quarta-feira, 30 de novembro de 2011

REVISÃO CONTRATUAL

Comentários sobre a cláusula rebus sic stantibus e as teorias da imprevisão e da onerosidade excessiva

Busca-se equilibrar as relações, atingindo a almejada justiça contratual e buscando proteger os contratantes que podem sofrer prejuízos decorrentes de eventos supervenientes que tornem as avenças excessivamente onerosas.

1. O contrato e o pacta sunt servanda

O contrato é um importante instrumento para a circulação de riquezas. É um dos motores da economia, possibilitando o deslinde de diversas relações negociais. É por causa das oscilações fáticas e econômicas que os homens buscam a segurança conferida pelos pactos escritos, oponíveis diante de seus parceiros e perante terceiros.

Todavia, é exatamente por causa das mesmas oscilações supracitadas que o pacto poderá ser revisto nas situações em que restar evidenciada uma completa desfiguração do panorama inicial previsto pelas partes, e isto ocorre mediante a revisão contratual, instituto cunhado com base nas teorias revisionistas.

O liberalismo do século XIX entendia de forma absoluta o pacta sunt servanda, apenas existindo, como forma de extinção da avença, o caso fortuito e a força maior. A observância aos princípios da autonomia da vontade e da força obrigatória dos contratos era, portanto, rígida, sem valoração do momento econômico ou das circunstâncias supervenientes.

Após a 1ª Guerra Mundial, tornou-se necessário uma evolução na teoria contratual tradicional, tornando-se possível a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, pois muitos contratos estavam onerando excessivamente alguma das partes devido às grandes mudanças provocadas pela Guerra nos cenários político, econômico e social.

Necessária era, portanto, uma nova concepção de contrato, a qual alterasse a forma de valoração dos princípios basilares da teoria tradicional dos contratos. Em outros termos, a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos não poderiam ser mais considerados absolutos, pois com esta concepção não mais tutelavam os interesses nem conferiam a segurança necessária aos contratantes.

Esta nova concepção, mais justa, busca equilibrar as relações contratuais, atingindo, assim, a almejada justiça contratual, amenizando o alcance da famosa expressão pacta sunt servanda e buscando proteger os contratantes que podem sofrer prejuízos decorrentes de eventos supervenientes que tornem as avenças excessivamente onerosas, tornando possível a revisão contratual, sempre que tais eventos imprevistos no momento da formação do contrato venham a ocorrer. Deste modo, o Estado passou a intervir nos contratos, relativizando o pacta sunt servanda e impondo normas de ordem pública para certas relações.

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O princípio do pacta sunt servanda nos informa que, uma vez pactuadas as estipulações contratuais, as mesmas devem ser fielmente seguidas pelos contratantes, não podendo estes deixarem de executar o pactuado, senão apenas por outra avença com tal decisão. O contrato forma assim uma espécie de lei entre as partes.

O liberalismo do século XIX encontrava argumentos para sustentar o princípio do pacta sunt servanda na idéia de que, se as partes alienaram livremente sua liberdade através da manifestação de suas vontades, devem cumprir o prometido, ainda que de tal avença lhes ocorra prejuízo. Isto porque "quem diz contratual, diz justo" [01].

O princípio da força obrigatória dos contratos contém ínsita uma idéia que reflete o máximo de subjetivismo que a ordem legal oferece: "a palavra individual, enunciada na conformidade da lei, encerra uma centelha de criação, tão forte e tão profunda, que não comporta retratação, e tão imperiosa que, depois de adquirir vida, nem o Estado mesmo, a não ser excepcionalmente, pode intervir, com o propósito de mudar o curso de seus efeitos" [02].

Na concepção clássica, portanto, apenas por força maior ou caso fortuito estaria autorizada a inexecução do contrato. Atualmente, tal princípio não pode ser encarado de forma absoluta, podendo a avença ser desfeita ou revista em decorrência de eventos supervenientes que tornem o contrato excessivamente oneroso para uma das partes.

2. A cláusula rebus sic stantibus

A cláusula rebus sic stantibusé a mais antiga expressão da possibilidade de revisão contratual nos contratos de execução diferida ou de trato sucessivo. Tal cláusula deve ser considerada implícita nos contratos acima mencionados, não necessitando, portanto, de menção das partes.

A cláusula possuía uma fórmula extensa, posteriormente resumida, qual seja: "Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro rebus sic stantibus intelliguntur" [03].

Todavia, a mesma ficou conhecida apenas como rebus sic stantibus, cuja tradução seria "estando assim as coisas" [04].

A expressão rebus sic stantibus consiste, resumidamente, em presumir, nos contratos comutativos, uma cláusula implícita, segundo a qual os contratantes estão adstritos ao seu rigoroso cumprimento, no pressuposto de que as circunstâncias do momento da contratação se conservem inalteradas no momento da execução contratual, ou seja, permaneçam idênticas às que vigoravam no momento da celebração [05].


A cláusula, portanto, necessitava da observância de certos requisitos. Além de incidir apenas sobre certos tipos de contratos, como citado acima, exigia ainda que a alteração de circunstâncias não proviesse nem de mora, nem de fato ou culpa do devedor; que fosse de tal natureza que se considerasse difícil prevê-la; e que fosse de tal monta que, "segundo a opinião desinteressada e honesta de uma pessoa inteligente, o devedor não teria consentido em obrigar-se, se suspeitasse da sua superveniência" [06].

É sabido que os romanos já se preocupavam com os efeitos provenientes das mudanças do ambiente objetivo no momento da execução dos pactos, as quais diferiam das circunstâncias do momento da formação dos mesmos [07]. Cícero e Sêneca possuíam escritos com este conteúdo, os quais "foram tratados como primeiro germe do princípio da tácita cláusula rebus sic stantibus" [08].

