rem. Cerca divisória entre imóveis rurais.
Meação de Tapumes Divisórios Comuns. Cobrança de despesas efetuadas pelo proprietário lindeiro. Diversidade de atividades rurais dos vizinhos confinantes. Reflorestamento e criação de gado.
Substituição de cerca antiga, que imprescindia de recuperação, para impedir passagem do gado. Legalidade.
São comuns os tapumes que impedem a passagem de animais de grande porte, como o gado vacum, cavalar e muar (art. 588, § 2, CC), sendo obrigados a concorrer para sua construção e conservação os proprietários de imóveis confinantes (art. 588, § 1, CC), ainda que algum deles não se destine a atividade pecuária, mas a reflorestamento.
Apenas na obrigação de cercar imóveis, com a construção de tapumes especiais – estes considerados como próprios para deter aves domésticas e animais como cabrito, porcos e carneiros, em seus limites -, é que seria indevida a meação do valor gasto com os reparos neles realizados (art. 588, § 3, CC).” (12)
Esse julgado se refere justamente ao tema tratado, que são os tapumes divisórios, que no atual código, é tratado no art. 1297, como vimos. Dando razão à natureza da obrigação propter rem, o STJ julga procedente a pretensão do proprietário lindeiro de cobrar a quota-parte do possuidor da propriedade contígua, desde que como bem especificado, seja necessária a construção para a viabilização da atividade agropecuária ou para fins de reflorestamento.
A questão dos marcos divisórios encontra-se regulamentada no mesmo artigo que trata dos tapumes divisórios (18), que em última análise apresentam a mesma natureza jurídica destes, pois ambos servem de região limítrofe, ou seja, são demarcações fronteiriças que por serem únicas, pertencem de direito a ambos proprietários, não estando estes livres, portanto, das obrigações que daí decorrerem, sendo as principais, as que rezam sobre a construção e conservação de cercas e divisas (19).
No caso das fazendas os proprietários ainda incorrem em mais uma obrigação, que é a de demarcação das terras, nas quais as despesas também devem ser divididas, na proporção da quota-parte.
O CC de 1916 trazia dispositivo não reproduzido no CC de 2002 que preceituava sobre o compáscuo:
“Art. 646.  Se o compáscuo em prédios particulares for estabelecido por servidão, reger-se-á pelas normas desta. Se não, observar-se-á, no que lhe for aplicável, o disposto neste capítulo, caso outra coisa não estipule o título de onde resulte a comunhão de pastos. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)
Parágrafo único. O compáscuo em terrenos baldios e públicos regular-se-á pelo disposto na legislação municipal.”
g) Do direito de construir – artigo 1299 a 1313 CC
Exemplo, janela ou eirado 1301 CC.
CC/2002. “Art. 1.301. É defeso abrir janelas, ou fazer eirado, terraço ou varanda, a menos de metro e meio do terreno vizinho.”
Súmula 120 STF
“Parede de tijolos de vidro translúcido pode ser levantada a menos de metro e meio do prédio vizinho, não importando servidão sobre ele.”
REsp 37897/SP; RECURSO ESPECIAL 1993/0023273-8 - Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO (1015) - Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA - Data do Julgamento 01/04/1997 -  Data da Publicação/Fonte DJ 19/12/1997, p. 67489, RSTJ, vol. 103, p. 161
Ementa. APELAÇÃO - PREPARO. A CIRCUNSTANCIA DE SER CONHECIDO O MONTANTE DAS CUSTAS FAZ DISPENSAVEL A REMESSA AO CONTADOR, POR NÃO SER NECESSARIA A FEITURA DE CALCULO, MAS NÃO A INTIMAÇÃO PARA QUE SE EFETUE O PREPARO, CONSOANTE SISTEMATICA ANTERIOR A DA LEI 8.950/94. JANELA - ABERTURA - CODIGO CIVIL ART. 576. NÃO SE OPONDO O PROPRIETARIO, NO PRAZO DE ANO E DIA, A ABERTURA DE JANELA SOBRE SEU PREDIO, FICARA IMPOSSIBILITADO DE EXIGIR O DESFAZIMENTO DA OBRA, MAS DAI NÃO RESULTA EM SERVIDÃO.
2.2 Servidões do direito administrativo
Servidão administrativa é ônus real de uso imposto pela Administração à propriedade particular para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário.
Não se confunde com a servidão civil, que é imposta no interesse do particular, nem com a limitação administrativa, que é uma restrição pessoal, imposta genericamente a diversos bens.
A instituição da servidão administrativa decorre diretamente de lei, independendo a sua constituição de qualquer ato jurídico, unilateral ou bilateral, por acordo administrativo ou sentença judicial, precedida sempre de ato declaratório da servidão, à semelhança do decreto de utilidade pública para desapropriação, sendo que a própria lei geral de desapropriação - Decreto-Lei 3.365/41, admite a constituição de servidões "mediante indenização na forma desta lei" (art. 40).