Todavia, as primeiras construções teóricas sobre a cláusula, incidindo nos contratos, surgiram na Idade Média e não no Direito Romano [09]. Este último tratou das situações em que as circunstâncias objetivas poderiam se transformar, porém os juristas romanos não formularam nenhum princípio geral e constante a tal respeito [10].

Já na Idade Média, os canonistas, principalmente Santo Tomas de Aquino e Graciano, faziam referências em seus escritos aos ensinamentos de Sêneca, aplicando-os nos Tribunais Eclesiásticos.
Foi, porém, com Andrea Alciato que se iniciou a teorização da cláusula rebus sic stantibus como argumento jurídico, com critérios dogmáticos, no tratado de autoria do mesmo de título
"De Praesumptionibus" [11].

A cláusula afirma-se efetivamente no direito nos séculos XIV a XVI, desenvolvendo-se rica doutrina em torno da mesma, sendo esta aceita pelo direito comum, continuando o seu período áureo até meados do século XVIII [12].
Após tal período, nos fins do século XVIII e início do século XIX, a cláusula entrou em decadência. Os autores começaram a ser cada vez menos favoráveis à sua admissão, procurando limitar os casos em que a cláusula seria aplicável [13].

Paralelamente, afirmam-se, em sentido contrário ao da cláusula, os princípios contratuais da autonomia da vontade e da irretratabilidade das convenções (força obrigatória dos contratos), em decorrência do advento do Código de Napoleão.

3. Evolução da cláusula rebus sic stantibus: a Teoria da Imprevisão

Com o surgimento do primeiro grande conflito do século XX, ou seja, a 1ª Guerra Mundial, circunstâncias imprevistas ocorreram, golpeando de maneira absurda vários contratantes, causando o desequilíbrio de diversos contratos, num contexto em que a economia européia encontrava-se desgastada e vulnerável.

As transformações ditadas pela Guerra foram de tal monta que, caso os contratos comutativos de trato sucessivo ou de execução continuada fossem seguidos à risca, sem qualquer revisão, chegar-se-ia a situações inviáveis, com enorme e injusto enriquecimento de um dos contratantes à custa da total ruína, ou quase total, do outro [14].

Nesse contexto, portanto, retorna com nova roupagem jurídica a cláusula rebus sic stantibus, mais aperfeiçoada e adaptada aos contornos do momento histórico, sob o novo nome de

Teoria da Imprevisão.

Importante marco inicial para a Teoria da Imprevisão foi a Lei Faillot, da França, de 1918, que versava sobre a revisão dos contratos afetados pela Grande Guerra.

A Teoria da Imprevisão consiste no reconhecimento de que "a ocorrência de acontecimentos novos, imprevisíveis pelas partes e a elas não-imputáveis, refletindo sobre a economia ou na execução do contrato, autorizam sua revisão, para ajustá-lo às circunstâncias supervenientes" [15].

Portanto, parte-se do pressuposto de que os contratantes tiveram em vista o ambiente econômico do momento da celebração do contrato, não prevendo ou não podendo prever as circunstâncias supervenientes e imprevisíveis que poderiam advir, que não fossem do risco esperado (álea comum) do negócio.

É nestes casos que entra em tela a Teoria da Imprevisão, atualmente adotada e prevista pelo Código Civil brasileiro de 2002, no Título V, capítulo II, na seção IV, atinente à extinção dos contratos. O principal artigo atinente à resolução contratual por onerosidade excessiva é o art. 478, in verbis:

Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação [16]. (grifo nosso)

A Teoria da Imprevisão, portanto, foi reconhecida legislativamente no Brasil com o advento do Código Civil de 2002, o qual trouxe ainda uma novidade, qual seja, o requisito de extrema vantagem para a outra parte no contrato, o que, na nossa opinião, poderá dificultar e restringir o uso do instituto [17].

Antes do Código, a imprevisão era aplicada jurisprudencialmente e em legislação extravagante, não esquecendo, também, do esforço doutrinário ao estudar e divulgar aspectos da Teoria [18].

4. Requisitos e Fundamentos Para a Revisão com Base na Teoria da Imprevisão

Para que se possa corrigir o contrato utilizando como fundamento a Teoria da Imprevisão, é imprescindível que ocorram os seguintes requisitos:

a) vigência de um contrato de execução diferida ou sucessiva; b) alteração radical das condições econômicas objetivas no momento da execução, em confronto com o ambiente objetivo no da celebração; c) onerosidade excessiva para um dos contratantes e benefício exagerado para o outro; d) imprevisibilidade daquela modificação [19].

Uma parte da doutrina defende ainda como requisito a ausência de culpa da parte que sofre com as alterações das circunstâncias, asseverando ainda que o devedor não poderá estar em mora para suscitar a teoria. Alem disso, o acontecimento futuro há de estar fora da álea normal do contrato em questão [20].

O fundamento da Teoria da Imprevisão, a qual não era prevista no ordenamento, porém não era proibida, antes do advento do Código Civil de 2002, encontrava-se na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV, segundo o qual "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" [21]. Portanto, o Estado, por meio do Judiciário, teria o dever de reparar a lesão, desde que a parte interessada se utilizasse do direito de ação, mais precisamente aquela que vise a revisão ou resolução contratual [22].

5. Distinção entre a Teoria da Imprevisão, caso fortuito e força maior

Há, na doutrina, marcante preocupação em diferenciar a Teoria da Imprevisão do caso fortuito e da força maior. Os institutos, apesar de tratarem da inexecução de obrigações, não possuem maiores semelhanças.
Segundo o Código Civil brasileiro, em seu art. 393:

O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir [23].

Para a caracterização do caso fortuito ou força maior é necessária a ausência da participação do obrigado no ocorrido e que o mesmo tenha imprimido esforços (frustrados) para a execução da avença, não atingindo a consecução, exatamente, por força maior ou caso fortuito. Portanto, a Teoria da Imprevisão não pode ser confundida com estes dois institutos, pois nesta o contratante participa da formação do vínculo, manifesta sua vontade (ao contrário do caso fortuito e força maior) e mesmo assim a execução é impossível, não porque o contratante imprime esforços e esbarra em dificuldades, mas sim porque tal execução traria um ônus excessivo para o mesmo, caracterizado o desequilíbrio contratual, abrindo portas para uma eventual revisão contratual [24].

Outra diferença é o fato de na imprevisão "ser consagrada a revisibilidade ao lado da resolubilidade, sabido que o instituto do fortuito tem como conseqüência peculiar apenas a resolubilidade do contrato" [25].

Numa explicação mais simples, o caso fortuito e a força maior ilustram uma impossibilidade objetiva; já a Teoria da Imprevisão sugere uma impossibilidade subjetiva decorrente da onerosidade excessiva da avença [26].

6. Teoria da Base do Negócio Jurídico (Onerosidade Excessiva). Conclusão.

A Teoria da Base do Negócio Jurídico, por alguns chamada simplesmente de onerosidade excessiva [27], difere em ponto crucial da Teoria da Imprevisão. Aquela não necessita do requisito da ocorrência de fatos imprevisíveis, mas apenas que após a formação do vínculo contratual, pela ocorrência de fatos supervenientes, as prestações tornem-se excessivamente onerosas para o devedor, de molde a desequilibrar a relação pactuada. Na lição de EFING, "a excessiva onerosidade imposta a uma das partes contraentes não pode preponderar sobre os objetivos almejados no momento da contratação" [28].

A Teoria da Base do Negócio Jurídico foi formulada pelo alemão Paul Oertmann. A base do negócio "seria formada pelas representações mentais, comuns a ambas as partes, ou pela representação de uma delas (desde que reconhecida e não contestada pela outra), acerca da existência (no pretérito ou no presente) de determinado fato ou acerca da verificação futura de certas circunstâncias, nas quais se funda a decisão de contratar. Falhando esta representação, porque a realidade acaba não coincidindo com a previsão do declarante, assiste à parte prejudicada o direito de resolver ou denunciar o negócio" [29].

Em nosso Direito, a Teoria da Base do Negócio Jurídico foi o modelo do qual o Código de Defesa do Consumidor mais se aproximou. O CDC afastou-se da teoria da imprevisão, pois não exige a imprevisibilidade, distanciando-se do voluntarismo e aproximando-se da teoria que é mais objetiva, qual seja, a da Base do Negócio Jurídico [30].
A teoria citada foi adotada como fundamento para um direito básico dos consumidores, em seu art. 6º, inciso V, in verbis:

São direitos básicos do consumidor:
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas [31]. (Grifo nosso)

O Código de Defesa do Consumidor, com tal artigo, possibilitou uma tutela mais eficaz aos abusos cometidos pelos fornecedores frente aos consumidores. Não é necessário que o fato que cause onerosidade excessiva seja imprevisível, basta apenas ser superveniente à contratação. Nesse panorama, o CDC amolda-se não só à teoria da imprevisão, mas também, de forma clara, à teoria da onerosidade excessiva [32].

Diante de todo o exposto, podemos concluir que as teorias revisionistas evoluíram simetricamente às conquistas econômicas, refletindo a necessidade dos contratantes em serem resguardados das constantes oscilações que ocorrem entre a data da formação do vínculo e a da sua execução.

Ainda, é necessário atentar para o fato de que a legislação avança para que as avenças sejam revistas e mantidas, e não extintas, quando ocorrem fatos imprevisíveis e que atentem contra a estabilidade contratual, pois é de interesse das partes e da economia, de modo geral, que os contratos sejam cumpridos de forma equilibrada.

Elaborado em 08/2010.

Notas
  1. RODRIGUES, Silvio. Dos Contratos e das Declarações Unilaterais de Vontade. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 3. p. 18.
  2. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. v. 3. p. 6.
  3. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 464.
  4. BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 3.
  5. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. v. 3. p. 98.
  6. FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1943. p. 195.
  7. BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 2.
  8. Idem, ibidem, p. 2.
  9. Idem, ibidem, p. 1.
  10. FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1943. p. 194.
  11. BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A Revisão Contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 3.
  12. FONSECA, Arnoldo Medeiros da. Caso fortuito e teoria da imprevisão. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1943. p. 194.
  13. Idem, ibidem, p. 195.
  14. GAGLIANO, Pablo Stolze. Algumas considerações sobre a Teoria da Imprevisão. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2206>. Acesso em: 25/02/2008 às 10:23 horas.
  15. GAGLIANO, Pablo Stolze. Algumas considerações sobre a Teoria da Imprevisão. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2206>. Acesso em: 25/02/2008 às 10:23 horas.
  16. Brasil. Código Civil 2002.
  17. DA SILVA, Luís Renato Ferreira. Revisão dos contratos: do Código Civil ao Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 113.
  18. SILVA, Gustavo Passarelli da. A possibilidade alteração dos contratos no novo Código Civil e a necessária revisão do conceito de consumidor previsto na Lei nº 8.078/90. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4046>. Acesso em: 03/03/2008 às 15:30 horas.
  19. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. v. 3. p. 100.
  20. SAMPAIO, Laerte Marrone de Castro. A alteração das circunstâncias e o Código do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 48, p. 149-160, out-dez. 2003
  21. Brasil. Constituição Federal de 1988.
  22. DONNINI, Rogério Ferraz. A revisão dos contratos no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 71.
  23. Brasil. Código Civil.
  24. SIDOU, J.M. Othon. Resolução judicial dos contratos e contrato de adesão n direito vigente e no projeto de Código Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 104.
  25. Idem, ibidem, p. 103.
  26. FONSECA, 1958, p. 346.
  27. EFING, Antonio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do CDC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 85.
  28. Idem, ibidem, p. 86.
  29. SAMPAIO, Laerte Marrone de Castro. A alteração das circunstâncias e o Código do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 48, p. 149-160, out-dez. 2003
  30. Idem, ibidem.
  31. Brasil. Código de Defesa do Consumidor.
  32. EFING, Antonio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do CDC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 86.