A indenização há que corresponder ao efetivo prejuízo causado ao imóvel, segundo sua normal destinação. Se a servidão não prejudica a utilização do bem, nada há que indenizar; se a prejudica, o pagamento deverá corresponder ao efetivo prejuízo, chegando mesmo a transformar-se em desapropriação indireta com a indenização total da propriedade se a inutilizou para sua exploração econômica normal.
As servidões administrativas são perpétuas no sentido de que perduram enquanto subsiste a necessidade do Poder Público e a utilidade do prédio serviente. Cessada esta ou aquela, extingue-se a servidão. Também são causas extintivas da servidão: a perda da coisa gravada; a transformação da coisa por fato que a torne incompatível com o seu destino; a desafetação da coisa dominante; a incorporação do imóvel serviente ao patrimônio público (consolidação).
56 STJ “Na desapropriação para instituir servidão administrativa são devidos os juros compensatórios pela limitação de uso da propriedade.”
II – Quanto ao exercício
3. Aparentes não aparentes
Aparentes à são visíveis, obras exteriores, tais como: passagem, aqueduto.
Súmula 415 STF “Servidão de trânsito não titulada, mas tomada permanente, sobretudo pela natureza das obras realizadas, considera-se aparente, conferindo direito a proteção possessória.”          
CC. “Art. 1.213. O disposto nos artigos antecedentes não se aplica às servidões não aparentes, salvo quando os respectivos títulos provierem do possuidor do prédio serviente, ou daqueles de quem este o houve”
Não aparentes à não se revelam por obras exteriores, como: não construir em certo local, certa altura (altius non tollendi)
Não aparente é a servidão que não se revela por obras exteriores, como a de não edificar além de certa altura ou de não construir em determinado local.
4. Contínuas e descontínuas
Contínuas à o direito se exerce de modo ininterrupto e independem da ação humana, tais como: aqueduto, cabos, tubulações, passagem de energia elétrica, serviços públicos de iluminação. Ainda que não praticados ininterruptamente, não deixam de ser servidões contínuas.
Descontínuas à intermitentemente e tem necessidade de fato atual do homem (de trânsito): trânsito (fato humano) e retirada d`água.
Podem ser adquiridas por usucapião, se tornadas aparentes. Mas, se o caminho não é demarcado e visível, será encarada como mera tolerância do dono do prédio serviente.
Há a possibilidade de combinações:
Contínuas e aparentes à aquedutos
Contínuas e não aparente à não construir além de certa altura
Descontínuas e aparentes à passagem por caminho demarcado
Descontínuas e não aparentes à retirar água, sem caminho visível.
III – Outros critérios
5. Prediais, pessoais ou mistas
Antigamente, distinguiam-se servidões prediais das servidões pessoais (ex: escravidão) e das mistas (uso, usufruto e habitação);
6. Rústicas ou urbanas
Servidões rústicas (de passagem, de pastagem e de águas) x urbanas (de luz, de vista, de ventilação e de construção até certo gabarito);
7. Servidão instituída por pai de família
Servidão instituída por pai de família (dono do mesmo prédio poderá, fracionando-o, dele dispor com as serventias estabelecidas, consideradas então verdadeiras servidões; STF, RE 2.335-SP; AI 11906-DF). Tem de ser registrada para ser instituída.
8. Passagens de uso supérfluo, art. 562 CC/1916, sem correspondência no CC/2002
Não constitui servidão, nos termos do CC de 1916, em artigo sem equivalente no CC 2002:
“Art. 562.  Não constituem servidão as passagens e atravessadoiros particulares, por propriedades também particulares, que se não dirigem a fontes, pontes, ou lugares públicos, privados de outra serventia.”
9. positivas e negativas
Positivas (conferem ao titular poder de praticar algum ato) x negativas (impõem uma abstenção ao dono do prédio serviente).
Direito de tapagem (tapume = muro, cerca etc.). Só existe em relação aos tapumes divisórios comuns (os capazes de impedir passagem de animais de grande porte). O vizinho não tem obrigação de concorrer com as despesas de construção e conservação dos tapumes divisórios especiais (os capazes de impedir passagem de animais de pequeno porte) se não é dono ou detentor de animais de pequeno porte.
Conclusão
As servidões são geradas por ato humano, que pode ser: A – negócio jurídico; B – sentença; C – usucapião; D – destinação do proprietário. O fato humano é gerador somente da servidão de trânsito.
Somente as servidões geradas por ato humano constituem-se por registro no RGI, ressalvada a decorrente de usucapião, cujo registro será apenas declaratório. Lembrando que todas as decorrentes de lei dispensam o registro.
Bibliografia
DINIZ, Maria Helena, Código Civil Anotado, 8.ed., São Paulo, Saraiva, 2002.
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*Sandro Alexander Ferreira é delegado da Polícia Federal em Belo Horizonte, MG.
TRABALHO ELABORADO POR SANDRO ALEXANDER FERREIRA