domingo, 27 de novembro de 2011

PRAZO DECADENCIAL DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS

Por uma solução definitiva da questão

No presente artigo analisamos a questão atinente ao prazo de decadência das contribuições previdenciárias, antes administradas pelo INSS e agora pela Secretaria da Receita Federal do Brasil com atuação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em seu controle de legalidade e cobrança judicial.
Para tanto, consideramos a posição do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, na sua evolução e, especialmente, à luz da súmula vinculante nº 8.
A conclusão a que pretendemos chegar abrange o prazo em si e o termo "a quo" de sua contagem dentro da sistemática do chamado "lançamento por homologação", a qual possui peculiaridades por vezes ignoradas pelos aplicadores do Direito.

2. Da súmula vinculante nº 8 do STF
Muito se debateu acerca do prazo decadencial e prescricional das contribuições previdenciárias previstas pelo art. 195, da Constituição Federal de 1988.
De um lado, os contribuintes sustentavam o prazo qüinqüenal estabelecido pelo Código Tributário Nacional (art. 173), de outro, a Advocacia-Geral da União insistia na tese do prazo de 10 (dez) anos previstos pelos artigos 45 e 46, da Lei nº 8.212/91.
Pondo fim à celeuma veio a Súmula Vinculante nº 8 do Supremo Tribunal Federal, na qual se reconhece a inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, bem como do parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei nº 1.569, de 8 de agosto de 1977. Especificamente, veda-se a utilização das referidas normas de regência, em âmbito de prescrição e de decadência, em matéria tributária, bem entendido, nos termos que seguem:
"SÃO INCONSTITUCIONAIS O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 5º DO DECRETO-LEI Nº 1.569/1977 E OS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI Nº 8.212/1991, QUE TRATAM DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO".
Na verdade, a discussão deveria ter se encerrado antes. Tanto para os contribuintes como para o Fisco, a jurisprudência oscilante sobre o assunto causava insegurança jurídica e prejuízos: a Administração Tributária pretendia organizar sua atividade fiscalizatória considerando o prazo de 10 (dez) anos, mas, cotidianamente, via seu trabalho jogado no ralo pelo entendimento dos órgãos jurisdicionais de que seria de 5 (cinco); instauravam-se demandas e mais demandas sobre o assunto, com estipêndio de dinheiro público na condução dos processos pelo mecanismo da Justiça e pelos Procuradores judiciais da União; o contribuinte encontrava óbice em seus recursos administrativos que objetivassem desconstituir o crédito pela decadência etc.
O art. 103-A, incluído na CRFB/88 pela Ec nº 45/04, ao prever a súmula vinculante, a ser aprovada por dois terços dos ministros do STF, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, com efeito vinculante para os demais órgãos do Poder Judiciário e Administração Pública, estabeleceu no § 1º, que tal instrumento jurídico teria como objetivo a validade, interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
Portanto, sem embargos de opiniões que enxergavam lesão à primordial separação de poderes preconizadas por nosso diploma maior, produz a súmula vinculante nº 8 elogiáveis benefícios.
Feitas tais consideramos, passemos à uma análise mais detalhada do assunto, a qual entendemos imprescindível para fixação da atual sistemática do prazo decadencial dos tributos em questão sem equívocos.

3. Recepção do CTN como Lei Complementar
Para entendermos a problemática acerca da prescrição e decadência das contribuições previdenciárias, antes, é necessário assentar o papel que o Código Tributário Nacional – CTN exerce e exerceu neste ponto do cenário jurídico nacional.
O CTN é a Lei 5172, de 25 de outubro de 1966, editado, portanto, sob a égide da CF/46, que em seu art. 5º, XV, "b", atribuiu à União a competência para legislar sobre direito financeiro.
O art. 18, e art. 49, II, da CF/67, previu que "Art. 18- sistema tributário nacional compõe-se de impostos, taxas e contribuições de melhoria e é regido pelo disposto neste Capítulo, em leis complementares, em resoluções do Senado e, nos limites das respectivas competências, em leis federais, estaduais e municipais.".
Já a Ec nº 01/69 estatuiu (Art. 18, § 1ºCF/67) que "Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar."
Por fim, o art. 146, da CF/88, confirmou a exigência de LC.
Deste modo, o CTN foi recebido como Lei Complementar de matérias gerais em Direito Tributário a partir da EC nº 1/69, pois, como ensina Uadi Lammêgo Bulos:
"Seria logicamente impossível averiguar o elo de conformidade entre um ato legislativo elaborado antes do aparecimento da norma ordem constitucional com preceitos recém-editados, que nem existiam ao tempo em que o poder legislativo ordinário o criou.
(...)
Leis nascidas em ordenamentos constitucionais pregressos ao surgimento da norma constituição são automaticamente revogadas ou recepcionadas por ela. (Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 81)

4. Decadência e Prescrição em Matéria Previdenciária na jurisprudência do STJ e STF
Firmado tal entendimento, verificamos que, em um dado momento, o entendimento do STJ pode ser representado pelo seguinte aresto:
"O prazo prescricional das contribuições previdenciárias foi modificado pela EC n.º 8/77, Lei 6.830/80, CF/88 e Lei 8.212/91, à medida em que as mesmas adquiriam ou perdiam sua natureza de tributo. Por isso que firmou-se a jurisprudência no sentido de que: "O prazo prescricional das contribuições previdenciárias sofreram oscilações ao longo do tempo:
a) até a EC 08/77 - prazo qüinqüenal (CTN);
b) após a EC 08/77 - prazo de trinta anos (Lei 3.807/60); e
c) após a Lei 8.212/91, prazo de dez anos."
Não obstante, o prazo decadencial não foi alterado pelos
referidos diplomas legais, mantendo-se obediente aos cinco anos
previstos no artigo 174 da lei tributária." (AgRg nos EREsp 190287 / SP, 1ª Seção, 02.10.2006)
Tal era o entendimento do STJ antes do reconhecimento da inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46, da Lei nº 8.212/91, pelo STF, valendo citar como precedente o RE 560626, DJU 05.12.2008:
"PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA TRIBUTÁRIA. RESERVA DE LEI COMPLEMENTAR. As normas relativas à prescrição e decadência tributárias têm natureza de normas gerais de direito tributário, cuja disciplina é reservada à lei complementar, tanto sob a constituição pretérita (art. 18, § 1º, da CF/1967/69) quanto sob a constituição atual (art. 146, III, b, CF/88).
Interpretação que preserva a força normativa da constituição, que prevê disciplina homogênea, em âmbito nacional, da prescrição, decadência, obrigação e crédito tributário. Permitir regulação distinta destes temas, pelos diversos entes da federação, implicaria em prejuízo à vedação do tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalentes e à segurança jurídica.
DISCIPLINA PREVISTA NO CTN. O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66), promulgado como lei ordinária e recebido como lei complementar pelas Constituições de 1967/69 e 1988, disciplina a prescrição e decadência tributária.
NATUREZA TRIBUTÁRIA DAS CONTRIBUIÇÕES. As contribuições, inclusive as previdenciárias, têm natureza tributária e se submetem ao regime jurídico-tributário previsto na Constituição. Interpretação do art. 149, da CF/88."
Sobre o assunto, o STF editou a súmula vinculante nº 8, em 12.06.2008, acima transcrita, implicando no entendimento atual do STJ no seguinte sentido:
"O prazo prescricional das contribuições previdenciárias sofreu várias alterações. Até a Emenda Constitucional 08/77, em face do débito previdenciário ser considerado de natureza tributária, o prazo prescricional é o qüinqüenal. Após a citada emenda, que lhes desconstituiu a natureza tributária, o prazo passou a ser o trintenário, consoante a Lei 3.807/60. Com o advento da Constituição Federal de 1988, passou-se a entender que o prazo seria qüinqüenal, mesmo após a edição da Lei 8.212/91.
"As contribuições sociais, inclusive as destinadas a financiar a seguridade social (CF, art. 195), têm, no regime da Constituição de 1988, natureza tributária. Por isso mesmo, aplica-se também a elas o disposto no art. 146, III, b, da Constituição, segundo o qual cabe à lei complementar dispor sobre normas gerais em matéria de prescrição e decadência tributárias, compreendida nessa cláusula inclusive a fixação dos respectivos prazos. Conseqüentemente, padece de inconstitucionalidade formal o artigo 45 da Lei 8.212, de 1991, que fixou em dez anos o prazo de decadência para o lançamento das contribuições sociais devidas à Previdência Social" (AI no REsp 616.348, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU de 15.10.07)."( REsp 836463 / R. 2ª Turma. DJU 19.12.2008)

5. Conclusão que se extrai do entendimento da jurisprudência dos Tribunais Superiores
Pelo que foi até aqui exposto poderíamos citar as seguintes conclusões:
a) O art. 144, da Lei 3807/60 estabelecia a prescrição trintenária para as contribuições previdenciárias, não havendo, então, prazo decadencial.
b) Em momento posterior, sob a égide do CTN (Lei 5.172, de 25/10/66) e da CF/67/69, ante o caráter tributário conferido a tais contribuições, as mesmas estavam sujeitas aos prazos decadencial e prescricional de 5 anos.
c) A Ec nº 8/77, retirou as contribuições sociais do capitulo dedicado na Constituição de 1967/69 ao sistema tributário, retirando-lhes o caráter tributário, o que implicou no retorno à regulação pela LOPS (prescrição trintenária).
d) A CF/88, conferiu-lhes, novamente, caráter tributário, em razão do art. 149, que trata de contribuições como espécie de tributo, de modo que passaram novamente a serem regidas pelo CTN (prazo de 5 anos).
e) Em 24, de julho de 1991 (Lei 8.212/91), alterou-se o prazo para 10 anos, contudo, tal prazo foi considerado inconstitucional pelo STF, ante a ofensa ao art. 146, III, "b", da CRFB/88, daí resultando na súmula vinculante nº 8.
Assim, é de 5 anos o prazo decadencial e 5 anos o prazo prescricional, conforme artigos 173 e 174 do CTN.

6. Forma de contagem do prazo decadencial
Firmado que o prazo é de 5 (cinco) anos, previsto pelo CTN, resta saber a partir de quando ele flui, ou seja, seu termo a quo.
No caso das contribuições previdenciárias estamos diante de tributo sujeito ao chamado lançamento por homologação, que são aqueles em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento, sem prévio exame da autoridade administrativa, operando-se pelo ato que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. (art. 150, do CTN)
Não obstante, caso não haja a homologação expressa, esta se dá de forma tácita no prazo de cinco anos a contar do fato gerador da exação. (§ 4º, do art. 150, do CTN)
Tal dispositivo legal não permite uma interpretação literal, sob pena de contradição com o próprio sistema no qual inserido.
Com efeito, não poderíamos falar em pagamento de um crédito antes que o mesmo fosse constituído, dado que somente existe crédito onde existe a obrigação. Crédito é, pois, um dos elementos da obrigação, do vínculo jurídico que se estabelece entre sujeito ativo e passivo, tendo em vista um dado objeto.
Outrossim, de "antecipado" nada tem este pagamento, como adverte a doutrina:
"Fala-se, ainda, no dever de antecipar o pagamento. Ora, "antecipar" seria pagar antes do momento em que o pagamento seria devido. Mas o pagamento, no caso, é devido na data que a lei determinar, e, portanto, não é antecipado. O legislador, obviamente, tinha na cabeça o preconceito do efeito constitutivo do lançamento; por isso, averbou antecipação do pagamento, pois achou que estivesse sendo feito antes de o crédito ser constituído." (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 2007: 364)
O que é importante fixarmos neste ponto, e que justifica incongruências em textos normativos que não podem existir no plano normativo sob pena de comprometermos a sistematização e unicidade do ordenamento jurídico, é a distinção entre texto normativo e norma jurídica.
São as normas que regulam a situação concreta, que se aplicam através da função jurisdicional.
Os enunciados de textos normativos exigem interpretação, sempre. A parêmia latina in claris cessat interpretatio não pode mais ser aceita, pois todas as leis exigem interpretação.
A norma que regula o caso concreto da vida social e que formará o precedente judicial, não se confunde com o texto legislado, sendo construção jurisprudencial obtida pelos diversos métodos interpretativos (literal, lógico, histórico, sistemático e teleológico) e considerada a normatividade dos princípios, em especial, os constitucionais.
Como exposto com maestria pelo Ministro Teori Albino Zavaski em seu voto condutor na Argüição de Inconstitucionalidade nos Embargos de Divergência no EREsp nº 644736/PE, apreciado pela Corte Especial STJ, no qual cita doutrina de Eros Roberto Grau:
"Interpretar um enunciado normativo é buscar o seu sentido, o seu alcance, o seu significado. A interpretação, escreveu Eros Grau, é um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo (...) Interpretar é atribuir significado a um ou vários símbolos lingüísticos, escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar, portanto, é o significado atribuído ao enunciado ou texto (preceito, disposição). (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicado do Direito, 2ª Ed. São Paulo, Malheiros, 2003, p. 78).
(...)
Prossegue o Autor: A interpretação, destarte, é meio de expressão dos conteúdos normativos das disposições, meio através do qual pesquisamos as normas contidas nas disposições. O que diremos ser – a interpretação – uma atividade que se presta a transformar disposições (texto, enunciados) em normas.
(...)
De resto, Kelsen, já ensinava que a norma é uma moldura. Deveras, quem outorga, a final, o conteúdo específico é o intérprete. As normas portanto resultam da interpretação. E o ordenamento em seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto é, conjunto de normas."
Assim, o texto do art. 150 e seus parágrafos, do CTN, não se confunde com as normas que regulam o caso em apreço.
A jurisprudência pátria já firmou entendimento de que a declaração do sujeito passivo constitui o crédito tributário, sendo desnecessário que se faça o lançamento nestes casos, podendo, desde logo, haver inscrição em Dívida Ativa e ajuizamento do executivo fiscal. (STJ. REsp 850423 / SP, 1ª Seção. Rel. Min. Castro Meira, DJ 07.02.2008; STJ. REsp nº 730641/RS, 2ª Turma, rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 12/12/2005, dentre outros). Não pode, portanto, subsistir a mera letra fria da lei
Desta forma, no regime do lançamento por homologação, o sujeito passivo constitui o crédito tributário pela declaração e efetua seu pagamento sem a intervenção da autoridade administrativa, entretanto, tal atividade fica sujeita à fiscalização posterior. É com a homologação que a autoridade administrativa manifesta sua concordância com a atividade do sujeito passivo, atestando sua correção.
Constatado que valores deixaram de ser declarados, deverá ser procedido o lançamento de ofício de diferenças não declaradas, nos exatos termos do art. 149, do CTN.
Contudo, tal possibilidade não se perpetua para todo o sempre, exige limites temporais, os quais se encontram traçados no § 4º, do art. 150, do CTN.
Diga-se assim, que o prazo de decadência é do lançamento de ofício de diferenças não declaradas pelo sujeito passivo e não para a homologação, pois esta ocorrerá de qualquer modo, ainda que tacitamente, não podendo se falar em decadência do lançamento por homologação. Mas qual prazo seria este, do § 4º, do art. 150 (que inicia-se com o fato gerador), ou do art. 173, do CTN (que inicia-se no exercício financeiro seguinte ao fato gerador)???
Ambos referem-se à prazo para lançamento. Sendo o § 4º norma especial, prevalece em face do art. 173 (norma geral) do mesmo codex. Razão do dispositivo de normas especial está em que não se justificaria esperar um prazo razoável para o início da contagem porque a antecipação do lançamento provoca imediatamente o Estado a verificar sua correção, de forma que a inércia inicial já configura cochilo.
Mas não será sempre assim.
Os casos que dolo, fraude e simulação são excetuados expressamente, aplicando-se o art. 173, do CTN, de modo que o prazo se inicia no exercício financeiro seguinte.
Além disso, somente terá aplicação o § 4º, do art. 150, do CTN, quando houver pagamento de quantia declarada pelo sujeito passivo. Se não houver pagamento, não poderíamos falar em lançamento por homologação e, conseqüentemente, seria atraída a norma do art. 173, do CTN, fixando o termo a quo do lustro decadencial no exercício financeiro seguinte à ocorrência do fato gerador.
A este respeito, é valiosa a jurisprudência do STJ:
"TRIBUTÁRIO. DECADÊNCIA. TRIBUTOS SUJEITOS AO REGIME DO LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. Nos tributos sujeitos ao regime do lançamento por homologação, a decadência do direito de constituir o crédito tributário se rege pelo artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional, isto é, o prazo para esse efeito será de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador; a incidência da regra supõe, evidentemente, hipótese típica de lançamento por homologação, aquela em que ocorre o pagamento antecipado do tributo. Se o pagamento do tributo não for antecipado, já não será o caso de lançamento por homologação, hipótese em que a constituição do crédito tributário deverá observar o disposto no artigo 173, I, do Código Tributário Nacional. Embargos de divergência acolhidos.( 1ª Seção. EREsp 101407 / SP. Re. Min. Ari Pagendler, DJ 08.05.2000)"
7. Conclusão
Por tudo que foi exposto, podemos concluir que o prazo decadencial das contribuições previdenciárias é de 5 (cinco) anos, ressaltando-se que estão sujeitas à lançamento por homologação, de modo que o termo "a quo" deste prazo varia conforme tenha sido feito pagamento ou não pelo sujeito passivo:
a) quando tenha havido declaração e pagamento de algum valor, mesmo inferior ao devido, o termo "a quo" é a ocorrência do fato gerador(§ 4º, art. 150, CTN);
b) quando não tenha havido pagamento de nenhum valor, o termo "a quo" é o exercício financeiro seguinte à ocorrência do fato gerador (art. 173, CTN).

8. Bibliografia
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. São Paulo: Método, 2007.
AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva 2003.
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito Tributário aplicado. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979.
PAULSEN, Leandro; MELO, José Eduardo Soares de. Impostos: federais, estaduais e municipais. Porto Alegre: Liv. do Advogado, 2004.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 10. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 311.
XAVIER, Alberto. Do lançamento: Teoria Geral do Ato, do Procedimento e do Processo tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
Elaborado em 02.2009. - Ari Timóteo dos Reis Júnior - Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Ex-Procurador do Estado de Minas Gerais. Procurador da Fazenda Nacional.

INSS SÓ PODE COBRAR CINCO ANOS

O pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade do prazo de dez anos usado pelo fisco para cobrar contribuições previdenciárias devidas pelos contribuintes. As empresas reclamavam que o prazo usado pela fiscalização e pela procuradoria do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para cobrar pendências tributárias deveria ser de cinco anos, como ocorre com todos os demais tributos. Os ministros do Supremo entenderam que o prazo da chamada "decadência" tributária - ou seja, o tempo que o fisco tem para cobrar créditos - é de cinco anos em qualquer hipótese, inclusive para as contribuições previdenciárias. A regra dos dez anos já havia sido declarada inconstitucional pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em agosto do ano passado, e a expectativa era a de que o Supremo seguisse a mesma linha - e que ontem foi confirmada.
O tema é considerado uma das disputas tributárias mais importantes em tramitação no Supremo devido ao seu impacto financeiro. Segundo o procurador-geral adjunto da Fazenda Nacional, Fabrício Da Soller, o caso significa para a União um prejuízo de R$ 95 bilhões em tributos que deixarão de ser cobrados ou precisarão ser devolvidos, caso já tenham sido. Dos R$ 72 bilhões em contribuições hoje cobrados pela via administrativa, R$ 21 bilhões serão perdidos, assim como R$ 20 bilhões dos tributos parcelados e R$ 42 bilhões já inscritos em dívida ativa. Além disso, pela decisão a Fazenda será obrigada a devolver R$ 12 bilhões já cobrados indevidamente. Advogados tributaristas costumam dizer que quase todas as ações previdenciárias envolvem essa discussão, aspecto que em geral derruba em quase a metade o valor cobrado pelo INSS - atingindo quase todas as 300 mil ações judiciais de cobrança da dívida ativa previdenciária, que totaliza R$ 150 bilhões.
Devido ao impacto financeiro do caso, a Fazenda pediu ontem aos ministros do Supremo a "modulação" dos efeitos da decisão - ou seja, a não-retroatividade do entendimento da corte -, o que validaria todos os atos tomados durante a vigência da regra dos dez anos de prescrição para a cobrança de contribuições devidas, inclusive autuações, e impediria a devolução de tributos já pagos. Esse aspecto deverá ser apreciado pelo tribunal no início da sessão de hoje, afirmou o presidente da corte, Gilmar Mendes, devido à falta de quórum do pleno no início da noite de ontem.
 O caso ganhou status de "repercussão geral" em dezembro 2010, o que significa que a subida de processos que discutem o mesmo tema ao Supremo está impedida e que a decisão tomada no caso julgado ontem deve se transformar em uma nova súmula vinculante imediatamente - já que este tem sido o procedimento adotado pelo tribunal desde maio deste ano. O ministro Cezar Peluso afirmou que já levará para a sessão de hoje o texto pronto da nova súmula.
No julgamento de ontem os ministros decidiram pela inconstitucionalidade do artigo 46 da Lei nº 8.212, de 1991 - a lei geral sobre contribuições previdenciárias. Os contribuintes alegam que as regras gerais sobre tributos só podem ser expressas por lei complementar, função assumida pelo Código Tributário Nacional (CTN), onde consta o prazo de cinco anos. A Fazenda alegava que o prazo de dez anos para as contribuições previdenciárias não é uma regra geral, mas específica, criada para facilitar a arrecadação do INSS. Até a Constituição Federal de 1988, alega a União, o prazo de decadência das contribuições era de 30 anos.

SAPATEADO ESPETACULAR

Taxas em processo de inventário não incidem sobre meação do cônjuge sobrevivente

A taxa judiciária em processo de inventário não incide sobre todo o patrimônio de um casal: é excluída do cálculo a meação do cônjuge sobrevivente. A decisão, unânime, é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), seguindo jurisprudência do Tribunal. O caso diz respeito à ação de uma viúva que não aceitou o recolhimento da taxa judiciária sobre todo o acervo patrimonial do casal.
O argumento é de que o objeto do inventário é a herança do falecido, sem inclusão do patrimônio do cônjuge sobrevivente. Porém, tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entenderam que a taxa judiciária e as custas processuais incidiriam sobre a importância total dos bens. Irresignada, a viúva recorreu ao STJ.
O relator, ministro Luis Felipe Salomão, lembrou que taxa judiciária e custas processuais são espécies tributárias resultantes da prestação de serviço público específico e divisível, que têm como base de cálculo o valor da atividade estatal referida diretamente ao contribuinte.
Ele disse que, nos processos de inventário, a parte dos bens que cabe por meação ao cônjuge sobrevivente “não é abarcada pelo serviço público prestado, destinado essencialmente a partilhar a herança deixada pelo de cujus”. Segundo o relator, “tampouco pode ser considerada proveito econômico, porquanto pertencente, por direito próprio e não sucessório, ao cônjuge viúvo”.
O ministro Luis Felipe Salomão lembrou, por último, que o assunto já foi discutido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O relator sublinhou o entendimento dos ministros do Supremo de que a cobrança da taxa judiciária sobre a importância total dos bens poderia levar à bitributação (vedada pela Constituição Federal, artigo 145, parágrafo 2º) caso houvesse imóveis na herança, pois sobre eles já há tributação específica.
REsp 898294

sábado, 26 de novembro de 2011

RECEITA DE BACALHAU

ESTADO LAICO NÃO É ESTADO ATEU E PAGÃO

Elaborado em 06.2007.
Ives Gandra da Silva Martins
advogado em São Paulo (SP), professor emérito de Direito Econômico da Universidade Mackenzie



            Desde a Constituição do Império de 1824, os textos magnos pátrios consagram o princípio da liberdade religiosa, o que se dá amplamente a partir da Carta Republicana de 1891. O Estado Laico, longe de ser um Estado Ateu — que nega a existência de Deus — protege a liberdade de consciência e de crença de seus cidadãos, permitindo a coexistência de vários credos. Aliás, é princípio fundamental do cristianismo e muito precioso aos católicos, que compreendem a parcela maior dos brasileiros, o profundo respeito à liberdade religiosa de cada um, como bem se afirma na declaração "Dignitatis Humanae", do Concílio Vaticano II.

            As Constituições fazem expressa menção, em seus preâmbulos, à confiança depositada em Deus (1934), colocando-se sob sua proteção (1946), ou afirmando o amparo divino, como pouco humildemente se fez em 1988. Esta percepção da importância de Deus como fundamento de uma sociedade fraterna radica na indissociável conexão entre a história, a cultura e o próprio Criador, o que é imprescindível para a elaboração de políticas públicas que não colidam com a liberdade religiosa e nem desrespeitem a profunda religiosidade da nação brasileira.

            Daí a enorme distância entre o pluralismo religioso do Estado Laico e um Estado Ateu ou Pagão que nega a existência de Deus ou prega a divinização do ocupante do poder. Nero lançou no ano 64 uma feroz perseguição aos cristãos, que se seguiu ao longo do século II para a preservação do culto pagão aos imperadores. Hitler, com políticas de extermínio do povo judeu — e também de cristãos, ciganos e deficientes físicos — sustentou um Estado Ateu em que o Füher era o senhor supremo da vida e da morte.

            Por outro lado, Bento XVI, o Papa do Amor e da Paz da encíclica "Deus Caritas Est", ao abrir a V CELAM, em Aparecida, considerando "a realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo", afirmou:
            "O que é esta «realidade»? O que é o real? São «realidade» só os bens materiais, os problemas sociais, econômicos e políticos? Aqui está precisamente o grande erro das tendências dominantes no último século, erro destrutivo, como demonstram os resultados tanto dos sistemas marxistas como inclusive dos capitalistas. Falsificam o conceito de realidade com a amputação da realidade fundante, e por isso decisiva, que é Deus. Quem exclui Deus de seu horizonte falsifica o conceito de «realidade» e, em conseqüência, só pode terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. A primeira afirmação fundamental é, pois, a seguinte: Só quem reconhece Deus, conhece a realidade e pode responder a ela de modo adequado e realmente humano. A verdade dessa tese é evidente ante o fracasso de todos os sistemas que colocam Deus entre parênteses."

            Para se evitarem "caminhos equivocados e com receitas destrutivas", é indispensável que o Estado Laico também dialogue com a ciência, que, quando busca a verdade e é conduzida com vistas à preservação da dignidade humana em plenitude, não contradiz verdades de fé. E nos temas de proteção à vida, a ciência moderna comprova que ela se dá a partir da concepção, o que já impõe substancial amparo jurídico do Estado. A proteção constitucional e legal à vida — única e irrepetitível — a partir de seu início, confirma, pois, aquilo que algumas das maiores religiões já afirmam desde tempos imemoriais.

           Assim, quando se defronta com temas como aborto, pesquisas destrutivas com células-tronco embrionárias, comercialização de embriões humanos por clínicas de fertilização artificial, não se pode calar a manifestação de cristãos, judeus, muçulmanos e até mesmo de ateus, como expressão da rica realidade dos que compõem a sociedade brasileira. Quando se sustenta que o Estado deve ser surdo à religiosidade de seus cidadãos, na verdade se reveste este mesmo Estado de características pagãs e ateístas que não são e nunca foram albergadas pelas Constituições brasileiras. A democracia nasce e se desenvolve a partir da pluralidade de idéias e opiniões, e não da ausência delas. É direito e garantia fundamental a livre expressão do pensamento, inclusive para a adequada formação das políticas públicas. Pretender calar os vários segmentos religiosos do país não é apenas antidemocrático e inconstitucional, mas traduz comportamento revestido de profunda intolerância e prejudica gravemente a saudável convivência harmônica do todo social brasileiro.